19 outubro 2005

Educação e cidadania

O bando dos quatro

Há quem acuse a comunicação social de ter promovido o bando dos quatro (Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro, Isaltino e Ferreira Torres) pela abundância de referências, entrevistas e notícias que deles transmitiu. E, por isso, defenda um código de conduta que constranja os jornalistas a não darem importância a esse tipo de personalidades.
Creio que há neste raciocínio um paternalismo social que iludiria as perversões do sistema. Como diria Vaneigen, “é preciso tornar a vergonha mais vergonhosa expondo-a à publicidade” para que se gere a necessidade de uma regeneração. A consciência do escândalo cria o mal-estar social que nos abre para um debate sobre os valores. Só a indiferença banaliza o mal. E, por isso, a publicidade do espectáculo grotesco dado pelo bando dos quatro, teve como consequência um sobressalto cívico nacional que esvaziará o seu sucesso local e já obrigou os partidos a promoverem uma alteração das regras de candidaturas independentes.
Mas o problema não será resolvido apenas com mais exigências nos critérios da elegibilidade de grupos de cidadãos. São necessárias profundas reformas que promovam o sentido de Estado e moralizem o funcionamento dos partidos. A “cultura” de poder no interior dos partidos tem funcionado como uma escola de tráfico de interesses privados. Como explicar a lógica dos “jobs for the boys” ou, p. ex., os balúrdios gastos, com jantares e passeios, nas eleições internas dos partidos, sem pôr a hipótese de redes de interesses que acompanham os candidatos?!... E as candidaturas de Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro e Isaltino não deverão o sucesso eleitoral às máquinas de interesses que conseguiram montar?!...
É elucidativa a explicação que Ferreira Torres dá: ao responsabilizar a Mota/Engil pela sua derrota, o que ele quis dizer é que não conseguiu transportar do Marco para Amarante a sua máquina de interesses. E ao pretender-se transformar esta perversidade numa normalidade manifesta-se a desorganização do sistema e penalizam-se os autarcas honestos, como se receou acontecer a Armindo Abreu.
Um sistema político desorganizado desorienta a vontade dos eleitores e abre as portas à corrupção e ao sucesso da demagogia populista de um qualquer “bando” dos quatro.

6 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

Este texto, publicado no JN de 16/10, pelo nosso compadre esteves- JBM - foi depois colocado em cometário a post infra, por dificuldades do compadre em colocá-lo em post.
Resolvido o prblema, seguem,pelo seu interesse, cópia dos comentários aí colocados.

Rui do Carmo diz...
Caro Compadre:
Quanto às candidaturas independentes, transcrevo o que já há dias escrevi no meu MAR INQUIETO:
"Li hoje no Diário de Notícias que PS e PSD se estariam a entender para alterar as regras da apresentação de candidaturas independentes às câmaras, com o objectivo de "tornar mais exigentes os critérios de elegibilidade dos grupos de cidadãos".
Seria um mau caminho!
Ao contrário de, pela via legislativa, se defenderem da iniciativa política dos cidadãos que neles não se revêem, "os responsáveis dos partidos políticos têm a obrigação de os modernizar, de os tornar mais transparentes e de os abrir à sociedade portuguesa", como afirmou o Presidente da República no seu discurso do passado dia 5 de Outubro.
O que aconteceu com aquelas candidaturas independentes que dominaram a cobertura mediática das recentes eleições autárquicas não pode servir de pretexto, pois é do domínio da ética política e em tal matéria muito têm os partidos que arrumar na sua própria casa para que nela possam acolher os cidadãos que agora preferem ficar do lado de fora".

17/10/05

compadre esteves diz...
Estou de acordo, caro Rui do Carmo.

Penso que foi isso que pretendi referir na crónica que obrigatoriamente tem de ter cerca de 3 mil caracteres.

Mas não basta apelar à moral.A moral tem um desenvolvimento filogenético (forma-se), não é inata. E, por isso, sabe também como eu (por certo, melhor) que o apelo à moral é muitas vezes um apelo à retórica. Como diria Nietzsch, a moral é muitas vezes a voz do rebanho e outras vezes da conveniência ou da vizinha. É preciso criar regras, fazer valer os estatutos, privilegiar os programas, mas ísso só é possível com a alteração de métodos, com uma nova forma de estruturar os partidos. Os partidos, hoje, são o melhor caminho para o sucesso de oportunistas, de quem nunca fez nada na vida e é um "chico-esperto". Dou-lhe um exemplo: a criação de cotas para mulheres foi óptimo, mas muitos dos "régulos" o que fizeram? aproveitaram as cotas para colocar lá as suas amantes. Outro exemplo: no Porto, como já se sabia que Assis (escolhido por conveniência aparelhistica não tinha o perfil de Elisa Ferreira ou Braga da Cruz que constituiam exemplos de possíveis escolhas que se harmonizavam com as expectativas da Cidade) tinha poucas probabilidades de ganhar as eleições, logo se perfilou o que de pior existe na política para tomar conta da Concelhia e da Distrital. Sabe que para ser dirigente de um partido a nível local depende apenas do número de militantes que um candidato consegue controlar. P.ex, há famílias, funcionarios e residentes de lares da terceira-idade ligados a determinado candidato que foram inscritos num partido para que esse candidato possa ganhar as eleições. Veja quem são as pessoas que vão às secções de voto dos partidos. A percentagem de gente dependente do "lider" e na terceir-idade é significativa do que é representativo nessas eleições.Por isso, os dirigentes partidários, os que escolhem os deputados e os candidatos às autarquias não têm a preocupação de escolher os melhores, mas os que lhes podem ser mais úteis. E é assim que se subvertem princípios e a política está entregue à mediocridade. E repare que tudo é feito de modo legal.Como contrariar esta situação? Só há uma solução: mudar métodos. E isso só é possível com reformas. É necessário pensar novos métodos que possam pôr cobro a este tipo de oportunismo que faz dos partidos uma rua de má fama, onde não entram pessoas de bem. E não é fácil, sem reformas profundas. Vivemos mais numa oligarquia de medíocres que numa democracia. O bando dos quadro só se tornou possível, porque os partidos são o que acabei de referir.

17/10/05

Rui do Carmo diz...
Mas o que refere e exemplifica - e bem! - parece que não constitui prioridade de mudança.

17/10/05

compadre esteves diz...
No meu ponto de vista é fundamental a reforma dos partidos. Não sei se é "a prioridade". Acontece como no cesto das cerejas: umas surgem agarradas às outras.

17/10/05

O Hóspede diz...
Começo a acreditar que o Compadre pede o impossível: a reforma dos partidos. Só se for do tipo: baralhar para ficar tudo na mesma.

Quanto à comunicação social, o que a estimula é o escandalo, tudo quanto contribua para o alarme público. Veja-se como tratou o problema dos incêndios; o terror que estava a tentar passar com o famigerado furacão que nunca apareceu e o alarido que está a fazer agora com a gripe das aves.

Como se vê não é só na política que esta comunicação social é insuportável. É-o em quase todas as áreas. Mas nem por isso também defendo qualquer medida restritiva para a sua acção. Temos de conviver com a comunicação social que temos e esperar que cresça.

17/10/05

compadre esteves diz...
Caro hóspede:

O que temos de fazer é precisamente pedir o impossível possível; isto é, o que, nas actuais condições, não será possivel, mas temos de lutar para que amanhã este "impossível" de hoje se realize.

Acerca do sensacionalismo jornalistico, Fernando Ilharco escreve, hoje, no Publico um interessante artigo. Eu nestas questões tenho sempre uma visão dialéctica: acredito que no "desvalor" se geram os valores.Para mim, é uma questão quase biológica (luta pela sobrevivência)das sociedades.

17/10/05

O Hóspede diz...
Creio que a última grande reforma do sistema partidário foi o nascimento do BE. Ao contrário do que muitos (particularmente os mais novos) pensam o BE nasceu da junção de manifestações ideológicas antagónicas. O BE agregou trotskistas e anti-trotskistas, sendo que estes provieram de diferentes matizes (m-l; maoístas everoxianos e ex-pcês via plataforma, todos com o denominador comum da militância estalinista).

O BE levou à extinção de algumas organizações partidárias e sobre o velho se fez o novo. É este caldo ideológico – liderado por um trotskista – que se apresenta como a esquerda moderna. Podemos chamar a este processo de reforma? O que é que se alterou no modo de fazer política de esquerda? Quando falamos da necessidade de reformar o sistema partidário, estamos a falar de quê?

18/10/05

compadre esteves diz...
Caro Hospede:
O nascimento do BE nada tem a ver com a reforma dos partidos. Corresponde a um fenómeno tradicional da esquerda e da direita: o juntarem-se forças políticas que de outra forma não tinham hipóteses de representatividade.

A reforma dos partidos é outra questão muito mais importante. Corresponde à necessidade de impor regras e métodos que force um diálogo com a sociedade. Os partidos organizaram-se, tendo por modelo a organização piramidal que foi tipica da revolução industrial. Hoje, este modelo está ultrapassado: é necessário pensar a organização, segundo o modelo cibernético, que promova um constante diálogo dessas instituições com a sociedade. Não faz sentido que os partidos continuem fechados sobre si mesmos, em lutas internas pelo poder combinadas com disputas eleitorais. Escolhemos aquilo que resultou de disputas e, por isso, os candidatos propostos pelos partidos raramente se harmonizam com as expectativas sociais.É, hoje, mais saudável e visa mais o interesse comum participar em movimentos civicos que na vida partidária. Por alguma razão isso acontece!...

18/10/05

compadre esteves diz...
Diálogo inter-activo, tal como no modelo cibernético.

18/10/05
compadre esteves diz...
Veja a iniciativa das organizações de esquerda em Itália que, tendo presente as eleições do próximo ano, decidiram submeter à votação do conjunto dos seus simpatizantes a escolha do seu candidato.

Este método pode constituir o primeiro passo para se estabelecer o feed-back como método de abertura dos partidos à sua base de apoio.

Os partidos justificam-se pelo serviço que prestam à sua base de apoio e não para se servirem de quem os apoia.

19/10/05

Primo de Amarante disse...

Em primeiro lugar, agradeço o arranjo gráfico que deram ao meu post. Sem falsa modéstia, não mereço a generosidade e simpatia de quem teve esse trabalho. Obrigado pela gesto simpático, generoso e amigo.

Depois, aproveitava para frisar o seguinte, que vem na linha do meu comentário anterior:

se o PS decidisse submeter à votação do conjunto dos seus simpatizantes e apoiantes a escolha do seu candidato (Manuel Alegre ou Mário Soares)à presidência da República, não dava a imagem triste de um partido de barões que se servem de quem os tem apoiado, em vez de servirem quem os apoia e uniria os seus militantes, simpatizantes e apoiantes em torno de uma (só)candidatura.

Assim, quem vai lucrar com essa divisão vai ser Cavaco Silva que, na primeira volta, vai ser eleito.

M.C.R. disse...

Ó compadre: até eu, que sou quem sou e para mais canhoto de pata e de coração, consigo pôr um post e V. não?
De todo o modo não é a isso que venho mas ao bando dos 4. Desculpe, compadre mas este novo bando não merece o nome. isto são quatro urubus a disputarem a carniça de uma besta esfolado pelo padre José Agostinho de Macedo. Os outros sempre eram ultra-maoístas empedernidos e tinham um passado de risco pessoal que não apagando as infamias da Revo. cul. sera um passado.
Estes 4 nossos (nossos, o caraças!... Abrenúncio...) são uns vagos caciques e representam infelizmente os males de um sistema que se instalou de cima para baixo.
Portanto:são caciques e basta. Chamar à colação o Nietzsche é bondade que não serve a tão tristes criaturas.
Penso que o sistema não é especialmente responsável por estes desmandos que vêm de mais longe e de mais baixo: da falta de educação cívica e não só. Da cultura do oportunismo que se vai generalizando; da cada vez menor apetência das elites pelos combates pelo poder local; por isso louvo o nosso confrade JCP que foi á luta;
No estádio de sub-desenvolvimento político (e democrático) em que estamos duvido que pudéssemos estar melhor.
se calhar é por isso que as eleições parlamentares são por lista e não por círculo uninominal. Por um lado abria-se mais uma porta a estes espertalhões mas por outro rebentava-se com o conformismo da suposta "elite política" (deputados) que dependendo menos dos aparelhos e mais dos cidadãos talvez melhorasse. O sistema funciona noutros países porquer é que não há de funcionar cá?

O BE não me parece nem novo nem capaz de gerar mudança: tem o mérito de acabar com algumas guerrilhas ideológicas onde se espojavam os crocodilos da esquerda mas de resto não lhes vejo grande novidade. Acho melhor a esquerda do Ps se é que ainda mexe.

O meu último ponto é o seguinte: temos a comunicação social que corresponde ao resto: á deliquescência partidária, ao arrivismo e ao aparelhismo. Ou voltando a omesmo ao nosso subdesenvolvimento ideológico, político moral e social. Ia acrescentar estético só para piscar o olho ao Compadre que cita o meu estimado Vaneighem...

E acrescento mesmo. correndo o risco de parecer estar a pedir uma revolução cultural. E estou.
e mais um esforço para mudar a vida. Idem.
Parafraseando um autor aqui recentemente citado: pelo sonho é que vamos.

Primo de Amarante disse...

Caro e velho amigo:
Não consigo colocar em post, porque avariei o sistema. Devo ter d litado uma operação. Pelo menos é isso que me garante a minha filha que sabe da matéria. Isso vai ser corrigido, mas tenho de esperar pelas "mãos do artista".

O meu olhar disse...

Caro Compadre, gostei da perspectiva.
Tendo a cansar-me da comunicação social, em geral e da TSF em particular, pelo excesso de notícia sobre o mesmo, e o mesmo é sempre o mesmo.
Dar tanto tempo de antena a esses quatro, sobretudo à viajante, é vergonhoso. Nunca me tinha passado pela cabeça ver esse aspecto positivo: pôr a nu as situações para que “a consciência do escândalo crie o mal-estar social”. Apesar de concordar plenamente que “só a indiferença banaliza o mal”, temo, no entanto, que o excesso de publicidade também o banalize e crie a indiferença pela via inversa.
Quanto à questão da alteração das regras de candidaturas independentes não concordo que fique por aí. Penso que o que há a alterar, quer para estes quer para os partidos, são os requisitos de candidatura. Quem anda a contas com a justiça não deveria poder candidatar-se a qualquer lugar da administração pública ou ser nomeado para empresas públicas. Não se compreende que o dinheiro público possa ser gerido por pessoas sob suspeita de fazerem um aproveitamento indevido dele.
A reforma dos partidos é imperiosa, sob pena de todos lhes virarem as costas, com excepção de quem se aproveita do banquete.

Primo de Amarante disse...

A reforma dos artidos é tão fundamental, quanto a necessidade de termos governantes competentes, com sentido de Estado e vivermos em democracia. Governantes maus e democracia frouxa são sempre culpa dos partidos.

Em política poderiamos dizer: Diz-me a qualidade dos partidos e eu dir-tei-ei a qualidade da democracia que tens.

Penso que Rui do carmo concordará com isto!