29 fevereiro 2008

O leitor (im)penitente 35


Ao desbarato!

Como vou aqui deixando constância, volta e meia percorro os alfarrabistas à procura de um que outro título desses que já não se apanham nas livrarias. Foi assim que pouco a pouco comecei a fazer uma pequena biblioteca de temas coloniais, fundamentalmente livros sobre Moçambique, ex-colónia que conheço por ter lá estudado durante o finado segundo ciclo dos liceus.
Apesar de não fazer buscas sistemáticas, a verdade é que vou encontrando as coisas que quero, a pontos de ter praticamente completas algumas colecções cujo valor apenas advém do facto de serem relatos relativamente interessantes da “gesta” colonial. E se digo gesta entre aspas é apenas por duas razões. Primeiro porque, ressalvados os aspectos políticos e éticos da actividade colonizadora, resulta surpreendente a escassez de recursos com que foi realizada a ocupação dos territórios angolano e moçambicano. Em segundo lugar porque, os poderes coloniais da altura, exaltavam este género de acções, pouco interessando para o efeito se estamos perante os republicanos do Partido Democrático que influenciaram decisivamente os “Cadernos Coloniais” (ed. Cosmos) ou o recente Estado Novo que deu à estampa a “colecção Pelo império” (Secretariado Nacional da Propaganda, SNI e Junta de Investigações do Ultramar, sucessivamente).
Ao lado disto que já não é pouco tenho-me topado com centenas de referências de autores portugueses e estrangeiros. Ainda há dias houve um importantíssimo leilão onde as espécies “coloniais” atingiam quase três centenas de títulos. Informando-me melhor junto do livreiro alfarrabista, organizador do catálogo, vim a saber que esta era já a décima almoeda onde se ofereciam livros da ex-biblioteca do Comandante Ernesto Vilhena. Ou seja: de há anos a esta parte anda a ser vendida e desmantelada uma importantíssima colecção de livros sobre as colónias portuguesas, nomeadamente sobre a sua história entre 1800 e 1940!!!
Desconheço se as bibliotecas e arquivos nacionais têm acervos destes em quantidade suficiente para não acorrerem aos leilões. Desconheço se o governo que enche a boca com a nossa pregressa história alguma vez pôs a hipótese de constituir um fundo relevante de publicações sobre a história da expansão e da colonização.
Parece-me, porém, que todos deixam desaparecer em mãos privadas os elementos fundamentais e quiçá únicos de um saber pacientemente reunido.
Dir-me-ão que na Biblioteca Nacional já existem exemplares idênticos aos agora dispersos. Também era o que mais faltava. Do que duvido é que exista uma Biblioteca especificamente ultramarina onde eventualmente pudesse funcionar um centro de estudos da expansão e da colonização e onde se pudessem agrupar esta colecção ora dividida e eventualmente outras que por ai estejam constituídas e desapareçam do mesmo modo que esta.
Poder-se-á ainda argumentar que tudo isto é muito bonito mas que é caro. Nada mais longe da verdade. As espécies que desta vez foram vendidas apareciam todas com preços de base entre os 10 e os 20/25 euros. Ou seja que seria possível que antes de se pensar num leilão as colecções completas pudessem ser adquiridas por pouco mais de dois, três mil euros. Eu mesmo, sem pretender substituir-me ao Estado, sem ter os seus meios, tentei ainda comprar os livros que queria antes do leilão. E se bem me recordo, por cerca de duas dúzias não pagaria mais de 300 euros. Se tivesse chegado antes poderia mesmo ter feito um negócio ainda melhor. Infelizmente já só pude fazer ofertas para o leilão pelo que consegui muito poucos exemplares dado que fiz as licitações antecipadas.
Vivemos no país das possibilidades perdidas. Nem sequer tentamos salvaguardar o nosso património. Ou tentamos tarde e a más horas. Quando por mera sorte, se consegue apanhar uma obra de arte, uma colecção, um livro num leilão, os jornais embandeiram em arco. Se as pessoas soubessem que, normalmente, antes disso, o Estado foi requerido a comprar e se negou sequer a encarar a hipótese de o fazer tenho a impressão que cairia um ministério. Porque não é a primeira, a segunda, sequer a décima vez em que a pressão da opinião pública força os agentes do Estado a comprar (e a salvar para o Património Nacional) objectos que com um mínimo de atenção, de zelo e de diligência teriam custado muito menos.
Em Maio voltará a haver leilão de mais uma parte da ex-colecção do Comandante Ernesto Vilhena. Apostemos que mais uma vez aparecerão peças interessantíssimas para todos excepto para quem nos representa mal.

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