28 fevereiro 2005

Será que...

... se lembram de mim para Presidente da República?

Tribunal-Iraque

Audiência Portuguesa
do Tribunal Mundial sobre o Iraque




Esta Audiência terá lugar, em 18-19-20 Março, em Lisboa, no Auditório da Torre do Tombo (Alameda da Universidade, ao lado da Faculdade de Letras).

Entretanto, pode subscrever o Manifesto e juntar-se à lista de apoiantes.

UMA FORMA SUPERIOR DE ESTAR NA VIDA?

Já que fui invocada e, de certo modo, «provocada» a opinar, respondo colocando aqui algumas reflexões (parte das quais já presentes no meu blogue ao longe os barcos de flores) sobre como entendo a poesia e o fazer poético.

Antes, porém, devo dizer que me agrada esta troca de pontos de vista entre o Compadre Esteves e a Sílvia.

Colocando-me numa posição mais ou menos intermédia, digo, como parece dizer o Compadre, e repetindo Rimbaud, que «o poeta é um vidente», um visionário; e com a Sílvia, que o poeta, não sendo diferente dos outros homens, se define como aquele que transfigura o real pela palavra, criando assim uma espécie de supra-realidade,em que nos reconhecemos, (ou não…). O poeta, disse, salvo erro, Sophia «é um escutador», ou, como disse Nemésio, «um mostrador». E tudo isto graças a u trabalho sobre essa matéria-prima que é a palavra.

E gostaria de recordar, para que melhor se entenda o meu ponto de vista, um texto de Almada Negreiros

–A FLOR:

Pede-se a uma criança. Desenhe uma flor!
Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas, Umas numa direcção, outras noutra; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu. Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais.
Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: uma flor! As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor! Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas, são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!

Prosseguindo, agora com o que me foi sugerido por este texto de Almada e pela minha reflexão sobre o que é a poesia (é justamente esta parte que constitui o primeiro Do Falar poesia no meu blog):

(....) É esta a dura tarefa do poeta e do fazer poético: - Lutar insistentemente com a palavra indescoberta, incriada, porque de seu labor árduo recolhe novos sentidos e os transfigura pela palavra, «fingindo», tantas vezes, como diz Fernando Pessoa, «a dor que deveras sente».-É também esta a luta de Orpheu (por isso, a poesia é eminentemente órphica)- encontrar a palavra primordial e única que lhe faça reencontrar Eurídice e trazê-la de volta, depois da sua longa e árdua caminhada iniciática.
Começa então o trabalho do leitor. Ele completa o poema, captando-lhe o sentido, recuperando com o poeta um saber das origens, simultaneamente longínquo e reencontrado.

Ler um poema será então este reencontro com a palavra do poeta, - que vai do coração para a cabeça, como dizia Almada Negreiros - o contacto com modos de dizer, produzindo sentidos ‘outros’, (estamos no domínio da ‘transcendência’, dado que na base da criação poética está a metáfora, criadora de realidades ‘outras’; - sendo assim o texto uma ficção, um fingimento - em que nos reconhecemos - ou não...).
Ora, sabemos, o acesso ao transcendente faz-se pela via da iniciação e por degraus - iniciando-se, no caso vertente, pela emoção ( o coração que, como no poema de Pessoa, é um combóio de corda que «gira a entreter a razão»). Mistério órfico por excelência, é essa a via iniciática a que nos convidam os poetas, os fazedores de sentidos.
Por isso eu posso dizer também isto - que a muitos poderá parecer ousado demais: - viver, ler e sentir a poesia é também: - sentir, tocar com a nossa alma e coração o coração e a alma que habitam o poema - ou que o poema sugere.
[Vem-me daí essa sensação de uma certa espécie de «plágio» que sinto em relação a tantos poemas e poetas - - os que dizem o indizível que só a palavra transfigurada permite. Como se eu fosse, também, uma espécie de co-autora...]
«Sentir, sinta quem lê» - é certo. Mas só sentimos com os poemas que estavam em botão dentro de nós e «partilhamos» com o poeta que os «fingiu» nessa luta incessante pela palavra justa. (....)
Amélia

Million Dollar Baby

O filme de Clint Eastwood "Million Dollar Baby" foi o grande vencedor dos Óscares da noite passada ao vencer as estatuetas para melhor filme, melhor realizador, melhor actriz, Hilary Swank, e melhor actor secundário, Morgan Freeman.
Fui ver o filme este fim-de-semana e já tinha intenções de aqui me referir a ele, antes mesmo de saber da sua vitória na noite dos Óscares. A logística familiar impede-me hoje de ir ao cinema tantas vezes como o fazia no passado recente, mas faço questão de ver as películas de Clint Eastwood, 74 anos de idade, para mim o grande realizador americano dos tempos que correm.
"Million Dollar Baby" dá-nos tudo o que é possível desejar numa fita de cinema. Argumento e interpretações superlativas de Hilary Swank, Morgan Freeman e do próprio Clint Eastwood. Mas também densidade, beleza, amargura, determinação, esforço, dedicação, doçura, amor e … um grande murro no estômago no final do filme, ou não estivéssemos a tratar de pugilismo. Rigorosamente a não perder, para quem prefere o verdadeiro cinema ao puro entretenimento de outros filmes em cartaz.
Uma chamada de atenção também para "Mar adentro", que ainda não vi. O Óscar de melhor filme estrangeiro foi para o filme de Alejandro Amenábar, sobre a vida de Ramón Sampedro, o galego cuja luta pela eutanásia já foi motivo de debate aqui.

Reflexões de domingo

Sendo dia de folga e, portanto, de jubiloso ócio, estive a ler Robert Walser (1878 – 1956), o autor de língua alemã que Kafka mais admirou. E também Musil, Herman Hesse e Walter Benjamim. Tem um livro de textos breves traduzido em português: A Rosa (Relógio d’Água) e um conto delicioso na Revista Ficções (número fora de série dedicado a ficções de comer). Em 1933, desistiu de escrever e internou-se num asilo psiquiátrico até à morte. Consta que se justificou deste modo: «Não estou cá para escrever, mas para ser louco».
Esta separação tão lúcida, tão inesperada e tão humorística, entre a obra e a loucura, por parte de um pressuposto louco, levou-me a revisitar Foucault (Histoire de la folie). Foucault põe em destaque como o mundo moderno mudou de atitude face à loucura, porventura constituindo essa mudança de atitude um traço fundador da modernidade. A frequência com que obras tão cintilantes nos domínios da pintura, da literatura, da música nos confronta com a loucura dos seus autores (Holderlin, Nerval, Nietzche, Artaud, entre tantos e tantos outros) diz ele que deve fazer com que a tomemos muito a sério, mas que não nos devemos enganar: não há reconciliação, nessa mudança de atitude, entre a obra e a loucura. Onde há obra não há loucura, embora possa existir contemporaneidade de uma e outra. Mas há um triunfo inegável da loucura: o mundo que pensava dominá-la, justificá-la pela psicologia, é, afinal, ele que se tem de justificar perante ela, medir-se com a desmesura de obras como as de Nietzche, de van Gogh e de Artaud.
Por associação, cheguei ao filósofo marxista Louis Althusser. Um homem de uma envergadura inegável, que escreveu uma obra marcante e deu um poderoso contributo para o pensamento estruturalista, do qual também comungou Foucault. Como se sabe, matou a mulher, por asfixia, quando lhe fazia uma massagem. Desencadeado o processo-crime, chegou-se à conclusão de que era inimputável, por força de uma doença psiquiátrica de que era portador. Foi alvo de uma medida de segurança e internaram-no num manicómio.
Esta situação tinha, como era evidente, duas consequências, assim problematizadas: que valor tinha a sua obra pretérita, em face da sua constatada loucura?; que explicação (omitida) para o acto cometido? Foi o próprio Althusser que as problematizou, face à necessidade de, por um lado, recuperar toda uma coerência teórica para a obra de uma vida inteira, e por outro, a necessidade de apresentar e explicar o crime (também obra sua), tendo-lhe sido sonegado o julgamento público e, portanto, o momento de aí dar a sua versão dos factos. É que um louco, por definição, não pode explicar o seu acto, que escapa justamente a todo o esforço de racionalização. Como tal, fica privado de prestar contas à comunidade. Ora, foi para preencher essa lacuna (o lugar da abolição da consciência) que Althusser escreveu essa maravilhosa obra que é L’Avenir est longtemps (tradução portuguesa da ASA, 1992: O futuro é muito tempo, seguido de Os Factos). Uma obra valiosa não só do ponto de vista teórico, mas também (e sobretudo) literariamente muito bela.
Mas terá logrado explicar o nó do problema, ou seja, a sua loucura, o seu acto tresloucado?
Seja como for, há aqui um esforço sério de autognose da loucura.

Artur Costa

Menezes vs Mendes

Mantenho o que tinha dito: não percebo porque é que Menezes avançou quando Mendes já estava no terreno. Mas uma coisa parece-me clara: Menezes esteve melhor na entrevista de hoje à :2, do que esteve Mendes na entrevista à RTP1, com Judite de Sousa. Espweremos pelas outras vias...

27 fevereiro 2005

Faleceu Vítor Wengorovius

Vitor Wengorovius nasceu em 1937, em Setúbal. Foi dirigente da Juventude Universitária Católica e esteve, ao lado, entre outros, de Jorge Sampaio nas lutas académicas e na Comissão Democrática Eleitoral (CDE) de 1969.
Em 1974 fundou, com Ferro Rodrigues, Jorge Sampaio, Cravinho, Alberto Martins e muitos outros, o Movimento de Esquerda Socialista (MES) -- uma organização nascida sobretudo de pessoas que militavam em movimentos católicos progressistas, nomeadamente ligados a um boletim que chamava a atenção para a situação dos presos políticos durante o fascismo -- o “Direito à Informação”.
Perdemos um dos melhores da nossa geração. Não merecia ter sofrido tanto. Uma doença degenerativa imobilizou-o há anos numa cadeira de rodas, dificuldando-lhe o exercício da sua profissão de advogado.
Estive com ele em Coimbra, há dois anos, num congresso sobre “Cidadania” organizado por um amigo comum: o Zé Dias. Foi o meu último abraço.

Transfiguração

Pastor já fui desse rebanho alado,
Que pelos céus caminha, pensativo,
A ruminar a grama azul do prado
E a desmanchar-se em pensamento vivo.
Pastor já fui de olhar perdido e calmo,
Guardando as redes pelo campo etéreo,
Entoei sobre a campina cada salmo
De um livro que perdi sobre o mistério.
Já fui pastor fora de certo espaço,
Das loucas dimensões em que me banho,
Não sei se é no futuro em que me abraço
Ou no passado desse meu rebanho!

Pastor já fui, hoje arrebanho a mágoa
Do meu rebanho a desfazer-se em água.

Paulo Bonfim

A ronda dos emplastros (ou dos novos vampiros)

Será que o PS vai aprender com os erros do PSD e com os erros que cometeu no passado?!...
Há sinais muito preocupantes!... Os emplastros que se colaram a Sócrates durante a campanha eleitoral já se movimentam em reuniões constantes (tal como os vampiros) para encontrar um lugar na mesa do orçamento do Estado.

A pressão para ser satisfeita a “gula” dos boys está, sobretudo, nos directórios distritais. Eles vivem dessa “tropa fandanga” que vê chegada a hora para apresentar a “factura”. Exige-se que o PS saiba resistir a uma “cultura” que fez da lógica dos “aparelhos partidários” uma razão de Estado. Um bom governo terá de mudar o ciclo da cultura política dos partidos e desencadear as reformas necessárias (nomeadamente no sistema político e partidário), que possam credibilizar a acção politica, promover a justiça social e desenvolver o País. E o PS só ganhará esta batalha, se, desde já, der um sinal de querer um bom governo. Mas não basta a imagem pública de competência e rigor: é também necessário que essas características se harmonizem com as preocupações sociais. Em nome das “leis do mercado” não podemos recuar ao princípio da revolução industrial e colocarmo-nos ao nível de alguns países asiáticos. O “mercado” não é o fim da História, nem a razão de Estado. Não há um fim da História e as razões de Estado são questões do interesse comum.

Y UNO APRENDE

Después de un tiempo,
uno aprende la sutil diferencia
entre sostener una mano
y encadenar un alma,
y uno aprende
que el amor no significa acostarse
y una compañía no significa seguridad
y uno empieza a aprender...
Que los besos no son contratos
y los regalos no son promesas
y uno empieza a aceptar sus derrotas
con la cabeza alta y los ojos abiertos
y uno aprende a construir
todos sus caminos en el hoy,
porque el terreno de mañana
es demasiado inseguro para planes...
y los futuros tienen una forma de
caerse en la mitad.
Y después de un tiempo
uno aprende que si es demasiado,
hasta el calorcito del sol quema.
Así que uno planta su propio jardín
y decora su propia alma,
en lugar de esperar a que alguien le traiga flores.
Y uno aprende que realmente puede aguantar,
que uno realmente es fuerte,
que uno realmente vale,
y uno aprende y aprende...
y con cada día uno aprende.

Jorge Luis Borges

"E para repousar do amor, vamos à cama"

Soube pela RTP África que foi lançado em Maputo um livro póstumo com os Poemas Eróticos de José Craveirinha. Que não demore muito a cá chegar!
Como já alguém disse aqui há dias, as associações de ideias são tramadas.
Por isso, me levantei, fui à estante e tirei um outro livro de poemas eróticos, também póstumo, de um outro grande escritor da língua portuguesa - O Amor Natural, de Carlos Drummond de Andrade (Editora Record, 2002). E escolhi este poema:

O CHÃO É CAMA

O chão é cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a úmida trama.

E para repousar do amor, vamos à cama.

Morreu Peter Benenson, fundador da Amnistia Internacional

"The man who decided it was time for a change":

(...) "the most extraordinary phenomenon - and the one on which Peter Benenson left his indelible mark - is the birth of what has come to be known globally as "civil society". Today there are well over a thousand domestic and regional organizations working to protect human rights. " (...)

Uma forma superior de estar na vida

Dizer que "fazer poesia é uma forma superior de viver ou (e talvez de forma mais correcta) "estar" na vida" significa para mim o seguinte:
1. vive melhor quem se distancia do imediato e pragmático. O poeta sabe trabalhar o conceito (instrumento de apropriação da realidade e, por isso, da vida) da forma mais significativa e isso faz com que o que diz tenha um horizonte de sentido mais distante: vai mais longe e ajuda-nos a ver a realidade do outro lado, do lado das musas e as musas, convivendo com as divindades, vão às essências das coisas
2. O "mundo da vida" vivida pelo poeta tem uma expressão artística. E a expressão estética é uma expressão criadora, capaz de dar “nova vida” à realidade e com isso abrir novas formas de ver, sentir, sofrer e amar.
3. Os poetas estão próximos dos deuses, como já referi. Por alguma razão a linguagem do mito, dos profetas, é uma linguagem metafórica, impregnada de poesia. Quem não sente que há poesia, por exemplo, no génesis?!...
4. Concluindo: a linguagem poética tem um sentido que transcende o imediato, expressa, por isso, uma forma superior de estar na vida.

Compadre Esteves, in comentário a este postal.

Direito Europeu da Concorrência

A DECO reuniu 40 juízes em Chaves entre sexta-feira e hoje para informar e incentivar os magistrados portugueses a aplicar a nova directiva comunitária sobre concorrência (...)
Esta iniciativa contou com a participação de 40 juízes do Circulo Judicial do Porto e contou com o apoio do Conselho Superior de Magistratura e foi financiado pelo Direcção Geral da Concorrência da Comissão Europeia.
O responsável referiu ainda que o primeiro seminário do género decorreu na Ericeira, em Novembro, e que serão realizados mais quatro, abrangendo cerca de 200 juízes de todo o país.
In Portugal Diário
*********************
A Deco está também a levar a efeito, desde Janeiro de 2005 e em parceria com a Ordem dos Advogados, Cursos de Direito do Consumo, em quatro àreas específicas, destinados a advogados e advogados estagiários.

26 fevereiro 2005

Os do aparelho e os outros

(Não consigo colocar comentários - vai um postal)

José Carlos, meu caro José Carlos, não podes ser sempre tão radical! Refiro-me, obviamente, ao teu post sobre a sucessão no PSD.

Sobre a substância do assunto, já falei. Resta-me equacionar o seguinte: tu falas numa terceira via, para além de Mendes e Menezes. Não sei a que terceira via te referes. Manuela Ferreira Leite? Tenho consideração pela senhora, acho que é uma pessoa competente e honesta. Pode ser uma solução. Mas, que diabo, não sofrerá ela do mesmo mal de que sofrem as hipóteses na mesa? Não gostas de Marco António? Admito que não gostes e percebo-te. Mas gostas de António Preto, o homólogo lisboeta de Marco António, que parece estar na primeira linha do lançamento do nome da ex-ministra que, aliás, foi sua "madrinha" política? Conhecendo-te como conheço, sei que não gostas. Até porque, conforme se vai lendo aqui e ali, terá sido à custa do nome de Ferreira Leite que Preto, alegadamente, obteve algumas benesses que, aqui, não dá para caracterizar.
Como bem sabes, eu sou um desconfiado dos "aparelhos". Já o disse muitas vezes e já o demonstrei algumas.

Repara: quem é, afinal, Sócrates? Não foi ele próprio sempre um homem do aparelho? E Guterres, quem era antes ser líder do PS? E tantas outras figuras que vingaram à custa do aparelho, não se lhe conhecendo obra nenhuma na designada sociedade civil. Aliás, creio que não duvidas de que se não fosse o incontornável e supremo aparelhista Jorge Coelho - responsável pela campanha do PS - e Sócrates não teria chegado onde chegou. E repara ainda: mesmo Manuel Alegre ou João Soares - ex-adversários de Sócrates - que mais são, em política, do que produtos do aparelho?

Esta situação - que, aliás, é comum nos dois maiores partidos - é, de resto, uma realidade que me preocupa. Se bem te recordares, há anos que eu digo que aquilo que vale a pena em Portugal é ser-se ex-ministro. Tudo acontece ao contrário. Raramente se vê um bom quadro deixar a vida privada para rumar à política mas, em contrapartida, é comum ver um medíocre ex-ministro rumar a um lugar bem pago em empresas privadas. Não, obviamente, porque se tenham tornado bons quadros, mas porque se tornaram figuras úteis, capazes de gerir influências interessantes.
Por isso, meu amigo, mesmo que as candidaturas à liderança do PSD se resumam a Marques Mendes e Menezes, nada nos indica que um deles não venha a ser um bom líder, na acepção que tem feito escola em Portugal.

CSMP não questiona ordens de Souto Moura

"O Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) recusou ontem pronunciar-se sobre o facto de Souto de Moura, procurador-geral da República, ter decidido alterar a distribuição dos processos de difamação movidos por Ferro Rodrigues, Paulo Pedroso e Jaime Gama, contra os menores que os acusavam no processo da Casa Pia. Os magistrados do MP votaram em bloco e decidiram que não tinham legitimidade para dar indicações ao procurador-geral da República. A decisão teve vários votos de vencido, designadamente dos juristas que fazem parte do órgão em representação da Assembleia da República, mas mesmo assim foi aprovada por maioria. A acta da reunião ainda não é conhecida, não sendo por isso ainda público o exacto teor dos votos dos membros do CSMP.
Recorde-se, ainda, que a decisão só foi levada a reunião daquele órgão, porque Paulo Pedroso apresentou um requerimento nesse sentido. O ex-deputado socialista contestava o facto de Souto Moura (que preside ao CSMP) ter decidido redistribuir os processos de difamação aos magistrados que fizeram o inquérito do processo Casa Pia, mesmo indo contra as intenções da coordenadora do DIAP. Paulo Pedroso pretendia assim que o CSMP determinasse como tais situações deviam ser tratadas no futuro, para que tais casos não se repetissem. Numa reunião acalorada e que se pautou pela discórdia, os magistrados, que estão em maioria no órgão, decidiram que o assunto nem devia ser objecto de estudo. Isto porque, argumentaram, as decisões de Souto Moura não são sindicáveis pelo CSMP. O JN sabe que alegaram, ainda, que o Conselho não tinha competência para se pronunciar sobre o assunto."

Tânia Laranjo. Jornal de Notícias, 26-02-2005.

O caso do apartamento

"É um verdadeiro ultimato que o chefe do Governo francês, Jean-Pierre Raffarin, lançou ontem, ao fim do dia, ao seu ministro da Economia: Hervé Gaymard tem até ao fim da semana para explicar claramente o "caso do apartamento" - um daqueles escândalos que só existem em França, mas que ameaça o futuro deste político de 42 anos e começa a abalar a autoridade do Executivo.
No entanto, nenhum acto ilegal foi cometido.
(...) Percebendo o potencial mortífero deste caso, Raffarin agiu rapidamente. Na primeira fase, e em menos de 12 horas, Gaymard teve de anunciar que mudava de casa ainda naquela semana e que iria reembolsar pessoalmente as despesas das obras. Por seu lado, o primeiro-ministro decretou regras muito claras quanto aos apartamentos alugados por ministros: o Estado paga só 80 metros quadrados por cada um, e mais 20 metros quadrados por criança a cargo. Se quiserem uma superfície maior, pagam a diferença do seu bolso."

A ler na íntegra no Público .

"um daqueles escândalos que só existem em França" , diz Ana Navarro Pedro, articulista do Público.
Esta observação intriga-me: será que a articulista presume que só em França há políticos pouco escrupulosos? Ou com tantos filhos? Ou que só em França "o caso" assumiria as consequências descritas? E porquê? Por não ser de molde a desencadear críticas da opinião pública dado ter sido tudo legal ? Ou pela reacção do primeiro-ministro, face a tal legalidade?

Bem, pelo menos em Portugal, não estamos de facto habituados a que uma situação tida por legal, ainda que iníqua, seja objecto de tais reacções institucionais...

Ainda o Aquaparque

Continuo a não perceber. Confesso que sou limitado nalgumas "novas" realidades jurídicas. Mas como é que se morre por causa da falta de lei ? È que a responsabilidade exige um nexo de causalidade entre o facto e o dano. Um dia destes, os médicos estão tramados. É evidente que há responsabilidade pelo tratamento deficiente, com violação das "leges artis", mas não serão responsáveis por haver doenças ?

Tenho pensado neste problema, porque tenho em mãos um processo em que se pretende que há responsabiliade mesmo que o lesado seja um dos responsáveis do evento em que ocorreu o acidente.

Índice temático

O índice temático do Incursões, que remete para links de postais relacionados com os temas referenciados, vai-se construindo lentamente.
Hoje incluímos um novo item:
Crónicas (turismo incidental).

Os arquivistas de serviço aceitam e agradecem sugestões...

é noite


é noite de pequenas ondas que marulham
iluminadas pela lua cheia
que escorre pelo mar como um afago;
de silêncio amplo cobre-se a areia.

só os meus olhos mudos observam o mar
na noite tátil dessa tua ausência.

talvez mesmo eu me ausente
quando assim líquida me calo
o corpo abraçado por espantos,
a alma um fio que mal se pressente.

ah, se te pudesse tocar
a pele a voz.
se me tocasses.


silvia chueire

Diálogo com os Cidadãos

É o nome de um portal que fornece informações práticas pormenorizadas sobre os seus direitos e oportunidades na UE e no Mercado Interno, além de aconselhamento sobre a forma de exercer esses direitos na prática. Por exemplo, pode saber mais sobre o que é viver, trabalhar ou estudar noutro Estado Membro da UE.

25 fevereiro 2005

E agora algo completamente diferente

Dois blogs sobre vinhos, com classificações de 0 a 100!

Um deles é britânico e fala sobre vinhos do mundo, com atenção regular aos vinhos portugueses: the wine anorak blog, associado ao site profissional the wine anorak, de Jamie Goodie.

Outro é português e fala predominantemente sobre vinhos portugueses, com atenção regular a vinhos do mundo: Que tal o vinho?

Cesário Verde nasceu há 150 anos

De tarde

Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

Cesário Verde

Para onde vai o PSD?

Ontem voei para Lisboa no mesmo avião que Luís Filipe Menezes. O autarca-deputado ia a caminho da sua apresentação como candidato à liderança do PSD. Apeteceu-me dizer-lhe para se manter no avião e regressar de volta ao Porto. Perde-se um autarca com obra e ganha-se, pela certa, apenas meia dúzia de lágrimas!
Ou muito me engano ou vai aparecer uma terceira via na corrida interna do PSD. Uma alternativa com mais espessura, com maior ligação à sociedade do que ao aparelho, capaz de contornar o modelo populista de Menezes e o discurso ligeiro de Marques Mendes. O PSD precisa de abrir a porta de saída para todos os Marcos Antónios que por lá pululam e que têm um peso inacreditável na gestão do (agora) maior partido da oposição.
É que, como bem lembrava um destes dias Augusto Santos Silva na RTPN, a maioria absoluta do PS vai precisar de uma oposição forte, credível e de grande qualidade para dar garantias de fiscalização activa e de equilíbrio ao nosso regime político. Para isso, é fundamental o papel do PSD.

ULISSES

Não aprecio fado! Continuo influenciado pela colagem do Estado Novo ao "fado de Lisboa" e das bafientas tradições académicas coimbrãs ao "fado de Coimbra" – confesso-o!
Por isso, não tenho sido sensível às alusões que venho lendo às novas e aos novos cantores de fado.
Mas , acabei por comprar o último disco de Cristina Branco, que tem fado mas não é só fado. E, confesso-o também!, fiquei encantado: pela música, pela poesia (Camões, Paul Éluard, Graça Moura, David Mourão Ferreira), pela voz (particularmente em “A case of you”, de Joni Mitchell)..
Por isso, recomendo ULISSES.

Um Novo Modelo de Gestão Para o Ministério Público

O Movimento Ministério Público Democrático convida todos os colegas associados a participar na exposição-debate sobre o trabalho com aquele título, da autoria do Procurador de Justiça Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz.

É no dia 15 de Março.

Agenda desta semana - temas em debate a transmitir pela TV Justiça: A nova face da justiça e a Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos; A Nova face da Justiça e os Direitos Humanos.

Tudo na ciadade de ... São Paulo, Brasil (pois! o que é que esperavam?)

UM NOVO ALENTO

faz muita falta ao Ministério Público. Aqui há quem afirme tê-lo. Assim seja! E, já agora, que seja contagiante...

Psicólogos: intervenção em meio judiciário

Como devem os psicólogos fazer a avaliação de arguidos, vítimas e testemunhas de processos crime? Através de entrevistas gravadas e de testes especialmente aplicáveis a esta população, ou por meio das chamadas "provas projectivas" baseadas na interpretação de manchas ou desenhos? As opiniões dividem-se e dão lugar a uma polémica que se fez ouvir, ontem, na Universidade Lusófona, em Lisboa.
A discussão em torno da avaliação psicológica no âmbito judiciário tem ganho, cada vez maior relevância em toda a Europa, quer no que respeita aos modelos utilizados, quer em relação aos problemas éticos que levanta. Este tipo de avaliação está a tornar-se num elemento essencial para a aplicação da lei tanto na área criminal, como nas áreas cível, de família, de menores ou laboral.
(...)
Uma "bolsa" de psicólogos vai começar a funcionar junto da Ordem dos Advogados a partir do próximo dia 1 de Março

Ler mais no Público

Uma curiosidade: como se terá processado a escolha dos psicológos que vão integrar a tal "bolsa"? No site da OA não encontro qualquer referência à dita, muito menos a algum processo de candidaturas ao lugar. Deve ser azelhice minha :(

Sucessão laranja

Eu tenho consideração por Marques Mendes. Fui ajudante de Luís Filipe Menezes, no tempo em que o edil de Gaia foi ajudante de Mendes no 3º Governo de Cavaco Silva e, durante esse tempo (pelo menos nesse tempo), conheci-os.

Marques Mendes, nos últimos congressos do PSD, surpreendeu-me positivamente, com as suas intervenções bem sustentadas, bem articuladas e corajosas. Menezes, pelo contrário, é um azarado dos congressos. São, quase sempre, os seus momentos maus.

Não consigo perceber por que razão aparecem, agora, ambos, como adversários na luta pela liderança do PSD. Eles, que sempre fizeram um caminho tão próximo...

Vi a entrevista de Mendes, ontem à noite, na RTP 1. Não gostei. Achei-o demasiado defensivo, pouco fluente, pouco consistente.

Não vi a apresentação da candidatura de Menezes. Li, apenas, algumas coisas que disse. Pelo que li, esteve bem. Mas há uma coisa que eu acho, muito mais importante do que aquilo que Menezes disse: Menezes não devia ter-se candidatado. Neste momento.

Ao contrário do que muitos pensam, Menezes é culto, bem preparado, inteligente. Até podia dar um bom líder para o PSD. Mas acho que poucos vão perceber por que razão Menezes se apresenta contra Mendes. E isso pode ser-lhe fatal.

Porque os conheço, não me espanta que, no Congresso, caiam nos braços um do outro - Menezes com o olhar embargado pelas lágrimas - e façam uma distribuição de poder.

24 fevereiro 2005

Nasci para semear poesia…

Nasci para semear Poesia
sobre a raça dos homens nascidos tristes.
Nada desejo deste mundo aflito e louco
senão repartir a noite e o dia
com aqueles que ainda vivem
na sombra dos primitivos mundos.
Nasci para semear poesia
sobre a raça dos homens nascidos tristes.
As sementes já lancei à terra, ao mar e ao céu,
e quando flores cobrirem a terra, o mar e o céu,
eu poderei morrer mais uma vez.
Neste momento somos homens
vivendo perfeitamente mortos, perfeitamente inúteis.

Deolindo Tavares. In: A Nova Poesia Brasileira



"La Sémiotique des Jardins"

Conferência pelo Professor Doutor Herman Parret, prof. jubilado da Kath. Univ. Leuwen

24 de Fevereiro de 2005, quinta-feira, 18h00,Palácio Fronteira

Organização conjunta da Fundação Casas de Fronteira e Alorna e do Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens

Postal adiado

(As Wafers baunilha do Pingo Doce são demasiado doces - a evitar).

Feito o prolegómeno, devo explicar que na próxima semana, ainda não sei em que dia, vou para Espanha. Também não sei quando volto. Não, não vou à procura de vento nem de casamento, que de Espanha nunca são bons, diz o povo (de Amarante, também não, dizia o meu avô João Pereira Coutinho), vou, apenas, trabalhar.

E quando voltar, depois de atravessar o deserto de Aragão, a inóspita paisagem, com sequência nas neves dos Pirinéus, terei, certamente, coisas para dizer. Um roteiro de viagem. Uma posição sobre a sucessão de PSL no PSD, o que penso de Marques Mendes, o que penso de Luís Filipe Menezes... Todas essa coisas. Aliás, sobre a sucessão no PSD, talvez até diga antes...

(Será que me dediquei, finalmente, à carreira de camionista TIR?)

23 fevereiro 2005

MAKRO e FERBAR

A Procuradoria-Geral da República já veio informar, segundo notícia do Diário Digital das 17h de hoje, que as marcas com que era comercializado o tal "molho inglês" com um produto potencialmente cancerígeno são "Makro" e "Ferbar".

Centenário de Rotary

Celebra-se hoje o Centenário do Rotary Internationsl.
Rotary é uma organização internacional dedicada à prestação de serviços humanitários.
Os homens e as mulheres associados ao Rotary são líderes profissionais e empresários que se dedicam a melhorar a qualidade de vida dos seus semelhantes, nas respectivas comunidades e no resto do mundo.
Os Rotary Clubes implementam grande variedade de projectos de prestação de serviços visando combater a pobreza, a fome, ao nalfabetismo, uso de drogas e a poluição.
Serviços à juventude são enfatizados. Trabalhando com e pelos líderes do amanhã, o Rotary patrocina clubes de prestação de serviços para pessoas jovens e oferece programas de orientação profissional.

O programa do Centenário em Portugal é o seguinte:
Comemoração Nacional do Centenário de RI
Dia 23 de Fevereiro
15 horas: .Missa no Mosteiro dos Jerónimos
17 horas.- Celebração Nacional do Centenário – Centro de Congressos do Estoril, com intervenção do Cº Marcelo Rebelo de Sousa sobre “a Paz e a Compreensão Mundiais”, seguida da entrega pelo Senhor Prsidente da República da Comenda - Ordem de Mérito ao Rotary International
20 Horas. - Jantar no Casino do Estoril –
Comemoração Distrital do Centenário
Dia 25 de Fevereiro
15,30 horas - Inauguração de Monumento ao Rotary International, na rotunda principal da Senhora da Hora
16 horas - Largada de Balões por 100 crianças premiadas com prémios escolares
17,30 horas Cerimónia Oficial no Salão Nobre da Câmara Municipal de Matosinhos, com ntervenção do Past-Director de RI. Companheiro Marcelino Chaves sobre “O Papel de Rotary no Mundo”, entrega de 100 prémios escolares.
Dia 26 de Fevereiro
20,30 horas - jantar no Casino da Póvoa de Varzim, coincidindo com a Visita Oficial do Governador ao Rotary Club de Póvoa de Varzim.

Mais informações em www.rotary.org e www.rotary.pt

Segredo de Justiça?

Foi anunciada publicamente a retirada do mercado de um “molho inglês” potencialmente cancerígeno por conter um corante chamado Sudan I.
Não foi anunciado o nome do produto.
Ouvi hoje, no jornal da hora de almoço da RTP1, uma responsável da Direcção-Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar afirmar que não tinha sido divulgado o nome do produto porque o Ministério Público (“a Srª Delegada do Ministério Público”, disse ela) não o tinha autorizado por causa do segredo de justiça!
Como?
Dizem-nos que podemos ter em casa um produto alimentar potencialmente cancerígeno e depois não o identificam?
Por causa do segredo de justiça!?
Não acham que é um dever a transmissão dessa informação? E que temos o direito de a exigir?

Assina: o cidadão Rui do Carmo


Interludio (1934), de Raquel Forner (Argentina, 1902-1988)

Jobshop: da Universidade para a Vida

No último dia do Jobshop da Católica, para além da apresentação do Centro de Estudos Judiciários, de sociedades de advogados e da Polícia Judiciária (a partir das 14:30), destaco um debate e uma conferência:

(17:00) Debate: Um curso com saídas

Moderador: Dra. Sofia Pinto Coelho (Jornalista da SIC)
Intervenientes: Dra. Ana Azeredo Coelho (Juíza)
Dr. Pedro Verdelho (Magistrado do Ministério Público)
Dr. Tiago Pitta e Cunha (Comissão Europeia)
Dr. Bernardo Ribeiro da Cunha (Diplomata)

(19:00) Conferência: A advocacia e a Universidade

Orador: Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Rogério Alves.

22 fevereiro 2005

Salpicos

Bastou que PSL & PP perdessem as eleições para que a chuva voltasse. Uns salpicos apenas, mas os suficientes para alimentarem alguma esperança...

Tabardões morais

«Mas a lei não distingue ­responde a hermenêutica jurídica; e eu que podia teimar em ver a lei a pernear abafada na toga dos juízes, mando-os a eles, e mais a hermenêutica, de presente ao diabo, e mais ao brasi­leiro, em cujo corpo está o demónio tentador, que traz energú­menos os julgadores.
A doença da família dos togados é como aquela peste que ataca os mem­bros de uma mesma família, derramados por diversos pontos. São incuráveis estes tabardões morais, como os outros de que reza Frei Luís de Sousa na Vida do Arcebispo. Caem de podres; mas caem a gargalhar, como na morte duma certa erva da Tessália. Basta de erudição, a propósito destes ónagros, que ornejam acórdãos, e se espojam no lameiro, como usam os javalis, encodeando-se de lama para que o venábulo da sátira não ache fibra a descoberto onde lhes crave o tiro. Inclinemos ao assunto a mais simpática tristeza.»

Camilo Castelo Branco, Memórias do Cárcere, 1881 (lembrança de CM)

UM (meu) TESTEMUNHO DE VIDA


O meu nome é Amélia Pais e fui professora por mais de 36 anos. Vou falar-vos - liricamente dirão alguns - do ofício que escolhi desde criança.

Eu não sei bem o porquê da escolha - suponho que a influência, primeiro, de uma velha tia que me ajudou a criar ( a importância das tias, não é Alçada Baptista?) que, era eu pequenina, brincava comigo, contando-me «histórias», não só de fadas ou de bruxas, mas, e talvez sobretudo, de como se faz o pão, de como crescem as plantas ou se faz a dança dos planetas em torno do Rei Sol - ou de como, em tempos passados, Moisés conduzira o seu povo de regresso ao lar, ou ainda de como Viriato, quase meu conterrâneo, enfrentara os Romanos...Me ensinava, também, os jogos possíveis com os números - ou então com as letras que, juntas, formavam palavras e frases com que os livros se nos abriam para a fantasia.

À distância, vejo agora essa minha tia, que era professora aposentada, como alguém que tornava o aprender algo que dava alegria e vontade de saber mais - e creio que com ela aprendi o gosto de proporcionar a outros essa troca de experiências, de saberes e, talvez, principalmente de afectos, que é o acto de ensinar.

Mais tarde, um outro professor, este de Português, o Dr.Luís Simões Gomes , ensinou-me, com a descoberta dos textos, o sabor e a cor da liberdade - e nesta segunda aprendizagem importante na minha formação, a vontade reforçada de, como ele, ajudar os outros a crescer livres e dignos, como seres que pensam e se pensam.

Assim me fiz, oficial do mesmo ofício, de, como dizia, de há mais de 36 anos para cá. Não lamento a escolha feita - é ofício que exige muito amor, muita abertura ao outro, muita vontade de partilhar, muito entusiasmo (à letra «deus em nós»). Mas que ofício melhor para crescermos e nos enriquecermos durante uma vida inteira?

Sim, eu também sei que economicamente não compensa lá muito (mas, como dizia outro Professor, Agostinho da Silva, faço o que me dá gosto e ainda por cima me pagam para o fazer ...); sei também que muitas vezes - demasiadas vezes até - vêm desencantos, incompreensões, frustrações - porque o quotidiano fica por vezes bem aquém do sonho. Mas que melhor do que ver brilhar os olhos de um aluno quando, connosco, descobre um universo novo? Ou quando encontramos antigos alunos (por vezes pais de actuais alunos, como me vai acontecendo cada vez mais) - que nos recordam como alguém que os marcou positivamente e os ajudou a entrar melhor na vida? (Bem certo é que só recordamos os professores que nos marcaram positivamente ou negativamente, não aqueles que se ficaram por um certo cinzentismo...) Ou antigos alunos que nos associam à descoberta da beleza de um ou mais versos d'Os Lusíadas ou da «Tabacaria» de Álvaro de Campos? Que satisfação maior do que esta de ver-se reconhecido e de nos sentirmos assim ligados à descoberta da beleza e da vida?

E depois é bem verdade que bom professor não envelhece nunca...e não morre - porque fica a sua imagem bem viva na memória e no coração daqueles com quem e para quem viveu...
_______________________________________
(Amélia Pais - actualmente professora aposentada, mas não retirada ...)

A Agenda Mediática

A imprensa escrita “de referência” de hoje, dia dois após as eleições, coloca no topo da agenda mediática a disputa pela eventual sucessão de Santana Lopes na liderança do PSD!
Será este mais um sintoma da aparente falta de entusiasmo com que foi recebida a primeira maioria absoluta do PS? Ou do entusiasmo com que foi recebida a minoria absoluta de PSL?
Será porque é a disputa que há antes de começar a da ocupação dos lugares governamentais, sempre imprescindível à fulanização emotiva da informação?
Será apenas a crise dos valores-notícia?

A formação dos professores

No passado fim-de-semana, em casa de uns amigos, tive um exemplo paradigmático do estado em que se encontra o ensino em Portugal. Ao ver um teste de um aluno que frequenta o 7º ano de escolaridade, comprovei mais uma vez como muitos dos nossos professores estão mal preparados: no enunciado do teste, esse professor de Educação Visual e Tecnológica dizia barbaridades como “as matérias que estudas-te” ou “os livros que pesquisas-te”.
A prova do aluno foi avaliada como excelente. E o professor, como e por quem devia ser avaliado? Perante casos destes, infelizmente mais comuns do que seria desejável, interrogamo-nos sobre se será possível dar a volta a este estado de coisas no ensino. A formação e a avaliação dos professores deveriam constar das prioridades do país e dos governos, independentemente da sua cor política. Estará a classe docente motivada para esse desafio ou os interesses particulares e corporativos falam mais alto?
A pergunta essencial é só uma: que jovens queremos formar para o futuro?

Pacheco Pereira

A personalidade multifacetada de Pacheco Pereira não deixa praticamente ninguém indiferente. Natural do Porto, foi um dos principais dirigentes da OCMLP nos anos setenta. Chegou ao PSD após intervir na campanha presidencial de Mário Soares em 1985 e, durante o cavaquismo, foi deputado, líder parlamentar e presidente da Distrital de Lisboa – o primeiro eleito por sufrágio directo dos militantes. Vice-presidente de Marcelo, com Durão Barroso foi o cabeça de lista às europeias de 1999 e liderou a lista do Porto nas legislativas de 2002. Não é, portanto, um diletante desconhecedor dos meandros do partido, como alguns, depreciativamente, fazem crer.
A sua corajosa cruzada pública contra PSL deve por isso ser enaltecida, sobretudo quando as suas posições se preocuparam sempre mais com o futuro do PSD, um dos partidos charneira do regime, e menos com os interesses aparelhísticos. Concorde-se ou não com as posições que defende, e eu estou longe de concordar a maior parte das vezes, a sua escrita e as suas intervenções são sempre estimulantes e fazem-nos pensar. Os partidos políticos e a sociedade precisam destes “espíritos livres”, capazes de dizerem sempre o que pensam, independentemente disso ser ou não conveniente aos líderes e às instituições a que estão ligados.
Aliás, Pacheco Pereira tem uma faceta que, a meu ver, o distingue pela positiva da generalidade dos comentadores: as suas teses não ficam pelo plano do palpite inconsequente, visando em todas as circunstâncias uma aplicação prática de políticas por parte de partidos ou governos. Se concordamos ou não com essas políticas, já é outra conversa…

Dia do Pensamento

Hoje, dia 22 de Fevereiro é, para todos os escuteiros, Dia do Pensamento, aniversário do nascimento de BP, o fundador.

Em Portugal há 3 associações escutistas AEP (mista, não confessional), AGP (feminina, não confessional) e CNE (mista, confessional) e uma Federação que une a AEP e CNE para efeitos de repreentação internacional dos escuteiros portugueses.

Da AEP, retirei de http://escotismo.no.sapo.pt/manual3.htm :

Dia do Pensamento
• 22 de Fevereiro - data do nascimento de B.P.

História do escotismo
• Robert Stephenson Smyth Baden-Powell
• Baden Powell nasce em Londres a 22 de Fevereiro de 1857
• Frequenta a escola de Cartuxa, onde revelou dotes no teatro e no desenho
• Ingressa no exército e rápidamente atinge o posto de capitão
• Presta serviço na Índia e em África, tomando contacto com inúmeras tribos
• 1889 atinge a glória aguentando o cerco de Mafeking na guerra Anglo-Boer
• 1907 - É lançado o escotismo para rapazes que se torna um sucesso
• 1907 - É fundado o escotismo, primeiro acampamento em Brownsea
• 1920 - Primeiro Jamboree Mundial, em Inglaterra, onde se torna Chefe Mundial
• 8 de Janeiro de 1941, morre Baden Powell no Quénia com quase 84 anos

Movimento Escotista
O movimento escotista é um movimento para jovens, onde cada qual adere livremente.
O escotismo é apolitico, independente de qualquer partido. É aberto a todos sem qualquer tipo de discriminação, racismo ou qualquer outro tipo de exclusão. O escotismo é para todos independentemente da sua raça, credo, aqui não existe qualquer obrigação ou dever para com a religião (ao contráriode outras associações escotistas como o CNE o movimento escutista católico português). O escotismo assenta nos princípios e método desenvolvidos pelo seu fundador Lord Baden-Powell, mais conhecido simplesmente por BP.
O escotismo tem como finalidade a formacão dos jovens para que que num futuro, quando adultos, sejam cidadãos exemplares perfeitamente integrados e atentos para as adversidades que lhes possam surgir na vida quotidiana. Assim o escotismo previligia a formação do caracter, a lealdade, espirito de ajuda, serviço ao próximo e confiaça em si próprio, como individuo útil. Essa formação será sempre feita através da promoção dos talentos naturais do jovem, mas também o seu desenvolvimento físico, intelectual, social e espiritual.
O escotismo baseia-se num método de auto-educação progressiva, onde o jovem é incentivado a aprender pelos seus próprios meios, onde lhe é reconhecido o mérito através de prémios e insígnias que o incitem a ir cada vez mais longe. Este método está assente:
•Na Promessa de Escoteiro, que é o compromisso que o jovem assume livremente perante os outros escoteiros, quando passa a ser um escoteiro, desta promessa depende a sua honra, o mais nobre valor de um escoteiro; e na Lei do Escoteiro, um conjunto de dez máximas, que regem a vida do escoteiro, é nelas que estão reflectidos os valores escotistas e aquilo que escoteiro é.
•Na educação pela acção, o escoteiro aprende fazendo, consolidando através da prática o que aprendeu em teoria.
•Na vivência em pequenos grupos, as patrulhas, os seus companheiros de aventura, onde a amizade e a lealdade imperam, sempre com acompanhamento e conselho de adultos, os chefes, os seus amigos de confiança mais velhos.
•Em programas e actividades diversificadas sempre de acordo com o interesse do escoteiro. Para tal fazemos uso de diversos jogos e técnicas, preferencialmente realizados ao ar livre e em contacto com a natureza, direccionando muitas dessas actividades para o apoio e serviço à comunidade.

Jobshop: dia da Especialização

O destaque de hoje do Jobshop (iniciativa da Católica dedicada às saídas profissionais de Direito) vai para a conferência sobre Especialização pelo Dr. José Miguel Júdice, seguida de discussão. Às 16.30, na Faculdade de Direito da Católica (Lisboa). Entrada livre. Edifício da Biblioteca, área das pós-graduações de Direito.

21 fevereiro 2005

Jurisprudência Constitucional: nºs 2 e 3 disponíveis

Podem ver-se no Cum Grano Salis os índices dos números 2 e 3 desta nova revista jurídica.

Sócrates, dia 1

José Sócrates e o PS tiveram a vitória que se esperava – se havia alguma incerteza ela residia na obtenção ou não da maioria absoluta. A surpresa esteve na progressão do BE. A simpatia e a espontaneidade de Jerónimo de Sousa confirmaram um bom resultado para a CDU. A mudança de postura e o “assobiar para o ar” do CDS/PP e do seu líder não foram compreendidos pela população. PSL e o seu séquito tiveram a recompensa merecida para as trapalhadas em que se meteram.
Contudo, há também outros sinais sobre os quais importa reflectir: os votos brancos e nulos subiram bastante, sobretudo os primeiros; o PND de Manuel Monteiro & Companhia, depois de uma campanha errática, não conseguiu sequer ser o primeiro dos últimos; a subida da esquerda contemplou até os partidos mais pequenos, como o PCTP/MRPP e o POUS; o PNR, de extrema-direita, mais que duplicou a votação.
E agora? Exige-se do PS e de José Sócrates a capacidade de formar um governo sólido, competente, com personalidades de capacidade reconhecida e de credibilidade inatacável. Não há desculpas para evasivas, reticências ou cedências ao aparelho puro e duro. Os eleitores disseram claramente que queriam um governo que ponha fim ao desvario dos últimos meses.
O momento da formação do governo será o primeiro grande teste de José Sócrates. Os que nele votaram, como eu, confiam que será capaz de encontrar as pessoas certas para dar um novo alento a Portugal. Vamos a isto?

Ainda outras - as presidenciais propriamente ditas.

Conhecidos os resultados das legislativas, começam a preparar-se as presidenciais.
Cavaco Silva afastou-se estrategicamente de Santana Lopes e do PSD para que a sua candidatura não fosse beliscada pela previsível hecatombe eleitoral destes. Mas será que Santana vai ainda estrebuchar para que se cumpra até ao fim o presságio de Natália Correia, anunciado em 1983?

Malvadas línguas que dão fel à fama

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Também o PSD lá nos seus topes
Um prodígio infantil com brio exibe.
É o pasmoso bebé Santana Lopes
Que PR há-de ser de arquinho e bibe.

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Agora com a maioria absoluta do PS de José Sócrates, António Guterres parece destinado a ser candidato. Mas será que Freitas do Amaral desistirá facilmente de tentar ser o recurso da “esquerda”?

E o povo? Vai voltar a repartir os ovos pelos diversos cestos?

Outras eleições

«Será que os nossos conselheiros do activo vão, por momentos, levantar o sobrolho do processo e olhar uma vez para a realidade que os circunda? Valia a pena ligar o despertador!»
É assim que conclui a excelente crónica de A. L. M., hoje, no Cum grano salis.

SIM à Constituição Europeia

Los españoles dieron ayer un sí muy mayoritario a la Constitución europea en un referéndum que registró una participación superior al 42%.
El 76% de los votantes apoyó el nuevo tratado frente a un 17% que se opuso, con el 99% de los sufragios escrutado.
Zapatero invita al resto de Europa a "seguir el camino trazado por España" mientras Rajoy le culpa de la "alta abstención".

Perdi, sem surpresa

Votei em quem perdeu, não me espanta, já me aconteceu muitas vezes e nem sequer estou surpreendido. A única coisa que me surpreende, é a tremenda viragem à esquerda que o país votou. O que vem confirmar aquilo que tantas vezes sublinhei: o grande centro é muito vulnerável, na vertigem de estar ao lado de quem está mais perto de ganhar.
Paulo Portas. O homem demitiu-se, fez bem, mas eu não acredito que ele não volte. Vai voltar. Vai voltar porque, afinal, ele não foi assim tão derrotado como nos disse. Vai voltar, porque ele acredita naquilo que diz e naquilo que faz. E vai ser obrigado a voltar, porque assim vai ser obrigado pelos militantes do CDS-PP e porque, neste momento, quem se perfila para o suceder é a incontornável Zézinha, coisa que não pode ser pior.
Fez mal Manuel Monteiro em embarcar na sua aventura. Uma aventura que estava condenada à partida. Mas o Manel sempre foi assim: sempre desconfiou da sua própria sombra. Conheço-o bem, e às suas desconfianças que o levaram a romper com o CDS.
Santana Lopes. Perdeu em toda a linha. Repito: o homem não é tão mau quanto mostrou enquanto primeiro-ministro. Continuo a pensar que ele é melhor do que Barroso. O grande problema: assumiu o poder em circunstâncias excepcionais, sem nunca ter sido líder da Oposição, num momento difícil para o país, num momento em que não estava preparado para assumir a função. Esse foi o seu grande erro. Deveria ter deixado que Manuela Ferreira Leite sucedesse a Barroso enquanto primeiro-ministro, assumindo ele a liderança do PSD. Tudo teria sido diferente. Provavelmente, nem teria havido eleições antecipadas.
Sócrates. Ouvi-o já depois de conhecidos os resultados. Continuo a pensar o mesmo que pensava sobre o senhor. Não me convence. Nunca irá convencer-me, creio. Espero que me engane. Sinceramente. Eu quero que Portugal avance. Seja quem for primeiro-ministro. Milito, mas não sou fundamentalista. E estou preocupado com a hipótese de começar a aceitar a postura de Miguel de Vasconcelos...
Governo. Há pouco estive a falar com o jcp deste blog. O que vai acontecer? Um governo do aparelho ou um governo pintalgado de independentes que confiram credibilidade à governação? Claro que vai haver independentes. E claro que vão existir até que haja a primeira remodelação governamental. A partir daí, manda o aparelho...
Futuro. O tempo que falta até às autárquicas é demasiado curto ou demasiado longo? Faz toda a diferença. Se é demasiado curto, a onda rosa vai reflectir-se nas autarquias. Se for demasiado longo, talvez o PS comece a pagar a factura e comece a perder o estado de graça. E começa tudo de novo. As férias pelo meio abonam a favor do PS, mas não podemos esquecer que o próximo governo vai ter de ser impopular. Logo se vê.
Jerónimo melhor que Carvalhas. Não surpreende. Como não surpreende o resultado do BE.

20 fevereiro 2005

Uma expectativa

Está praticamente no fim a geração que sempre entendeu que a política se funda na filosofia e não na economia. Nos “Dois tratados sobre o Governo” escreve Locke: “Sendo os homens todos iguais e independentes, ninguém tem o direito de prejudicar o outro na sua vida, na sua saúde, na sua liberdade e no seu direito a não ser excluído dos bens do mundo”. E conclui: “O bom governo deve assegurar que todos possam viver de forma confortável, segura e pacífica”.
Os novos políticos não são capazes de colocar a economia ao serviço de uma ideia sobre o homem: aprenderam a fazer política, jogando o jogo da impostura. Não admira, por isso, que a muitos eleitores já pouco interesse quem ganhará as eleições. Ao colocarem uma cruz no boletim de voto, um único desejo lhes está presente: «oxalá que o meu voto, ajude a evitar que a economia exclua ainda mais dos bens do mundo os que já vão sendo dramaticamente excluídos».

PARA DESCONTRAIR ATÉ ÀS 20 HORAS

Quando da exposição no Museu de Serralves já aqui se falou da pintura da Paula Rego.E lembro-me de que os gostos se dividiram.
Eu gosto! Gosto pelo traço, pela sinceridade e expressiva linguagem dos corpos moldados a partir de dentro, porque nos espelha e desvenda ângulos que a limitada amplitude dos olhos comodamente oculta.
Vem isto a propósito de um livro, já do ano de 2004, edição bilingue (português e castelhano) com o título Nós / Nudos – 25 poemas de Ana Marques Gastão sobre 25 obras de Paula Rego.
Para quem aprecia o diálogo entre as artes.
Nalguns passos do diálogo as palavras parecem ter-se acanhado, mas não em

Obediência

Manipulo a experiência enquanto sinto o corpo silábico, astuto.
Dissolvo-me, contraio-me, debruço-me sobre a animosidade,
ajoelho, digo sim: consentir é uma dinâmica de recusa.
Meus olhos são dois buracos negros num sarcófago, mas as mãos
amachucam, furtivas, as palavras obstinadas que me levam a ti.


Ana Marques Gastão

Vou votar!

J. A. Barreiros, in A Revolta das Palavras

(...) "há uma carta dele (Leal da Câmara) para a mãe, em que a certo passo explica, a propósito da República, recém instaurada «o que há de melhor nesta forma de regime é a faculdade em desalojar os ineptos e incompetentes, diga-se o que se disser».

Ora aí está! Diga-se o que se disser, logo à tarde vou votar! Ainda é o que há de melhor nesta forma de regime!"

(in)Capacidade eleitoral há 40 anos

Um oportuno post no Ciberjus recorda-nos - "Agora que andamos em tempos de eleições, em que há muita gente desencantada" - "o longo caminho que percorremos até atingir o actual Estado Democrático". Veja aqui (Lei 2015, de 28/5/46) quem (não) tinha capacidade eleitoral apenas 9 anos antes do 25 de Abril de 1974.

Reflexões

Tenho andado fugidio, eu sei, não por qualquer razão especial, é apenas a dureza dos dias. E estou de volta, pelo menos hoje, em que tinha de vir aqui para esclarecer posições, não vá alguém pensar que fujo ao combate ou que escondo as mudanças de opinião.

Tive um sábado tramado, um sábado de profissional liberal - os tais que não pagam impostos (dizem os politicamente correctos), mas que têm de trabalhar para poderem sobreviver. Só jantei, uma sopa e um prego em prato, coisa a que já estou habituado. Não fiz algumas coisas que me apeteciam, mas, pronto, é a vida.

Saí à noite. Coisa que já não fazia há uns tempos, desde o fim de semana cultural para as pessoas que vieram de Lisboa. E, curiosamente, fui aos mesmos sítios, alterando apenas a ordem dos sítios. Fui com pessoas de quem gosto. Fui, também, porque precisava de me alhear das coisas e dedicar algum tempo à reflexão. Pois, sábado era dia de reflexão eleitoral.

Chegamos ao ponto. Disse aqui, não me lembro quando, que não votaria nestas eleições. Que já não acreditava em nada. Mais tarde, disse aqui que o sectarismo da esquerda poderia levar-me a mudar de ideias e a ir votar. Pois...

Amanhã vou votar. O eleitor nº 6 da freguesia de Soalhães, concelho de Marco de Canaveses, Joaquim Manuel Coutinho Ribeiro, vai votar. E vai votar no PSD. Não porque esteja entusiasmado com Santana Lopes, não porque entenda que o país fica bem servido com Santana Lopes e com o seu companheiro de estrada Paulo Portas.

Voto PSD, porque não vejo em que melhor posso votar. Aquilo que Santana não conseguiu - levar-me a votar -, conseguiram Sócrates e Louçã. Sócrates é menos que Santana, é uma espécie de aparição sem a mística das aparições. Louçã é um senhor insuportável, já não consigo ouvi-lo, de tão perfeito que quer parecer. Restava Jerónimo. E Jerónimo é simpático, é afável, é muito melhor do que Carvalhas. Mas, enfim, a esquerda tem-me "explicado" que não devo votar na esquerda marxista-leninista, porque a esquerda nunca seria capaz de votar na direita, ainda que fosse no super-homem da direita...

Leio nos jornais que o voto de hoje é sobretudo um voto contra. Pois é. O meu também. Só que em sentido inverso.

(Quanto ao resto, quero que fique bem claro: em termos de interesse pessoal, é-me indiferente quem ganha. Não estou à venda...).

E uma nota final: ganhe quem ganhar, que seja capaz de nos devolver a vontade de continuar a ser um país. Uma nação. Um povo.

Voto no Almocreve

Domingo: um último dos desenganos

Admirável mundo o nosso. Hoje, num país em adiantado estado de decomposição, eternamente suspenso de esperança, vilmente amansado pelos aparelhos políticos, sem espanto ou revolta possível, que nos resta senão a viagem discreta às urnas, no próximo Domingo? Acaso o silêncio sobre a mediocridade gerada por Guterres/Barroso/Lopes & Portas, a mesma sopa caseira ou enfado de todos os dias, exige cidadãos açaimados, filhos da tristeza submissa, rebanhos muito arrumadinhos? A poeira não vos assusta?Hoje, mesmo que o espectáculo tenha sido execrável, mesmo que não acreditemos que se possa reinventar o tempo ou mesmo que em nós não habite o gozo do pasmo pós-eleitoral, o nosso brado contra esta paisagem a cair de tédio, o nosso modo de continuarmos vivos é votarmos pela partilha da mudança, dar um voto de protesto contra o situação instalada. Para nós o canto de maiorias absolutas, isto é submissas, será sempre um recreio pouco excitante. Um voto de protesto a nossa eterna fruição.

Post e imagem no Almocreve das Petas

Devotos

Imagino que o Dr. Santana, zangado consigo e com os seus, vá votar no Partido Humanista. O segredo do voto serve para isso. Cada um pode votar em quem não seria de presumir que votasse. Não deixa de ser enigmático que a liberdade da democracia se sustente de opções socialmente não transparentes. O que disse para o Dr. Santana, poderia escrevê-lo para o Dr. Monteiro. Se este tivesse sentido de humor. É óbvio que o Dr. Sócrates irá votar em si. Ainda que o faça, tal atitude nunca será de uma certeza certa. Incomoda-me que só saiba, ou possa saber, do meu voto. E do voto do Sr. Jerónimo. No que tange aos restantes, é improvável que votem nos outros. Mas pode acontecer. O segredo é vital para a democracia. E para a não discriminação. Para que ninguém possa ser discriminado por causa do seu voto, é que se torna necessário que ninguém saiba do sentido do voto de quem quer que seja. Cada um de nós gostaria de saber em que vai votar a vizinha do 6º Esquerdo. Ou o juiz da 1.ª Vara Mista. As eleições estimulam uma curiosidade mórbida. O Julião, meu colega de escritório, passou a semana a anunciar que já não acreditava nessa coisa dos votos (expressão dele). O que não quer dizer que não vá votar. Na segunda-feira de manhã, haverá mais rostos de vencedor do que os votos contados para o Partido Socialista. O Julião será um desses rostos. Numa sociedade sem medos nem preconceitos, as cruzes não seriam necessárias. Os braços no ar seriam suficientes.

19 fevereiro 2005

"Crianças de um novo mundo"

No último dia da Campanha eleitoral, sem motivação para participar em comícios, nem para entrar nas “festivas” manifestações de rua, acabei por ser levado por um amigo a um debate, organizado pelos rotários de Espinho sobre “globalização e reconhecimento multicultural”. O tema propiciou uma reflexão frutuosa e, quando se concluía que a cultura era mais determinante na afirmação dos povos do que a economia, alguém levantou a questão das crianças “índigo”. Desconhecia essa tipologia de crianças. Foi dito que o seu padrão de comportamento indica-nos que há mudanças biopsicológicas na natureza humana: uma interacção baseada na competição, na inveja e no poder está a desaparecer. Uma nova forma de estar na vida parece apoiar-se numa tendência natural para perceber que a fonte da felicidade não está nos bens materiais.Qual o meu espanto, quando, hoje, na revista “XIS”, do “Público”, encontro um artigo sobre este tipo de crianças, “Crianças de um novo mundo”.Eis um assunto interessante para retemperar forças num dia reservado à reflexão.

Memória


A memória indelével

das águas verdes do rio.
Da vastidão do mar.
Das ondas,
corpo a dentro,
do desejo.
Do céu,
cristal frágil,
imobilizado na retina.
Das mãos, amorosas,
a me buscarem.

E uma ternura mãe de todos os sentimentos.
Mãe da terra,
do céu,
dos ventos que revolteiam as folhas das árvores,
dos oceanos.
Mãe dos cordeiros que pastam inocentemente.

Ternura que me apascenta
pelos caminhos pedregosos.
Essa ternura imensa.

E o desejo, que me move
e move-se coleantemente
no meu corpo.
Desejo e gozo
que me põem pó,
irmanada ao mundo.

Nada mais sei,
nem quero saber.
Porque imersa na ternura e no gozo,
sou apenas átomo.
Ou átimo.

Nada sei,
nem posso.


Silvia Chueire

Formação em ciências forenses

"Faltam peritos em ciências forenses em Portugal. E esta é uma das razões, alerta Rogério Alves, bastonário da Ordem dos Advogados, para muitos atrasos de julgamentos. Para fazer face às lacunas detectadas, a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto está a estudar o lançamento de pós-graduações e mestrados em química e geologia forense, estando também em análise a parte da biologia.(...)
Saudade Nunes, directora do laboratório de Polícia Científica da PJ, afirma que "mais peritos poderiam ajudar a desenvolver outros tipos de análise". Afirmando que o centro tem capacidade de dar resposta em tempo útil, a responsável salienta que, contudo, gostaria de ter mais recursos humanos. A possibilidade de Portugal poder vir a contar com formação especializada na área é importante, até porque, explica «seria melhor em termos financeiros» para a PJ, que tem de recorrer a unidades no estrangeiro para formar peritos."

In DN

Não restam dúvidas que o conceito de "justiça em tempo útil" ainda é, por certas bandas, muito elástico.

POST-IT: Homenagem a SOPHIA

III CICLO DE MÚSICA E POESIA PORTUGUESA DO SÉC. XX - HOMENAGEM A SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN , inicitaiva da Casa de Fronteira e Alorna - dias (16 de Fevereiro) 2, 16, e 30 de Março, 13 e 27 de Abril, 11 e 25 de Maio, 8, 22 e 29 de Junho de 2005, no Palácio Fronteira, em Lisboa.

"Dado o carácter especial de homenagem de que este ciclo se reveste, entendeu a Fundação (da Casa de Fronteira e Alorna) dar a possibilidade a outras pessoas, para além dos leitores que colaborarão regularmente nas sessões, de a ela se associarem lendo um poema em voz alta. Bastará para isso que nos informe atempadamente, por carta ou e-mail (cristinasousa@ip.pt), do poema que escolheu e que compareça na respectiva sessão. Caso a escolha recaia num poema que esteja “tomado”, será informado do facto e terá a possibilidade de alterar a sua escolha."

PROGRAMA, curricula vitae dos participantes, preços e ficha de inscrição - ver aqui .

Opúsculos


Opúsculos, por Alexandre HERCULANO (1810-1877),
Lisboa : Viúva Bertrand, 1873-1908, 10 vols.

17 fevereiro 2005

Eleições para o SMMP

No site do SMMP:

LISTA ÚNICA NAS ELEIÇÕES PARA O SMMP
As eleições para os corpos sociais do SMMP vão decorrer no próximo dia 12 de Março. Informam-se os colegas de que apenas uma lista, encabeçada pelo Procurador Geral Adjunto, Dr. António Cluny, se apresentou ao acto eleitoral. O respectivo manifesto eleitoral será divulgado em breve; para já pode consultar aqui a composição da referida lista.

No jardim da vida

Hoje trago-vos um link para um texto de J.A. Barreiros, com o título "No jardim da vida". Não creio , pese embora a minha falta de criatividade, que seja coisa pouca - poucas são as palavras do autor, mas imensa é a sua capacidade de nos tocar no que ainda guardamos em nós de profundidade e sensibilidade, mau grado a rotina mais ou menos frenética da vidinha.
Podem lê-lo aqui, no A revolta das palavras.
aditamento : o link deixou de estar disponível, pelo que se transcreve o texto:
17.2.05
No jardim da vida

Nestas alturas em que está tudo na imprensa atulhado de política eleitoralista, dei comigo, fugido, a ler tranquilamente todas as folhas do «Jornal de Letras», tal como os velhotes com vagar que, nos jardins, lêem dos jornais os anúncios e mais a necrologia. Uma sensação de paz e de tranquilidade invade a alma de uma pessoa, quando uma coisa destas se proporciona, Vem lá, neste último número, um texto de apontamentos auto-biográficos do Jorge Silva Melo, um texto tocado de humanidade, como um jardim soalheiro povoado de pessoas. Vi que ele tem 58 anos, uma idade de referencias que me dizem sempre qualquer coisa, talvez рог eu ter 55. Li e reli, tal como um velho num jardim, a escutar de um outro as grandes e pequenas historias de uma vida. Cheguei ao fim, com a alma a dormitar, contente, «a vida a andar por aí».
POSTED BY JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS AT 6:14 PM


Um músico universal

Carlos Paredes

Se fosse vivo, Carlos Paredes completava hoje 80 anos.
Coimbra presta homenagem esta noite ao mestre da guitarra portuguesa num espectáculo que cruza a música, o cinema e a literatura. Entretanto, o último momento do projecto "Movimentos Perpétuos", dedicado ao guitarrista, ficará concluído até ao final do ano com um site que disponibiliza a sua obra.
Ler mais aqui...

"O Divórcio Amigável"

No Random Precision...

Recebi a carta!

Já recebi a carta de Santana Lopes. O remetente era anónimo e o destinatário estava errado, já que se dirigia a quem não costuma votar, o que manifestamente não é o meu caso. Mesmo não me sendo dirigida, abri o envelope e cometi a ousadia de ler a missiva.
Fiquei então a saber que Portugal precisa do meu voto para fazer justiça, que alguns poderosos “os” querem afastar e que esses mesmos poderosos acham que PSL é de fora do sistema. Diz-nos também que não se dá bem com este sistema (por onde andou ele nos últimos 30 anos?), que tem defeitos como todos os seres humanos e que nenhum político é tão mal tratado como ele. A terminar, pede-me o favor de votar.
Caro Pedro Santana Lopes, fique descansado porque não me fica a dever nenhum favor. Nem eu a si.

16 fevereiro 2005


David Hockney, Three Chairs with a Section of a Picasso Mural (1970)

Não aos boicotes eleitorais

O “JN” de ontem trazia esta notícia sobre uma manifestação de utentes da extensão de Soalhães do Centro de Saúde de Marco de Canaveses contra a falta de médicos de família e o mau serviço aí prestado.
Concordo inteiramente com este protesto cívico da população da minha freguesia natal, cuja realidade conheço bem. Aliás, numa sessão da Assembleia Municipal, há praticamente dois anos, tive oportunidade de desafiar o executivo de Ferreira Torres a implementar medidas que favorecessem a fixação de médicos no concelho, como a atribuição de subsídio de renda de casa, de uma compensação pelas deslocações ou de outros incentivos ao dispor da autarquia (taxas, tarifas, etc.). Sem resultados até hoje, como se vê.
Entre os manifestantes havia já quem defendesse um boicote às eleições de Domingo, ideia que rapidamente deve ser posta de lado. Participar nas eleições é um direito e um dever a que todos devem corresponder, como acto maior da cidadania e da responsabilidade democrática. Fazer as escolhas em consciência, quaisquer que elas sejam, é o maior contributo que cada um pode dar para ajudar a corrigir o que está mal e a construir um futuro melhor. Quando se “organiza” um boicote às eleições, os principais prejudicados são sempre aqueles que se vêem impedidos de votar.

Europe vs. America

Não, não é este debate. É este excelente artigo da New York Review of Books.

O Dr. Sá Coimbra

Por Artur Costa, no Cum grano salis:

Li, já lá vão uns dias, uma curta, mas digna nota biobibliográfica de Sá Coimbra, e fiquei com vontade de acrescentar alguma coisa da minha experiência pessoal com essa figura ímpar de magistrado que ele foi. Na verdade, tive o privilégio de conviver com ele e com ele compartilhar alguns projectos, como o da Fronteira. Conheci-o na posição de advogado estagiário, quando o Dr. Sá Coimbra era juiz de um juízo correccional, no Porto. Tive, então, ocasião de observar a sua qualidade de magistrado íntegro e radicalmente independente, que se impôs ao respeito de todos os advogados e de todos os que com ele trabalhavam. Estava-se ainda no fascismo e, por isso, mais sobressaíam tais atributos, que, aliás, lhe valeram a marginalização e a perseguição, quer do poder político, quer do poder corporizado nas instituições judiciárias, estas não sendo mais do que a emanação daquele. O Dr. Sá Coimbra ficou a marcar passo na 1ª instância, até que o regime democrático instituído pelo 25 de Abril lhe fez justiça.
...
Para continuar a ler, clique aqui.

15 fevereiro 2005

A bem da República


Lisboa, 11-02-2005

Ex.mo Senhor Procurador Geral da República

Para os efeitos devidos, vimos expor a V.Exa. o seguinte :
1. Tal como aconteceu a um grande número de cidadãos portugueses, a Associação Cívica República e Laicidade ( associação constituída por escritura pública de 27/1/2003 ) tomou conhecimento, através dos meios de comunicação social, de que, no passado domingo, dia 6 de Fevereiro, o Sr. Padre Lereno Sebastião Dias, sacerdote da Igreja Católica Portuguesa a exercer as funções de pároco da igreja de S. João de Brito, em Lisboa, na missa dominical que celebrou naquele templo e que foi simultaneamente transmitida, via rádio, através da Antena 1 da RDP ( Rádio Difusão Portuguesa – Empresa Pública ), claramente exortou quem assistiu, directa ou indirectamente, àquele acto religioso a não dar o seu voto aos partidos políticos cujos programas eleitorais não respeitam a ética cristã.
2. “Conhecemos os partidos, conhecemos os programas, as práticas que têm operado em Portugal, as pessoas, qual o seu perfil” (...) “Um cristão deve aprovar por voto uma ética que não seja indigna de si próprio, por exemplo a vida” (...) “a ética cristã promove a vida humana desde a concepção até à morte natural” (...) “Aborto nunca, eutanásia nunca” (...) “A ética cristã reprova que seja equiparada a família a uma união de facto de um homem com um homem ou de uma mulher com uma mulher” (...) “Poligamia nunca, divórcio nunca” (...) constituem algumas das afirmações então proferidas pelo acima identificado Sr. Padre Lereno Sebastião Dias na sua homilia radiodifundida e que, posteriormente, foram também reproduzidas e divulgadas pela imprensa escrita e, designadamente pela agência LUSA.
3. A Lei Eleitoral da Assembleia da República [ Lei 14/79, de 16 Maio ( Actualizada com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 2/2001 de 25 de Agosto ) ] estabelece, no seu Artigo 153º ( Abuso de funções públicas ou equiparadas ), que “O cidadão investido de poder público, o funcionário ou agente do Estado ou de outra pessoa colectiva pública e o ministro de qualquer culto que, abusando das suas funções ou no exercício das mesmas, se servir delas para constranger ou induzir os eleitores a votar em determinada ou determinadas listas, ou abster-se de votar nelas, será punido com prisão de seis meses a dois anos e multa de 10.000$ a 100.000$.”
4. Salvo melhor opinião, afigura-se-nos que o acima citado Sr. Padre Lereno Sebastião Dias, pároco da igreja de S. João de Brito, por sua única e exclusiva iniciativa ou em situação de conivência com outras pessoas, ao proferir as afirmações que proferiu, na qualidade em que as proferiu, no local onde as proferiu, na ocasião em que as proferiu – já em período oficial de Campanha Eleitoral para a Assembleia da República, lembra-se e sublinha-se aqui – e também pelos poderosos meios que utilizou para as difundir, infringiu claramente aquela norma legal, incorrendo, portanto, na prática de um crime público que, além do mais, foi ainda publicamente cometido e largamente publicitado.
5. Em conformidade com os factos acima sumariamente descritos e que, em nosso entender, indiciam grave prática ilícita, entendemos que o Ministério Público deve impreterivelmente proceder às convenientes averiguações, bem como ao levantamento do correspondente processo-crime, tendo em vista os procedimentos formais de avaliação e julgamento, por tribunal competente, do/s eventual/eventuais responsável/responsáveis por aqueles actos, por forma a que, verificando-se a sua efectiva prática e os exactos termos ( com agravantes ou atenuantes ) em que tenham sido cometidos, o/s seu/s autor/autores possa/m ser devidamente punido/s nos termos da Lei.

Sem outro assunto,
a bem da República,

Luis Manuel Mateus
( Presidente da Direcção )

Mourinho super star

José Mourinho vai ser condecorado esta semana pelo Governo português com o Colar de Honra ao Mérito Desportivo. Certamente por acaso, essa distinção será outorgada a escassos dias das eleições legislativas e decorrerá na residência oficial do primeiro-ministro.
José Mourinho, no entanto, veio ontem dizer que se recusa a participar em actos de campanha eleitoral e que não foi convidado por qualquer partido para esse efeito, mesmo depois da recente visita “turística” de Luís Filipe Menezes a Londres. Como é óbvio, a entrega da condecoração nesta altura nada tem a ver com o momento eleitoral que atravessamos.
Já não há pudor? Depois da dupla condecoração ao FC Porto no período de pré-campanha – acorreram então ao Dragão Santana Lopes e, depois, o ministro do Turismo Telmo Correia – faltava a entronização de “Mourinho de Portugal”, como o próprio disse que pretende agora ser reconhecido, nas vésperas das eleições.

PS: como ficou explícito em escritos anteriores, sou adepto e associado do FC Porto e fui um admirador do trabalho de Mourinho nos dois anos e meio em que esteve no clube, o que não me impede de criticar estes despudorados aproveitamentos partidários em momento eleitoral.

Luto nacional sem regras

O facto do Governo ter decretado um dia de luto nacional pela morte da irmã Lúcia, não o tendo feito com outras personalidades que faleceram recentemente como a ex-primeira-ministra Maria de Lourdes Pintasilgo, veio evidenciar a necessidade de haver regras mais claras para o efeito.
Como se pode ver aqui, os governos vão decretando o luto nacional com um critério demasiado lato e ao sabor da emoção ou das afinidades políticas e ideológicas, sem um padrão de referência consensual.
Entendo, por isso, que os governos e o Protocolo de Estado deveriam seguir regras claras e precisas no momento de decretar o luto nacional, impedindo a banalização deste instituto ao sabor de quaisquer favoritismos ou das emoções próprias da sociedade mediática em que vivemos.

Luto porquê ?

O luto decretado pelo falecimento da irmã Lúcia, na aparência um acto banal, diz muito sobre a natureza do chamado Estado de Direito em Portugal. A questão é assim : muitos portugueses acham que a irmã testemunhou um milagre, outros (como eu) que tudo não passou de um embuste grosseiro. Até aqui tudo bem: que cada um acredite ou desacredite no que quiser e o Estado que não se meta. Mas meteu. Na verdade, o luto oficial por alguém terá que se fundamentar na prática de actos relevantes ao serviço da comunidade. No caso da irmã Lúcia, só há dois fundamentos possíveis: testemunhou um milagre e passou a vida fechada num convento. Em qualquer dos casos, o Estado, ao decretar o luto, ou está a declarar a veracidade de um milagre ou então a reconhecer a superioridade (ou santidade) da vida monástica. Volta D. Miguel, tu, que bem te aproveitaste do milagre da Senhora da Rocha, estás mais que perdoado !

Jobshop: gestão de empresas e advocacia de negócios

O destaque de hoje do Jobshop, iniciativa da Católica sobre saídas profissionais de Direito, vai para:
Debate: Gestão de empresas e advocacia de negócios (12.00 h):
Moderador: Prof. Doutor António de Sousa
Intervenientes: Dr. Paulo Lowndes Marques (Abreu, Marques, Vinhas & Associados)
Dr. Fernando Ferreira Pinto (Ferreira Pinto, Olavo Cunha & Associados)
Dr. Pedro Cardigos (Abreu, Cardigos & Associados)
Dr. António Palma Ramalho (Administrador da CP)
Dr. Helder Santos (Administrador da Jular Madeiras, S.A.)
Outras iniciativas de hoje: apresentação de projectos por escritórios de advogados e debate sobre Modelos e Planos de Carreira (17.00 h)
Local: salas das pós-graduações de Direito da Univ. Católica (Lisboa)

Poesia

São árvores e folhas e homens,
a substância das coisas
iluminadas pela luz.

Conspurco-os com as minhas tentativas,
porque nada mais sei da vida,
a não ser ter olhos e ver.
A não ser a memória fotográfica de uns dias

e essa precisão de dizê-la.
E esse confronto com a insuficiência.

O nascer do sol ignora os homens
e seus dramas liliputianos.
Coloca poesia lá,
no espaço privilegiado da percepção.

No claro-escuro
do quadro que jamais pintarei.
do poema que não sei escrever.


Silvia Chueire

ministerium, ministerii

À atenção do nosso carteiro, por causa desta provocaçãozinha aqui, também com votos de que o olho vivo tenha boas oportunidades para não continuar a achar o ministério um mistério, dando razão aos que escreveram:

Ministério - profissão, cargo; Ministério Público - conjunto de magistrados encarregados pela sociedade de requerer a aplicação da lei (do latim ministerium).
(Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira)

Ministerium, ministerii - serviço; função; ajuda; assistência
(Dicionário de Latim-Português", A. Gomes Ferreira - Porto Editora)

(…) l’évolution parallèle qui concerne l’expression ministère public. Ici aussi, on est passé d’un sense large à une acception plus stricte. Le mot «ministère» n’est apparu en français que tardivement, à partir du latin ministerium; «ministère» est donc un doublet savant de «métier». À la fin du XVII siècle, d’après Furetière, le mot désigne «uns profession, une charge, um emploi où l’on rend service à Dieu, au public ou à quelque particulier...». Rendre service à Dieu, c’est le ministère des autels, le premier de tous; rendre service au public, c’est proprement le «ministère public».
Néanmoins, cette expression s’applique encore indistinctement à tous les officiers du roi, dans la mesure où tous rendent service «au public». À partir de là, c’est au cours du XVIII siécle que l’expression s’appliquera plus particulièrement aux gens du roi: si tous les juges sont investis d’um ministère public lato sensu, ce sont les gens du roi qui en exercent la partie la plus éminente, celle qui consiste, selon Denisart, à «veiller à la manutention de l’ordre public en provoquant l’exécution des ordonnances, de la même manière que les procureus (ordinaires) agissent pour l’intérêt de leurs parties».
La notion d’ordre public, l’exécution des ordonnances, la distinction entre la partie public et les parties privées: tous les éléments qui definissent le ministère public stricto senso sont désormais réunis. À la fin du XVIII siècle, le vocabulaire est donc fixé: les «gens du roi», selon la terminologie officielle, ou le «parquet», selon une façon de parler plus familière, exercent le ministère public, au sens actuel de l’expression».
(HISTOIRE DU PARQUET, sous la direction de Jean-Marie Carbasse, PUF, 2000, in Introduction, p. 21)

Julgamentos apressados

Eu não sei se Santana Lopes e Paulo Portas, a pretexto da morte da Irmã Lúcia, decidiram suspender a campanha eleitoral por uma questão de aproveitamento político. Não sou suficientemente inteligente para entrar no pensamento dos outros, nem suficientemente estulto para julgar os comportamentos dos outros.
Mas há uma coisa que eu sei: se eu fosse líder político, estou quase certo de que suspenderia a campanha eleitoral. Por uma questão de convicção e não por uma questão de aproveitamento político.
De resto, estou certo que o mesmo aconteceria se, em vez de ter morrido a Irmã Lúcia, tivesse morrido um ícone da democracia portuguesa, fosse da esquerda ou da direita. Não me parece, pois, que estejamos perante uma confusão entre a política e a religião. Estamos no domínio das convicções e dos sentimentos.
Não nos apressemos a fazer julgamentos.