16 setembro 2006

Diário Político 27

O lixo do luxo

Um cargueiro grego carregado de lixo tóxico apareceu pela Costa do Marfim, desembarcou a sua carga e ala que se faz tarde. A encomenda foi retirada do porto de Abidjan e rapidamente distribuída por dezassete depósitos de lixo, todos ao que parece na zona da antiga capital deste semi-país (o Norte como se sabe está ocupado pelos rebeldes). Centenas de pessoas sentiram-se mal, sete já morreram, não faz mal são pretos, pretos pobres ainda por cima, num pais que podia ser rico mas é pobre, onde um louco resolveu fazer uma réplica do Vaticano no meio da selva, num sítio chamado Yamoussoukro, promovida a capital, claro, com um Vaticano dentro não podia ser senão a capital.
Seria fácil atribuir ao famigerado neo-colonialismo (expressão hoje fora de moda, mas não fora da realidade) este fait divers que só o não é porque a coisa foi rapidamente denunciada pela sociedade civil (é verdade também lá nesse pais de selvagens também há sociedade civil, uma maçada importada decerto do ocidente ou talvez mesmo do oriente do ocidente, enfim, não vale a pena, procurar muito, existe lá uma sociedade mais ou menos (in)civil que protesta, que se revolta, que morre se for necessário, mas que existe).
A questão que ora se põe é a seguinte: quem permitiu o desembarque dos lixos tóxicos? Quem os enviou, sabendo que podiam ser descarregados? A quem foi o barco fretado? Quanto foi pago, e a quem, para converter este pais já desgraçado por uma longa guerra civil, pela divisão de facto existente e vagamente garantida por tropas francesas, e porquê?
A África dizia René Dumont, numa obra dos anos sessenta com o mesmo nome, começa mal (Publ. D. Quixote). Começa mal com as fronteiras que herdou, com as estruturas políticas que lhes fabricaram antes de uma pomposa transmissão de poderes por altura das independências (entre 56 e 62 parecia uma época de saldos), com os empréstimos feitos, pagos e repagos mas por pagar, com as tarifas das matérias primas cada vez mais em baixo (a Costa do Marfim é o maior produtor de cacau do mundo, o que cada vez lhe serve menos), começa mal com a classe política que tem, com a corrupção quase generalizada, as guerras civis declaradas ou adormecidas, a sombra disforme do sida e das diferentes doenças associadas, e agora isto a emigração de um lado, a desertificação do pais e o lixo, o lixo, à falta de outros luxos, por outro.

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