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27 setembro 2008

voz alheia 4



Eu sei que havia um bote no mar, o mar cheio de água, a água cheia de sal, eu sei, vi a perna baloiçar por sobre a transparência veloz do bote-barco, um semi-rígido com muitos cavalos, era a perna e o colete, era o riso esvoaçando nas alturas impróprias da hora em que os peixes almoçavam e queriam sossego, era isso e mais o limo no fundo do lago, o lago de mar aberto, saindo pela fissura de um canal de areias serenas. Havia o homem inteiro e azul e a mulher semi menina dois quatros de velha e meia pessoa era um ser periliquitante, parecia uma folha, saída de uma primavera. __ Mas espera, não era bem assim, era um tipo e uma miúda, calhou definirem a mesma ilha para se encontrarem, calhou dessa maneira pela razão coincidente de amarem com o mesmo ouvido, a força das ondas batendo no seu coração. Quase assim, estavam mais por ali sentados, cada um na sua ponta de areia, um com headphones a outra mergulhada numa revista, cada um com o seu silêncio fermentado de barulhos sonolentos, assim veio o skipper, assim ofereceu boleia, que venham dizia ele, que venham conhecer o outro lado da ilha, tem muitas terras, muita natureza, tem pescadores buscando peixe com o anzol, tem cabanas de caniço com TV a cores, venham, mostro-vos como as nossas mulheres organizam os filhos na beira do lago, e como o mar, o mar, canta músicas que batucam no centro de uma pessoa para nunca mais sair. Extasiados, levantaram-se e seguiram o senhor do bote, um meio barco valente que enfrentava o morno do sol sem calamidades, vestiram os coletes que não salvam a vida de ninguém, nem protegem o coração de arder pela magia de um bruxo simpático, ele aguentou-se de pé expectante, ela mais matéria de água, montou o bote como quem monta um cavalo marinho, sorriu, a cabeça enrolada numa onda de alívios insuspeitos. O pássaro súbito, cortou a nuvem e mergulhou no pé da moça, beijou um limo verde, falhou de apanhar um peixe, a moça, tocou-lhe com uma asa, mal abriu de regresso ao espaço. - Há coisas, que molham a alma, levam um homem a virar uma lavadeira, segurar o seu coração pela gola, batê-lo na pedra do rio e espremê-lo. É preciso um homem ter um cão que lhe guarde, garanta ao coração que pode ganir, se cair molhar no bico de um pássaro, se cair molhar nos pés de uma mulher. Pudessem os cães cheirar anjos de prata, pudessem luas enfeitiçar-se de lobos morenos, pudesse um homem ter o coração de um samurai. - Foi isso, o que aconteceu. Ela cimentou o homem por causa do pássaro.

Vanessa de Oliveira Godinho

17 abril 2008

voz alheia 3


fragmentos de poemas no dia da morte do seu autor






1 (..................)
« l'homme-famine, l'homme-insulte, l'homme-torture

on pouvait à n'importe quel moment le saisir le rouer

de coups, le tuer - parfaitement le tuer - sans avoir

de compte à rendre à personne sans avoir d'excuses à présenter à personne

un homme-juif

un homme-pogrom

un chiot

un mendigot »
(...................)

2. (...............)
"ò lumiére amicale
ò fraiche source de la lumiére
ceux que non inventé ni la poudre ni la bousolle
ceux qu inon jamais su dompter la vapeur ni l'electricité
ceux qui non exploré ni le mers ni le ciel
mais ceux sans qui la terre ne serait pas la terre"

Aimé Césaire

*este textos são excertos do longo poema "Cahier d'un retour au pays natal" (Présense Africaine, 1956) e são retirados da edição de 1971, considerada a edição definitiva do poema. Todavia, e em abono da verdade, optou-se por trazer o primeiro directamente da internet. Está, porém cotejado com a edição de 1971, acima referida e que me pertence desde essa longínqua data (Paris, Dezembro de 1971)
mcr

A gravura: fotografia dos participantes do 1º congresso dos artistas e escritores negros em 1956. Esta fotografia servirá de convite para as comemorações do cinquentenário desse congresso.