31 janeiro 2009

Apito Dourado e Apito Final Para o Arquivo Morto

O Tribunal Constitucional acabou com as dúvidas (se é que as havia). As escutas telefónicas foram consideradas ilegais, logo as conversas que se ouviram não servem para provar os factos que as mesmas versaram. Os caminhos da Justiça são assim: difíceis e quase tão ininteligíveis (para o comum dos mortais) como os desígnios de Deus.

E agora? O que é que acontece às pessoas que já sofreram castigos? E os clubes ou SAD.s que foram penalizadas? E o Boavista que foi mandado para a divisão secundária e com isso, segundo dizem, corre o risco de desaparecer?

E agora? O que é que acontece às pessoas que andaram a investigar erroneamente? Não deve ser fácil motivar alguém a trabalhar para o arquivo morto.

Agora, bem, agora, sempre se poderá dizer, que tudo acabou como o previsto. Ao menos isso.

A Lei do Divórcio no Congresso da CNIS

A Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) está a realizar, em Fátima, o seu IV Congresso Nacional. A CNIS, segundo o Público de ontem, é formada por cerca de 2.600 entidades de solidariedade, emprega 200 mil pessoas e representa 4,3% do PIB.

A expressão dos números mostra que a CNIS é uma potente força social, com grande poder económico e um apetitoso campo para o exercício da influência política.

A liderança da CNIS é disputada por dois Padres, que encabeçam as respectivas listas directivas. De um lado, o Padre Lino Maia, do Porto, que assume a continuidade. Do outro, o Padre Carlos Gonçalves, de Sintra, que pretende que a CNIS actue mais “como serviço e não como um poder” e qualifica a direcção do Padre Maia de “entidade extraterrestre”.


O Congresso da CNIS foi aberto pelo Presidente da República e parece que só por isso é que teve alguma referência na comunicação social, apesar de envolver muita gente, forte representação do poder civil e religioso e outros significativos meios. Ou seja, este Congresso terá mais impacto, directo e indirecto, sobre a vida de centenas de milhar de pessoas do que outros que se realizaram recentemente e que tiveram honras de abertura dos noticiários, hora a hora.

Não fosse Cavaco Silva ter aproveitado aquela plateia, muito especial, para falar na Lei do Divórcio e, certamente, o Congresso passaria mais ou menos desapercebido. Confesso o meu espanto pela relação que o Presidente estabeleceu entre a nova Lei do Divórcio e o incremento de novos pobres. A lei do divórcio pode não ser uma grande e ponderada lei. Pode não ser a reforma mais urgente que o país estava à espera, mas daí a responsabilizar aquela lei pelo incremento de novos pobres, parece-me um exagero, que nem a especificidade da plateia consegue justificar.

30 janeiro 2009

Estes dias que passam 141

As burkas nunca são grátis


Anda toda a bem-pensancia indignada com o cardeal patriarca. Parece que o prelado no contexto de uma conversa sobre diferenças entre credos religiosos se atreveu a prevenir as jovens católicas contra os casamentos com muçulmanos.
Ai Jesus o que o homem disse! Ofendeu as outras religiões, mormente a muçulmana. Eu que não sou católico, cristão, sequer crente, lá vou ter de fazer de cardeal diabo e defender o purpurado. Porque ele está carregado de razão. Não no toca à defesa da fé ou à tentativa de não perder ovelhas, por mim pode perdê-las todas, diga-se de passagem.
O que o cardeal disse, e qualquer pessoa dotada do sentido da visão e capaz de ler percebe, é que uma jovem portuguesa ao casar com um muçulmano arrisca bastante. Por cá, se cá permanecer, bem podem ir as coisas. Mas suponha-se, por um momento, que o referido muçulmano regressa ao pais de origem. Claro que nem todos os Estados onde o Islão impera são idênticos à Arábia Saudita, ao Afeganistão, ao Irão ou ao Yémen. No Iraque, por exemplo, antes da desastrada invasão americana, as mulheres gozavam de relativa liberdade (inferior todavia à das mulheres indonésias). Com a guerra começou a ganhar terreno o chiismo que, aqui para nós, não é pêra doce para o segundo sexo. O mesmo se diga de boa parte das regiões curdas por muito revolucionários que os guerrilheiros pareçam. Digamos que na grande maioria dos Estados árabes ou muçulmanos a charia, o tchador a burka e toda a restante parafernália anti-feminina são de regra. Direito de voto, vai no Batalha. Restantes direitos, idem, aspas. A capitis deminutio que atinge a gens femenina é de regra e não há indícios de se poderem esperar grandes mudanças para breve. O mesmo, de resto, sucede com a cristã que se casa com um judeu integrista: está feita ao bife e pode, desde logo e como amostra ,habituar-se a caminhar atrás do seu amo e senhor. Três passos o que até não é muito e talvez sirva para a senhora poder aproveitar a sombra do marido omnipotente.
Dirão que estou a ser injusto para com as outras religiões do livro mas nem isso. Estou a dizer evidências que só a parvoeira multicultural persiste em ocultar. Mas passemos a África e aos seus territórios muçulmanos. Alguém me dizia que pelo menos aí não haveria excisão clitoridiana. Engano, caro leitor: há. Se é feita em nome de Alah ou como mero sinal da aculturação do islamismo a um velho fundo africano, não sei. Mas que a excisão é uma prática comum e generalizada na África muçulmana disso não há dúvidas. Como a lapidação das adúlteras. Das adúlteras, digo, não dos adúlteros.
Qualquer pessoa que se dê ao inocente trabalho de folhear jornais franceses conhece as centenas de casos em que pais muçulmanos levam os filhos fruto de casamentos inter-religiosos, para o pais de origem, mormente o Magrebe, deixando as esposas ocidentais a chorar baba e ranho para tentar rever os filhos.
Eu não tenho a certeza se foi esta a situação que Sª Eminência quis prevenir. Eventualmente, ele, representante de uma igreja que raramente resiste ao velho espírito de cruzada, terá tentado evitar a defecção das suas ovelhas. Na impossibilidade de criticar as “seitas” evangélicas que pululam por aí e que vão roubando com êxito crescente a freguesia, o senhor cardeal resolveu disparar contra o mais óbvio. E acertou, custa-me dizê-lo. Uma coisa são os muçulmanos ocidentalizados, vivendo no Ocidente e outra a imensa maioria do Islão. E convém lembrar que quando se nasce muçulmano não há apostasia que resista ou que seja aceite. Salman Rushdie que vos diga.
Traduzi, nos últimos anos, quatro livros que descrevem as realidades do Iraque, do Afeganistão, do Curdistão e, ainda que em forma de romance “erótico”, Marrocos. Tratava-se neste último caso de um livro atribuído a uma mulher. Todos, incluindo “A espingarda de meu pai” (um livro de memorias de um cineasta curdo) são deprimentes quanto ao retrato que fazem do mundo feminino.
Também não sei se o senhor cardeal quis referir-se aos assassínios de honra, isto é aquelas miseráveis execuções que pais, tios e irmãos de uma muçulmana infligem a esta porque namora, dorme, casa ou simplesmente sorri para um “infiel”.
Não quero, com isto, dizer que por cá, entre cristãos não haja violência contra as mulheres, que a há e de que maneira. Agora começa a fazer caminho a cobardia começada em Espanha de assassinar a mulher que repudiou o companheiro, que fugiu aos maus tratos ou que não aceitou ser requestada. Tudo entre cristãos “velhos”, católicos, apostólicos e romanos. Uma mulher dessas é pior do que a víbora primigénia e há que fazê-la desaparecer. Com sofrimento se possível. Mas isto, que é horrendo, é, apesar de tudo, excepção entre nós, ocidentais. Alguém poderá dizer o mesmo em certas regiões muçulmanas?

* provavelmente - e isso o senhor Cardeal não disse nem talvez pudesse dizer - muitas autoridades religiosas muçulmanas teriam opinião idêntica quanto aos perigos que espreitam uma rapariga muçulmana educada no Islão e casada com um cristão. O choque com os hábitos ocidentais poderá ser brutal, a liberdade da mulher uma libertinagem, os modos e as práticas sexuais do Ocidente uma ofensa. Se percebermos isto talvez consigamos perceber o cardeal.

Estes dias que passam 140

Linchamentos morais

Quem me lê sabe quão escassa é a minha consideração pela pessoa do senhor Primeiro Ministro. Tenho-o mesmo na conta de um fraco primeiro ministro. Com a agravante de ser arrogante e autoritário. E enfatuado...
Agora o que não suporto, como cidadão, como português e como homem de esquerda (doa isso a quem doer) é esta zoeira feita de omissões, de sugestões e de insinuações sobre o Freeport e sobre Sócrates.
Ainda não vi um diabo de um facto com um mínimo de credibilidade que me permita confortar a tese da culpabilidade de Sócrates. Ainda não percebi porque raio os ingleses não respondem a uma carta rogatória e vêm agora com outra a pedir o que não podem pedir sem antes responderem ao que lhes foi solicitado.
Não percebo como é que uma procuradora geral adjunta não é ouvida quando diz que nada há no processo que permita incluir Sócrates no rol dos suspeitos. Não percebo porque é que ninguém crê no Procurador Geral da Republica mas, ao mesmo tempo, lhe exige que faça o seu trabalho de casa.
Se me permitem uma ironia, se é que é uma ironia, a fonte desta manipulação noticiosa, repudiada pela oposição (o caso do bloco de esquerda não conta, o bloco diz tudo o que vem às cabecinhas das luminárias que o compõem e isso dá um torcicolo à cabeça mais calma que os ouve) que tem tratado o caso com pinças, vai dar direitinha aos publicitários que preparam a campanha de recandidatura de Sócrates.
Se a oposição não quer falar do assunto, se a imprensa apenas noticia o que vem requentado de Inglaterra, se os suspeitos de corrupção activa estão tranquilamente no Algarve e negam o seu envolvimento e até as famosas declarações contidas num vídeo, em que ficamos?
Pois ficamos nesta absurda pergunta: a quem aproveita este barulho?
A minha tese, carregada de malignidade é a seguinte.
1 Enquanto se discute o Freeport, não se discutem as mais que discutíveis políticas governamentais;
2 Não se discute o orçamento rectificativo que me parece necessitar de uma boa adenda de tal modo a crise avançou entretanto
3 À falta de argumentos gordos e definitivos corresponde sempre uma reacção hostil do público que se sente legitimamente frustrado. As pessoas começam a perguntar se atrás de tanto fogo de maravalhas não anda algo feio como a tentativa de caluniar pura e simplesmente. Ora, isso costuma acarretar uma contra-corrente de simpatia.
Se é assim, então a agónica maioria absoluta que todos previam que se transformaria em maioria simples (quando não em derrota) pode, como os Titãs filhos da terra levantar-se do chão matricial mais robusta do que antes.
Tudo isto poderia ter sido concebido por um estratega ousado mas inteligente. Ao serviço de quem?
Não da oposição que apesar de tudo ainda está anémica no que toca ao PSD e que não tem ilusões de cheirar o poder como é o caso do PC e aliados, existentes ou futuros.
Se não é ao serviço da oposição restam duas hipóteses.
A primeira é que identifica uma central internacional anarquista, uma máfia desconhecida mas poderosa que farta de ser perseguida nos seus velhacoutos tradicionais apontaria para uma instalação neste torraozinho de açúcar feito de praias e campos de golfe. É impossível? Também acho mas já vi outros impossíveis acontecerem. Como um exame ser feito ao domingo, para não ir mais longe.
A segunda hipótese (afastadas por incoerentes a conspiração da maçonaria internacional ou o inglesíssimo fantasma de Canterville) é a de se encontrar no P.S. a fonte desta salada russa. Só eles é que ficam a ganhar. E a dois carrinhos. Porque é a imprensa quem pressurosamente dá guarida a todos os disparates, renova uma e outra vez argumentos já esgotados e desmentidos, poupando assim aos cofres do partido uma forte dinheirama.
Aqui chegadas, se chegaram, as leitoras mais indulgentes sorrirão. Do que é que o mcr se foi lembrar...
Sim e não minhas queridas amigas. Sim e não. É que esta tourada à antiga portuguesa pode ter mesmo esse resultado obnóxio. Em decaindo a acusação ao Primeiro Ministro (e pelo andar da carruagem isso pode ocorrer) esperem-lhe pela volta. Soares ganhou uma eleição depois de um bofetão na Marinha Grande. Para pasmo de Zenha e Maria de Lurdes Pintassilgo candidatos que pareciam ter mais adeptos na esquerda. Para maior pasmo do candidato da direita que tinha aquela eleição como um passeio. E para indignação do dr Cunhal (alegadamente mandante do agressor) que se viu obrigado a comer um elefante inteiro, ou um sapo, sapo grande, enorme mesmo, para não ser acusado de trair a esquerda.

Voltando porém ao inicio desta conversa, temo bem que estejamos a assistir a um linchamento. E, como os leitores sabem, não é com linchamentos que a justiça se faz e a democracia se perpetua. Mesmo que os linchados sejam uns canalhas da pior espécie.

* eu não tenho nada de especial contra o bloco de esquerda. Mas ainda hoje, de raspão, ouvi a jovem Ana Drago a usar o estafado argumento da alteração da Zona Especial de Protecção como se isso não fosse um completo embuste. Há mentiras que repetidas podem passar por verdades mas como é que apelidamnos os seus autores?

29 janeiro 2009

Cantando e rindo...

Enquanto a crise económica e financeira avança a passos largos nós continuamos neste cantinho chamado Portugal concentrados nas notícias que vão saindo de uma forma sistemática e nada inocente sobre o caso Freeport . Ouvimos a mesma notícia vezes sem conta, analisada por todo o tipo de comentadores (só faltam os desportivos), dissecada ao pormenor, com informações por vezes distorcidas e incompletas e sobretudo, sempre a aparecerem novos dados que mais não são que os dados antigos com nova roupagem. Aconselhava o mínimo bom senso que, depois de publicadas as notícias, e mesmo depois de algum aparato compreensível, se deixasse a justiça funcionar, mesmo que não se acredite muito na sua eficácia. Parece que a presunção de inocência só existe no papel. De qualquer forma, o que se está a fazer é um linchamento público que só serve interesses partidários e nada mais. Ao país não serve de certeza. Precisamos de um primeiro-ministro concentrado naquilo que deveria ser essencial neste momento: o combate à crise. E isso não está notoriamente a acontecer, o que é natural, já que está a ser metralhado por notícias todos os dias e em todos os meios de comunicação social.

Decididamente Portugal não está com muita sorte. Tínhamos que ter eleições num ano em que a crise económica e financeira se desenvolve com toda a força pelo mundo fora!... Não prevejo nada de bom para o nosso futuro próximo.

Davos 2

Algumas das conclusões dos participantes no painel paralelo do Fórum Económico Mundial (FME) dedicado ao tema da "Nova Era Económica" reunidos em Davos:

Os pacotes de estímulo orçamental estão a ser adoptados por inúmeros países são importantes, mas poderão não ser suficientes para acabarem com esta crise. Na verdade, existe o risco de que esta intervenção "leve a um fracasso total", advertiu o ministro sul-africano das Finanças, Trevor Manuel.

Por seu lado, o "chairman" da Morgan Stantley Asia, Stephen S. Roach, salientou que não se podem "subestimar os desafios e os perigos com que nos confrontamos em 2009". "Estamos numa recessão global sem precedentes. E não há uma solução rápida".

A contracção da procura dos consumidores nos EUA, que é um forte impulsionador do crescimento mundial, poderá estar ainda longe de atingir o fundo.

Este painel concluiu, assim, que o mundo enfrenta actualmente problemas económicos nunca antes vistos. E que os pacotes de estímulo financeiro poderão não bastar para relançar o crescimento económico, mas que, de qualquer das formas, são importantes, devendo ser coordenados a nível internacional

Davos 1

Georges Soros refeiu em Davos não acreditar na eficácia do plano de intervenção de Obama defendendo que “o plano da Administração Obama de comprar activos tóxicos da banca norte-americana não será suficiente para que as instituições financeiras comecem de novo a flexibilizar a concessão de crédito. Não será essa medida que vai inverter a situação e permitir que os bancos comecem de novo a emprestar dinheiro" "Isso será nacionalizar a dívida e manter os lucros nas mãos privadas".

28 janeiro 2009

Diário Político 99


A propósito de um aniversário

O holocausto. Até a palavra custa a escrever. Sobre o holocausto, com letra grande ou pequena, tanto faz, já se disse tudo. Resta saber se a mensagem passou. Passou, claro, embora haja sempre quem não ouve, não vê, não sente. Nem acredita. E, convenhamos, que é difícil acreditar. É tudo tão grande, tão premeditado, tão extraordinário...
Mas aconteceu. Aliás, aconteceu algo ainda maior e mais terrível.
De facto não se tratava apenas de exterminar os judeus. Os judeus eram a ponta de um iceberg bem maior e mais trágico. Os judeus eram apenas, permitam-me o cinismo, o princípio de uma experiencia de eugenismo se é que isso tem algum significado. Quando o mundo se desembaraçasse deles pela expedita via dos fornos crematórios, da bala misericordiosa, da morte por inanição ou esgotamento, seguir-se-iam os outros.
Os ciganos, por exemplo. A ordem foi dada: exterminem essa canalha. Cigano apanhado era cigano enviado para um lager. Aqui os cálculos dos carrascos saíram ligeiramente errados. Perseguidos desde sempre por ladrões e nómadas, os ciganos criaram uma atávica desconfiança das autoridades. Nunca se integraram, nunca acreditaram no mundo dos payos (para usar a expressão espanhola)m souberam sempre que mais tarde ou mais cedo (sobretudo mais cedo) a repressão ocorreria. Criaram uma visceral suspeita quanto a fardas. E foi isso que os salvou (enfim salvou os que salvaram): ao mínimo sinal de polícia ou assimilado no horizonte, eis que se escafediam. Bem avisados andaram, diga-se de passagem. Nos memoriais dos campos lá estão milhares de nomes de ciganos.
Depois, uma outra “etnia” que foi perseguida e praticamente exterminada: os alemães negros e mulatos, fruto de uma pequena mestiçagem nos antigos territórios coloniais (Tanganika e Sudoeste Africano – actual Namíbia). Viviam, depois dos alemães terem sido expulsos destes territórios perdidos no fim da 1ª Guerra, na Alemanha umas dezenas de milhares de mestiços e de negros que por razões de ordem variada se tinham acolhido na antiga metrópole. Foram rapidamente presos, enviados para os campos e praticamente desapareceram. Convém lembrar que isto ocorreu logo nos primeiros anos do nazismo triunfante. Um povo ariano só tem uma cor, a branca. E de preferência loira.
Mas não fica por aqui a lista.
Os povos eslavos foram genericamente classificados como Untermenschen. Sub-humanos, se preferem. Serviam, para escravos da raça dos senhores. Escravos sem alma, claro e sem quaisquer direitos. Primeiro foram internados em campos os soldados feitos prisioneiros. Depois, dado que o esforço de guerra, deixava a pátria ariana sem homens, entendeu-se que estes quase animais talvez servissem para trabalhar nos campos. E em certas fábricas. De certo modo foi isso que os salvou de uma morte quase certa.
E, ironia da história, consta que as mulheres alemãs, enfim muitas delas, usaram os sub-humanos, para fins não exactamente ligados à reprodução mas de qualquer modo licenciosos. Quem não tem cão caça com furão, costumam dizer os entendidos.
Nos territórios conquistados, o desprezo pelas populações locais deu lugar a selvagerias inomináveis. À mínima resistência ia tudo raso, homens, mulheres e crianças. Ao fim e ao cabo eram sub-humanos...
Saindo do específico campo das etnias ou pseudo-etnias, lembremos que os campos de concentração começaram por ser alimentados por comunistas, socialistas e homossexuais. Os primeiros por obvias razões e os últimos por doença! Eram os famosos portadores da estrela cor de rosa. Não se fala dos loucos ou dos doentes mentais que também foram exterminados por mera eugenia. O Reich milenar não podia ter tarados. De resto esta noção de tarado sobrepunha-se a uma outra a de degenerado. E degenerado dava para tudo, desde o indivíduo associal até ao artista plástico que pintava ou esculpia coisas que o “pintor da brocha gorda” não percebia ou não gostava. Houve, até uma exposição de “arte degenerada” para mostrar ao povo ariano e saudável o que não devia ver, fazer ou comprar.
Com o correr dos tempos, chegaram aos campos os religiosos, primeiro as pequenas seitas evangélicas, depois os luteranos e os católicos. Não que as respectivas igrejas se tenham ilustrado particularmente na defesa dos direitos humanos. Todavia houve muitos crentes que seguindo a sua consciência e fortalecidos pela fé, entenderam dizer não ao admirável mundo novo e pagão que os hitlerianos representavam. Campo com eles.
Não vou especular sobre os números (que existem, claro) de mortos nos campos. Pouco me dá que em vez de seis milhões só tenham morrido, cinco ou quatro milhões de judeus. Não são os números (apesar de tudo impressionantes) que contam mas a específica e declarada intenção de não deixar um só que fosse.
E é esse o crime imperdoável. Crime que não se limita, já o disse, aos judeus mas a todos quantos não entravam na exclusiva lista de bons arianos. E isto às vezes é esquecido. Até pelos judeus que foram, de todo o modo, os mais eficazmente perseguidos. A pontos de com isso se prejudicar o esforço de guerra!
Uma última nota: não se diga que foram os alemães e só eles os perseguidores. Por um lado houve uma pequena mas corajosa oposição interna que foi sendo paulatinamente esmagada logo a partir dos primeiros dias do 3º Reich. O medo fez o resto e a guerra desviou as atenções.
A perseguição das minorias étnicas, sexuais, políticas e religiosas foi alegremente coadjuvada pelas populações dos territórios conquistados. Com um particular destaque para os franceses que denunciaram os seus judeus, que os prenderam e enviaram para campos de trânsito (Drancy, por exemplo). Com mais destaque ainda para os ucranianos que linchavam russos e judeus com idêntico fervor. Com mais destaque para os ustachis croatas que se lançaram à caça de sérvios comunistas ou judeus ou as duas coisas ao mesmo tempo. E não se esqueça neste festim infame o papel da pequena minoria muçulmana jugoeslava que não deixou os seus créditos pró-eixo em mãos alheias.
Como contraste, deve ser recordado que no Norte de África, milhares de judeus foram salvos por árabes, que os esconderam e auxiliaram na altura em que os alemães entenderam estender a essa zona a caça ao judeu.
A história é sempre mais complicada do que à primeira vista parece.

Nota final: volta e meia aprecem os chamados negacionistas ou revisionistas a negar o extermínio de judeus, os fornos crematórios e os números de mortos. Devem ser combatidos com rigor, com documentos, com a verdade. E isso é fácil. Todavia, houve, e há, quem opte por um esquema mais estúpido e menos educativo: proibir sob pena de prisão a divulgação dessas teorias. Por um lado não resolve nada, por outro responde com violência à violência das ideias. E estas, como a hidra, não morrem só porque as decepam. Bem pelo contrário. Renascem aureoladas pelo sacrifício e pelo martírio.

RESPOSTAS, precisam-se

José Leite Pereira, Director do JN, na sua crónica de hoje, coloca 15 pontos de interrogações acerca da Justiça que o país tem. É um levantar de questões a partir do “broar” que anda por aí. Interrogações sérias e preocupantes. Provavelmente ninguém lhe vai responder. Provavelmente, o Director do JN também não espera nenhuma resposta, apesar da matéria que trata não estar “em segredo de justiça”.
A propósito de Justiça, o ex - Vice-Presidente da AIG, Christian Milton, foi condenado a quatro anos de prisão. Isto passou-se nos EUA. O Sr Christian foi acusado em Fevereiro de 2008, de conspiração, fraude em depósitos e declarações falsas à entidade que regula o sector financeiro nos EUA. Menos de um ano depois: 4 anos de prisão mais dois anos em liberdade condicional e uma multa de 200 mil dólares. Acredito que se o Sr. Christian tivesse praticado aqueles crimes por estas bandas ainda estaria a usufruir do estatuto (social) de arguido (ou nem isso).

Au Bonheur des Dames, 169


Mais, sempre mais,
da política a todo o custo
e a todo o vapor
.

Em Viana do Castelo, cidade que há anos anda a gastar energias e dinheiro para desalojar à viva força os habitantes de um mamarracho que, apesar de mamarracho se fez com toda a legalidade e todas as licenças (aliás o prédio só é mamarracho pela altura, porque sobressai entre um núcleo de casa muitas vezes bem piores e mais problemáticas), houve um referendo.
Sobre uma questão que dizia pouco ou muito pouco aos habitantes que não só não a percebiam mas também se estavam nas tintas para a perceber. Assim sendo apenas uns escassos trinta por cento se deram ao trabalho de ir votar. Desse exíguo grupo saiu maioritária uma posição de negação à “comunidade intermunicipal do Minho” ou outra balivérnia do mesmo teor.
O senhor Defensor de Moura, presidente da Câmara local, rejubilou. E não era para menos: Se os escassos interessados tivessem dito sim à CIM ele demitir-se-ia. Ou, pelo menos, foi isso que ameaçou. Perante tão consternante alternativa o povo, que é quem mais ordena, disse não à “cim”. Para desgosto de outro prócere socialista, o senhor presidente da Câmara de Melgaço. Que já ameaçou não sei bem o quê. Nem importa. “Isto” são guerras “deles”, marcação de território de caça (ao voto e aos patos).
Consta que o P.S. pode querer tirar o tapete a Defensor de Moura e não o recandidatar em Viana. Corre, igualmente, que, nesse caso dramático, Defensor se defenderá correndo como independente. Deve estar convencido que o povo vianense, as noivas, as meninas da procissão da Senhora da Agonia e as restantes forças vivas estarão do seu lado. Não sei nem me importa porque, graças a Deus (ou ao deus dos ateus), não sou munícipe vianense.
Tenho quase como certo que nesse hipotético caso, o P.S. bem pode dizer adeus à risonha capital do Alto Minho. Mas isso não deve ser coisa que preocupe os dois por ora desavindos autarcas.

A propósito de autarcas, a concelhia portuense pôs a votos a candidatura de Elisa Ferreira à Câmara do Porto. Houve uma fortíssima maioria de votos a favor desta senhora. Mas houve também uns votos contra o que é natural neste género de conclaves, sobretudo se secretos. Uma vez apurados os resultados, uma luminária presente entendeu que já que a drª Elisa Ferreira tinha sido altamente votada se poderia, como cereja no bolo, propor a “aclamação”. O que imediatamente se fez entre um fartote de aplausos. Nos meus tempos de assembleia, a aclamação só ocorria no caso de haver unanimidade mas é possível que agora as coisas sejam vistas com mais liberalidade. O que me surpreende não é tanto a “aclamação” mas a súbita conversão dos oponentes à vontade da maioria. Note-se que o jornal refere expressamente “votos contra” e não abstenções. Das duas uma, ou esses votos foram (apesar de secretos) um mero engano dos votantes ou, perante a iminência de se verem reconhecidos os adversários da desejada Elisa entenderam mais prudente associar-se às festividades em curso. Chama-se a isto flexibilidade política e sentido de Estado.

Um cavalheiro apropriadamente chamado Bota entendeu propor o nome austero de Gonçalo Amaral à Câmara de Olhão. O referido cavalheiro ilustrou-se fartamente na condução do inquérito ao desaparecimento de uma criança inglesa, como todos sabem. Saiu do inquérito sem louros de qualquer espécie e sem que o público saiba o que aconteceu à desventurada criaturinha. Publicou um livro sobre o assunto com o sugestivo nome de “A verdade da mentira”. Ou vice-versa. O livro, já que livro é todo o conjunto de folhas impressas, coladas e encapadas e oferecido à leitura, cuja leitura se recomenda a quem queira obter o perdão de muitos e graves, gravíssimos, pecados capitais, já vai não sei em quantas edições e corre mundo ou, pelo menos, a Espanha e a Inglaterra em apropriadas versões vernáculas. Lá, como cá, devem habitar legiões de pecadores...
A comissão política do PSD, uma vez sem exemplo, opôs-se a tal candidatura. Pelos vistos, acreditam que os habitantes de Olhão, vila da Restauração, merecem outra sorte mesmo uma câmara socialista. O referido Bota terá dito que GA também era cidadão e por isso tinha direito a presidir a uma Câmara. Haja quem lhe explique que ser só cidadão não chega. Convém ter um projecto político, meia dúzia de ideias para a cidade, ter um passado, já agora, e um futuro se possível.

Aguardam-se ansiosamente notícias sobre Felgueiras, Gondomar (o major, claro, sempre ele...) Oeiras (Isaltino, pois claro) e mais um par de terras onde alguns pterodáctilos governam em nome sabe-se lá bem de quê. E estamos em boa altura, agora que o Carnaval se aproxima.

26 janeiro 2009

Duas notas a propósito do situacionismo e um desabafo

A forma como JPP aborda no Abrupto aquilo a que chama situacionismo ao nível da comunicação social merecia tornar-se num caso de estudo. Não haverá por aí algum investigador que pegue nos seus escritos para fazer um doutoramento? Há matéria para isso. Nomeadamente se a tese for que o ser humano, em determinados contextos, perde por completo a capacidade de ver, ouvir, ler e analisar de forma minimamente objectiva. Melhor dizendo, perde discernimento. O difícil aqui não seria identificar os contextos.Bom, mas tendo por base essa ideia do situacionismo, eis que me surgem duas questões:

1ª - Se este senhor tivesse dito o contrário não teria a honra de abrir todos os noticiários?

2ª - Será uma peça séria de ilustração da crise a que apresenta, a par dos despedimentos, falências e crise financeira, uma senhora a dizer que só há uma pessoa a rir neste país face à crise referindo-se a Sócrates? É que, para aumentar a seriedade da peça deram uma imagem de fundo do primeiro-ministro a rir. Passou há bocado no Prós e Contras.


O que eu lamento, é que neste Circo de Feras os chacinados sejamos todos nós, já que a crise é séria e merecia mais e melhor energia para a ultrapassarmos. Neste momento podemos precisar de tudo, menos de um Governo fragilizado.

O Porto ainda mexe

Em tempo de crise, económica, social e motivacional, tem-se dito e redito que o Porto está submerso e enredado nas suas próprias debilidades. Abundam os exemplos nesse sentido, seja a nível político ou empresarial. Apesar disso, o Porto tem nas suas raízes mais fundas as forças que permitem acreditar que é possível recuperar deste estádio. O desporto dá-nos um excelente exemplo.
A cidade que que vibra com o seu FC Porto, à excepção, claro está, do senhor presidente da Câmara, tem assistido com mágua ao definhar do Boavista. Em contraponto, viveu ontem um momento de fervor digno de registo, que orgulha os que gostam do Porto e das suas gentes. Um jogo do campeonato da 2ª divisão distrital, o último escalão de competição oficial, entre o Ramaldense e o renascido Salgueiros juntou cinco mil (!) portuenses no Estádio do Bessa, mais do que grande parte dos jogos da primeira liga profissional. Venceu o Salgueiros, mas verdadeiramente quem venceu foi a cidade, que mostrou estar viva e acreditar nas suas mais genuínas instituições. Haja quem perceba isto.

25 janeiro 2009

Au Bonheur des Dames 168


Sera la logique une pomme de terre?*


O cidadão Mário Lino será engenheiro, será ministro mas decerto não é alguém que usa a lógica. Usará a boa fé?
Interrogado sobre o caso “Freeport” afirmou que não tem dúvidas que o processo agora em foco tem motivações políticas.
Perguntado quem estaria por trás dessas motivações, o cidadão Mário Lino disse que não sabia.
Trata-se, pois, de uma questão de fé.
(Quem fez o mundo? - Deus. - Como? – Não sei. Porquê? –Também não.)
Quanto ao problema de identificar a vítima, o cidadão Mário Lino, volta a não ter dúvidas: trata-se de, assegura, atingir o Primeiro Ministro.
Se assim é, e será assim na óptica do intrépido descobridor do deserto do sul (onde o Freeport será um oásis...), temos que novamente o fulgor da fé ilumina o espírito poderoso de Mário Lino. Há uma cabala para atingir o Primeiro Ministro orquestrada por não se sabe quem mas com claras motivações políticas. Percebe-se?
Eu, se estivesse na pele do cidadão Mário Lino, tentaria primeiro identificar a vil origem deste mal moderno que é a cicuta noticiosa que tenta envenenar o cidadão José Sócrates. Ficaria bem a um engenheiro, pessoa decerto habituada à fria crueza da realidade, tentar encontrar argumentos que excedam a fé pura e simples. Não que esta não arraste montanhas mas no caso apenas se gostaria que trouxesse no aluvião de notícias a verdade.
Bem sei que estes novos ventos inquisitoriais sopram de Inglaterra donde, durante anos, e quase duzentos volumes!!!, nem uma brisa se sentiu. Temos pois, não uma fé mas uma suspeita de que é lá que está a central de boato e escândalo que tenta enxovalhar o bom nome das autoridades portuguesas. Se for assim, quem é que lucra com o ataque? Sª Majestade, a Rainha Isabel? O fantasma de Lady D? O Manchester United?
Ou, para tentar alcançar as perplexidades do cidadão Lino, será que estamos perante uma versão post-moderna da velha aliança luso-britânica de que fomos sempre vítimas propiciatórias? Não lhes bastou o Tratado de Meetween ou o esbulho de bens portugueses durante a guerra peninsular? Estamos perante uma segunda volta do mapa cor de rosa?
Se eu fosse uma pessoa mais impiedosa teria escrito outro texto: por exemplo, algo onde se dissesse ao enfatuado cidadão Mário Lino que a palavra pode ser de prata (e a dele, está visto que não é) mas o silêncio é de oiro. E aqui, neste tema, a prudência torna-o de diamante. Nem José Sócrates precisa de amigos desastrados, nem os portugueses devem ser confrontados com estes argumentos de uma penosa e tíbia lógica.
O cidadão Lino tem o condão do toque de Midas ao contrario: onde mexe, estraga.

* o título em francês (enfim em franciú) é obviamente “un hommage a Mariô Linô”
** entendeu-se usar o nobre termo de cidadão porque se espera que os cavalheiros citados sejam julgados pela opinião pública como tal e não com a muleta político-partidária. O que, no caso, de Mário Lino, não parece evidente.

24 janeiro 2009

Estes dias que passam 139


Dois pontos sobre as notícias

Um jornal levanta uma forte suspeição sobre o Primeiro Ministro.
Um parente deste mete os pés pelas mãos nas declarações que faz.
Gravações ambíguas, vídeos que cá não são prova, mexericos, desmentidos e o costume vão fazendo crescer especulações. E paixões.
Nada, até agora, permite pôr em causa a honra e dignidade do Primeiro Ministro.
De todos os modos presume-se a inocência de qualquer pessoa acusada.

O Primeiro Ministro tem todo o direito de se defender e de se sentir insultado. Não deve, nem pode, é disparar contra tudo e todos, mormente contra os magistrados que estão encarregados de dirigir as investigações. Ora, as suas primeiras declarações e acusação que este processo só vem ao de cima em época eleitoral não são elegantes e podem conter um ataque a quem investiga.
O Primeiro Ministro já tentou emendar a mão mas, como de costume, o mal está feito: o ataque aos magistrados que instruem o processo já está desmentido mas deixa sempre uma cicatriz.
De resto, o Primeiro Ministro sabe perfeitamente que este caso renasceu há meses e foi provocado pelas investigações que correm em Inglaterra. E não passa pela cabeça de ninguém, sequer pela do senhor Primeiro Ministro, que se trata de uma conspiração inglesa contra os poderes instalados em Portugal.
Por outro lado, convém não falar muito no que transpira dos processos e no segredo de justiça porque disso, desses ardis nefastos, estamos todos bem lembrados de como se tentou (e se conseguiu) destruir Ferro Rodrigues. E mais não digo...
Convém apenas saber: foram ou não pagas luvas a alguém?
Porque é que um tio do senhor Primeiro Ministro se gaba de ter dado azo a uma reunião quando, por outra banda se afirma que essa reunião (“a única”, sic) foi pedida pela Câmara Municipal de Alcochete? Quem mente? Quem fala verdade?
Relembro, o caso de um Ministro de um dos primeiros governos democráticos que, por um filho estar implicado num escândalo, entendeu não ter condições políticas para permanecer no Governo. Outro tempos, dir-se-á. Talvez, mas o seu exemplo nem por isso deve ser esquecido ou criticado.
Resta-nos , a todos, fazer votos, exigir que esta investigação chegue rapidamente a bom porto. Ninguém, nós cidadãos, os acusados (justa ou injustamente) pode viver demasiado tempo, neste clima deletério. Todavia, a justiça, a boa justiça, e a investigação séria e cabal têm os seus tempos. Mas só esses.
Por várias vezes, defendi neste espaço, a presunção de inocência que aprendi nos bancos da faculdade. E nem sempre fui meigo com os instrutores de processos nacionais ou estrangeiros. Uma, ou outra vez, algum comentário pôs em causa essa minha posição com o argumento que assim eu desvalorizava o trabalho de investigação. Até agora, tenho tido a sorte de verificar que esses apelos à prudência e à mais estricta legalidade, se mostraram razoáveis e foram confortados pela queda das acusações contra os presumíveis réus, julgados –mal! – na praça pública.
Apesar de achar que este Primeiro Ministro é arrogante e conservador, ou por isso mesmo, tenho que, mais uma vez, defender o seu direito ao bom nome e à honra. E verifico, com alguma satisfação, que por banda da oposição há opinião idêntica. Isto é, apesar de tudo, um bom sinal para a democracia e para a causa da liberdade.
Ninguém está acima da lei. Nem abaixo.

Aliança CDS/CGTP

A Assembleia da República chumbou ontem o projecto-lei do CDS-PP que conduzia à suspensão do processo de avaliação dos professores. Uniram-se em torno da proposta daquele partido, apenas por mero oportunismo político, o PSD e toda a esquerda, incluindo cinco deputados do PS. Não foi contudo suficiente para aprovar a proposta do CDS, uma vez que a maioria de deputados socialistas prevaleceu.
O que unia os deputados não era a vontade de encontrar uma saída para o diferendo que afasta Governo e professores. O que pretendiam era infligir uma derrota ao Governo. Tout court. E ver Mário Nogueira, o excelso sindicalista da Fenprof, militante do PCP, nas tribunas da Assembleia a torcer pela vitória do projecto do CDS, além de caricato, ficou para a história das (in)coerências da luta política e sindical em Portugal.

23 janeiro 2009

O que vale o trabalho?

A crise actual veio dar à evidência a volatilidade do emprego. Todos os dias se anunciam a extinção de centenas ou milhares de postos de trabalho. Os trabalhadores, que produziam riqueza a troco de um ordenado, são mandados para o desemprego porque o que produzem já não dá o lucro esperado. Durante anos e anos inventaram-se fórmulas que conduziram à precariedade do emprego. O emprego seguro e estável foi substituído pelos contratos a termo, até que se chegou ao conceito ultra-moderno da flexisegurança.

Os mentores deste caminho bem nos diziam que era a evolução necessária para defender e aumentar o mercado de trabalho. Todos aceitaram entrar no jogo e mesmo que algumas organizações sindicais levantassem a voz, não lhes era dado grande crédito. “Estão a fazer política”, diziam os políticos.

Casos como o da Qimonda e outros, onde está aplicado muito dinheiro público, permite-nos questionar: O que vale o trabalho? Como é que o trabalho se transformou numa coisa perversa, que deixa as pessoas abandonadas à sua sorte, mesmo que em redor se sinta algum movimento incómodo ou mesmo alguma solidariedade militante, de quem não pode dar muito mais que isso.

Nestas ocasiões, a preocupação dos políticos é mostrarem-se muito inquietados. Quando no governo, dizem que estão a criar muitos empregos ou a tomar medidas que irão gerar mais emprego. Os da oposição dizem que essas medidas não bastam e que assim não se vai lá. Quando a oposição toma o lugar do governo, inverte-se o discurso, mas na essência mantém-se o pouco valor dado ao trabalho.

De facto, o trabalho só tem valor se gera lucro: Contudo, não pode ser um lucro qualquer, tem de ser o lucro esperado, aquele que o empregador (outro termo moldado aos dias de hoje) entende como adequado. Então, se o lucro não está a ser o adequado, o empregador, quando tem a dimensão da Quimonda, pode dirigir-se aos políticos e chantagear: se não injectarem mais alguns financiamentos (podem ser sob a forma de subsídios, formação, juros bonificados, isenções fiscais, etc) fechamos as portas e vai tudo (ou quase) para o desemprego. Mais uma vez, o que está em causa não é o valor do trabalho ou assegurar o emprego. O que está em causa é o montante de lucro em jogo.

O modelo de desenvolvimento económico e social trouxe-nos até aqui. O Século em que acabamos de entrar, com a crise que o acompanha, mostra que o modelo ruiu. Talvez tudo não passe do prenúncio de uma nova era, que até poderá ser ainda mais ficcional se convencerem a maioria que não é preciso trabalhar para ser feliz.

Lula Pena - Passion ( Rodrigo Leão)

22 janeiro 2009

Estes dias que passam 138


Ao cheiro de eleições
destapam-se as ambições...

As leitoras amabilíssimas perdoarão que use uma versâo de “ao cheiro da canela despovoa-se o reino...” e, sobretudo, que vá falar não especialmente bem de uma mulher. Não que entenda que a política está reservada aos homens, bem pelo contrário, mas apenas porque nem sempre as mulheres que fazem política se libertam de vícios bastante masculinos.
Ora então, comecemos: há no norte profundo, se ainda se pode falar disso, uma terra chamada Valongo. Nessa terra, seguramente abençoada, as próximas autárquicas fizeram disparar as sirenes. Pelo menos, as sirenes do P.S.! Eis que numa terra governada pelo PPD, aparecem, pelos vistos, duas candidaturas socialistas. A história recente não deveria entusiasmar os socialistas a esse tour de force tanto mais que, dizem-me, o poder dos social-democratas (é assim que chamam aos do PPD!!!) está firmemente estabelecido.
Ora acontece que uma senhora, jornalista de profissão, de seu nome Maria José Azevedo, foi no passado próximo a cabeça de lista do P.S. Derrotada, terá cumprido estes anos amargos como vereadora. Esperava, pois, que lhe fosse renovada a confiança dos socialistas para novamente encabeçar a lista concorrente à Câmara.
Todavia, um cavalheiro, de seu nome Afonso Lobão, ex-deputado e membro conhecido do aparelho socialista portuense, terá sentido no seu coração que transborda de amor por Valongo, a chamada da terra natal. E, assim sendo, entendeu candidatar-se a candidato. Depois de uma confusa guerra de posições, consta que Afonso (nome de reis e de um gato gordo e façanhudo que era hospedado pela vizinha Carmo, também gorda e façanhuda ou pelo menos, se bem recordo, bigoduda) conseguiu a maioria das preferências da comissão concelhia local. Maria José (nome de fortes ressonâncias bíblicas e também de uma rainha estranjeira) preterida pelo povo valonguense na passada eleição é agora preterida em nome de uma qualquer eficácia eleitoral. Lá se vão quatro anos de pastora na casa do Labão ppd...
Sic transit gloria mundi.
Maria José, porém, não se conforma. Rapa da caneta e ei-la que manda uma cartinha ao senhor Renato Sampaio, desastrado patrão do aparelho socialista portuense. A carta vem no Público de hoje, quinta feira, pelo que me dispenso de a transcrever.
Eu sempre achei extraordinário que se ponha nas bocas do mundo uma carta que se mandou e de que se espera resposta. Mesmo no ínvio mundo da política caseira e autárquica, a coisa parece deselegante. Então a gente escreve uma cartinha à puridade e, mesmo, antes de receber resposta já a está a pôr no estendal? Que é que o destinatário há-de pensar? E fazer?
Na carta referida, Maria José, dava a Sampaio, o titubeante, um prazo para a informar da política do P.S. quanto a Valongo (supõe-se) e responsabilizava-o pela quase certa derrota eleitoral do partido no caso de, escolhendo Afonso, a obrigar a protagonizar uma lista independente e alternativa que iria dividir as forças (bastante fracas) do socialismo local.
Convenhamos que Maria José parece ser “mujer de armas tomar”. Quer ser candidata, pergunta como é que vão as coisas, intima o líder distrital a responder-lhe até 19 de Janeiro, e avisa-o que se não a escolherem vai na mesma a votos como independente. Se, como se calcula, desta barafunda pouco propícia sair uma pesada derrota socialista os culpados serão Afonso o “enfant cheri du parti” e Sampaio o mau decisor. Ela, Maria José, fazendo jus ao nome, apresenta-se virgem de culpas. Um douto Padre da Igreja, defensor da tese da virgindade da mãe de Jesus, escrevia que Maria era virgem antes do parto, depois do parto e durante o parto. Mistérios que os concílios posteriores a estes conturbados primeiros séculos do cristianismo aumentaram. E além de aumentar, pelos vistos, reproduzem-se. Pois que Maria José poderia, como disciplinada militante do P.S., não se candidatar. Right or wrong is my party! Mas não! Maria José candidata-se. Presume-se que, sabendo que não ganha pela falta de apoios locais e distritais, se candidata para perder e fazer perder o adversário interno. Claro que quem se deve estar a rir a bandeiras despregadas é o candidato do PPD. Aquilo, Valongo, já não deveria ser difícil, mas com as tropas adversas em ordem dispersa deve parecer um passeio.
Confesso que pouco se me dá o destino da Câmara de Valongo. Ou melhor, estou-me, mesmo, nas tintas. Contudo, já outro galo canta quando me lembro que isto a que já começamos a assistir é o espectáculo da verdadeira política à portuguesa. E do desnorte que reina entre os “militantes” políticos. À primeira zanga estala o verniz. Ao primeiro arrufo, chove a paulada. Ao primeiro não, arreia-se a giga. E não estamos a falar de um Joãozinho das Perdizes (ai abençoado Júlio Dinis, morto tão novo...) que varria feiras a varapau e politicava da mesma maneira. Estamos a falar de uma senhora jornalista que fundou uma escola “superior” de jornalismo onde, sempre segundo o Público deu aulas. De quê? Às tantas, de deontologia...



UMA, DUAS, TRÊS AUDITORIAS

1 - Miguel Cadilhe dizia que pediu uma auditoria às contas do BPN e que o Banco de Portugal só o teria feito depois. O Banco de Portugal garantia que pediu a auditoria antes de Miguel Cadilhe o ter feito.Agora a comunicação social revela documentos a mostrar que Miguel Cadilhe tinha razão.
Como é que os responsáveis pelo Banco de Portugal ficam na fotografia? Consequências?


2 - Miguel Cadilhe encomendou uma auditoria às contas do BPN à Deloitte. O Banco de Portugal pediu uma auditoria às contas do BPN à Deloitte. A ser assim, a Deloitte terá aceite realizar a mesma auditoria, mais coisa menos coisa, para duas entidades diferentes. Então, as conclusões dos auditores devem ser idênticas na auditoria pedida pelo BPN e na pedida pelo BP. O valor da factura também.
Como é que a Deloitte sai na fotografia? Consequências?


3 - Sugestão para um Grupo Parlamentar: Pedir um inquérito ou uma auditoria aos pedidos de auditoria efectuados pelo BPN e pelo BP. Para maior celeridade, podem adjudicar o trabalho à Deloitte.

21 janeiro 2009

A CRISE QUE AÍ VEM

Bastou uma semana para a Standard & Poor´s ter alterado o seu posicionamento acerca do risco da dívida do Estado. Há uma semana anunciou que a dívida estava sob vigilância negativa. Hoje reduziu o rating atribuído a Portugal, o que significa atribuir maior risco e, consequentemente, maior custo de financiamento do Estado e das Empresas.

Apesar de ser aceite por todos que as medidas de combate à crise contribuirão para agravar significativamente o défice público, não deixa de ser estranho que, no prazo de uma semana, a Standard & Poor’s tivesse descoberto que essas medidas eram gravosas e que as reformas estruturais foram insuficientes, a ponto de ter de alterar, para baixo, a classificação atribuída a Portugal,

Na altura houve quem desqualificasse a Standard & Poor’s porque estas entidades são co-responsáveis pela falha na supervisão no sistema financeiro. Apesar disso mantêm-se e os seus pareceres podem produzir efeitos bem gravosos para os países.

Apesar da credibilidade afectada destas entidades, parece que não se pode imputar apenas à crise mundial a queda do rating. De facto, foram tomadas medidas de apoio ao sistema financeiro, designadamente ao BPP, que vão contribuir para o aumento da dívida. Acresce que se mantêm opções de grandes obras públicas que não deixarão de contribuir para o avolumar do défice. São estas opções que devem ser reavaliadas e reformuladas.

Também me parece estranho que a Standard & Poor’s não valorize a consolidação orçamental conseguida pelo Governo em anos anteriores. Ou seja, se o governo não tem reduzido o défice público nos últimos anos, então, que rating atribuiria a Standard & Poor’s a Portugal? Provavelmente anulava o rating, significando risco máximo ou o alerta: não emprestem dinheiro àquela gente porque não têm condições de pagar.

O que é que a celeridade na mudança de atitude da Standard & Poor’s nos mostra? Primeiro, que a crise ainda não bateu no fundo. O pior ainda vem aí e o mais embaraçoso é que ninguém conhece ou conseguir antever a dimensão da crise; Segundo, o espaço de actuação que o Governo tem hoje deve-se, em absoluto, ao trabalho de consolidação orçamental levado a cabo nos anos anteriores, com os sacrifícios que foram exigidos aos portugueses contribuintes; Terceiros, os tempos mais próximos não serão os mais apropriados para grandes reivindicações e exigências ao erário público; Quarto, é tempo dos portugueses começarem a fazer pela vida porque o subsídio e a casa paga pelo Estado (central ou local) pode falhar de um dia para o outro.

Dependências

Parece que na China se criaram centros de recuperação para dependentes da Internet. Apesar das mensalidades serem altas, perto de mil euros, a procura tem aumentado substancialmente. Dá que pensar. Que percursos, que vidas levam as pessoas até esta necessidade de apoio para largar ou gerir melhor e perder esta dependência? Dá que pensar.

A cicatriz

Hoje ouvi nas notícias que a advogada de um dos arguidos do Processo Casa Pia tinha evocado, como prova de inocência, o facto das vítimas não terem referido a cicatriz que o seu cliente tem numa dada parte do corpo. Fiquei curiosa: será que os arguidos deste processo usavam capuzes na cabeça aquando dos actos que supostamente praticavam?

20 janeiro 2009

Diário Político 99


The black man's burden


Há sessenta, setenta anos, esta imagem idílica (!!!) de África era moeda corrente. Um preto servia para isto mesmo: levar de "machila" o branco caçador de capacete colonial.
Hoje, pelo meia-dia de Washington, um eventual descendente destes carregadores, ou de outros quaisquer, é portador de uma carga de que Kipling nunca se terá lembrado: terá de governar a mais poderosa nação da Terra.
com uma diferença: no caso em apreço, Obama, não estará sozinho. Chamou para a tarefa homens e mulheres de várias cores, de várias raças, com diferentes opções políticas.
Convenhamos que o "fardo" deste homem negro (aliás mulato mas isso quer dizer cada vez menos, ou cada vez mais no sentido de tornar mais real, mais visível, mais credível o melting pot americano que faz parte do "american dream") é imenso e não fica atrás do que Kipling imortalizou num poema que não deixa de ter o seu mérito.
Assisti à tomada de posse no quentinho da minha casa e tive pena de não poder partilhar esse momento de intensa emoção com outras pessoas. subitamente recordei amigos portugueses, africanos, americanos que conheci por esse mundo e com os quais partilhei indignações e esperanças. muitos deles foram já levados pela rasoira mas gostariam de ter visto esta "inauguration".
Digamos que Barack Hussein Obama carrega um outro fardo: as ilusões, as esperanças, a juventude de um punhado de rapazes e raparigas que nos anos sessenta tomaram partido, entusiasmaram-se, agiram, cometeram erros, cairam e levantaram-se, vezes e vezes, porque finalmente acreditavam que um dia o sonho de Martin Luther King se cumpriria. E agora que se dão os primeiros passos dessa promessa, subitamente, eu e esses queridos fantasmas estamos felizes mas ansiosos, felizes mas preocupados, preocuados mas confiantes de que o futuro pode ter começado hoje.
Permitam a um ateu, tolerante mas ateu, esta pobre frase: God bless Obama! God bless us! Yes, we can!

Estes dias que passam 137


Quarenta anos depois

Há quarenta anos, ou ainda menos organizei, com Maria João Delgado (que traduziu os textos de origem inglesa enquanto eu traduzia os que vinham originariamente em francês) este livro cuja capa se mostra. Chamava-se "Os Panteras Negras" trazia textos de Eldridge Cleaver, de Huey Newton e de vários colectivos negros pertencentes à órbita do Black Panther Party ou dos "Weathermen". A edição esteve a cargo da Editorial Centelha (Coimbra) de que já aqui se falou. Como pormenor curioso o livro foi proibido a partir do momento em que, ainda antes de impresso, a polícia descobriu numa tipografia as capas. Nem sabiam do que se tratava mas, à cautela, pimba!
Claro que o livro saiu, foi vendido às escondidas, sempre proibido, como aliás ocorria com grande número das edições da Centelha.
Quarenta anos depois da realidade que aqui se retratava, a traço grosso, eis que um afro-americano toma posse como Presidente dos EUA. Que de caminho andado! em quarenta anos o mundo americano perdeu uma guerra, meteu-se (mal) noutras, ziguezagueou entre o terrível (Guantánamo) e o belo e aqui está um homem de 43 anos, carregado de diplomas prestigiosos a jurar o cargo mais importante do mundo.
Assisti a tudo, comovido, impressionado, espantado com a aceleração da história, desejando intensamente que ele seja bem sucedido pois carrega nos seus ombros um capital de esperança de que não há memória. Traz com ele uma administração bicolor, o que é uma novidade, fala directamente ao povo via internet, outra novidade e pode, se o ajudarmos, mudar para melhor o mundo em que vivemos.
O discurso, sóbrio mas claro, que pronunciou há momentos promete obras públicas, insiste na igualdade de oportunidades (escola, saúde pública) de defesa do ambiente (novas tecnologias, energias alternativas) e refere com contenção e pudor uma outra política racial bem como e isso é importante uma nova maneira de falar com o mundo.
E foi com indescritível prazer que vi o casal Obama acompanhar até à porta do Capitólio o casal Bush de regresso ao seu Texas natal.
Bom vento e estrelinha que o guie!

ENTRE A ESPERANÇA E O MEDO





Creio que nunca escrevi nada sobre as eleições americanas. Também não tenho grandes expectativas sobre a dimensão da proclamada e aclamada mudança. Sou dos que pensam que a grande virtude do sistema americano é a sua capacidade para devorar a própria mudança e transformar os símbolos de antítese em símbolos comerciais.

Confesso que me tocou a frase de Obama, com o peso de ter sido proferida no discurso oficial da tomada de posse. Os americanos escolheram a esperança em vez do medo.
Terá sido exactamente isso que se passou, a escolha entre a esperança e o medo

Não posso estar mais de acordo. Oxalá Obama contrarie a lógica do sistema.

19 janeiro 2009

Au Bonheur des Dames 165


A bandeira vermelha ou
Haja quem me explique



" ...E leveremo
La bandiera rossa, oooh!"
Canto dei battipali (Veneto)


Há três ou quatro meses o P.S. armou-a bem armada ao recusar votar o casamento dos homossexuais. Uma parte da bem-pensância crocitou destemperos e o resto da malta que ainda se interessa por política manifestou o seu pasmo.
Pessoalmente, a questão não me aquenta nem arrefenta. Nada tenho contra o casamento, com flor de laranjeira e tudo, apenas acho que se a palavra causa engulhos que se arranje outra desde que as consequências jurídicas do pacto entre os contraentes sejam mais ou menos idênticas à do casamento. E, também, sempre pensei que quem não tem cão caça com furão. Ou, por outras palavras: trata de estabelecer com o/a companheiro/a sentimental um contrato que ressalve os direitos que a convivência produz entre heterossexuais.
A oposição do P.S. à iniciativa do Bloco de Esquerda só teria explicação se o P.S. quisesse, naquele momento, manter a maioria absoluta piscando o olho a uma direita pudibunda. Não me passa pela cabecinha pensadora a ideia de que se tratou de uma birra... Tratou-se?...
Agora, que o P.S. percebeu que a direita não está para lhe fazer o frete mesmo se os socialistas se aplicaram diligentemente a levar a cabo um claro programa de direita (trapalhão, claro, mas de direita e daí os trabalhos da pobre dr.ª Manuela Ferreira Leite) e que a esquerda (dentro dele e fora) organizada ou não lhe está a jurar pela pele, eis que, num pinote acrobático põe o “engenheiro” Sócrates a defender temas eventualmente esquerdistas. E digo eventualmente porque tudo depende do modus operandi e, sobretudo, desse comezinho facto que é cumprir as promessas contidas num programa. Pessoalmente não confio no senhor “engenheiro” mesmo que o visse com uma corda ao pescoço. Cesteiro que faz um cesto, faz um cento.
Também não confio nas senhoras e senhores que em tempos andavam babadas/os com o Manuel Alegre e, agora, que se está nas vésperas da escolha de deputados, se juntam num carnaval frenético à volta do secretário geral. Este género de derivas não são novidade em Portugal e, muito menos, no P.S.. Também não me apoquenta ver “ex-sampaístas” (se é que alguma vez o foram...) no mesmo carro alegórico.
O “sampaísmo” (de que tantas vezes me acusaram apenas por ser amigo do Jorge e almoçar com o grupo no snack-bar do hotel Florida) era algo mais sério, mais limpo e mais duradouro do que o súbito enlevo por Sampaio quando este vestiu a camisola de Presidente da República. Era, insisto, uma partilha de ideais, de preocupações muito mais do que uma ante-câmara do poder e de mordomias. Eu, que não era do P.S., e que o fui um escasso ano, via, e vejo, nesse grupo amável e rigoroso um amor pela política e pela cidadania que nada tem a ver com esta turbamulta ávida que se vira para o poder como o girassol para o astro-rei. E há ainda uma outra diferença: os sampaístas, Sampaio incluído, tinham profissões, ganhavam a vida fora da política, do parlamento e das empresas públicas. Em certos casos a assumpção de cargos políticos significou até um abaixamento de rendimento. Mostrem-me um destes neo-“ex-sampaístas” a quem tenha acontecido o mesmo. Um só!
Voltemos, porém, à vaca fria: esta esperada reviravolta do senhor “engenheiro” para a esquerda ocorre no momento em que todos os indicadores estão no vermelho, em que o movimento dos professores começa a não ser o único de contestação a uma política governativa hesitante, esdrúxula e conservadora. A maioria absoluta é já uma miragem num deserto que começa a mostrar-se bem pior do que aquele outro que o senhor ministro das finanças via em Alcochete. A crise chegou, as expectativas dos portugueses são escassas e as eleições, essa enorme maçada, estão à porta. De repente soou a trombeta do primeiro julgamento. Os cidadãos, que, nestes anos de maioria absoluta, o P.S. tratou como súbditos mal educados, têm uma palavrinha a dizer e três papelinhos a pôr na urna. Para as Europeias, para as Locais e para as Legislativas.
(Chegado a este ponto, eu até me atreveria a confidenciar que dentro de dias pode ocorrer um facto político importante. Não o faço mas peço às minhas curiosas e escassas leitoras e aos leitores que me aturam que guardem esta: o P.S. estuda, prepara um salto mortal. Depois falamos).
Portanto, toca de tentar reunir à esquerda. O Alegre? Mas ele é a alma do P.S.!!! Os críticos internos (?) e externos, como um tal mcr: é tudo boa gente, da família, na hora da verdade estarão connosco (O Tanhäuser e o Badanäuser, resmunga o mcr que à falta de ser rico já não é lorpa). A ver vamos, como dizia o cego. Eu não me fiaria assim tanto. E por isso vejo a maioria absoluta agora pedida muito tremida. Melhor: não a desejo. Não é a maioria absoluta que torna um governo melhor, sobretudo quando, como no caso em apreço, não passa de um grupo de farfalhudas luminárias que obedecem automaticamente a his master’s voice. E nem falemos do parlamento ou da sua maioria: aquilo parece de saldo. É duvidoso que por essa Europa fora se encontre um grupo assim tão cinzento, tristonho e incapaz: “Apparent rari nantes in gurgite vasto”..., cantava Virgílio, o latino, numa obra cujo simples nome deve ser um enigma para 90% dos parlamentares.
Vamos, pois, ter um Congresso do P.S. igual a tantos outros desde que se instalou a ideia de que aquilo menos do que um partido é um ajuntamento político “com sentido de Estado”, o mesmo é dizer, uma coisa que existe se há poder, pelo poder e para o poder. O devaneio esquerdista de agora, o casamento dos homossexuais nem a estes deve convencer tanto mais que ninguém percebe as causas da recusa de há meses. Aliás, como alguém hoje dizia, uma coisa é o congresso decidir outra o agendamento da proposta, o conteúdo dela e a sua votação em sede parlamentar.
Os partidos deveriam perceber, uma vez por todas, que os votantes os julgam eleitoralmente mais pela sua prática política quotidiana do que pela ideologia de que vagamente se reclamam. Então no caso do chamado “bloco central” isto é uma verdade absoluta, que diabo. Só assim os conseguimos, quando conseguimos, distinguir. Ou pensarão eles, os deputados que trinam maviosamente em São Bento, que as pessoas ao som da sua voz os seguem como os pássaros e as árvores a Orfeu? (esta também deve passar bem alto, demasiado..., por S Bento... Paciência e que siga a rusga, a leitora MJ Carvalho e o José M perceberão, com o que já me dou por satisfeito. E seguramente terei sido percebido pelo meu pequeno público que é para ele que escrevo).
A pergunta que cabe é pois a seguinte: a prática política destes quatro anos que agora se cumprem penosamente foi de esquerda? Teve êxito?
Da resposta dos (e)leitores sairá a sorte do P.S.

* a gravura da crónica poderá parecer estranha mas, de facto, a legenda diz o seguinte: "aqui tinha bandeira vermelha mas..." achei-a apropriada tanto mais que talvez obtenha mais leitores com o truque...

EM BUSCA DOS PORQUÊS

Por muito estranho que pareça, segundo um estudo europeu, os portugueses são os cidadãos da União mais preocupados com o terrorismo. Na mesma linha, também são os portugueses os mais preocupados com o controlo das fronteiras. Há dias a comunicação social relatava que os portugueses são o povo de União Europeia com maior sentimento de insegurança e os que mais temem sair à noite.

O que a realidade mostra é que Portugal não é, propriamente, um alvo prioritário para os terroristas. O controlo das fronteiras não é, de facto, um problema em Portugal. Por fim, Portugal é, reconhecidamente, dos países mais seguros da União Europeia.

Então, quais os porquês da discrepância entre a realidade do país e aquilo que os portugueses verdadeiramente sentem?

Um outro estudo concluía que o português é o cidadão da União que mais televisão vê, 4 horas média/dia. O mesmo estudo mostrava que é em Portugal que os noticiários ou telejornais são mais longos.

18 janeiro 2009

Estes dias que passam 136

O dr. Paulo Portas descobriu mais uma vez a pólvora: o partido sai reforçado apesar das evidencias em contrario. A solidão do líder é um facto e os 87% que embolsa lembram as votações dos antigos países de leste e dos seus partidos irmãos, o português incluído, não o esqueçamos.
Tonitruou, pois, uma verdade que, queira ele ou não, não é mais verdade do que uma piedosa mentira.
Declarou que não se alia à esquerda nem à direita mas quem é que não diria o mesmo nas actuais circunstâncias? Estas declarações são o pão nosso de cada dia dos responsáveis políticos pelo que não devemos dramatizar nem tomá-las demasiado a sério.
Claro que os observadores dos outros partidos disseram exactamente o que se esperava deles e nem sempre foram felizes. O PSD diz que já fez propostas idênticas. Claro! E para dizer isto convocaram o dr. Aguiar Branco que, finalmente se mostra tão verboso e inconsequente quanto se esperava.
O P.S., pela voz do dr. Vitalino Canas, sempre esse homem extraordinário e providencial, acha que na “situação actual”, que é difícil (descoberta admirável!), falar de eleições é pecado mortal. Francamente, dr. Canas: Vª Senhoria acha que os seus colegas e amigos de partido e governo andam a falar de outra coisa? Que pensam outra coisa? Que temem outra coisa?
A menos que, como o chefe da aldeia gaulesa de Asterix só se receiem que o céu lhes cai sobre a cabeça (o que, de qualquer modo, não ocorrerá amanhã...)

"O leitor (im)penitente 44


Sobre
um génio que era um santo
e seus fieis


Saiu ou vai sair muito em breve uma nova e acrescida edição da “fotobiografia” de Antero de Quental. Ora aí está um livro imperdível. Por todas as razões: rigor, beleza, tema etc...
E por uma outra não menos importante e não menos justa: trata-se de um trabalho assinado por Ana Maria de Almeida Martins, uma investigadora que tem no seu longuíssimo currículo uma vasta obra de e sobre Antero. Devem-se-lhe a edição das “Cartas” do enorme poeta e guia da geração de 70. A.M.A.M. pesquisou, organizou, juntou e, salvo milagre que se desejaria, terá publicado com cuidado, obstinação e carinho a mais completa edição da epistolografia anteriana. Devem-se-lhe igualmente a criação do Centro de Estudos Anterianos (com o apoio certo da Câmara de Vila do Conde), a revista “Estudos anterianos” (igualmente apoiada por Vila do Conde), a compra da casa onde o poeta passou dez anos de vida feliz, um sem número de textos e uma boa dúzia de livros sobre Antero. Ana M. A. Martins é, sem demérito para a numerosa tribu anteriana, a especialista mais operosa destes últimos trinta anos. A grande especialista, não tenhamos medo das palavras. Uma vida de paixão que se deve saudar e, sobretudo, reconhecer. É que Ana M A Martins sobre saber do que fala e escreve esconde-se na sombra do poeta, não vive dele mas para ele. Muitos leitores, como este, como Rui Feijó (que a crismou, com ternura e amizade, “soror Ana das anterianas descalças”) espera(va)m que ela dê(sse) o passo que pode e deveria dar: uma nova biografia do poeta. Não que as existentes não valham a pena, que valem e muito. Mas apenas porque com o trabalho de Ana M A Martins muito mais se sabe agora e, por isso, a necessidade de uma nova biografia é evidente.


Aleluia, alvíçaras: da Editora Assírio e Alvim, uma boa notícia: vai sair ainda este mês, uma nova edição da obra completa de Herberto Hélder. Chamar-se-á “Ofício Cantante”, título que se repete na bibliografia helderiana (1967) e que era uma antologia.

Morreu a Teresa Coelho. Conhecia-a desde miúda, enfim desde os seus dezasseis, dezassete anos ainda na Figueira. Era parente de amigos meus e já mostrava uma inegável curiosidade pelos livros, pelo cinema, pela vida. Depois fomo-nos encontrando por aí, graças ao Eduardo, graças aos livros e a algum amigo. Nunca se morre na hora certa, dizia o JSC aqui há bem pouco. É verdade. E a Teresa ainda tinha muito para dar. Estou, apesar da distância e do facto de nos últimos anos cada vez a ver menos e mais espaçadamente, mais só, mais pobre e mais triste. É a sina dos sobreviventes.

* O título da crónica remete para o admirável texto que Eça escreveu sobre Antero. E se é verdade que Antero sobreviveria de qualquer modo, tão grande era a sua estatura moral, política e literária, não menos verdade é que o texto de Eça no in memoriam teve como resultado tornar a sua imensa figura ainda mais visível. Não tenho à mão, porque o emprestei, o volume das obras de E.Q. onde consta esse texto magnífico, um dos melhores senão o melhor que ele escreveu. Mas proponho aos leitores o “ Antero de Quental in memoriam” (Editorial Presença e Casa dos Açores) datado de 1993 que é uma edição fac-similada de idêntico volume de 1892. Sem surpresa, o excelente prefácio desta edição é de Ana Maria de Almeida Martins


A varapau 6


Notícia doutra nebulosa

Abriu há um mês e meio, dois meses, uma nova livraria em Lisboa. Chama-se “poesia incompleta” e só vende livros de poesia.
A abertura de uma livraria é sempre um motivo de festa para os escassos leitores de que o país dispõe. Seja em que sítio for. Claro que em Lisboa é menos notícia do que em Vilar de Perdizes mas nem por isso deixa de ser notícia, uma bela notícia.
Todavia, e sem desmerecer, se isso se passasse no Porto, então a notícia não era notícia. Eu explico. Há no Porto na rua das Oliveiras, a poucos metros do “Carlos Alberto, e da confluência de Mártires da Liberdade com a rua da Conceição, uma livraria com vários anos de existência dedicada só à poesia e ao teatro. Chama-se Poetria.
Parece-me que ao anunciar a livraria “poesia incompleta” não teria sido mau falar desta instituição portuense mesmo que junte à poesia o teatro. O teatro que tantas e tantas vezes foi confundido com a poesia...
Mas a “poetria” é no Porto... ou seja, não é notícia nem merece duas linhas. E tem já um par de anos. Vive, sobrevive, resiste vá lá saber como... Adivinha-se muito sacrifício, muita vontade, muitas cumplicidades. Mas é no Porto... E do Porto só se sabe aquela burrice da “cidade do trabalho”, das tripas, do Norte severo e adusto. E do frio, do cinzento e dos restaurantes onde se comia à fartazana.
Às vezes, eu, emigrado na cidade, sinto vontade de desatar aos vivas ao senhor Pinto da Costa, ao FCP, de ser “andrade” e de me referir aos do sul como mouros. Mas um repente de vergonha e de bom-senso impede-me de responder ao contínuo desconhecimento e aos disparates com outro disparate. E repito para com os meus botões que Lisboa é uma belíssima cidade, que há lisboetas felizes mesmo quando têm de aturar os custos da capitalidade e a arrogância dos parvenus que em enxurradas chegam da província dispostos a tudo. Também as rosas estão inocentes das moscas que lhes circulam à volta.
Mas à Poetria o que é da poesia (e do teatro) e a essa irmãzinha mais nova e alfacinha mil venturas

d'Oliveira fecit

16 janeiro 2009

Diário Político 98

Coisas de que não gosto
(a propósito de mais uma guerra inútil, e não o serão todas?, em que nunca haverá vencedores)

Nunca aceitei, e não vai ser agora que sou velho, que um Estado, seja ele qual for, se entenda, defina, julgue, um Estado de um povo eleito. Não há povos eleitos. Aliás, excepção feita a algum perdido rincão, povo, no sentido de etnia sem mácula nem mistura, não há. O mundo, as guerras, os azares, as migrações mestiçaram, e de que maneira, a esmagadora maioria dos povos.
No caso de Israel então, não há dúvida alguma. Os actuais israelitas são provenientes de cem países, há-os loiros e de olhos azuis, há-os negros (os falacha da Abissínia) há os que imigraram de diferentes pontos do médio oriente e por aí fora.
Nunca aceitei, e também não será agora, a teoria da conspiração sionista que vem de longe, como o Judeu Errante, passa pelos Protocolos dos Sábios de Sião, e acaba nas invectivas infames de dirigentes iranianos ou de grupos religiosos integristas árabes. A ideia de expulsar os judeus até se afogarem no mar, por sobre ser ridícula e presunçosa, cheira a genocídio desejado. Mesmo que, em certos momentos, o Estado de Israel tenha ultrapassado (e ultrapassou várias vezes) a mais elementar obediência às regras de convivência internacional...
Nunca aceitei, e não aceitarei jamais, a infâmia que é usar escudos humanos seja a que pretexto for. Não é apenas uma questão de cobardia, que já seria suficiente, mas é sobretudo um revelador terrível do desprezo que se tem pela vida humana, sobretudo pela dos outros.
Não aceito, do ponto de vista ético, a teoria do olho por olho e, muito menos, a resposta à agressão com outra infinitamente maior.
Não aceito que seja quem for torne o estatuto de refugiado num estatuto hereditário que, no caso da Palestina já vai na terceira (e em alguns casos) quarta geração. Também, obviamente, não aceito mesmo que isso seja apenas folclore, a situação tantas vezes descrita entre descendentes de judeus expulsos da península ibérica que mantém e ostentam umas alegadas chaves das casas que deixaram em Toledo ou em vila Pouca de Aguiar.
Não aceito que as perseguições anti-judaicas de há quatrocentos anos imponham aos actuais portugueses um pedido de desculpas que não só não altera a história, que é retórico, vácuo e apenas satisfaz a nossa bem-pensância. Não sou, enquanto cidadão ou enquanto português, responsável pela inquisição, pelo tráfico de escravos ou pelo assassinato indiscriminado de qualquer minoria que tenha habitado este país. Respondo pelo que se passa, ou passou, desde a idade em que tive oportunidade e possibilidade de pensar o mundo e de aceitar ou recusar o que se passava à minha volta. Ou seja, sinto-me responsável pelo que fiz, não fiz ou omiti desde, digamos, os meus dezoito anos.
Não aceito que a sombra da Shoa, do Holocausto, dos campos de concentração, dos guettos de Varsóvia, de Baby-Yar ou de outro qualquer lugar, sirva de desculpa para que as vítimas de então, ou os seus descendentes, parentes, simples próximos, usem de meios violentos contra as minorias próprias ou contra os vizinhos.
Aceito ainda menos porque não admito a mentira espúria que isso representa que alguém qualifique de genocídio ou holocausto o que se passa na Palestina. Chame-se o autor dessa infâmia Saramago ou Zé da Esquina.
Não aceito que por trás das campanhas de apoio ou repúdio ao Hamas, ao Hezbolah, a Israel ou ao Iraque (vítima também de um ataque baseado em falsidades absolutas) exista como muitas vezes, anti-semitismo. E digo anti-semitismo pela simples e modesta razão de serem semitas ambos os protagonistas. Há muito anti-semitismo (anti-judeu) por esta esquerda europeia que, incapaz de fazer a revolução em casa, vive as pseudo-revoluções dos outros. Há muito anti-semitismo (anti-árabe) por preconceito, por inveja da riqueza do petróleo, por desconhecimento ou medo puro e simples.
Não aceito que, agora que passaram vinte ou trinta anos, se esqueça, ou finja que nunca aconteceu, aquela longa série de atentados que tornaram tristemente famosos nomes como o de Abu-Nidal recentemente falecido na cama e quase em estado de santidade.
Não aceito que, a pretexto de erros passados, de progroms passados, agora se defenda a outrance o estado de Israel. Um crime não se apaga com o silêncio sobre outro crime.
Não aceito finalmente que se confunda uma guerra (com tudo o que tem de horrível) de baixa intensidade, servida por “bombardeamentos cirúrgicos” mesmo com danos colaterais, como claramente ocorre em Gaza com um massacre absoluto. Se Israel quisesse levar a cabo um “genocídio” como por aí se lê amiúde, bastava-lhe cercar as cidades e varrê-las a tiro de artilharia. Tem canhões suficientes, tanques suficientes, aviões suficientes, navios suficientes para transformar uma cidade cujos edifícios são feitos de materiais relativamente ligeiros num cemitério, num “grande cemitério sob a lua”, se me é permitido citar o católico Bernanos quando escrevia sobre a infâmia franquista.
Não aceito que se confunda um Estado que, apesar de tudo, se rege pela lei, reconhecido pela comunidade internacional (que aliás o criou via ONU em 1948) com uma região submetida ao poder de um grupo islamista fanático que se apoderou da governação por meio de um golpe de estado sangrento cujas vítimas são, por enquanto largamente superiores ao milhar confirmado de mortos palestinianos. E que ainda por cima eram, como os seus executores, membros desditosos da comunidade palestiniana, defensores da mesma causa independentista e nacional.
Não aceito, finalmente, o relativismo moral que faz com que se encare esta guerra como apenas um conflito entre dois povos, duas religiões que a nós europeus e ocidentais dizem muito pouco. Há por aí muito racismo disfarçado e uma guerra como esta vem mesmo a calhar. entre matadores de Cristo e infieis, diz-se, venha o diabo e escolha. Eles que façam o que as cruzadas e Hitler não ocnseguiram fazer...

O veto

Manuela Ferreira Leite anunciou ontem o veto do seu partido à candidatura do inefável Gonçalo Amaral, ex-inspector da PJ no Algarve, à presidência da Câmara de Olhão. Fez bem. MFL não quis misturar os casos de Maddie e de Joana, os livros, as teses e os comportamentos de Amaral, mais as ideias (?) deste para o concelho algarvio.
Contudo, MFL não assumiu essas razões e preferiu dizer que Amaral ainda há pouco era um agente da justiça e que o PSD não quer criar uma imagem de promiscuidade entre a política e a justiça. Ora essa! A toda a hora há magistrados e inspectores a transitar entre a justiça e os mais variados cargos de nomeação política. Para não ir mais longe, não foi o PSD, com MFL a vice-presidente, que foi buscar o juiz Fernando Negrão, após uma saída abrupta da direcção nacional da PJ, e fez dele secretário de Estado, ministro, deputado e candidato às presidências das Câmaras de Setúbal e Lisboa?
MFL deveria ter personalizado este caso e dizer abertamente por que é que Gonçalo Amaral não serve. Para se ficar a saber do que a casa gasta, como bem fez Marques Mendes a este propósito.

Diana Krall "Just The Way You Are"

15 janeiro 2009

O leitor (im)penitente 43


Um rei mago passou por aqui

“Um pouco mais tarde, Alice disse:
Eu não sabia que os gatos do Cheshire sorriam. Aliás nem sabia que os gatos conseguiam sorrir.
Qualquer gato pode sorrir, disse a Duquesa. E a maioria deles fá-lo.”*

Os leitores da série “o gato que pesca” ter-se-ão surpreendido com um comentário de JSC que desconfia de gatas que escrevem. Erro forte dele. E fatal. Há gatos (e gatas!!!) para tudo. Desde Murr o gato escritor, até Felix o artista do cinema mudo. E ainda não referi o “Dueto para gatos” atribuído a Rossini. Há gatos contemplativos em mosteiros (os chartreux) há os gatos de Siné para não falar do Gato das Botas que tornou rico o seu dono.
Mas a prova provada do poder imenso dos gatos está aqui na minha mão: um pequeno livro de capa amarela, editado a (só) oitenta exemplares rigorosamente fora do comércio.
Eu desejava-o. O livro, claro. Não como livro, tenho demasiados, mas como um livro escrito por um amigo, cuja poesia subtil, densa, viajeira, me acompanha desde os anos sessenta. E é uma longa história, esta, a da poesia de Manuel António Pina que ficaria verde de raiva se eu me atrevesse a qualifica-lo “autor de culto” que já não é pois, apesar da excelente critica que a sua escrita suscita, tem um punhado alargado de leitores que o retira do pacífico anonimato onde tanto autor naufraga.
Esta é a segunda vez que recebo um livro dele, “fora do mercado”, um livro pensado para amigos. É também a segunda vez que, leitor impenitente e comprador compulsivo de livros, pedi um livro a um autor. A primeira foi ao Fernando Assis Pacheco, outro amigo (agora desaparecido da humanal vista embora se saiba ou pelo menos se desconfie que passa tardes a jogar ao voltarete com os senhores Voltaire e Rabelais. “E com o Rilke?”, pergunta a Kiki alvoroçada. “Com o Rilke joga bilhar às segundas feiras e vê futebol: o campeonato da Bundesliga, claro”.) antigo e poeta.
Escrevia acima que quis ter este livro, este especialmente. Não só por que julgo ter todos os outros livros publicados por MAP mas sobretudo porque o considero uma das mais fortes presenças poéticas destes últimos trinta ou quarenta anos. (Aliás já aqui o escrevi um par de vezes. Suponho mesmo que até lhe transcrevi um poema.)
Claro que já li o livro. Ou melhor: claro que já completei a primeira de muitas leituras que dele farei. O milagre da poesia é este: a cada leitura surgem coisas novas, não sei se é o poema que subtilmente vai mudando ou se somos nós que mudamos e continuamente o descobrimos, novo e primordial a cada leitura que dele fazemos.
E foi uma carta das gatas de cá para as gatas conviventes com o Manel que desencadeou tudo isto. Publicada (o gato que pesca 4, em Dezembro pp) pelos meus cuidados nesta barca chamada incursoes (sem til, s.f.f.), sob a forma de garrafa esperançosamente atirada ao mar cor de vinho, arribou a trezentos metros (a voo de pássaro) da minha casa, encontrou as destinatárias, estas miaram e ronronaram o que tinham que miar e ronronar e por intermédio do Arnaldo Saraiva, o livro fez uma perigosa travessia até ao quiosque onde compro o jornal. Hoje pela manhã, a caminho do primeiro café e dos jornais eis que ele me chegou à mão grata e comovida. Entretanto da almirante Kami recebia um mail do Manel António Pina perguntando se o livrinho vencera a aspereza do caminho. Venceu, pois claro, chegou cansado, dentro de dois envelopes mas mal o abri, sacudiu o pó do caminho e mostrou o oiro, a mirra e o incenso de que vinha carregado.
Da esplanada onde depois da bica, li a dedicatória e o primeiro poema, via-se o jardim embrulhado por chuva miúda e persistente. Todavia, olhando bem, adivinhava-se, não o sol de inverno que andará a passear por outros hemisférios mas um finíssimo toque de arco-íris. Não sei se alguém mais o viu, não sei se vocês sabem que quem for até ao fim do arco encontrará um pote cheio de moedas de oiro, mas garanto que no princípio, isto é ali na esplanada, aquecida e deserta o arco-íris começava num livrinho de capa amarela chamado “Gatos”.
Mas isto são coisas que só quem acredita em gatos que falam consegue ver...

* "Alice no país das maravilhas" Lewis Carroll

** Na gravura: fotografia (de Luisa Ferreira) de Manuel António Pina, incluída no livro "Gatos". Acompanha-o a gata Bé (?) se não erro.