“se a rosa tivesse outro nome, teria um diferente perfume?*
Ainda não tinha secado a pobremente metafórica tinta do meu anterior diário e já uma criatura parlamentar me dava sobejos motivos para continuar. Basta compulsar o “Público” de quinta-feira, dia 5, para termos notícia da jubilosa existência de um senhor deputado Ricardo Gonçalves. Supõe-se que a referida sumidade seja de Braga, terra barroca por excelência, e com uma profícua tradição de “varrer feiras a varapau” se é que Júlio Dinis, por acaso um médico, retratou com fidelidade o morgado Joãozinho das Perdizes.
Mas que fez este ornamento da vida pública nacional para merecer referência de tão apagado croniqueur?
Pois apelidou de bufo a pessoa que terá informado os deputados do Bloco e do PC sobre a interessante peripécia vivida em Vieira do Minho.
Vejamos: não chamou bufo a quem informou as autoridades competentes sobre a existência infamíssima de um cartaz onde, depois de reproduzidas as palavras imorredoiras do dr. Correia de Campos, se teceriam perigosas graçolas de cunho acentuadamente moscovita e conspirativo. Esse acto terá, sempre na óptica sagaz e filantrópica do senhor deputado, sido patriótico, altamente social e defensor do progresso das instituições e do são respeito que se deve aos pais da pátria.
Bufo seria o funcionário que informou encapotadamente os deputados anti-nacionais do PC e do Bloco. Os funcionários, na óptica do senhor deputado Gonçalves, devem restringir-se a funcionar obedientemente e não morder a mão que lhes paga desmesuradas mordomias quais sejam o ordenado, o subsídio de almoço, o subsídio de férias, o desgaste do relógio de ponto e outras mil facilidades que o exercício da vida profissional lhes concede em dose imoderada e imerecidamente.
Eu não conhecia esta eminência de S Bento até ao momento, gozoso entre todos, Deus seja louvado!, em que assistindo a um noticiário, o vi esbracejar, segredar, tocar no ombro majestoso do Dr Alberto Martins, soerguer-se do assento, virar-se para trás, voltar à primeira forma, enfim, um inteiro filme épico, durante o confronto na Assembleia.
Tudo o que lera sobre a sua participação na comissão de saúde adquiriu outra cor depois de o ver ao vivo. Se, na comissão, Sª Exª gritara, exigira “respeito pela política e pela casa” (sic) e indispusera os restantes colegas de partido que, vergonha vergonhosa, se submetiam como cordeiros às imprecações odiosas e odientas dos restantes partidos, aqui no plenário, injustamente amordaçado (eu disse amordaçado e não açaimado), percebi a grandeza da personagem.
Presumindo que já tenha ultrapassado os quarenta anos e que, inclusive, já não esteja longe dos cinquenta, dei por mim a pensar que S.ª Ex.ª terá vivido alguns anos no chamado antigo regime. Não os suficientes para exercer o seu talento e coragem cívicos na luta contra o Estado Novo mas também não tão poucos que desconheça o significado da palavra bufo.
Claro que nesses tempos ignominiosos, “bufo” era o informador das autoridades, o que, sabendo de um segredo, ia logo contá-lo a quem de direito (ou de torto) para com isso conseguir uma benesse e, concomitantemente, o castigo dos conspiradores. Se se aplicasse esse conceito ao caso sub-judice, teríamos que o bufo seria a criatura que foi fazer a denúncia do cartaz anti-patriótico e da directora desleal.
Mas os tempos mudaram, claro, e o conceito sofreu uma curiosa evolução semântica, como brilhantemente o demonstrou o senhor deputado Gonçalves. Agora o bufo é o que apanha a merecida bordoada e sai da mesa do orçamento. Será a directora demitida e desleal ou o médico facecioso e faccioso ou algum amigo de ambos. Ou todos juntos!
Acho mesmo que o senhor deputado deveria ser nomeado para a Comissão de Acompanhamento do Tratado Ortográfico Luso-Brasileiro, se existe. E se não existe que se crie para o país poder aproveitar os frutos da prodigiosa mente de S.ª Ex.ª.
À margem desta crónica fica entretanto um outro apontamento.
Entre as criticas (justíssimas, claro!) à Directora desleal duas chamam particularmente a atenção. A primeira é que ela não era licenciada em Medicina. A segunda é que ela, antes de ser provida no lugar, pelo anterior poder, era funcionária da secretaria do referido centro.
Ora vejamos: a lei anterior não punha como condição de nomeação para o cargo de director de um centro médico, a licenciatura em medicina mas uma qualquer licenciatura. Mesmo da Universidade Independente, inglês técnico, incluído. Portanto a criatura fora bem nomeada. O facto de ser funcionária da secretaria e dedicada esposa do vice-presidente da Câmara local, eleito pelo PPD não me parece mais grave do que a pertença do actual director do mesmo centro ao PS mesmo como independente e vereador substituto na Câmara de Ponte da Barca. De certeza que isso não favoreceu o referido senhor que, é uma suposição, terá de fazer todos os dias a penosa viagem Ponte da Barca-Vieira do Minho, a horas impossíveis para poder estar à hora da abertura no seu posto. De onde só sairá depois do último funcionário para poder verificar se algum cartaz malicioso vnão se expõe infame aos olhos da população sofredora. Além do que ainda terá de, a horas mortas, continuar a prestar o seu precioso contributo como edil na municipalidade barquense. Uma violência! Um sacrifício!
Já o facto da referida directora ter sido preterida (num concurso em que obteve o primeiro lugar) para chefe de repartição pela segunda candidata (não licenciada e sem ter três anos na carreira, segundo o jornal) que actualmente o desempenha em regime de substituição (Público, sexta, dia 6) deve-se a uma distracção das autoridades do Ministério da Saúde que os tribunais sanarão quando for possível. Se for... E se for a tempo... O facto da segunda concorrente poder pertencer a um partido político, mormente ao PS, deverá ser considerado como manobra traiçoeira do jornal que, desde a célebre OPA do senhor Belmiro de Azevedo, não poupa o nosso esforçado governo à critica rasteira e impudente.
Finalmente: o senhor deputado Alberto Martins respondeu às criticas destemperadas de uma oposição desnorteada e espuriamente aliada, com serenidade e elegância exemplares. Disse S.ª Ex.ª, e cito, “pela história, autoridade e razão de ser, o PS não recebe lições de democracia de ninguém.” E acrescentou: “não há ninguém, pela história em Portugal, capaz de defender melhor a democracia que o PS”.
À maneira do meu colega J M Júdice, aqui vai o meu registo de interesses: Tive o privilégio de conhecer o Dr Alberto Martins, nos anos 60. Fizemos juntos a crise de 69 e o primeiro MES. Julgo que somos amigos, já que não somos camaradas de partido, visto eu não pertencer ao PS. Temos votado da mesmíssima maneira desde há um bom par de anos. E digo isto porque eu comecei a votar no PS em fins de 70 enquanto o Dr Alberto Martins só o terá começado a fazer depois das primeiras eleições presidenciais em que Mário Soares, o meu candidato, derrotou a Drª Lurdes Pintassilgo que ele, Martins, garbosa e cavalheirescamente, defendeu.
Fico todavia perplexo com as palavras que ouvi, na TV e que o jornal reproduz: que história, que autoridade, que razão de ser refere ele? Melhor, que PS diz representar. Aquele em que ele e alguns poucos companheiros (16%) votaram numas eleições internas contra a facção dominante hoje no poder? Ou esta? Ou ambas? Ou este partido agora precariamente solidificado, porque vencedor, mas que dará o golpe de rins à primeira derrota (como tem sido sua tradição... e sua história)?
Os cidadãos comuns, que não frequentam S Bento, nem se habituam às metáforas vaporosas que se produzem no plenário, olham para o PS do senhor primeiro ministro Sócrates e não lhe vêm, decerto por miopia política, os traços do PS de Ferro, ou do de Constâncio, do de Sampaio para já não falar no de Soares. Quererá o dr Alberto Martins dizer no seu “não dito” que o PS é uma espécie de albergue espanhol onde o preço da hospedagem varia com as estações e com a cara dos viandantes que o demandam? Ou, mais subtilmente, quererá Martins, com estas palavras avulsas de sentido e de oportunidade, dizer do seu absoluto incómodo e da sua natural perplexidade perante os casos, que dia pós dia, se vão revelando e que, traduzem algo muito ao arrepio da tal “razão de ser, história e autoridade (?) do PS”?
Mais: está Martins de acordo com Gonçalves ou disse o que disse para não permitir a Gonçalves dar o espectáculo da política como diria algum velho conhecido “situacionista” (da Internacional Situacionista de saudosa memória e não desta situação que cada vez mais adquire o toque e os tiques esponjosos do “pântano” de que falava Guterres)?
do vosso enviado especial
d' Oliveira
Lisboa, 5/6 de Julho
* citação livre de Shakespeare: “Romeu e Julieta”,Mas que fez este ornamento da vida pública nacional para merecer referência de tão apagado croniqueur?
Pois apelidou de bufo a pessoa que terá informado os deputados do Bloco e do PC sobre a interessante peripécia vivida em Vieira do Minho.
Vejamos: não chamou bufo a quem informou as autoridades competentes sobre a existência infamíssima de um cartaz onde, depois de reproduzidas as palavras imorredoiras do dr. Correia de Campos, se teceriam perigosas graçolas de cunho acentuadamente moscovita e conspirativo. Esse acto terá, sempre na óptica sagaz e filantrópica do senhor deputado, sido patriótico, altamente social e defensor do progresso das instituições e do são respeito que se deve aos pais da pátria.
Bufo seria o funcionário que informou encapotadamente os deputados anti-nacionais do PC e do Bloco. Os funcionários, na óptica do senhor deputado Gonçalves, devem restringir-se a funcionar obedientemente e não morder a mão que lhes paga desmesuradas mordomias quais sejam o ordenado, o subsídio de almoço, o subsídio de férias, o desgaste do relógio de ponto e outras mil facilidades que o exercício da vida profissional lhes concede em dose imoderada e imerecidamente.
Eu não conhecia esta eminência de S Bento até ao momento, gozoso entre todos, Deus seja louvado!, em que assistindo a um noticiário, o vi esbracejar, segredar, tocar no ombro majestoso do Dr Alberto Martins, soerguer-se do assento, virar-se para trás, voltar à primeira forma, enfim, um inteiro filme épico, durante o confronto na Assembleia.
Tudo o que lera sobre a sua participação na comissão de saúde adquiriu outra cor depois de o ver ao vivo. Se, na comissão, Sª Exª gritara, exigira “respeito pela política e pela casa” (sic) e indispusera os restantes colegas de partido que, vergonha vergonhosa, se submetiam como cordeiros às imprecações odiosas e odientas dos restantes partidos, aqui no plenário, injustamente amordaçado (eu disse amordaçado e não açaimado), percebi a grandeza da personagem.
Presumindo que já tenha ultrapassado os quarenta anos e que, inclusive, já não esteja longe dos cinquenta, dei por mim a pensar que S.ª Ex.ª terá vivido alguns anos no chamado antigo regime. Não os suficientes para exercer o seu talento e coragem cívicos na luta contra o Estado Novo mas também não tão poucos que desconheça o significado da palavra bufo.
Claro que nesses tempos ignominiosos, “bufo” era o informador das autoridades, o que, sabendo de um segredo, ia logo contá-lo a quem de direito (ou de torto) para com isso conseguir uma benesse e, concomitantemente, o castigo dos conspiradores. Se se aplicasse esse conceito ao caso sub-judice, teríamos que o bufo seria a criatura que foi fazer a denúncia do cartaz anti-patriótico e da directora desleal.
Mas os tempos mudaram, claro, e o conceito sofreu uma curiosa evolução semântica, como brilhantemente o demonstrou o senhor deputado Gonçalves. Agora o bufo é o que apanha a merecida bordoada e sai da mesa do orçamento. Será a directora demitida e desleal ou o médico facecioso e faccioso ou algum amigo de ambos. Ou todos juntos!
Acho mesmo que o senhor deputado deveria ser nomeado para a Comissão de Acompanhamento do Tratado Ortográfico Luso-Brasileiro, se existe. E se não existe que se crie para o país poder aproveitar os frutos da prodigiosa mente de S.ª Ex.ª.
À margem desta crónica fica entretanto um outro apontamento.
Entre as criticas (justíssimas, claro!) à Directora desleal duas chamam particularmente a atenção. A primeira é que ela não era licenciada em Medicina. A segunda é que ela, antes de ser provida no lugar, pelo anterior poder, era funcionária da secretaria do referido centro.
Ora vejamos: a lei anterior não punha como condição de nomeação para o cargo de director de um centro médico, a licenciatura em medicina mas uma qualquer licenciatura. Mesmo da Universidade Independente, inglês técnico, incluído. Portanto a criatura fora bem nomeada. O facto de ser funcionária da secretaria e dedicada esposa do vice-presidente da Câmara local, eleito pelo PPD não me parece mais grave do que a pertença do actual director do mesmo centro ao PS mesmo como independente e vereador substituto na Câmara de Ponte da Barca. De certeza que isso não favoreceu o referido senhor que, é uma suposição, terá de fazer todos os dias a penosa viagem Ponte da Barca-Vieira do Minho, a horas impossíveis para poder estar à hora da abertura no seu posto. De onde só sairá depois do último funcionário para poder verificar se algum cartaz malicioso vnão se expõe infame aos olhos da população sofredora. Além do que ainda terá de, a horas mortas, continuar a prestar o seu precioso contributo como edil na municipalidade barquense. Uma violência! Um sacrifício!
Já o facto da referida directora ter sido preterida (num concurso em que obteve o primeiro lugar) para chefe de repartição pela segunda candidata (não licenciada e sem ter três anos na carreira, segundo o jornal) que actualmente o desempenha em regime de substituição (Público, sexta, dia 6) deve-se a uma distracção das autoridades do Ministério da Saúde que os tribunais sanarão quando for possível. Se for... E se for a tempo... O facto da segunda concorrente poder pertencer a um partido político, mormente ao PS, deverá ser considerado como manobra traiçoeira do jornal que, desde a célebre OPA do senhor Belmiro de Azevedo, não poupa o nosso esforçado governo à critica rasteira e impudente.
Finalmente: o senhor deputado Alberto Martins respondeu às criticas destemperadas de uma oposição desnorteada e espuriamente aliada, com serenidade e elegância exemplares. Disse S.ª Ex.ª, e cito, “pela história, autoridade e razão de ser, o PS não recebe lições de democracia de ninguém.” E acrescentou: “não há ninguém, pela história em Portugal, capaz de defender melhor a democracia que o PS”.
À maneira do meu colega J M Júdice, aqui vai o meu registo de interesses: Tive o privilégio de conhecer o Dr Alberto Martins, nos anos 60. Fizemos juntos a crise de 69 e o primeiro MES. Julgo que somos amigos, já que não somos camaradas de partido, visto eu não pertencer ao PS. Temos votado da mesmíssima maneira desde há um bom par de anos. E digo isto porque eu comecei a votar no PS em fins de 70 enquanto o Dr Alberto Martins só o terá começado a fazer depois das primeiras eleições presidenciais em que Mário Soares, o meu candidato, derrotou a Drª Lurdes Pintassilgo que ele, Martins, garbosa e cavalheirescamente, defendeu.
Fico todavia perplexo com as palavras que ouvi, na TV e que o jornal reproduz: que história, que autoridade, que razão de ser refere ele? Melhor, que PS diz representar. Aquele em que ele e alguns poucos companheiros (16%) votaram numas eleições internas contra a facção dominante hoje no poder? Ou esta? Ou ambas? Ou este partido agora precariamente solidificado, porque vencedor, mas que dará o golpe de rins à primeira derrota (como tem sido sua tradição... e sua história)?
Os cidadãos comuns, que não frequentam S Bento, nem se habituam às metáforas vaporosas que se produzem no plenário, olham para o PS do senhor primeiro ministro Sócrates e não lhe vêm, decerto por miopia política, os traços do PS de Ferro, ou do de Constâncio, do de Sampaio para já não falar no de Soares. Quererá o dr Alberto Martins dizer no seu “não dito” que o PS é uma espécie de albergue espanhol onde o preço da hospedagem varia com as estações e com a cara dos viandantes que o demandam? Ou, mais subtilmente, quererá Martins, com estas palavras avulsas de sentido e de oportunidade, dizer do seu absoluto incómodo e da sua natural perplexidade perante os casos, que dia pós dia, se vão revelando e que, traduzem algo muito ao arrepio da tal “razão de ser, história e autoridade (?) do PS”?
Mais: está Martins de acordo com Gonçalves ou disse o que disse para não permitir a Gonçalves dar o espectáculo da política como diria algum velho conhecido “situacionista” (da Internacional Situacionista de saudosa memória e não desta situação que cada vez mais adquire o toque e os tiques esponjosos do “pântano” de que falava Guterres)?
do vosso enviado especial
d' Oliveira
Lisboa, 5/6 de Julho
por impossibilidade de consulta do original
16 comentários:
Bravo! Prosa de primeiríssima água que ilustra este blog, como um dos melhores textos lidos aqui e algures.
Excelente comentário, de facto. Se não se importar, vou colocar-lhe um link.
http://cadeiradopoder.blogs.sapo.pt
Goste do que li. Óptimo Blog. Parabéns.
Muitos parabéns pelo excelente postal.
Já não há estômago para estes novos familiares do santo ofício...
Tiro o meu chapeu ao texto e vou colocá-lo no meu blog.
Não te importas, pois não MCR?
Apreciei imenso. Está no tom certo e bate onde dói. É pena que este seu texto não salte para as páginas de um Jornal.
d’Oliveira, esta sua capacidade de dissecar as situações com as lentes do ridículo é uma maravilha!...
Um abraço
Magnífico, d'oliveira!
Vamos por partes. Ricardo Gonçalves (como se pode ver em
http://www.parlamento.pt/deputados/Deputado.aspx?ID=1570) é um "filósofo", que nos legou a obra "Carneiros em Transumância, Imigrantes Clandestinos", a não perder!
Tem sido deputado substituto nas últimas legislaturas e é por certo um fruto do aparelho bracarense, como o serão a senhora e o senhor nomeados para o Centro de Saúde. Deixemo-los, portanto, a discutir as minudências locais.
Quanto ao seu comportamento indigno na comissão ou no plenário, tal deve fazer reflectir (e muito) o partido de cuja Comissão Nacional é membro e que tem merecido o meu voto e o do d'Oliveira.
Relativamente à questão de fundo, este desencanto geral na opinião publicada sobre as diatribes governativas, confesso que não o partilho. Alguns erros têm sido cometidos, é certo, sobretudo pelo efeito que provocam, mas não creio que deva passar incólume o desrespeito manifesto de um qualquer agente da administração pública perante o governo do país - qualquer que seja o governo, entenda-se.
Fui ao site que refere, mas não estava disponível. Gostava de saber se o “dito” (Ricardo Gonçalves) é filósofo ou apenas tem o curso de filosofia ou diz ter um curso que não tem. E esta dúvida é legítima: há deputados que apressadamente tiveram de retirar habilitações dos currículos que apresentavam no sit da Assembleia porque receavam ser desmascarados. Lembro-me do dirigente distrital do Porto do PS ter-se intitulado engenheiro outras vezes arquitecto outras ainda gestor e, como é sabido, não possui mais que o nono ano.
Esta história dos cursos é significativa. Pode-se por ela entender a postura deste PS que está no governo.
Já foi público, e é verdade, que, quando José Augusto Seabra foi ministro encontrou um cartaz no elevador do ministério com o seguinte dizer: “cuidado, não pisem o ministro”. O autor foi identificado, mas Seabra recusou ouvir a delação. Outros exemplos poderiam ser citados e eu próprio poderia contar o que fiz, quando por algum tempo trabalhei no Ministério do Trabalho.
Havia uma diferença entre os outros tempos e este tempo. É que nos outros tempos os governantes tinham uma ideologia que suportava convicções e orientava a sua postura política. Não precisavam de se arrogar em engenheiros ou doutores ou arquitectos para se afirmarem. Os recentes governos, de Santana Lopes a Sócrates só têm taticismo político, vivem do marketing. E o segredo do marketing é a sedução.
Um sedutor é um narcisista que não tolera a critica: só quer aduladores. É este o caminho deste governo e é por este prisma que se pode compreender a “bufaria” e os “saneamentos” por razões ditas de "lealdade" e "respeito". Conceitos que são essencialmente de natureza da consciência moral, logo do foro pessoal, de cada um na sua interioridade.
Se este governo tivesse uma ideologia, percebia o que Popper teorizou na sua obra”A sociedade aberta e os seus inimigos” . Nessa obra, o Filósofo (e há poucos, mesmo muito poucos!)insiste em duas ideias: um governo forte aceita a critica, um governo frágil abomina os críticos. Ou, então, cito: “a disposição para a aceitação da crítica e o reconhecimento do erro são virtudes políticas…”
Este governo trata-nos como mentecaptos e quer em troca o adulemos com respeito e “lealdade”.
Mas o respeito não se impõe e a lealdade implica reciprocidade. Não admira, por isso, que proliferem vídeos como este que pode ser visto em:
http://videos.sapo.pt/ykIFzzcIZoWBDtUsj2cm
Aliás, a lógica dos “jobs for de boys” tem aqui a sua componente: os boys são os que esperam uma migalha do orçamento (logo têm de “bufar”), melhor adulam quem lha puder dar e são os que no partido sabem “aparelhar” votos (transmitindo a mensagem “dá-me o teu voto e eu te darei um lugar”. E é, por isso, que não são os melhores que triunfam nos partidos, mas quem criar expectativas de vir a ter o poder e, assim, tiver a possibilidade de “dar” alguma coisa). O corolário de tudo isto é evidente: os interesses dos partidos confundem-se com os interesses do Estado.
O problema do deputado Ricardo Gonçalves não é, naturalmente, a pessoa em si, mas o tipo de político e de parlamentar que representa e a frequência com que esse tipo se tem manifestado na bancada do PS (embora, por certo, as demais não estejam isentas de tais espécimes...). Recordam-se todos, certamente, por ex., dessa outra luminária parlamentar que dá pelo nome de João Bernardo ...
Tudo isto nos leva a uma outra questão de fundo. As jogadas aparelhísticas que o deputado Gonçalves tão bem evidenciou (também praticadas pelos demais partidos de poder quando lhes toca a oportunidade) têm deixado em cacos a administração pública e não há reforma que a possa verdadeiramente endireitar enquanto não se acabar com este “sistema”.
Já se viu que, na prática – e ainda que ao arrepio da lei - a "confiança política" se aplicará, por linhas tortas, até ao cargo de contínuo (sem desprimor para os ditos). E que os critérios que vigorarão para as avaliações, aplicação das quotas e passagem à disponibilidade (por ex.) serão os critérios gonçalvistas, tal como explanados pelo filósofo parlamentar Gonçalves.
No ponto a que chegámos, e face à anomia reinante, julgo que quem quiser reformar – a sério - a administração pública, terá de incorrer noutro risco calculado: o da criação de “Sir Humphreys”. Terão de ser estudadas novas opções legislativas, consagrando mecanismos que garantam, efectivamente, o primado do mérito, valorando a competência e a obtenção de resultados (sempre no respeito da legalidade e em cumprimento das políticas definidas pelos Governos legitimamente eleitos). Por que não pensar, por ex., na obrigatoriedade da nomeação dos altos dirigentes (directores-gerais, ...) também por concurso, presidido por júris credíveis e independentes do poder do momento? Ou em sujeitar a cessação das comissões de serviço desses dirigentes, por iniciativa do governo (por ex. pelo não cumprimento dos objectivos fixados), a prévio processo disciplinar, instruído por magistrado nomeado pelo PGR?
Os riscos destas opções são claros e não os escamoteio. Mas enquanto não se “quebrar” o “sistema” gonçalvista talvez não haja outro caminho...
É preciso ter muito cuidado com a terminologia. Os "nossos" apontam abusos e prevaricações diversas, os "outros" são "bufos", são "delatores"...
Há que verificar a linguagem usada: muitas verdades, ditas de forma injuriosa e hiper-provocatória podem caír sob a alçada da justiça.
Que há certos abusos de parte de quem governa, creio que sim. Que há também muita irresponsabilidade e excesso de linguagem da parte de quem critica também.
Há que ter "bom senso e bom gosto"...
Não percebo este último comentário: não sei se é uma ameaça ou desconhecimento do que é um “bufo” ou, ainda, do que é ser cidadão!...
"Primo de Amarante":
Fui vítima de um processo judicial quando era deputado municipal (PSD) e fui condenado por usar termos como:
"Onde pára o dinheiro"?
"Há crimes de lesa-economia" (por não haver concurso público em todas as empreitadas que o exigiam...).
"Há ambiente maquiavélico"
Isto é tão ridículo que agora, vendo os comentários completamente insultuosos na blogosfera acho bem que se actue e puna quem prevarica. Não sou eu quem ameaça é a Lei, e fá-lo bem.
Conheço um caso em que um vereador foi levado a tribunal por dizer que o presidente tinha uma "análise idiota"..
Acho que isto é violento e injusto!
Se quiser saber o que penso sobre o que é ser "bufo" veja o semanário
sol. http//:sol.sapo.pt no blogue
ramodebarro.blogspot.com
Aí está o que penso sobre os "bufos".
Os meus respeitosos cumprimentos e... boas leituras.
Rouxinol de Bernardim
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