29 junho 2007

missanga a pataco 21


Outra vez!

Meu querido e velhíssimo amigo Manuel

Convenhamos que isto começa a passar dos limites. Voltaste a fazer anos! Sessenta, desta vez. Livra, pá, estás velho! Se te apressares, coisa que, como se verá, não me parece que faças, ainda me apanhas. Ao fim e ao cabo são só cinco anos. E cinco anos quando se perfazem (que é isso o que te aconteceu, velho, perfizeste, os sessentinhas. Melhor dito, hoje é o primeiro dia dos sessenta e um. Número primo, diga-se, se é que ainda te lembras...) sessenta, são um tirinho, quase nada.
Eu dizia que tu, não tens estaleca para me apanhar. É que não esqueço, old chap, os teus truques para andar tão pouco quanto possível quando eu te desafiava para irmos da rua 59 até Washington Square. Num percursozinho de escassos três quilómetros ofereceste-me três cafés e fizemos a última metade de metro... Se tu desses à perninha como dás ao remo quando fazes canoagem estavas na selecção nacional. Como és preguiçoso e arranjaste um joelho vão ou qualquer coisa do mesmo calibre, uma balela para andar pouco e devagar, tiveste que demorar este tempo todo para chegar aos sessenta. Idade redonda, camarada, o respeitável público começa a olhar para nós como quem olha para a venerável múmia do faraó Ramsés II. E nós? Como é que olhamos para eles, os novos? Com um sorriso trocista? Com inveja? Ou babados como olhas para o Pedro, seis redondos meses e um riso arrasador...?
Seja como for, estás a dever-me um belo almoço, o tal que seria amanhã e já não é porque a “Lindinha” resolveu desconfiar que vai chover! Eu, caríssimo, olho para o céu e nem uma nuvem, mesmo pequena, vejo. Para que a vergonha não recaia definitiva e solene sobre a família Simas Santos fui, de propósito lavar o carro. Até o aspirei, vê bem que sacrifício. E isto porque, sempre que lavo o bólide, chove que Deus a dá. Além do almocinho que não vem, eis que esportulo mais seis euros sem contar as moedas para a maquineta aspiradora... tudo para ver se chove. Vem chuva miraculosa lavar as ruas, as casas e a antiquíssima sovinice do Manel. E traz contigo um abraço dos amigos, perto ou longe, que hoje erguem um copo de três de um tinto decente à saúde do aniversariante. E que venham muitos. E bons. E bem!
Um abraço do teu
M.

na gravura: obviamente Daumier: les gens de Justice

Justiça(s)

Duas notícias no JN de hoje deixaram-me perplexa quanto à aplicação da justiça.

A primeira notícia diz que “líder distrital de Coimbra do CDS-PP foi, ontem, condenada a dois anos e seis meses de prisão, por se ter apropriado de dinheiros públicos, mas o colectivo de juízes do tribunal da Lousã decidiu suspender-lhe a pena por um período de três anos. Ficou provado que Sónia Sousa Mendes se apropriou de uma verba superior a 14 mil euros, referente ao transporte escolar pago por alunos da Escola Secundária da Lousã, onde era responsável pela área da acção social.”

A minha perplexidade resulta da senhora ter ficado com a pena suspensa e com os mais de 14 mil euros. Porque, nos termos da notícia, a sentença não a obriga a devolver o dinheiro.

A segunda perplexidade advém da notícia no mesmo JN segundo a qual “O Ministério Público (MP) constituiu esta semana mais três arguidos, no âmbito do "processo Portucale", mas contra a vontade da Polícia Judiciária, segundo apurou o JN. Trata-se de funcionários administrativos do CDS-PP suspeitos de ajudar a preencher, em 2005, perto de quatro mil recibos com nomes fictícios, para justificar o depósito de um milhão de euros na conta do partido, em 2004. Jacinto Leite Capelo Rego era um dos supostos doadores”.

Foram apenas três funcionários administrativos os contemplados. A PJ propunha mais outros nomes que o Ministério Público não considerou. Então os três funcionários, que cumpriam ordens de alguém, é que são os suspeitos deste caso? Enfim, pobre do mexilhão!

Nestes dois casos poderão existir razões que a justiça conhece para ter que ser assim, mas são razões que me escapam e que bem gostaria de compreender.

28 junho 2007

Au Bonheur des Dames 74


Às vezes uma pessoa tropeça na melancolia. Basta uma música que se ouve na televisão, uma palavra, um livro que cai da estante e, milagre, um papel que sai lá de dentro, eu já ouvi esta história nalguma parte, mas de facto, há um papel que cai. Mas comecemos pelo princípio como dizia um imortal professor catedrático de Direito da não menos imortal universidade de Coimbra. “La saga des chefs du val au lac” colecção petite bibliothéque payot, impresso a 3 de Setembro de o 1980, texto traduzido do islandês com tradução, introdução e notas de Régis Boyer. Na página 3, ao alto e junto do canto direito, uma etiqueta branca pequena com o nº 7390 e por baixo 8/1984 ou seja o número de entrada do livro na minha biblioteca o mês e o ano.
Antes que alguém se espante, devo dizer que tenho, entre mais um cento doutras, a mania das sagas islandesas. Foi vício que me ficou da leitura de Borges, melhor do livrinho “Antiguas literaturas germânicas”. E porventura dalguma leitura de Júlio Verne, “A viajem ao centro da terra” onde é citado Snorri Sturlusen.
Mas tudo isto não tem nada a ver com o papel. O papelucho esvoaçante, o passageiro clandestino de uma saga, melhor dizendo do livro onde estava registada. Esse papel impertinente que cai e que, oh quem dera!, pode conter um segredo, uma carta, alguma inutilidade que, porém o deixa de ser, nimbada que fica pela redescoberta anos depois.
E aqui há de facto uma pequeníssima história, uma dessas anedotas que nos tempos que correm perdem todo o sentido mas que acabam por ser uma vaga fotografia do passado.
De facto a carta –era uma carta – uma folha pequenina em papel quadriculado, arrancado de algum caderno mas escrita a tinta permanente numa letra antiga, cerrada, cuidadosamente contida entre as duas linhas, era da Maria. E a Maria quem é? Perguntará alguma leitora curiosa. Pois a Maria era a costureira que durante anos e anos acudiu lá a casa, quando vivíamos entre a Figueira e Buarcos. Depois de partirmos para África a Maria passou a ir a casa da tia Néné. Convém dizer que para mim e para todos os de lá de casa, a Maria era da família ou tratada como tal. Normalmente vinha muito cedo depois do almoço, lanchava connosco e saía já pela noitinha. Morava a duzentos, trezentos metros, num pequeno andar em cima da mercearia do senhor Falcão, onde a minha mãe tantas vezes nos mandava fazer um recado. A Maria conhecia a vida da casa, o meu pai era naturalmente o médico dela, da mãe, da irmã, médico gratuito já se vê que elas eram pobres. Obviamente a Maria não podia costurar de graça, porque, como já disse, vivia do seu trabalho e ainda ajudava as da casa dela. Em contrapartida era o que se chama uma amiga para todas as ocasiões. E esta carta é exemplo disso.
Anos depois de termos ido para África, voltei para continuar os estudos na Metrópole. E voltei à Figueira, claro. E à Maria, evidentemente, para quem eu continuava a ser um dos meninos. Em idos de 62, já na faculdade, as coisas começaram a aquecer e houve necessidade de pôr a salvo uns livros e alguma papelada. Para o efeito não sobravam os lugares. Não só alguns dos familiares não eram de confiança como sobretudo, as casas de outros eram sítios óbvios para alguma diligencia da polícia. Não cheguei a pedir nada à Maria, foi ela quem, num “casual” encontro comigo em Coimbra, me disse que se fosse preciso passar uns dias sossegado, e sublinhou o sossegado, na casa dela havia vago o quarto da mãe, entretanto morta. Agradeci-lhe mas lembrei-me logo da livralhada a que tinha estima e me custara várias mesadas inteiras. Ó Maria, posso mandar uns livros para lá? Claro que podia. Todavia, resolvi explicar que esses livros poderiam ser hospedes perigosos. Manda os livros, Marcelinho. Disso sei eu que o meu irmão é ferroviário...
E os livros lá viajaram. Anos depois voltaram, claro. Porém, e é aí que a carta intervém, a Maria entendeu guardar uns cadernos e uns papeis que tinham viajado dentro duma caixa de sapatos. Terá entendido que, apesar de tudo, os anos ainda eram os do Estado Novo e que aquela papelada ainda podia dar problemas. Veio o 25 de Abril, a Maria de quando em quando vinha ao Porto para casa dos meus pais, já só como visita, diga-se pois estava já com uns largos anos.
Até que sentindo a Parca perto, lembrou-se, subitamente dos papeis. E como um testamento, e de certo modo era-o, escreveu essa última carta onde me avisava de um par de papeis com quase vinte anos e que me pertenciam. A carta chegou no Verão, princípios de Agosto, metia-a no livro da saga dos chefes do vale do lago e parti para Itália. Em Setembro passo lá, pensei, vou a casa da Maria, vamos comer um robalo a Buarcos, com a tia Néné e com o Tio Marcos, e trago aquilo tudo.
Em Setembro, esqueci-me. O livro estava lido, o papel ficara lá dentro, provavelmente a marcar a penúltima etapa de leitura, e zás!, estante com ele. Até agora. No intervalo, mudei de casa, o livro teve diferentes estantes até chegar a esta, onde jaz com mais uns colegas do mesmo tema, outras sagas avulsas, o volume de sagas da Pleiade, as Eddas, o Kalevala e alguma obra de Sturlusen.
Entretanto a Maria morreu, estando eu longe, nem já sei onde. A casa já não existe e os papeis provavelmente jazem amortalhados numa velha caixa de sapatos, que lhes serve de túmulo. Lembro-me que, nessa misturada, iam também alguns textos cometidos por mim nesses verdes anos. Aí está um pedaço do meu passado, tão morto como a gentil Maria, fada do corte e costura, amiga ora convertida numa sombra amável que, quero acreditar, vai rezando por nós, sobreviventes.

Matisse: paisagem de Collioure

27 junho 2007

CASSETES & CASSETES

Andamos décadas e décadas a ouvir falar da cassete do PC. Aliás, a fama da cassete até serve de pretexto para os afastar dos meios de comunicação social escrita e falada. E o que é que dizem os comentadores profissionais? Que se o PCP fosse como o PCI ou o PCF seria muito mais actual. Que o PCP nunca abandonou a linha estalinista, que não se modernizou, que fala como se fosse o único a defender os trabalhadores, etc.

Se olharmos para os colunistas dos chamados jornais de referência não encontramos lá ninguém afecto ao PCP. O mesmo nos fóruns políticos promovidos pelas rádios ou televisões. Mas será porque o PCP não tem gente capaz? É óbvio que a resposta é negativa. Claro que tem, só que estão rotulados pela cassete. Mas basta que abandonem o PCP para passarem a ter acesso a esses fóruns ou para integrarem governos como ministros, secretários de estado e por aí fora.

Mas, porque é que trago para aqui esta coisa do PCP, eu que até nem sou do PCP nem de nenhum outro partido e que tenho uma cada vez maior reserva relativamente a todos?

É que o PCP é usado para abafar uma ideologia, o marxismo. Ao dizer-se mal do PCP e ao apontar-lhe o rótulo de cassete, de inadequado, incapaz de se renovar, etc., o que se está é a denegrir, a excluir, é a ideologia marxista.

Se olharmos para “comentadores”, “analistas políticos”, “colunistas” que integram os painéis dos órgãos de comunicação social é tudo gente que anda nestas coisas há anos e anos, que não muda de discurso apenas o ajusta em função dos governantes e os interesses instalados.

Tempos houve em que achava as crónicas do Vasco Pulido Valente perspicazes, profundas, oportunas, enfim, o máximo; lia Pacheco Pereira e concluía que o homem raciocina bem, escreve bem e mesmo quando não concordava não deixava de ver ali alguém acima da mediania; Bom, Vital Moreira, Marcelo, Teresa de Sousa, Miguel Sousa Tavares, Helena Garrido, enfim, tantos pensadores a apontar mazelas, a propor, a apoiar medidas

São tantos e há tanto tempo a formular hipóteses, a criticar, que ao fim de todo este tempo e com o país sempre a cair é legítimo que nos interroguemos: Qual a eficácia de tantos textos e de tantos críticos? E, porque razão são tão ineficazes?

Bem, no fundo no fundo, o que vivemos é um jogo, em que uns justificam o emprego dos outros. E o problema só existe para os inadaptados.

Mas penso que seria tudo mais claro e a população ficaria a ganhar se as opções políticas fossem sustentadas pelas opções ideológicas de quem as toma.

No entanto, os nossos analistas criaram uma pseudo neutralidade ideológica, de tal modo que hoje parece que se tem receio em falar em ideologias, como se fosse uma coisa do passado.

Mesmo ao nível governativo procura-se desenvolver toda a actividade política como se o impacto das decisões fosse neutro, em termos dos grupos ou estratos sociais que envolve.

Claro que sempre poderão dizer que a globalização também tramou as ideologias e que hoje o que prevalece é a ideologia do consumo, que se sobrepõe a tudo quanto foi escrito sobre diferentes modelos de organização da produção e distribuição da riqueza. Só que o consumo globalizado é ele próprio o produto de uma ideologia, melhor, um instrumento usado por uma ideologia para impor a sua visão da sociedade.


Estes dias que passam 67


Podemo-nos sempre espantar

1 O Senhor Blair acabou o seu mandato. Muito bem.
Renunciou ao seu mandato de deputado de Sheffield. Não era obrigado a tal, nem isso costuma ser hábito.
Foi imediatamente nomeado “enviado ao Médio Oriente para fomentar a paz”. Convenhamos que para quem defendeu tão ardorosamente a intervenção no Iraque, pejado de armas de destruição maciça (convém lembrar) que mais ninguém viu, a coisa pode pôr em causa junto dos destinatários a sua boa vontade e a sua isenção.
Parece que agora está na moda nomear os ex-primeiros ministros para cargos deste tipo. Os respectivos governos agradecem: um de menos a chatiar! Os recipiendários desta generosidade terão sido consultados?

2 Não é Nefertiti, nem sequer Cleópatra: Hatchepsut. Conhecem? Eu, tradução oblige, soube dela tardiamente e depois li de enfiada três livros sobre o Egipto e fiquei-lhe com grande respeito. Agora descobriram a sua múmia que permanecia solitária e desconhecida num arrumo do Museu do Cairo. E como é que a venerável senhora foi encontrada? Pois por um dente! Um único dente, encontrado dentro de um vaso funerário com o selo da grande faraó. Esse dente e uma múmia com um braço cruzado sobre o peito e as unhas pintadas de vermelho (sinais de realeza) identificaram, ao que parece positivamente a famosíssima rainha. Leitor de romances policiais, admirador recente da civilização egípcia, esta história comove-me um pouco. E, sobretudo, porque isto já é obra dos egiptólogos locais. A descolonização também passa por aqui.
3 Em Madrid, terra bem mais interessante, do que a hispanofobia dominante permite ver, uma livraria de bairro estava para fechar. Motivos graves e familiares não permitiam à proprietária continuar a dedicar-lhe o seu tempo. Ao que tudo indica (e a fotografia no El Pais, deixa ver) era uma casa de amigos de livros e com livros amigos. Um grupo de fregueses habituais associou-se a Marisa Larru para lhe poupar o trabalho e evitar o fecho. O barro manterá a sua livraria mesmo se nenhum dos novos sócios pense que vai ganhar dinheiro. Desde há momentos (se o meu mail já lá chegou) sou o mais novo freguês da “libreria La Regenta” na calle Serrano 228, 28016 Madrid. O mail: regenta@verial.es. Os eventuais interessados poderão mandar um mail nem que seja de apoio, ou esperar que eu tenha notícias sobre como encomendar um livro, pagá-lo, etc. A voz que me atendeu pelo telefone (0034)915 639 277 era alegre e bem timbrada. Ou seja: quem telefonar também terá o pequeno prazer de ouvir uma voz feminina com o sotaque castizo de Madrid.
4 O que leio das declarações do senhor comendador Berardo não augura nada de bom. Pior, faz-me pensar que têm razão todos os críticos do processo Museu Berardo/CCB. Lamento, pois, não alinhar nos “tremolos” embevecidos do senhor primeiro ministro e no exagero de “a partir de agora ser em Portugal que começa o circuito da arte contemporânea”. Alguém devia dizer a estes senhores que convém ter algum bom senso e não fazer declarações altissonantes.
No que respeita ao senhor Mega Ferreira começo obviamente por me solidarizar com ele. O pato-bravismo não pode ganhar sempre que diabo. Mais: o presidente da fundação do centro cultural não tem que ser obrigado a sentar-se no conselho de fundadores da Fundação/colecção Berardo. Pode perfeitamente delegar essa tarefa em qualquer dos seus colegas. Isto se entender que não este o momento de sair do Centro. Convenhamos que este, agora, é uma mera casca vazia. E Mega Ferreira poderá de certeza encontrar outro lugar onde seja menos inútil. Há lugares que nem a peso de ouro!

5 A criatura que dirige a DREN deu muito bom durante dois anos seguidos ao senhor Charrua. Agora põe-lhe um processo disciplinar. À cautela e para que este seja de uma independência à prova de bala, nomeou um instrutor que vive em Trás-Os-Montes!! O facto de o referido instrutor ter sido candidato do PS nas últimas eleições autárquicas e de dever à directora da DREN a sua estadia em Bragança onde não tem lugar não quer obviamente dizer nada. À atenção da Ordem dos Advogados, no caso do senhor ser licenciado em direito e exercer como a advogado.
6 Os actuais ideólogos da reforma a qualquer preço devem achar que o Público é pago pelos bolchevistas, pelo cds ou por alguma seita demoníaca. Pelos vistos os portugueses pagam pela péssima assistência (todos os sistemas confundidos) de saúde nada menos de 22,5% do total gasto. Ou seja só a Espanha e a Bélgica se aproximam de nós. E a Holanda, a Inglaterra ou a França ficam-se pelos 10%. Por acaso também, olha a novidade!..., são todos mais ricos.

26 junho 2007

Eugénio de Andrade


O sal da língua

Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.

Au Bonheur des Dames 73


Variações, 2
Estou a ler, melhor a folhear, um par de livros, enfim uma boa dúzia, que até trouxe para a escrivaninha (amo esta palavra: escrivaninha. Sabe-me à compota de laranja amarga da avó Aldina - a Velha Senhora, para os que me lêem há mais tempo - ao barómetro da Antiga Casa Ribeiro que um genial artífice me reparou. E que, de passagem, me deu uma lição comovente do amor pela profissão, do gosto pela coisa bem feita da simplicidade tão Porto de outros tempos, que o senhor, era um senhor!, irradiava.) enquanto vou ouvindo a Ute Lemper cantar. Ó deuses antigos, ó velhos velhíssimos Heinzelmännchen, de que herdamos o nome, protejam esta mulher, mimem-na, acarinhem-na, forneçam-lhe Pfannküchen frescos, tantos quanto ela pedir. Eu devia dizer berliner Pfannküchen para distinguir a simples filhó da vera bola de Berlim. Ai que saudades de um Berlim que já não há, mesmo dividido mas tão cheio de futuro e nós tão novos e tão capazes de espanto! Gosto de pensar que ainda mantenho intacto o sentido do espanto. E a comoção. E a alegria breve e simples, limpa e inicial que se experimenta com um novo livro, Jesus que pilha aqui tenho, livros velhos e novidades, desde “Os Cangaceiros” de Lins do Rego até um divertido (enfim!) “Erase una vez ele amor pêro tuvo que matarlo” de Efraim M. Reyes com passagem pelo “(Des)caminho para Santiago” e livros de poemas de Angel González, António Gamoneda e do José Tolentino de Mendonça que me tem deixado surpreendido. O homem tem força. Muita.
E a Ute Lemper continua, agora com uma canção de Brel, que dá a exacta medida da sua reinterpretação. Melhor dizendo acaba. Salto para um programa onde vejo o Mia Couto. O programa agora é sobre África. Sobre os estereótipos sobre África. De vez em quando encontro pessoas que foram até lá. Para a praia! Não se lhes peça opinião, muito menos descrição. Foram tomar banho. Os pretos são todos iguais. Iguais e pretos. Descobri, sem surpresa, devo dizer, que ninguém vem com qualquer ideia sobre a realidade vista, visitada. Encerrados num resort, num grande hotel, aquilo que os deveria surpreender não surpreende, tanto lhes fazia África ou a Dominicana, desde que haja praia e um moleque para trazer o daiquiri ou whisky, preto ou mulato é igual, um criado é um criado, pode até ser branco mas isso é mais difícil nos trópicos ou adjacências similares.
O Mia, coitado, bem que se esforça mas o peso de uma África tecnicolor, muito Rainha Africana, torna surda toda a gente. E, todavia, ao que parece, viemos todos de lá, em levas sucessivas, ao azar dos caminhos, perdendo a cor e a melanina ao mesmo tempo. Em trinta, quarenta, cinquenta mil anos, a longa marcha do sapiens sapiens deu isto. E lembro a Ana, na nossa única bicada (a dois) africana, Senegal, ela ia em trabalho, estarrecida: ao fim de meia dúzia de dias, dizia-me: mas eles são tão diferentes fisicamente! Deliciada! E obrigou-me a comer umas coisas à mão em casa de um Abdul simpatiquíssimo, cinco filhos que às tantas estavam todos ao colo da holandesa loira e grande e lher diziam coisas em uolof. disse-me, Vou aprender uolof, há-de ser menos difícil que o português e o Abdul ria como um perdido e jurava que não, português é canja ao pé do uolof, mas a Ana insistia, vou aprender, ai isso é como ginjas, enfim ela não disse como ginjas era o que faltava, mesmo sabendo uns rudimentos de português, português de cama, dizíamos, tontos e felizes, não dá para estas idiomáticas. A Ana nem a morrer aprendeu, aquilo foi tiro e queda, coisa de semanas, puta que pariu isto tudo, um gajo apaixona-se, pensa que afinal a vida pode começar aos trinta e muitos e vem a porra da maligna e zás!, a andar violeta!
Desculpem, mas tudo isto vem de me lembrar que a 25 de Junho, o Hendrik, sogro, enfim quase sogro, porreiro faria anos. Ele que me dizia, a tua casa é aqui, em Haia, perdemos uma filha mas ganhamos um filho, não Hendrik as coisas são mais complicadas, nem eu substituo uma filha, nem esta casa me substitui uma mulher, antes ma faz lembrar e eu, com essa lembrança, não aguento, les portugais ne sont jamais gais, somos uns tristonhos de primeira, se calhar é de propósito, antecipamos estes desastres ou outros. E o pior é que, de quando em quando eles acontecem. No creo en brujas pero que las hay, las hay...
[.....]
Esta crónica, se isso se lhe pode chamar, acaba assim! O autor ia embalado, em quinta, cabelos ao vento num descapotável a desconjuntar-se mas a CG cortou-lhe cerce o voo. Há uma torneira que pinga, avisou, que deita água por fora, agua que estraga os armários da cozinha, temos de ir já ao C*** reclamar, arranjar uma peça nova que isto custou um balúrdio e não tem sequer dois anos de uso. Mas... Nem mas nem meio mas, há um litro de água ou um hectolitro, vá-se lá saber, a tomar liberdades excessivas com o mobiliário. E se não se puder lavar uma xícara na banca não vale a pena cozinhar. E sem cozinhar não se janta. E..., E...
E, ao fim e ao cabo, de que serve lembrar os mortos, nomeá-los, como se isto fosse África e eles fossem os intermediários entre nós e os mundos antigo e futuro a que mais cedo ou mais tarde pertenceremos. Na Europa civilizada, ou quase, a morte esconde-se, tapa-se e esquece-se.

*O (Des)caminho ... é de Cees Nooteboom.

Na gravura:
Vista de Delft de Vermeer. Proust achava-o o mais belo quadro do mundo. Nem que seja por usarmos o mesmo primeiro nome, dou-lhe razão.

25 junho 2007





24 junho 2007

Estes dias que passam 66


Efeméride

Foi no longínquo mês de Junho de 61. Um punhado de leitores, poucos de facto, esperavam ansiosos, ou pelo menos impacientes, pelo nº 19 da revista “almanaque”. Esperavam porque pouco tempo antes, mais propriamente no 17º número datado de Março/Abril desmentia-se categoricamente que a revista estivesse a dar as últimas. É verdade que, por razões mais que evidentes, a critica almanaquiana começava não só a ser mal-vista pelas excelentíssimas autoridades, coisa corrente em Portugal, mas ia ganhando anti-corpos no establishment nacional. Em Fevereiro iniciara-se o fogo de barragem ao reino de Pacheco e ao lugar comum coisa que deixou marca nas criaturas da política, da banca, da academia e da universidade que se viam (e nisso tinham razão) retratadas. Em Março a campanha prosseguia na “guerra aos monumentos”. Com o mote “Para onde apontam estes monumentos. –Para a sua própria monumentalidade!” passavam-se em revista as pequenas vaidades lisboetas e provincianas. Leitores mais avisados que tinham começado a frequentar tardiamente aquele clube mais que suspeito puseram-se á cata dos primeiros números. O Rui Amador, ao ver-me com um exemplar, perguntou-me se eu os tinha todos e, perante a minha negativa, disparou, vai já por eles que isto não dura. Eu, ir ia, disse-lhe, mas não tenho guita que chegue. Magnânimo, o Rui emprestou-me os cacaus necessários e inclusivamente ofereceu-me uma imperial na Brasileira logo que consegui apanhar os atrasados num distribuidor da Baixa que, espantado, nos confiou que já vendera uma boa dúzia de colecções mais ou menos completas. Isto não tem ar de durar, confidenciou-nos. Curiosamente, foi esse mesmo distribuidor que em 63 nos preveniria que o Diário Ilustrado estava por um fio! E estava, que logo acabou.
Vem tudo isto, esta nostálgica memória, de uma revista fabulosa, que hoje atinge preços bem bonitos nos alfarrabistas, porque dei comigo a olhar o espectáculo do mundo e a murmurar, eclesiásticamente (de Eclesiastes) Vanitas vanitatis... a propósito de uma criatura com quem vagamente me cruzei e que, milagre milagrão da noite de S João, consegue ser cega de tanta presunção e vaidade com que se mira num espelho menos sincero do que o da bruxa má. Razões de vária ordem fizeram-me ter acesso a uma carta dirigida a um amigo meu onde ela se reclamava de altos cargos desempenhados ou não. Este “ou não” merece explicação. Para atordoar o correspondente aquela pachecal figura esgrimia de dedo em riste uma longa série de prebendas que tinha, assegurava com empáfia, recusado. Era, juro-o, um rosário que faria o último Senhor ex-Primeiro Ministro roer-se de inveja. Ali, preto no branco, perpassavam as maiores honrarias do Estado, recusadas com olímpico gesto mas propagandeadas com suspeito frenesi. O correspondente da criatura mostrou-me a carta, com ar atordoado (e não era para menos!): tu já viste isto, mcr. Um patriota! Um grande homem! O luzeiro da Ciência Pura e da Dedicação Infinita!
Concordei, claro. Nestes casos, concorda-se primeiro e depois, do vento acalmar vai-se ver se há estragos.
Mas há mais, dizia-me o meu amigo, embevecido e exaltado: Olha só a lista das suas actuais actividades.
Ó pá, não vale a pena, vamos mas é para as sardinhas que estão à nossa espera na Casa Teresa (casa frequentada pelas melhores famílias deste blog, a começar pelo duo “o meu olhar”/JSC).
Não, dizia-me o Empolgado. Tens de ler.
A fome que é boa conselheira, aconselhou-me a atender o pedido do meu amigo. Confesso que fiquei sem fala. E cansado. Muito cansado. O Pacheco em questão disparava com quanta arma tinha e ocupava meia folha de papel almaço com a lista não exaustiva das suas actuais funções. E alguns dos itens eram genéricos (p. ex. escrevera vários livros, muitos artigos, enfim esgotara a tinta Parker Quink de gerações).
-Tás a ver, mcr? Este homem mais do que um génio, do que um santo, é um Monumento perene da Raça Lusíada por mil mundos espalhada. Este homem é um quarteirão. E tão simples, tão terra a terra, tão nós cá todos bem!
- Alto aí e para o baile. Quarteirão só de sardinhas e é porque somos quatro e se calhar sobra. Tu estás é com uma fome canina e ancestral, vês a dobrar e admiras a decuplicar. Ninguém em seu perfeito senso faria propaganda de coisas que recusou. Por mim o gajo até pode dizer que deu uma tampa à Brigitte Bardot nos tempos heróicos. Heróicos dela, entenda-se que ele por essas alturas era discreto como uma ostra perlífera. Vamos para o S João enquanto não aparecem as rusgas marteleiras e os festivos já borrachos. Olha lá, alguma vez leste o “almanaque”? não? Pois vou-to emprestar que andas precisado.
E foi o que fizemos. Ai que sardinhas!

Leitoras gentis: vocês que provavelmente não são do Porto nem de nenhuma das terras que festejam o Baptista (Braga, Vila do Conde, Figueira da Foz...) não acharão qualquer substancia nesta vaga crónica que de facto, em vez dum pobre diabo envelhecido antes do tempo, só vinha lembrar uma fabulosa revista feita por um punhado de tipos que merecem não uma vénia mas um rijo abraço: José Cardoso Pires, João Abel Manta, Luís de Stau Monteiro, Eduardo Gajeiro, Baptista Bastos, Câmara Leme, João Rodrigues, Vasco Pulido Valente, Victor Pala e Carmo, Sebastião Rodrigues, Alexandre O Neil e Alexandre Pinheiro Torres, entre outros. Ou seja, gente que nos reconcilia com o país, com o S João mesmo de martelinhos de plástico, com o preço das sardinhas.
E com o dr. R.R.?
Não, isso também seria de mais!... É outro que tal...

Ó meu rico São João
Padroeiro dos poetas
Dá-me força no coração
P’r’ aturar os patetas.
(com menos sorte do que "o meu olhar" foi esta a quadra que me saiu)

Na gravura Karl Marx e Bogart. Os dois fazem alguma falta. Alguma! antes eles que Maurras e Cruise!


Ainda o aeroporto da Ota (2)

Por se tratar de tema que a todos interessa sobremaneira, trago aqui, para maior visibilidade, um comentário do MCR a este post do JCP.
Comentário no qual, aliás, me revejo inteiramente (bem haja, MCR, por tê-lo escrito, para mais com tanta assertividade e ironia).


«Muito bem Zé Carlos!
V. põe um dedo na ferida. Aliás dois. O primeiro é que refere que a decisão terá sempre contorno político.
E o segundo é que essa decisão política deve ser temperada com o interesse no desenvolvimento harmónico do país.
Eu ainda poria um terceiro: é se depois disso há ou não exequibilidade técnica e financeira.
Assim sendo, e sem tomar partido em algo que é comigo mas que me transcende por eu não ter ao meu dispor mais do que a informação veículada pela imprensa, gostaria de lembrar que contra a Ota militam -e desde sempre!!!- algumas dificuldades técnicas quais sejam a composição dos solos, o gigantismo das terraplanagens, a dificuldade em manter mais pistas e a predominância de ventos cruzados.
Mas, dando tudo isto de barato vejamos então se há opções menos caras. Parece que Alcochete (cujo terreno é do Estado, que tem potencialidade para mais pistas que, ficando a sul poderia eventualmente ser motor de realinhamento dessa zona de deserto e que não sofre dos tais ventos) deveria ser equacionado. Equacionado e não decidido. Para isso há mais itens a considerar e neles o LNEC, apesar de depender da Administração, parece dever ser consultado.
Como também se pode ainda ver a tal opção Ota mais 1. E paralelamente ver se a região norte bem mais dinâmica que a zona da ota e adjacencias poderá ter algum significado no contrapeso a este vago aeroporto.
Estou apenas a especular como cidadão que paga impostos fortes e até á data apenas tem uma vaga garantia que não lhe vão rebentar com a reforma.
O que se passou, caro Amigo, é que o projecto OTA e o TGV a ele semi-associado foram atirados á cara do pagode como factos consumados. Ora os Linos passam mas nós ficamos cá para pagar. Sem reformas espectaculares nem nada que se aproxime.
Houve autismo e arrogância no governo e nos seus porta vozes para já não falar nos "chiens de garde" solícitos e pressurosos que em coro anatemizaram as dúvidas legítimas dos cidadãos. Isto, caríssimo Amigo e Companheiro é que é insuportável. Esta malta não aceita sequer uma pergunta. E vai-se a ver Alcochete estava ali tão perto. O ministro Lino deve ser uma pessoa estimabilissima. Foi do PC? Já saiu. Fala de desertos? já quase que se desculpou. Disse coisas fortes? A gente sabe que o Jardim ainda é pior.
Todavia, caro Zé Carlos, por muito menos um ministro, em França foi mudado de ministério, passou das Finanças para o pomposo lugar do Ambiente e promovido a ministro de estado para dar uma no cravo e outra na ferradura. Todos os jornais sem excepção interpretaram isto como um puxão de orelhas e eu nem quero futurar sobre a data de despedimento do senhor Borloo. Em política, dizia o inefável e cada vez mais presente salazar, o que parece é. E o ministro Lino, pessoa estimável, como disse, não tem jeito para estas coisas. A escola do velho "partidão" marcou-o muito. O homem é autoritário quando pode e afável quando outros mais fortes assobiam. Não é o único. O meu amigo A. ex-preso político, ex-m.l. está tão zangado com o bloco de esquerda e com o pc que todos os dias arranja argumentos para convencer um pequeno grupo de discussão que Lino e Sócrates são os maiores. O diabo é que na argumentação vem sempre o ressabiamento contra alguém e não o bom senso e a boa dúvida. E é isto que o dr. Cavaco (que neste género de política de partido com maioria absoluta tem uma experiencia de muitos anos) vem mandando dizer: cuidado, calma, não criem demasiadas frentes, os cidadãos podem ser serenos mas também se fartam. E ás vezes, uma medida boa mas apressada, pode originar um buzinão na ponte. E um buzinão pode levar á queda inglória de um governo que parecia unsubmersível.
Claro, meu Amigo, que ainda aí não chegámos, Mas que algumas tolices perfeitamente evitáveis se tem cometido, disso não tenha dúvidas. Desde a tal Moreira que processa a torto e direito até à queixa do Sr. 1º Ministro para já não falar nas escorregadelas da srª Ministra da Educação que depois de apanhar em cima com um acordão tem o desplante de dizer que está pronta a repetir o disparate, ou o Sr Ministro da Saude que terá afirmado que o aborto não paga taxa moderadora, estamos perante erros que se pagam cedo ou tarde. E quer saber? Pagam-se sempre mais cedo do que pensamos.
Por isso e estando de acordo em princípio consigo sempre proponho algumas cautelas e muitos caldos de galinha no que toca a temas que só são motivo de discussão porque um ministro apressado achou que não tem que nos dizer nada.
Em política, devemos ser estratégicamente impacientes e tacticamente pacientíssimos. Eu sei que isto custa a engolir mas os resultados estão á vista desde há séculos.

Um abraço

23/6/07

MCR»

23 junho 2007

S. João do Porto


OLHA A RUSGA DO BONFIM
DA SÉ E DE CAMPANHÃ
QUANDO POVO CANTA ASSIM
CRÊ NO DIA DE AMANHA!

Esta foi a quadra que me calhou no manjerico.

A todos os que festejam o S. João uma excelente festa!

Ainda o aeroporto de Lisboa

A discussão em torno da construção do novo aeroporto de Lisboa tem-se resumido (e já não é pouco) a opções de custo económico, de impacto ambiental e de distância face à capital, submetidos a uma visão egocêntrica do poder instalado sobre o que é melhor para Lisboa e para os seus.

Lamentavelmente, a questão não é colocada da forma que deveria ser: se Lisboa precisa de um novo aeroporto, qual é a melhor solução para o país, para o seu desenvolvimento harmonioso e ordenado? O que é que se deve privilegiar como programa condutor da construção de um novo equipamento aeroportuário? O que se pretende do novo aeroporto? Que consequências para outros projectos estruturantes advêm da opção de construir o aeroporto numa determinada localização? O objectivo é fazer do novo aeroporto uma grande plataforma intercontinental, apesar de ser praticamente impossível competir com o efeito de atracção que Madrid exerce sobre a América Latina?

A resposta a estas questões deve esclarecer se o país (e o seu governo) pretende alicerçar o desenvolvimento com base num eixo sobre o Oeste e o médio Tejo (opção provável na Ota), tirando partido das suas indústrias e potencialidades naturais e de uma maior aproximação à região Centro. Se, pelo contrário, se deve privilegiar a margem Sul e o eixo sobre o norte e a costa do Alentejo e a ligação a Espanha. Se, outra alternativa, o que se deve favorecer é a atracção turística de Lisboa e da sua costa, mantendo um aeroporto o mais próximo possível da capital.

Também é importante perceber as consequências dessas opções nos investimentos já realizados ou ainda em projecto e que têm forçosamente de estar articulados com o aeroporto. Falo nomeadamente das vias rodoviárias, da rede de plataformas logísticas, dos investimentos nos portos marítimos, na rede ferroviária e na ampliação do aeroporto do Porto.

O que queremos afinal para o país? Há que pensar e projectar o futuro, tomando decisões políticas consistentes, à luz do que a Europa espera de nós e do que o futuro QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional) desenha para Portugal. Não pode ser o LNEC ou uma qualquer universidade a decidir o futuro do país. A construção de um novo aeroporto exige, em primeiro lugar, visão, estudo e reflexão política. Depois, aí sim, seguem-se as decisões técnicas que decidirão sobre a melhor localização em concreto. Mas a técnica não pode vir antes da política.

missanga a pataco 20


A CG às compras!

É verdade leitoras “velidas" (soo aquestas avelaneiras frolidas. Ora tomem, poesia e da melhor...) isto de um cavalheiro ter mulher é por vezes muito complicado. Eu tinha, e tenho aqui guardados no quentinho, 3 textos escritos quase de rajada e motivados por cartas vossas uns e por sucessos avulsos outros. O meu problema era apenas ir publicando-os devagar, tais e quais saíram do dedinho dactilográfico. Já sei que não é dactilográfico mas dá-me jeito a palavra e enche-me de saudades da velha Underwood compra em décima mão por quinhentos mil reis. Escrevi aí os meus primeiros textos para a Vértice e mais uma série de coisas que um oportuno incêndio levou. Mas deixemos escorrer essa “furtiva lágrima” e vamos ao que interessa: a CG encasquetou na cabecinha perigosa que a televisão que tínhamos no quarto já não cumpria cabalmente o seu dever. Porque era pequena (um mastonço enorme do tempo dos afonsinos!) porque o som estava a piorar (!) ou porque era feia. Recusei estes argumentos logo de entrada. Um homem nestas coisas não pode tergiversar. Se hesita está feito ao bife. Já perdeu. Portanto eu armei-me em almirante Nelson. Não! Nada! A harmonia do casal espera que madame CG cumpra o seu dever e continue a adormecer serenamente ao cabo de um quarto de hora de televisão no quarto.
A CG, convém dizê-lo com tristeza, não tem pachorra para o mar, com ou sem almirantes. Decretou secamente que se o aparelho não era comprado pelo casal, seria comprado por ela. Para tal avisou os familiares que este ano não quer prendas pessoais mas cacau vivo, grana, massa, capim, enfim o que queiram desde que tenha circulação e seja aceite como modo de pagamento pelas senhoras peixeiras do Bolhão. Para isso eu já não tive argumentos. Ou melhor, tinha um, mas tão reles que quase não merece referência. E é este: entro com a minha parte na quete mas ai de mim se no dia 19 do próximo mês, não avanço com uma outra prenda que demonstre urbi et orbe, amor, carinho, preocupação, enfim tudo aquilo que já devia estar cumprido com a minha entrada de capital. Posso, evidentemente, chegar ali à loja dos bombons e mandar aviar um quarto da melhor doçaria da casa, e juro que não é barato. Mas se apareço camuflado atrás de bombons ou chocolates tenho para quinze dias. Para a CG, chocolates e similares são mera comida sobretudo se oferecidos em vez de...E não são, nunca por nunca, uma prenda pessoal. E como eu gosto de livros, os livros oferecidos em épocas especiais também não são prendas pessoais, idem no que toca a discos.
Prosseguindo. Hoje ao cair da tarde fomos a um hiper à procura dum estendal da roupa. O nosso está de facto a pedir reforma urgente e misericordiosa. Com a característica cautela de quem sabe o valor do dinheiro optei por um Jumbo onde saldavam televisões planas. Já que se caminha imparavelmente para a desgraça o melhor é limitar-lhe os efeitos. Como calculam, a CG nem hesitou. Viu a Samsung por que sempre sonhara e já só dali saiu com ela comprada. Para disfarçar, e à falta de um estendal decente, comprámos uma esfregona e uma caixa de tostas.
Claro que adivinham quem é que teve de montar a televisão, tirar quadros da parede, arranjar uma ligação para a antena e finalmente tentar começar a programar os canais. Enfim, quase... Naufraguei miseravelmente no segundo canal e entendi deixar para melhor ocasião essa dramática provação. O sábado de S João promete...

na gravura: Charlie Brown o moralista impiedoso e ingénuo diz o que sente ao ver o estado do mundo.Graças e muitas se dêem a Charles M. Schultz , seu criador.

22 junho 2007

ARGUIDO → ACUSADO/NÃO ACUSADO → CONDENADO/INOCENTE

(leitura à luz do senso comum – o meu)

Esta é a via-sacra de justiça. Por esta ou aquela má razão, começa-se por ser investigado, passa-se à condição de potencial arguido. Que normalmente dá lugar a arguido a corpo inteiro. Esta é a fase em que a comunicação social toma conta do caso e estabelece as condições para o julgamento na rua. O que se passou na CM Lisboa mostra o perverso efeito que a condição de arguido exerce ou pode exercer sobre quem carrega esse qualificativo judiciário.

Claro que esse efeito foi potenciado por razões políticas (em princípio estranhas às justiça) mas existe. De qualquer modo, começa a ser socialmente relevante ter o estatuto de arguido. Manuel Serrão, criou o seguinte título a um artigo de opinião, publicado no JN: “QUEM NÃO É ARGUIDO NÃO PODE SER GRANDE COISA”. Mesmo descontando a ironia não deixa de ser curiosa esta visão do futuro.

Depois, se os indícios não se confirmam, não é formulada a acusação. Se os indícios se confirmam, então, como já alguém disse, passa-se a uma fase superior na aplicação da justiça: assume-se a condição de acusado. Do ponto de vista comunicacional, segundo dizem, esta fase é melhor que a anterior. Agora o acusado já se pode defender na comunicação social, porque terá acabado aquilo a que chamam segredo de justiça.

Entretanto o processo lá vai fazendo o seu caminho, com discussões formais, de prazos, legitimidades, inconstitucionalidades e, também, sobre a matéria de facto. Até que surge o grande dia: a primeira decisão final (sempre passível de recurso): Condenado/inocente

Como sabemos haverá inúmeros processos a aguardar desenvolvimentos e decisões judiciais. Da esmagadora maioria ninguém ouviu falar. De entre todos, alguns destacam-se pelas personalidades envolvidas ou pela matéria de facto ou por razões que têm a ver com a política editorial deste ou daquele órgão de comunicação social.
São inúmeros os processos notáveis que vão fazendo a via-sacra da justiça. Casa Pia, Caso Moderna, Apito Dourado, Universidade Independente, Hospital São João/Bragaparques, CML/Bragaparques, Autarquias e autarcas, Caso dos sobreiros/Portucale. Como se vê temos processos que tocam vários sectores de actividade e todos, excepção para o da Casa Pia, apresentam a mesma natureza económico-jurídica: corrupção. Uma outra característica comum é que são processos muito mediáticos e cujo fim não se anuncia para breve. A alguns talvez se venha a aplicar aqui aquilo que o Tribunal de Contas designava por “manto diáfano da amnistia”, ou talvez prescrevam, mas nunca se sabe.
Não interessa agora questionar o desenvolvimento destes processos e as inúmeras peripécias que lhe estão associadas nem o desfecho que possam vir a ter. As minhas dúvidas são de outra natureza

Mas é justamente no desfecho que me surgem as grandes interrogações. É corrente ouvirmos algumas pessoas, ainda na fase de arguidos, ameaçarem o Estado com futuros pedidos de indemnização caso os factos não se confirmem. Pior, alguns, mesmo depois de deduzida a acusação, afirmam que caso sejam declarados inocentes vão pedir pesadas indemnizações, que o Estado terá que pagar ou que vão recorrer para o Tribunal Europeu. Esta das indemnizações pegou moda.

É legítimo alguém avançar com um pedido de indemnização contra o Estado porque um Juiz, no âmbito da aplicação da justiça, lhe imputou a condição de arguido ou de acusado? E na situação em que o processo foi mesmo a julgamento e a decisão final foi de inocente, ainda assim é legítimo avançar com um pedido de indemnização?

Se a resposta for positiva, então, essa possibilidade é dada a todos os cidadãos. Neste caso não o melhor é o Estado dar apoio judiciário ao cidadão comum para este poder avançar com pedidos de indemnização contra o mesmo Estado sempre que seja inocentado?

Se a resposta é negativa, então, a PGR ou outra entidade não deveria esclarecer publicamente esses ex-arguidos ou ex-acusados que o não poderão fazer? É que ao ameaçarem pedir uma indemnização, o que fica na opinião pública é ele (ou ela) está inocente, …até vai pedir uma indemnização.

P.S.: Não se pode extinguir a figura de arguido? Talvez se prestasse um bom serviço à justiça e ao país.

quando nos encontramos

para a.r.


quando nos encontramos
nascemos para um sentido absolutamente novo,
o mundo despertou em nossas mãos.

tudo o que a vida oferece de fúria,
risos, sexo, palavras partilhadas
dentro da noite, pequenas ternuras,
corpos delirantes,
despertou com o mundo.

quando nos encontramos
as palavras elevaram-se,
os gestos se concatenaram com as palavras,
os corpos pareciam sempre ter se conhecido,
nenhuma pergunta era necessária,
nada estava fora de lugar.
o universo dentro e em torno de nós
tinha uma lógica óbvia,
estava lá para que existíssemos.

tudo só a nós pertencia,
éramos divindades.

quando nos encontramos
soubemos que o amor é
para sempre.


silvia chueire

Lino volta à ribalta

«Ainda decorria a conferência de Imprensa [apresentação do modelo de negócio da AV feito pela RAVE], já o PS, numa atitude pouco habitual, apresentava um requerimento para que o ministro das Obras Públicas vá à comissão parlamentar, "com carácter de urgência" dar esclarecimentos. Os deputados fazem questão de afirmar que "o grupo parlamentar do PS teve conhecimento pela Comunicação Social que o Ministério apresentou publicamente as propostas de financiamento para o TGV". »

notícia integral no JN

TESTEMUNHO DE UMAS BOAS (MÁS) HORAS NA BOA HORA

no DN, por Fernanda Câncio

considerações à parte, os factos são demolidoramente verdadeiros

Lista de blawgs

A listagem de blawgs na side bar do Incursões foi hoje aditada com os seguintes:

angulo recto, da advogada Nicolina Cabrita

Haja Direito, de um advogado estagiário que assina AR (ou será paquete? ou telemarketier? a pergunta fá-la o próprio, neste post de leitura recomendada a todos os candidatos a Bastonário da Ordem dos Advogados; e já agora, à boleia do Dia da Consulta Juríidica, leiam também este consultas "grates" ).


Au Bonheur des Dames 72


Eu e as máquinas? Era o que faltava!

As minhas parcas (mas excelentes) leitoras quando me lêem as balivérnias com que as vou entretendo provavelmente desconhecerão que nisto de informática não sou propriamente um ás. Os leitores, perante esta confissão terão sentido um bálsamo milagroso percorrer-lhes o espírito malévolo. Afinal o gajo de informática não vê um boi! Um boi? Um elefante! E há-de ser dos africanos desses de duas bossas! O gajo é um zero à esquerda!
Alto aí e para o baile, ó malta! À esquerda aceito mas zero, o que se chama zero, essa bolinha redonda inventada sabe-se lá por quem, também não! Sou fracote, confesso mas no estado actual das coisas ainda sei o suficiente para sair engenheiro por uma universidade manhosa.
Já agora e antes que me esqueça quando aí em cima escrevi “também”, o sacrista do computador deu “bembém”! Palavra! Aliás até a deixei ficar e depois arrastei a sacaninha para aqui. Alguém me explica esta facécia do Macbook Pro? Ninguém? Grandes nabos!
Portanto, eu de computadores pouco, poucachicho, quase nada. Eu ainda sou do tempo em que o telefone era um luxo desses que fica na memória de um cavalheiro. O primeiro telefone lá de casa era o 454. E havia clientes do meu pai que depois da consulta, de sacarem umas amostras ao velho (na altura novo) João Semana ainda lhe pediam para fazer uma chamadinha. O meu pai pensava que era por forretice. Qual quê! Nada disso. Era para saberem qual era a sensação de um telefone normal... E depois queriam pagar-lhe. Ao preço do posto dos CTT! O meu velho ficava doente! Esta gente mata-me, queixava-se à minha mãe. E ela, tão nova mas já sábia, dizia-lhe: não, Marcelo aqui quem pode matar és tu! E o Pai nessa altura desorbitava...
E o segundo telefone era o 2222. Nunca percebi porque é que os telefones dos médicos são (ou eram...) sempre assim, com números fáceis. Se calhar era para os chatear às três da manhã por causa de uma dor de barriga devida a uma comezaina das antigas, sabe-se lá!
Mas eu já me desviei. Ia falar-vos da minha confessada inépcia computacional. O diabo do bicho chegou tarde á minha vida. E mesmo se o tenho por útil e indispensável, hei-de confessar que este amor é mal correspondido. Amores de velho... Um tipo a esforçar-se, mas das meninges anquilosadas já sai pouco. De modos que o simples configurar uma nova impressora me assusta. Aliás, eu, com aparelhos novos tenho já tácticas de galã de filme indiano. De Bollywood, pois claro! O aparelho chega e passa uns dias dentro da caixa de origem a adaptar-se ao novo lar. Depois desembrulha-se com vagares de cobra capelo a dançar a tal dança da flauta. Ou seja: vai-se desembrulhando com cautelas excessivas não vá a coisa morder. Não morde? Onde é que isso está escrito? Ah! Nunca mordeu...! Mas pode morder. Há sempre uma primeira vez!
Desembrulhado o espécime, temos um terceiro e angustiante capítulo: ler as instruções! Isto de instruções também tem muito que se lhe diga. À uma, o redactor das ditas cujas pensa que somos ainda mais burros do que na realidade somos e começa por um par de vulgaridades que nos fazem desconfiar que alguém nos anda a tomar por catatónicos do último grau. Daqueles que cristalizam no ortorrômbico se é que isso ainda se ensina.
Depois, as ditas instruções vem em imensas línguas de grande utilidade, serbo-croata, arménio, urdu, maori, chinês e finalmente em línguas mais próximas e igualmente difíceis. De longe em longe aparecem em francês, espanhol e, milagre!, em português. Bem, numa espécie de português, digamos num português na voz perifrástica (e esta?) mas com claros toques de estrangeirês! Desenvencilhando-nos de qualquer modo da língua eis que começa o calvário da instalação. A gente tem de concordar com uma série gigantesca de arrazoados que provavelmente eximem o fabricante de qualquer responsabilidade, escritos em letra pequena, chatíssimos, que ninguém lê mas que todos com um suspiro de alivio carregam no botão “agree”.
E começa o rodeo! Faça isto. Continue. Aguarde. Adiante! Meta a quarta. Abrande. Cuidado com as curvas! Enfim meia hora de carrega e descarrega, com números a passar, palavras incompreensíveis a aparecer e desaparecer, milhares de coisas a anunciarem que estão instaladas, e a malta a olhar para aquilo e a pensar que noventa por cento do que está a ser metido no computador ou é lixo ou nunca se usará. Mas finalmente lá aparece a mensagem (quando aparece) a afirmar que a nossa instalação (agora o sacaninha escreveu: cãotalação!!!) foi um sucesso. E se foi um sucesso faça o favor de reiniciar.
Eu quando chego a este ponto reinicio e vou dar uma volta ao bilhar grande. Aquilo, aquele corropio de coisas e de nomes, cansou-me! E o alivio da mensagem com a notícia do bom sucesso da instalação, dá-me cá uma descarga de adrenalina que fico meia hora alapardado a recuperar.
E deixo as coisas neste pé. É que não quero tentar Deus, os espíritos dos computadores, criaturinhas vingativas, a má sorte, o que quer que seja. Amanhã também é dia, digo para os meus botões. Que concordam. E passam-se uns dias a ganhar coragem para ver se a “coisa” funciona.
No caso em apreço, a “coisa”, uma Epson Stilus DX 6000, não funcionou. Tempos houve, eu era mais novo e mais parvo, em que tentava perceber. Agora nem isso. Loja Apple com o material. Impressora, computador, livro de instruções, enfim só visto.
Loja Apple, 10 horas certinhas. O pobre funcionário vê-me chegar ajoujado com aquela impedimenta toda, empalidece, olha em volta e tenta escapulir-se. Mas eu corto-lhe as voltas com um “Bom Dia!” capaz de acordar um regimento. E o desinfeliz lá responde em voz sumida e pergunta educadamente ao que venho. E eu, pimba! Entrego-lhe os maquinismos, os fios de ligação, o livro de instruções e advirto-o que a máquina, nova em folha!, népia.
Nesta altura do campeonato, o tipo olha-me de soslaio e pensa: o que eu fiz para só me saírem duques?
E atira-se ao trabalho. Isto é uma fervurinha, quer ver?
A fervura de hoje começou às 10 e à 1 e meia, a maquineta não andava nem desandava. Instala, desinstala, vai à net buscar drives, mete os drives, tiro na água, Na lista de mais de 300 epsons reconhecidas pelo computador brilhava pela ausência a DX 6000!
Atarantado o especialista e esfomeado, eu, concordámos que o melhor era levar a impressora ao Corte Inglês, local da malfadada venda.
Entretanto, o desanimado técnico da Apple ia dizendo que se calhar aquela epson era incompatível. Isto mesmo depois de ver o disco de instalação paraMac!
14 horas da mesma tarde: este, de novo com aquela parafrenália toda, frente a um batalhão de funcionários do Corte Inglês. Que se riam do homem da Apple. Um ignorante! Três horas depois o técnico especialista de impressoras pedia para ir comer qualquer coisinha. Nesse lapso de tempo tinha instalado e desinstalado meia dúzia de vezes. Um telefonema para a Epson dera resultados patéticos. Ninguém sabia nada.
E eu, que já estivera três horas de pé de manhã e outras três à tarde, brandamente, como quem diz os definitivos tremendos palavrões que a coisa merecia disse com uma doçura comovente. Acabou! Venha outra máquina. Já perdi mais dinheiro com a espera do que o preço dela!
O pessoal do Corte inglês adora vender. E odeia receber as coisas de volta! Sai segundo técnico para a arena, enquanto o primeiro se arrastava exangue para almoçar (às cinco da tarde!)
Pelo que ele murmurou, repetiu tudo o que já fora feito. Mudou os cabos da impressora. Instalou e desinstalou até que, como D Sebastião surgido da névoa marroquina, a impressora roncou e cuspiu uma folha mal amanhada com um texto que eu tinha em lista de espera (de imaginação porque está a meio...)
Que foi? Que não foi? Mistério! Felicitámo-nos uns aos outros. Reembalei o material, distribuí bacalhoada a tordo e a direito e regressei a penates ao fim da tarde.
E a impressora? Pois está aqui ao lado à espera que eu a ligue para comprovar que tudo continua bem. Mas isso é para mais tarde. Amanhã. Ou depois! Lá para segunda se o tempo melhorar...

na gravura: um maquinismo dos bons! dos inexistentes! ou melhor: dos que existindo ninguém sabe para o que servem. Ora aqui está um bom tema de conversa para o jantar do dia 13. E a Sílvia lá no Rio de Janeiro a chuchar no dedo!...

21 junho 2007

Prognósticos para o jantar


Em boa-verdade, eu acho que os colaboradores deste blogue gostam mais de comer e de confraternização do que propriamente de escrever. E isto é verdade mesmo quando, como se vê, os últimos dias têm sido de grande produção de caracteres, sendo eu - imagine-se! - o menos produtivo. Não imaginam a animação que aí vai por causa do jantar de sexta-feira 13! Claro que a Sílvia fica lá pelos brasis e o compadre lá arranjou forma de não aparecer outra vez. Nada a fazer. Tal como está sobejamente demonstrado, os que vão dão conta do recado quando se sentam à mesa. Atiram-lhe forte e feio. Falam que se fartam. Discutem que se fartam, sobretudo quando a conversa descamba para a história e para a história das religiões - isto quanto o confronto é entre o MCR e o Mocho, com umas achegas do JSC com o seu ar compenetrado, que o historiador, o JCP, esse fuma o seu displicente charuto e ouve, umas tiradas às vezes, e eu apenas provoco. Mas não me levam a mal, que já estão habituados, nem tanto das conversas, mas sobretudo da escrita, mesmo quando o meu olhar olha para mim de esguelha de vez em quando, incerta sobre se eu estou a brincar ou a sério. Tais as tolices. Mas desta vez prometo-me mais comedido. É que, para além disso, a Kami (e o JAB, praticamente membro honorário) também estará - já percebi que aposta num fim-de-semana absolutamente gastronómico - e ela não perderá a hipótese de me dizer, a cada provocação ou encabulação: Ó, homem, deixe-se dessas coisas, ai, ai! e, por sua vez, o problema do Mocho - o homem não come peixe - parece que já está resolvido, por boa lembrança do MCR, que já estava a ver o homem munido de umas sandes de chouriço à cautela. Claro que sobra ainda um problema, um pequenino problema. Em casa dos anfitriões não se fuma. Nem se deixa fumar. Parece que talvez à janela e com o braço convenientemente esticado. Resta-me esperar que esteja bom tempo. Até depois.


yours

carteiro

20 junho 2007

regresso pouco edificante


Há momentos em que a sensação de estar a viver em surrealidade se me impõe de tal forma que até a minha fraca memória os regista por muito tempo.

Certamente por isso me recordo ainda, exactamente, da incredulidade com que ouvi as 1ªas notícias que davam conta de que a nomeação de Santana Lopes, como 1º Ministro, era uma hipótese para valer no pensamento do Presidente Jorge Sampaio. Algo bizarra, mas não exactamente surreal, foi a sensação de, dias depois e ao fim de tantos anos, me ver de novo metida numa manif ...
Reminiscências que me ocorrem, agora, ao tentar encontrar um fio para o registo desta meada de sensações de estranheza que me vêm assolando, a espaços, em medida geometricamente progressiva desde há dias.

Ouve-se, lê-se, vai-se sabendo, vai-se acumulando e às vezes sossegando também, pois houve quem reagisse, chegando agora a haver clamores tão audíveis que lá acabam por ser ouvidos até pelos novos aparatchiks do regime que, pública e denodadamente, juravam ser pelo menos surdos (ainda que alguns afiançem que é apenas para disfarçar). E às vezes é um pequeno nada que nos tira do sério.

Deve ter sido isto que me sucedeu hoje, ao ouvir, repetidamente, até à exaustão mesmo, nas televisões, como se de uma notícia fresquinha como pãezinhos acabados de sair do forno se tratasse, que António Balbino Caldeira tinha sido constituído arguido(*) em processo crime, por mor dos seus posts, no Do Portugal Profundo, sobre o percurso académico de Sócrates (o que li eram relatos factuais documentados e a exposição daquilo que o nosso 1º, himself, classificou de dúvidas legítimas... mas admito que me possa ter escapado alguma coisa). Fonte citada: o Expresso on line de hoje.

Sucede que a fornada começara a ser cozida e servida, com primor, neste post do próprio B. Caldeira, há 5 dias já (sim, cinco dias), tendo tido mais de 2000 comensais. É certo que Carlos Rodrigues Lima, que assina o artigo no Expresso, para além de citar bastamente o blog, avança com uma cacha: o processo terá sido desencadeado por José Sócrates, leia-se, Sócrates terá apresentado queixa contra o blogger (bem, convenhamos que era óbvio desde o início, caro Watson...). Mas os jornalistas da Sic Notícias não só não mencionaram a fonte originária como, pelos vistos, nem se deram ao incómodo de lá ir espreitar, pois acrescentaram tais pontos ao conto que acabaram por virar a história do avesso.

Depois de dias a encher o copo com o deserto da margem sul, com o crescendo de suspeições sobre interesses ocultos dos empresários que pagaram o estudo sobre a viabilidade do novo aeroporto em Alcochete a terminar, em anti-clímax, com a revelação de que, afinal, cada um tinha pago uns poucos tostões e que a clandestinidade era só por causa de miunfa; com as críticas à miunfa por parte dos opinion makers de salão, esses heróis dos princípios em programa word; com a memória ainda fresca da tão comentada afirmação do PGR de que, nos processos em que se averiguam eventuais actuações ilegais de autarcas, seriam sobrestados os desenvolvimentos que pudessem influenciar as eleições que se avizinham em Lisboa e, de seguida, com os jornais a publicarem informações em alegado segredo de justiça, visando políticos e partidos políticos, invocando para tanto um relatório da PJ que citam abundantemente, num timing e a uma cadência sistemática demasiado óbvios para poderem ser tidos, mesmo pelos mais ingénuos, por afã de cachas e mera coincidência; com tantas outras violações do segredo de justiça sem notícia das correspondentes iniciativas processuais por quem de direito; com a drenagem que faz recear o regresso do tempo das maiorias silenciosas; com Rio cada vez mais descaradamente big-brother; com António Lobo Xavier a desvendar hoje, na Quadratura do Círculo, que afinal o ministro, aliás, governo, era jámé salomé pela frente e fosquinhas por trás (salvo seja), mas com condições, claro, que isto não é o Ó da Joana; com tudo isto e muito mais que nem vale a pena referir, ou de que de momento já nem me lembro, a notícia mal contada pela Sic Not foi a gota que fez transbordar o copo e me levou a vir aqui desabafar, com um despudor que há muito não ousava. (**)

Do demais, com a sobredosagem deste tipo de informação dia após dia, mais a sensação de nada poder fazer e de haver já muito quem opine e bem, vai-se criando distância, num enganador mecanismo de sobrevivência. Da mesma forma que, quando passam aqueles imagens em close-up de crianças com fome, algures em África ou num outro lugar que se quer longínquo, mudamos de canal, antes que o seu olhar nos desconcentre de um qualquer House ou CSI mesmo ali ao lado.

Não, este meu regresso não é mesmo nada edificante (e, em verdade vos peço, abstenham-se de me contariar neste particular, por favor :(


(*) o mais exaltante é que B. Caldeira vai também ser ouvido como testemunha, no processo instaurado (na sequência de denúncia apresentada pelo advogado José Maria Martins) para averiguação da existência de eventuais ilegalidades no dito percurso académico de José Sócrates (info dada no post acima referido). As matérias em investigação terão, no mínimo, muito em comum, pelo que é com curiosidade expectante que aguardo os próximos desenvolvimentos desta curiosa figura jurídica: o arguido-testemunha.

(**) esteve para ser há dias, ao ler que a Loja das Meias vai deixar o Rossio, por ter a clientela endinheirada fugido da Baixa, razão pela qual se vai mudar para... Angola. Pois.


Dá que pensar…


No JN de hoje:

A machadada final

Por outras palavras - Manuel António Pina


Depois dos fechos de urgências, maternidades e SAP, da redução das comparticipações nos medicamentos, a machadada final no Serviço Nacional de Saúde vem aí. O ministro Correia de Campos já tem o machado levantado, mas, pelos vistos, esconde-o atrás das costas. Trata-se de um relatório sobre a sustentabilidade do SNS que o ministro diz que não existe. Ora o relatório que não existe foi ontem divulgado na íntegra pela TVI. Aí se conclui que o que a Constituição prescreve sobre o direito à saúde dos portugueses é, à semelhança de outros direitos sociais, letra morta para o actual PS. Várias especialidades já "desapareceram" (por falta de investimento em meios humanos e equipamentos) do SNS e foram sendo silenciosamente privatizados 92% dos utentes do SNS (em geral os portugueses mais pobres) que precisam de dentista já não o encontram no SNS e têm que recorrer a privados; e do mesmo modo 67% em Oftalmologia e Ginecologia, 54% em Cardiologia, 45,5% em Ortopedia. Mais: prevê-se o fim da ADSE e mais subsistemas de saúde, o fim das isenções de taxas moderadoras, o fim do desconto das despesas de saúde no IRS, e por aí adiante. Não deixa de ser irónico que seja um Governo do PS o cangalheiro do SNS. Que pensarão disso António Arnaut e o PS socialista?

Humildade


Há um tipo de pessoa que mexe seriamente comigo É o que tem o rei na barriga, que considera que sabe tudo, que ninguém lhe ensina nada. Quando esta característica está presente num gestor então temos aquilo a que se costuma chamar o caldo entornado. Além serem tendencialmente insuportáveis porque não sabem escutar, só sabem evidenciar a sua sapiência, tornam-se autistas e gerem de acordo com o que aprenderam quando nasceram, já que parece que após esse início, nada entrou nessas cabeças. Os gestores que conheço que são humildes, que estão sempre a captar o que podem para aprenderem cada vez mais, que sabem ouvir os seus colaboradores, que são capazes de se porem em causa, são normalmente os melhores gestores, aqueles que se distinguem dos outros pela sua capacidade liderança.
Como dizia alguém cujo nome não me lembro agora: “Apenas os medíocres estão sempre no seu máximo” ou ainda” Falar é uma necessidade, escutar é uma arte”.

19 junho 2007

Diário Político 54





Nem foguetes nem lágrimas (nem foguetes de lágrimas)

Pois é, caras leitoras, este vosso criado vem aqui apenas para um recado rápido. Repararam, de certeza, que o incursões está que ferve. De vez em quando um simples (e bom) texto desata uma alegre discussão. Pena é que seja mais intra-muros que extra. Mas isso é convosco, claro. A liberdade que por aqui reina é também a liberdade dos leitores de lerem e não comentarem se para isso não estão dispostos.
A segunda coisa que me traz à vossa companhia é esse mafarrico do Sarkozy. O diabo do homem é bulímico. Pode-se ser de esquerda e admirar-lhe a fogosidade e os efeitos de surpresa. Então não é que depois de uma sensata segunda volta em que o partido socialista se pode recompor e em que saem frustradas as esperanças de um tsunami da direita, ele volta a dar um golpe de rins e pimba: mais uma “ribambelle” de mulheres (e que mulheres!!!) no governo com três especiais casos.
Uma jovem negra, Rama Yade, secretária de Estado com a delicada pasta dos Negócios Estrangeiros e dos Direitos do Homem! Chapeau! Digam o que disserem, esta mulher, excelente polemista, autora de um livro sobre os negros de França, parece ser não só um emblema mas também uma aposta.
Outra aposta: uma “beur”, a segunda!, Fadela Amara, a fundadora e presidente de “Ni putes ni soumises”, a grande revolta das muçulmanas contra o meio miserável do machismo de banlieue. Mulher de convicções fortes, vinda dos meios desfavorecidos e proletários da emigração, ei-la a aceitar um temível desafio: a política das cidades.
Terceiro ponto: pela primeira vez, uma mulher, Christine Lagarde, ocupa o ministério das Finanças. Em França, Mesdames!
Eu não tenho simpatia pelo senhor Sarkozy. Todavia, começo a ter-lhe respeito. O homem não é tonto, é hábil, percebe bem e depressa algumas coisas e está a fazer uma aposta forte. Por exemplo: exigir aos seus ministros que se demitam no caso de uma derrota nas legislativas. Tiro fortíssimo em Alain Juppé que, diga-se o que se quiser, é uma perda para o governo. Começa a perceber-se uma certa ideia, uma linha de rumo, uma ideia clara tudo coisas que, infelizmente parecem ter faltado á esquerda. O discurso desta, e não é Hollande o principal responsável, foi pobre, confuso, dissonante, cheio de notas falsas ou pelo menos soltas. E isso, em política, paga-se. Sempre.
Alguém dirá que este programa não é novo e que, por exemplo, Blair em Inglaterra teria surpreendido os conservadores com um esquema semelhante. Não é verdade. Sarkozy não prescinde de nenhum dos pontos programáticos, acrescenta-lhes alguns que andavam no ar e a que, pelos vistos, pouca gente ligou. Como por exemplo essa sensação de desconforto que atravessa a banlieue e a que se deram respostas demasiado clássicas e demasiado batidas. Ou o desconforto da igualdade a outrance, da rigidez do horário de trabalho, algo que prejudicou os pequenos patrões e não resolveu os problemas do desemprego. A esquerda francesa foi vítima mais do seu conservadorismo, da imagem arcaica que as lutas eternas dos elefantes do país dão (e que abundantemente e televisivamente mostraram aquando das primárias em que Sègoléne Royal foi escolhida) do que apenas da audácia de Sarkozy.
E é evidente que a pesca à linha de socialistas que se está operar (hoje um senador socialista entrou no governo achando de resto isso natural e ficando magoado com as reacções dos anteriores correligionários) não ajuda. E a respeito disto convém dizer que se não parece elegante andar a desafiar os prováveis adversários para fazer uma perninha no governo pior é aceitar. Além da débacle moral que isso representa, fica-se com uma ideia bastante leve da ideologia reinante no partido que foi de Jaurés, de Blum ou de Mitterrand.
Convenhamos que não é único partido socialista com problemas de identidade.

De Paris sur Douro para o incursões, o vosso enviado especial
D’Oliveira

MULHERES, CARROS E HOMENS


A minha actividade profissional implica andar muito de carro, em grandes, médias e pequenas deslocações. Para fazerem uma ideia o meu Galaxy, que comprei há 6 anos, tem 225 000 Km percorridos. Uma outra característica do meu trabalho é que na grande maioria das vezes vou acompanhada ou por consultores ou por outras consultoras. E conto-vos isto, porquê? Bom, para vos dar conta de uma curiosidade. Quando vou acompanhada por representantes do sexo feminino falamos de tudo e mais alguma coisa e de condução, nada. Invariavelmente, quando se trata de companhia do sexo masculino é certo e sabido que ouço coisas do tipo: agora é melhor virar ali à esquerda. Encoste mais à direita porque ali frente tem que virar. É melhor desembaciar os vidros. Não vá por aí porque é mais longe. Não acha melhor ir por outro caminho? Olhe que o semáforo está vermelho….etc… etc… Ainda hoje fui a S. Pedro do Sul, com um temporal incrível, e tive que viver esta situação.

Claro que se a minha auto estima fosse baixa, já estaria a passar o volante aos dignos representantes do Fangio. Como não é o caso, limito-me a ter a paciência possível e dizer, com maior ou menor delicadeza: sabe, eu conheço bem o caminho. Já faço isto há anos.

A maioria das vezes calo-me e penso pacientemente: homens!
A esta hora já estão a pensar que o problema é meu, que conduzo mal. Pois, a isso respondo o mesmo: devem ser homens!...

18 junho 2007

DEBATE, dia 20, RTPN, 22 horas


promovido pela revista JULGAR (da ASJP), sobre
A REFORMA DO MAPA JUDICIÁRIO
E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS NO SISTEMA DE JUSTIÇA

OPERABASE

um site com tudo o que você sempre quis saber sobre Ópera mas não sabia onde encontrar


a ilustrar: tenerife opera house (Arq. Santiago Calatrava)

Por falar em opções…


Está a acontecer um debate muito interessante, mais abaixo, no post Opções.

missanga a pataco 19


Vai pela casa fora um cheiro a bolos no forno.
A CG tirou-se dos seus cuidados, remexeu livros e livros de receitas até encontrar um velho caderno com uma receita que era a que mais se aproximava de uns bolos caseiros, toscos, cujo sabor, disse-me, estava instalado algures no fim da sua boca desde a sua infância.
Também eu, respondi, também eu tenho para aqui nos gorgomilos uma portas aberta para esses tempos. E vá de recordar sábados felizes, na casa entre Figueira e Buarcos, a cozinha numa azáfama e a minha mãe diante de uma grande taça a misturar a farinha, o açúcar, os ovos e sei lá mais o quê.
E dois ajudantes, subitamente pressurosos, esquecidos da praia (o nosso campo de jogos) ou da mata de Sottomaior mesmo atrás da casa (outro campo de brincadeira...) de olhos como pires, pregados na taça onde tomava cor essa divina massa de bolo. E se a mãe virava costas, e às vezes fazia-o, para falar com a criada ou ir buscar qualquer coisa, eis que uns dedinhos ágeis e ladrões mergulhavam como gaivotas no mar encapelado da massa e pimba, à boca com eles! Ó que gentil maré!
Saiam já daqui seus patifes!, mas a reprimenda vinha doce e risonha e nós igualmente fingidores, recuávamos um passo e depois devagar, devagarinho, milímetro a milímetro íamos encostando os pequenos corpos á mesa grande que eu recordo com um tampo de mármore, seria?, os dedos castamente escondidos, as bocas lambuzadas que com a pressa até as mãos lhes chegavam mal.
De quando em quando saia um tabuleiro cheio de bolos do forno. Aí a nossa tarefa era, depois de recolhidos os bolos, raspar o tabuleiro para voltar a servir. E sobre o lambuzado da massa, à volta da boca juntavam-se migalhas de bolo acabado de fazer. A última fornada a entrar no forno, dava direito a limpar a taça onde a massa fora misturada. Juro que nunca taça alguma ficou tão bem limpa como aquelas dos sábados na casa entre a praia e a mata, em dia de fazer bolos.
A minha mãe já não faz bolos, se bem que uma que outra vez compre alguns vagamente parecidos e os coma. Nós já não rapamos a taça, sequer o tabuleiro recém-saído do forno, rescendente, apetitoso. Mas...por um momento, lembrei-me de ir por ele, correndo o risco de ouvir a CG dizer-me que pareço um miúdo esfaimado e guloso. A idade traz um resquício de dignidade pomposa e vergonha que nos impede de repetir esse gesto tão natural e tão nostálgico de roubar um bolinho acabado de fazer.

O meu irmão entrou às oito no bloco operatório para uma intervenção relativamente benigna. Vai pois para ele esta vaga nota.



16 junho 2007


Fotografia: Mário Correia,
Junho 07

(clicar para aumentar)

Estes dias que passam 65


A Câmara, o Rivoli e os espaços culturais do Porto


O que se lê em seguida é um comentário ao excelente texto da “o meu olhar” a propósito do espectáculo “Jesus Cristo Superstar”. Não vale a pena falar do espectáculo em si que não vi, mas de que gostei na sua (felizmente vista) versão Broadway. Aliás, será difícil fazer deste JSS ou do Cats um mau espectáculo: estejam as vozes afinadas e aquilo segue em velocidade de cruzeiro.

Interessa-me, sim, a discussão sobre o destino do Rivoli. Gazolina e Primo de Amarante dizem, e bem –muito bem, mesmo – de sua justiça. Dado que sempre me interessou o tema aqui venho à estacada. E reproduzo o que escrevi em comentário que um massacrante browser não me permitiu publicar enquanto tal:


“Pessoalmente não faria parte do numeroso grupo que se manifestou em silêncio e com um R (reprovação?) contra o uso do Rivoli. Também não faria parte dos que entraram. Entendo que neste momento, a mim, antigo responsável da Delegação Regional de Cultura do Norte, não ficaria bem comparecer e com isso, dar um sinal de concordância com a política cultural (???!!!) do senhor Rui Rio.
Já aqui escrevi sobre os recentes acontecimentos no Rivoli e já aqui condenei por inútil e desmobilizadora, a ocupação do Rivoli por meia dúzia de criaturas. O espectáculo deprimente dessa ocupação foi salvo pelo mesmo senhor Rio que impaciente mandou a polícia evacuar os ocupantes quando já era patente que nem eles tinham apoios cá fora, nem a população se apercebera minimamente da justeza dessa acção “rivolucionária”. Rio conseguiu fazer deles o que eles mesmos não conseguiriam: uma espécie de mártires.
A questão Rivoli é a seguinte: deve ou não uma Câmara gerir um espaço dedicado às artes de palco ou não? Se sim, em que termos e com que limites?
Pessoalmente, com a experiência adquirida de anos e anos de vacas magras, recordo a gestão do Auditório Nacional Carlos Alberto a cuja administração estive sempre obrigatoriamente ligado. Para quem não se recorde (ou não queira recordar-se...) o ANCA foi durante anos o único espaço cultural aberto de actividades de palco (teatro, bailado, música, marionetas) e de cinema. Ali se realizaram as sessões do cineclube, os fantasporto, as dezenas de ciclos especiais de cinema. Ali passaram em v/o Murnau, Griffith ou Ford. O que de melhor veio a Portugal no capítulo dança passou lá. Todos os grandes cantautores portugueses do Zeca ao Sérgio cantaram ali. O Orfeão Portuense, a Juventude musical. O círculo de Cultura Musical e o círculo Portuense de Ópera tiveram ali, naquela sal casas cheias. O mesmo se diga do jazz, e de algum teatro estrangeiro. E com orçamentos limitados. Limitadíssimos. Angustiosamente limitados. Sempre se soube dosear o espectáculo de massas e o pequeno de vanguarda. Porque do primeiro há excelentes coisas e nem sempre o segundo é oiro de lei.
Bastaria copiar este modelo de gestão que teve os favores do público, os louvores da critica e a desatenta bênção dos poderes constituídos que louvavam mas não desapertavam os cordões à bolsa. As contas foram publicadas, o ratio de espectadores idem. E era algo com que hoje nenhuma sala do Porto sonha.
Se a Câmara Municipal do Porto não está para culturices nem despesas que venda a casa. Ou transforme-a num local de “eventos” que é o que parece vão fazer aquela coisa em forma de assim que se chama edifício transparente. Parece que a vão dar de mão beijada a alguém que por pouco dinheiro tem esperanças de ganhar muito.
Não me venham é com os custos. Esta triste câmara municipal vai pela segunda e desastrada vez realizar um coisa pindérica chamada “grande circuito da Boavista”. Duvido que aquilo dê sequer para pagar a propaganda. Seguramente não leva o enlameado nome da cidade a parte alguma, excepto a Matosinhos que se ri à gargalhada e tem um sólido programa cultural. Mas Matosinhos é gerida por gente inteligente. Como Gaia, agora sede de uma série de organismos culturais que já foram do Porto. Até a Maia. E ainda há-de chegar a vez de Gondomar passar as palhetas ao Porto, com o sem major Loureiro. Por cá reina esta vil e apagada tristura a que nem o La Féria consegue dar brilho.
A segunda questão que se põe é esta: a “cultura” promovida municipalmente é para dar lucro? Se sim, porque é que andam a gastar dinheiro com o apoio ao S João festa retintamente popular que não precisa de nada da Câmara? Aliás precisaria de uma postura municipal a proibir os martelos de plástico, mas isso é areia de mais para a camioneta municipalizada...
E continuando: acaso a “Casa da Música” dá lucro? E se não der, o que é que se faz? Vende-se para lupanar moderno apropriado a jogadores de futebol e da bolsa?, Faz-se um salão de bingo? Alguém dirá que a CM tem uns mecenas. Mas será que alguém acredita que o mecenato cobre tudo? Aqui e hoje? E nesse mecenato há só privados generosos (!?) ou também entidades públicas e institucionais? E se houver, donde vem a sua contribuição senão dos bolsos dos contribuintes? Alguém acredita (há gente para tudo mas para tanto...) que o Museu de Serralves ou o Coliseu do Porto se fizeram com mecenas? Desconhecer-se-á que o Estado e as autarquias entraram com a parte de leão na compra, no arranjo, no pagamento de actividades durante anos. E que se calhar ainda entram forte e feio na contribuição para a manutenção desses organismos?
Portugal é um país de brandos costumes e de brandíssima desatenção. Só assim se percebe que os arautos do privado a todo o custo são as mesmíssimas pessoas que ao menor arrepio, uivam, gritam, imploram a intervenção do Estado. É vê-los a bramir porque a China nos enche de camisas, porque a Espanha vende cá a melhor preço a fruta, porque há que travar a emigração e, já agora, a imigração.
A questão de um Rivoli municipal ou privado é pois uma falsa e estúpida questão: é possível ter um bom programa cultural, diferenciado, agradando a gregos e a troianos, com um orçamento claro. Isso passa-se com o Coliseu que consegue navegar neste encapelado mar sem especial sobressalto.
À Câmara cumpriria apenas ter algum bom senso. E algum bom gosto se isto não fosse (mas é) pedir muito.

gravura: Matisse, claro: la joie de vivre