Tirar o gajo da fotografia
Não me apetecia falar do dr. Augusto Santos Silva, palavra que não. A personagem é baça, envelhecida e, custa dizê-lo, muito aparelhística no pior sentido da palavra.
Mas a verdade é que o dr. Santos Silva, por boas ou más razões, más sobretudo, e cada vez mais frequentes, salta do apagado lugar por onde a prudência lhe aconselhava andar, para as manchetes dos jornais. É o faz-tudo do governo, o rapaz dos foguetes, o que contrata os bombos e os gaiteiros, o que traz as palavras de ordem lá de cima.
Desta feita parece que, de cabecinha perdida, por via de uns dichotes que lhe largaram em Trás-os-Montes entendeu produzir teoria sobre a história política recente. A da liberdade e a da anti-liberdade. Vai daí, inspirado possivelmente nos seus antigos professores do tempo da outra senhora, resolveu dizer quem foi quem no combate ao fascismo. Os doutores Soares e Zenha passaram no apertado crivo do senhor ministro que, todavia, não perdoou a Álvaro Cunhal.
Pessoalmente não gosto de Álvaro Cunhal. Como não gosto de Amália Rodrigues, Paula Rego, ou Agustina. Porém, se me perguntarem, sempre direi que como cantora, pintora ou romancista estas senhoras pedem meças aos melhores. Eu não gosto, mas elas são nas suas respectivas artes do melhor que se encontrou. Como dizia, não vou à missa do dr. Cunhal. No entanto, terei de confessar que durante quarenta anos ele foi o mais esforçado, o mais organizado, o mais eficaz inimigo do regime do Estado Novo. Foi também um dos mais martirizados, com um impressionante número de anos de prisão, alguns deles em completo e duríssimo isolamento. Foi, igualmente, um modelo de resistência aos polícias, aos interrogatórios, à violência.
Para quem frequenta a história do marxismo-leninismo contemporâneo, da Internacional e da Esquerda, Cunhal é, queira-se ou não, um reconhecido estratega, um teórico de alguma envergadura, bem superior aos seus amigos soviéticos ou a quase todos os secretários gerais de PC europeus e latino americanos. (Não falo dos outros por mero desconhecimento...)
Depois do 25 de Abril o dr Cunhal tentou (e falhou..., felizmente) conquistar o poder através da sua bem montada máquina partidária. Foi o dr Soares quem o derrotou. Com ajudas de muita e boa gente. Muitas! E de má gente. Bastantes.
Todavia, convirá dizer que, se em determinados momentos dos anos agitados do PREC, as coisas não se complicaram isso se deve (e muito, quase tudo) ao dr. Cunhal, homem avesso a aventureirismos, como é sabido. E mesmo o 25 de Novembro só não deu a sangueira que poderia ter dado porque o dr. Cunhal estava no seu posto, com a sua autoridade imensa, a refrear entusiasmos e delírios.
Tirá-lo da fotografia da luta pela liberdade, lembra uma velha táctica estalinista: sempre que se queria dar cabo de mais um opositor político, não só se lhe instaurava o respectivo processo inquisitorial mas também se retocavam as fotografias onde ele aparecesse. Assim se juntava o útil ao agradável: eliminava-se fisicamente um opositor que era competentemente fusilado, depois do opróbio de um julgamento miserável e infamante, mas também se fazia desaparecer para o futuro qualquer traço da criatura. Nem pegadas, nem fotografias. À morte civil seguia-se a histórica.
O dr. Santos Silva terá na sua mocidade (se é que o termo se aplica a tão extraordinária criatura) sido vagamente trotskista. Deveria saber que as fotografias do seu guru político-espiritual, enquanto líder revolucionário foram todas retocadas de modo a que para o futuro (que durou pouco mas mais do que durará o do dr. Santos Silva) não restasse dele senão um vazio gritante na película. Aprendeu mal a lição, pelos vistos. É o que acontece a quem pensa como ele.
A propósito: corre com alguma insistência que o dr. Santos Silva terá sido do MES (Movimento de Esquerda Socialista). Até o dr Meneses o veio dizer numa das suas arrebatadas diatribes onde crucificava SS como trotskista e ex-MES. Não o recordo nas nossas magras fileiras. Perguntei a um bom par de antigos camaradas que também o não recordam. Militante não foi, simpatizante, nunca o vimos. Provavelmente era um clandestino... Ou então... como está na moda e fica bem ter sido do MES o dr Santos Silva (ou alguém por ele) resolveu modificar a fotografia, retocando-a e pondo-o também no pequeno grupo de esquerdistas ingénuos que acabámos (quase todos, quase todos...) por ser. Por favor, senhor Ministro, saia da nossa pequena fotografia.
* as fotografias (celebérrimas!) de Lenin com (antes) e sem (depois) Trotsky. Ou de como Stalin era um pequeno génio da 8ª arte.
Não me apetecia falar do dr. Augusto Santos Silva, palavra que não. A personagem é baça, envelhecida e, custa dizê-lo, muito aparelhística no pior sentido da palavra.
Mas a verdade é que o dr. Santos Silva, por boas ou más razões, más sobretudo, e cada vez mais frequentes, salta do apagado lugar por onde a prudência lhe aconselhava andar, para as manchetes dos jornais. É o faz-tudo do governo, o rapaz dos foguetes, o que contrata os bombos e os gaiteiros, o que traz as palavras de ordem lá de cima.
Desta feita parece que, de cabecinha perdida, por via de uns dichotes que lhe largaram em Trás-os-Montes entendeu produzir teoria sobre a história política recente. A da liberdade e a da anti-liberdade. Vai daí, inspirado possivelmente nos seus antigos professores do tempo da outra senhora, resolveu dizer quem foi quem no combate ao fascismo. Os doutores Soares e Zenha passaram no apertado crivo do senhor ministro que, todavia, não perdoou a Álvaro Cunhal.
Pessoalmente não gosto de Álvaro Cunhal. Como não gosto de Amália Rodrigues, Paula Rego, ou Agustina. Porém, se me perguntarem, sempre direi que como cantora, pintora ou romancista estas senhoras pedem meças aos melhores. Eu não gosto, mas elas são nas suas respectivas artes do melhor que se encontrou. Como dizia, não vou à missa do dr. Cunhal. No entanto, terei de confessar que durante quarenta anos ele foi o mais esforçado, o mais organizado, o mais eficaz inimigo do regime do Estado Novo. Foi também um dos mais martirizados, com um impressionante número de anos de prisão, alguns deles em completo e duríssimo isolamento. Foi, igualmente, um modelo de resistência aos polícias, aos interrogatórios, à violência.
Para quem frequenta a história do marxismo-leninismo contemporâneo, da Internacional e da Esquerda, Cunhal é, queira-se ou não, um reconhecido estratega, um teórico de alguma envergadura, bem superior aos seus amigos soviéticos ou a quase todos os secretários gerais de PC europeus e latino americanos. (Não falo dos outros por mero desconhecimento...)
Depois do 25 de Abril o dr Cunhal tentou (e falhou..., felizmente) conquistar o poder através da sua bem montada máquina partidária. Foi o dr Soares quem o derrotou. Com ajudas de muita e boa gente. Muitas! E de má gente. Bastantes.
Todavia, convirá dizer que, se em determinados momentos dos anos agitados do PREC, as coisas não se complicaram isso se deve (e muito, quase tudo) ao dr. Cunhal, homem avesso a aventureirismos, como é sabido. E mesmo o 25 de Novembro só não deu a sangueira que poderia ter dado porque o dr. Cunhal estava no seu posto, com a sua autoridade imensa, a refrear entusiasmos e delírios.
Tirá-lo da fotografia da luta pela liberdade, lembra uma velha táctica estalinista: sempre que se queria dar cabo de mais um opositor político, não só se lhe instaurava o respectivo processo inquisitorial mas também se retocavam as fotografias onde ele aparecesse. Assim se juntava o útil ao agradável: eliminava-se fisicamente um opositor que era competentemente fusilado, depois do opróbio de um julgamento miserável e infamante, mas também se fazia desaparecer para o futuro qualquer traço da criatura. Nem pegadas, nem fotografias. À morte civil seguia-se a histórica.
O dr. Santos Silva terá na sua mocidade (se é que o termo se aplica a tão extraordinária criatura) sido vagamente trotskista. Deveria saber que as fotografias do seu guru político-espiritual, enquanto líder revolucionário foram todas retocadas de modo a que para o futuro (que durou pouco mas mais do que durará o do dr. Santos Silva) não restasse dele senão um vazio gritante na película. Aprendeu mal a lição, pelos vistos. É o que acontece a quem pensa como ele.
A propósito: corre com alguma insistência que o dr. Santos Silva terá sido do MES (Movimento de Esquerda Socialista). Até o dr Meneses o veio dizer numa das suas arrebatadas diatribes onde crucificava SS como trotskista e ex-MES. Não o recordo nas nossas magras fileiras. Perguntei a um bom par de antigos camaradas que também o não recordam. Militante não foi, simpatizante, nunca o vimos. Provavelmente era um clandestino... Ou então... como está na moda e fica bem ter sido do MES o dr Santos Silva (ou alguém por ele) resolveu modificar a fotografia, retocando-a e pondo-o também no pequeno grupo de esquerdistas ingénuos que acabámos (quase todos, quase todos...) por ser. Por favor, senhor Ministro, saia da nossa pequena fotografia.
* as fotografias (celebérrimas!) de Lenin com (antes) e sem (depois) Trotsky. Ou de como Stalin era um pequeno génio da 8ª arte.
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