29 novembro 2005

Diário político 8

correio eleitoral


para o Zé Valente

Então isso faz-se,? Piras-te para franças & Araganças, despedindo-te à francesa, esquecido do manual de etiqueta da Madame X que prescreve que quem parte apresenta cumprimentos e quem chega recebe-os?

Terá sido a fulgurante notícia da candidatura iminente (e não eminente, nota bem!) do meu já ex-camarada Salgado Zenha que te perturbou o tino e o tento e te levou a arrancar no primeiro comboio para Austerlitz e para o metro Porte d'Orléans/Clignancourt? Convenhamos que se foi isso o caso não é para menos: então aquela potentíssima figura moral que atravessava o deserto no PS não se resignou ao calor, à solidão, à areia, à companhia dos tuaregues e dos camelos, aos cada vez mais raros oásis, à dieta de tâmaras e, ZÁZ, CATRAPAZ, enfiou-se no lugar ainda quente deixado vago pelo Coronel Costa Braz? Ou, como diz o inefável "Jornal de Notícias", sai do PS e entra na corrida presidencial, a pedido do proletário Veloso y sus muchachos, convencidos que, com Zenha, levam água ao seu moinho (repara-me no trocadilho que é mimoso) e põem o Bochechas na situação evangélica de atar uma mó ao pescoço e atirar-se ao rio Letes? Terão acenado a este conspícuo dissidente interno com as huris do paraíso, com as bailarinas de Ragpur, com os Vergéis do Profeta e o título de Chefe dos Crentes que Harun Al Rashid usou (isto se se for dar fé à nocturna Scherazade, donzela ardilosa que, infelizmente, não encarnou na engenheira Pintasilgo)?

Enfim tens candidato ao passo que os meus "amigos políticos" têm - como se já lhes não bastassem as outras consumições! - mais sapo vivo a engolir. Que seja por bem como dizia a filha família no cinema ao sentir mão estranha pela coxa acima.

Nota, velho amigo, que, mais do que os receios eleitorais, me apoquenta o fim de uma imagem: de qualquer modo com o SZ fizeram os meus amigos um bom pedaço de caminho na tentativa de ratarem os poderes do SG (secretário geral para os leitores e não o amável produto da Tabaqueira). Lá se vai mais uma possível oportunidade para o PS no caso, não impossível, de se perderem as eleições e de se lavarem, de uma vez por todas, as estrebarias de Augias. Já daqui vejo os filisteus aos saltinhos dizendo "Vêem? Nós bem vos dizíamos ..." Não há dúvida que ao PS deu o beribéri e com força, chiça! E o pior é que, à volta, isto parece o México - vai tudo raso, sismo após cisma: mais grave ainda é que não se enxerga nenhum Pancho Vila e sabe-se que Pinochets não devem faltar. Entretanto nas hostes do partido da balança falsificada mais outra, e desta vez de peso, valha-me Sta. Auta: demitiram-se todos os da Comissão Consultiva (Botequilha, Rabaça, Caetano, Palma Carlos, etc....). Parece que ninguém lhes ligava nenhum e eles não levaram isso a bem. À boca cheia diz-se que um passo destes só com o aval de General Eanes. Se é assim, adeus minhas encomendas, vou ali e já volto. O simpático ajuntamento que se organizou para estas eleições esboroa-se ainda mais depressa do que eu pensava e as prováveis eleições que vierem põem lá a direita por muitos e bons.

Vem-me à lembrança um amigo doutros tempos que falava sempre do país dizendo que estava dividido em três províncias: Beócia, Capadócia e Arganázia, querendo com isto significar que entre cretinos, caguinchas e sacanas não escapava ninguém.


Vai ser divertido voltar a cantar o hino da restauração e decorar os deveres do Bom Filiado da Mocidade Portuguesa ("o bom filiado é aprumado, limpo e pontual", "o bom filiado ama seus pais e respeita chefes e superiores" etc. etc...). Já te estou a ver de "chefe de castelo" a arengar aos alunos, todos de gravatinha, pois claro! e a marcar deveres de casa. Com a idade que já tenho só me resta a "legião portuguesa" ou a outra, a dos antifascistas de longa data que até na retrete estavam calados não fosse haver microfones no cordão do autoclismo ou um periscópio da PIDE a sair do buraco da sanita. Tenho por mim que, ao contrário do que diz alguém, isto não é a hora do condor mas sim a dos urubus.

Como sabes, tenho, entre outros defeitos, estrouto: escrevo à máquina com dois dedos tentando por mera medida de economia - chegar com o recado dado ao fim da 2ª página. Por uma vez tinha arranjado um excelente fim. Bastava juntar uma lista de discos e livros a encomendar e estava feito, era só selar e pôr no correio: sentia-me um autentico escoteiro depois de praticar uma boa acção diária. Infelizmente no melhor pano cai a nódoa. A lista de tão escolhida, riscada, acrescentada e corrigida está no tinteiro, digo nas teclas da Royal. Dois inteiros dias se passaram e nada. O que vale é que, assim, te posso, de viva letra, contar a apresentação da candidatura do SZ perante Melo Antunes, Soares Louro, Letria, Arnault e Henrique Barros, entre outros. O movimento chama-se, palavra, juro que não estou a gozar, ZAP (Zenha à Presidência). Parece marca de fecho-éclair ou de remédio contra a falta de erecção mas foi o que se arranjou. Imagina um pouco se o Freitas, a Pintasilgo e Soares entravam nesta guerra de onomatopeias FAP, SEP, PAP. A Lurdinhas, porque papa-hóstias (arcebispo de Braga dixit) não ficava mal PAPA (o final poderia significar "avante", "aleluia", "avé"), o todo conotando a comidinha, o chefe da Igreja e a imagem do pai numa só palavra. Já o Dr. Freitas não ia tão bem servido: FAP só lembra a gloriosa aviação militar ou -pior!- uma sigla há muito caída em desuso e que era a da organização de massas dos primeiros maoístas portugueses: a finada "frente de acção popular" de saudosa memória e breve história: foram todos dentro nos idos de 66/67.

O Bolacha também não ia longe com SAP (dava sapo, sape-gato, no máximo sapateiro ou sapador, tudo coisas pouco entusiasmantes ou até ofensivas).

Do candidato de Neandertal nem se fala: VAP lembra logo Vá Pró ... ou Prá e para isso já basta aquela da "APU que o pariu". De resto agora com o Zenha em liça tenho para mim que o Veloso recolhe rapidamente a quartéis. Ainda vamos ver a CGTP vir dizer que “Zenha pois claro! Um democrata, um combatente da liberdade, um protector das viúvas e dos órfãos e já agora, dos camponeses sem terra, dos reformados e idosos” etc...etc...

Enfim o País diverte-se: Prá frente Portugal que por trás dá Sida! O Freitão se tiver sorte ganha as eleições como cavacas e depois a culpa é do Marocas que devia ter desistido.

Querias um PS alla Berlinguer com muito molho bolognese? Espera um pouco que já comes.

Nota bem que tal hipótese não seria de todo em todo desagradável desde que se verificassem cumulativamente umas quantas condições: que o(s) restante(s) partido(s) na área do poder governassem já não digo bem mas, pelo menos, razoavelmente; que os hábitos políticos portugueses -compadrio, falta de imaginação, planificação a curtíssimo prazo e sem perspectivas etc...- se modificassem decisivamente; que, ao depurar-se, o PS ficasse apenas com socialistas modernos, desempoeirados, libertos de fantasmas e de chavões, pragmáticos e com forte sentido de "polis". De qualquer modo não parece ser isso que está nos planos do jet-set de S. Bento e Belém: aí fulaniza-se tudo, o país é tido como uma quinta em ruínas a que há que ir buscar o pouco que resta para depois abandonar definitivamente. É por isso que voto Mário Soares. Para já há que aguentar e depois logo se vê: um presidente ao arrepio do parlamento e servindo de porta voz ao descontentamento difuso só conduz ao regresso de Jedi.

Olho para mim próprio, perplexo. Não me atrai a política (já lá vai tempo, já não tenho idade, não estou disposto nem disponível, afinal o que eu queria era ser juiz de paz) e eis-me metido na candidatura do Gordo e a desejar que ele ganhe. Mau sinal! Para quebrar esta melancólica constatação inventei um slogan para o dr. Salgado Zenha: ZIPPER (Zenha Independente Para Presidente É Renovação!). Como imagem gráfica e para distinguir do encapotado feminismo da Pintasilgo arranjava-se uma pequena jeitosa a abrir o zipper dos jeans deixando ao mesmo tempo escorregar um pouco a calça de modo a realçar a anca apetitosa. Lingerie minúscula e branca.

E pronto. Por aqui me fico consumido de inveja ao saber-te em Paris que ainda vale uma missa digam lá o que disserem os detractores da cidade luz. Um abraço do

1985

Tem 20 anos este texto! Morreram já vários dos acima mencionados, regra geral, gente boa ainda que num dado momento a política me separasse deles. Zenha, Melo Antunes ou Henrique de Barros eram homens de bem e democratas acima de qualquer suspeita. Mas há 20 anos estávamos separados por isto um candidato que, contra todas as espectativas ganhou a pulso as eleições. Hoje, não é o meu candidato, por muito respeito e amizade que lhe tenha (e tenho!). Privavelmente o meu candidato nem á 2ª volta vai (se houver 2ª volta, claro...) mas estar com ele permite-me pagar uma dívida de gratidão e amizade e, mais do que isso, permite-me votar um pouco mais de acordo com o que penso e com o que sonhei (e, tantos anos depois, com o que teimosamente continuo a sonhar...).
O destinatário da carta é, como de costume, o Zé Valente, que já só vive na saudade dos amigos.

d'Oliveira

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