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11 março 2009

missanga a pataco 69



As fotografias nunca são inocentes

O meu caro Manuel Sousa Pereira mandou-me uma série de fotografias de Moçambique. Fotografias antigas, mais antigas do que eu, ou quase. Esta que se mostra relembra a praia da Polana tal qual a conheci em 54. Tratava-se de uma praia com protecção contra tubarões cercada como eventualmente se poderá ver por uma ampla barreira de arame. Ao meio havia uma torre de saltos. Entre a torre e a margem havia uma corda, recurso para quem se cansasse.
A praia era servida por um Pavilhão (era aliás assim que se chamava) onde havia, se bem me recordo vestiários, instalações sanitárias, um amplo restaurante com esplanada na varanda e(provavelmente) mais serviços de que só recordo um rudimentar posto de enfermagem.
Para alem da natural nostalgia, cumpre espreitar melhor a fotografia e reparar na ausência de crianças negras. Parece-me mesmo que nem mulatas aparecem. Em primeiro plano talvez haja uma menina indiana: está vestida com algo que é bem mais recatado do que os recatadíssimos fatos de banho femininos da altura.
A impressão que tenho é que esta fotografia é dos anos quarenta. Ou seja vinte e poucos anos antes de rebentar a guerra colonial.
Porventura está também aqui uma referência à origem da insurreição: quando a maioria dos cidadãos é invisível mesmo numa pequena praia gradeada por via dos tubarões, algo está mal. Claro que se poderá sempre dizer que os meninos negros não gostavam de mar; não gostavam de praias contra tubarões; não gostavam de se misturar com brancos; preferiam outros locais menos multitudinários; preferiam o mar livre e aberto e a aventura que isso necessariamente implicava.
Todavia, para o comum dos mortais fica a ideia de que talvez aqui funcionasse essa regra não escrita: proibido aos não brancos. Como na África do Sul vizinha, a do apartheid.
Só que os brandos costumes lusitanos ou luso-tropicais detestavam essa afirmação tão torpe e substituíam-na por um silêncio tão prenhe de negação que “até mesmo um rapazinho negro a percebia”.


21 fevereiro 2009

missanga a pataco 68

Para que não fiquem dúvidas:

Exm.ª Senhora Presidente do Conselho Executivo do
AE Territorio Educativo de Paredes de Coura

A confirmarem-se as notícias vindas a publico sobre a suspensão de actividades previstas no Projecto Educativo e no Plano de Actividades dessa Escola, e na salvaguarda primeira das obrigações da esola - cumprir a sua missão de processos de socialização e de aprendizagem para os alunos, razão central porque definiu as actividades de Carnaval nos documentos de acção educativa anteriormente referidos.
Tomando por base estes pressupostos, determino:
1. o cumprimentos das actividades com os alunos previstas para esta época;
2. o envio a esta DRE de um memorando clarificador dos problemas que têm vindo a ser denunciados pelas estruturas representativas;
3. Sendo certo que muitos docentes não se aceitam o uso dos alunos nesta atitude inaceitável, acompanharemos de muito perto a defesa do bom nome da escola dos professores, dos alunos e de toda a população que muito tem orgulhado o nosso país pela valorização que à escola tem dado
Margarida Elisa Santos Teixeira Moreira

Respeitou-se cuidadosamente (e com a difícil neutralidade que se imagina) o surpreendente português em que o texto é vertido. Se de português se trata, claro.
Fica-se com a penosa sensação que já há dois países distintos neste jardim à beira mar plantado: um, aquele em que frequentámos a escola que nem sempre era risonha e franca mas que cumpria (mesmo naqueles negros tempos) com uma função essencial: socializar a criança indefesa pondo-a a falar um português aceitável , outro, o da senhora directora Margarida Elisa Santos Teixeira Moreira em que se usa esta esdrúxula redacção em que há professores que não se aceitam o uso de alunos para não referir, com uma desconsolada gargalhada, a passagem do primeiro para o segundo parágrafo.
Também parece desnecessário referir o tom ameaçador do último parágrafo e a patetice apologética da defesa do bom nome de várias criaturas que ao que parece muito tem orgulhado o país da dita senhora pela extraordinaráia valorização que dá à escola.
Eu não sei onde é que esta criatura estudou, se estudou, quem lhe ensinou português se culpados de tão nefanda acção existem ou existiram mas, pelos resultados aqui exuberantemente visíveis, seria aconselhável (se acaso ainda vai a tempo) um curso género novas oportunidades com muita insistencia na língua pátria e obrigatório exame da antiga terceira classe ao fim.
Isto que acima se lê é o retrato puro e duro do Ministério da Educação e dos seus distritais sátrapas. Isto provaria à saciedade algo de que há muito se sabe: a fidelidade partidária vence toda e qualquer outra noção de qualidade para prestar serviço público. Quando a senhora ministra refere a má vontade dos professores deveria ler estas charadas da autoria dos seus dedicados agentes para perceber o estado a que chegou a chamada Educação Nacional. E tirar daí as necessárias consequências...
Mas isso seria pedir muito, demasiado mesmo.



20 fevereiro 2009

missanga a pataco 67


O corso de Paredes de Coura

Esta notícia é do mais sério que pode haver num país que apesar de oito séculos parece mais uma estouvada criação de algum deus malicioso apaixonado pela leitura do Peter Pan.
Na ridente vila (será cidade?) de Paredes de Coura, as escolas desfilam num corso de Carnaval. Parece que alguma vez um grupo de educadores terá achado que em vez da gramática, da aritmética e da leitura, as crianças deveriam mascarar-se de parvas e, ala que se faz tarde, emular as escolas de samba do Rio ou os desfiles tristonhos e moribundos de Veneza.
Entretanto, dado o volume de tarefas (e a luta dos professores contra o Ministério e as suas habituais prepotências...) o Conselho Pedagógico decidiu eliminar das actividades escolares a marcha dos gaiatos. Ai Jesus que se acaba o mundo!, terão regougado pais e encarregados de educação. “que é que se faz às pobres criancinhas assim despojadas de uma tão alta prova de futura cidadania e cultura?”
A extraordinária DREN (leia-se sem sorrir: Direcção Regional de Educação do Norte) sempre atenta ao sentir profundo das populações que pastoreia, ouviu a queixa das almas jovens, e menos jovens, de Paredes de Coura e determinou, num dos seus habituais e beneméritos ukases, que o desfile se fizesse e que nele participassem os senhores professores sob pena de processo disciplinar ao que se intui da leitura do jornal.
O cortejo ter-se-á realizado hoje, sexta-feira, e terá tido a forçada participação dos docentes.
Ignora-se se os senhores professores iam mascarados. É provável que fossem. De carneiros obedientes? De animais destinados à hecatombe em honra de um deus Momo imbecil e que pouco ou nada diz à tutelar DREN? Terá a DREN despachado para o local o seu habitual circo de informadores para verificar se tudo correu como se determinava? Terá a senhora directora da dita DREN, de sua graça Margarida Moreira, estado presente? E, estando, estaria à futrica ou ataviada carnavalescamente para escarmento dos professores rebeldes? E neste último caso que fantasia levava? A rainha madrasta da Branca de Neve? Pluto? Fantasma da Ópera? Cinderela? Ou iria simples mas bem de Margarida Moreira?
É que nesta historieta não se sabe bem o que mais devemos admirar: se os pais de Paredes de Coura, se os professores que se prestam a esta fantochada, se a distinta Câmara Municipal que também se terá dado por achada ou simplesmente essa aberração educacional que já é visita dos jornais de escândalos por via das singularidades a que dá cobertura. Refiro-me obviamente a esse cadáver que dá por DREN e que fechado, além de muito dinheiro, pouparia o país e os cidadãos ao espectáculo do ridículo. Decididamente esta gente não sabe nem aprende.

* e já agora que estamos com a mão no pífio carnaval que por cá se usa: não acham incrível a história da proibição de um magalhães com uma menina despida e censurado pela excelentíssima senhora procuradora de Torres Vedras? Eu não quero discutir com tão alta autoridade o significado da palavra pornográfico mas gostaria mesmo assim de ver a explicação...
E depois o Ministério Público admira-se com o descaso com que os cidadãos o brindam. E não haverá ninguém que telefone discretamente para Torres Vedras, para o Tribunal, para evitar que o ridículo arruíne as austeras paredes do que deveria ser apenas e tão só um local onde se aplica a Justiça?

18 fevereiro 2009

missanga a pataco 66


O Quixote de sapatilhas...

Há alguns anos um dos meus amigos editores convidou-me para traduzir um livro. Respondi-lhe que a tradução era mal paga e que, se porventura alguma vez me desse a tais tarefas, só traduziria de línguas onde pudesse insultar alguém tão copiosamente como em português e onde pudesse fazer palavras cruzadas. Acordámos, ao fim e ao cabo, que sem especial compromisso de continuidade lhe traduziria originais franceses e espanhóis. Tratava-se de línguas que dominava razoavelmente e que não me dariam grande trabalho. Só assim a tradução é rentável. De repente, ao fim de alguns anos, tenho quase duas dúzias de livros traduzidos. Alguns foram um prazer muitos foram uma provação. Algumas vezes recebi elogios uma fui insultado. O critico não aceitava que um livro notoriamente mau fosse mau por culpa do autor que era um desastre. Preferia atribuir as culpas ao tradutor. A tese deste singular critico era a seguinte: o autor da inverossimilhança era filho de um grande escritor espanhol. logo era bom. Como se sabe o talento herda-se... Se o livro era aquele conjunto de patacoadas decerto que o tradutor era o culpado.
Nesse dia, comecei a pensar largar esta tarefa. Traduzir inanidades é uma perda de tempo e um contínuo desgosto para quem tem de as verter fielmente em português.
Estou a ultimar o que eventualmente será a minha última tradução. Às razões perceptíveis no que acima escrevi junta-se estoutra: os tradutores sérios são pagos pela mesma bitola dos maus. Nem um cêntimo mais.
E se é assim, e é exactamente assim, não vale a pena gastar as meninges. Eu passo bem sem as traduções porque prefiro ler nas línguas originais. Os leitores se quiserem que protestem.
Ontem, numa livraria, abri um livro de recente tradução e de que tinha gostado (no original). Entre outras pérolas, li esta: o pobre D. Quixote usava umas sapatilhas rotas. O tradutor ignorante e ansioso nem sequer sabe que zapatilla também significa chinelo. O que naquele tempo se adequava mais ao cavaleiro da triste figura. É provável que o tradutor nem sequer tivesse lido Cervantes. E até que nem soubesse exactamente de que época se fala quando se fala dele. E sobretudo não sabe suficiente português o que, aliado ao seu mais que deficiente espanhol, dá uma tradução medíocre, indigna.
Aposto que lhe pagaram tanto como me pagam. Que lhe faça bom proveito. Eu que já não tenho pachorra. Como dizia o imortal vocalista dos Ena Pá 2000: se um gajo tem de ser puta que seja puta fina.
E bem paga, acrescento, muito bem paga.

05 janeiro 2009

Missanga a pataco 65

Coisas que dão sentido à vida

Vivemos num mundo fechado em gavetas!, Ninguém se preocupa com ninguém!, o refúgio no mundo virtual acentua o isolamento...

Isto, isso aí em cima é o pão nosso de cada dia que se lê, se ouve, se diz por todo o lado.
Permitam a um velho esquerdista (moderado...) dos sessentas vir teimosamente dizer que as coisas não são bem assim. Que impercetiveis, ou evidentes há fortes sinais de solidariedade aqui e ali.
O pequeno problema aqui exposto ontem (um computador, eventualmente, sem fonte de alimentação, o pesar do proprietário, este que estas vai alinhando, a sua ignorância supina...) tem tido umas respostas acima de todas as expectativas. Gente que pergunta, gente que se pôs a investigar no éter, gente que aconselha, gente que toma as coisas em mão sabendo que aqui o canhoto de pata e coração precisa de quem o ilumine, ajude e reconforte.
Não tendo outra maneira de agradecer senão esta de escrevinhar duas linhas agradecidas e bastamente surpreendidas, aqui vai este postal só para dizer que 2009, apesar de tudo, mostra uma face compassiva e solidária que, espero, se alargue a problemas bem maiores, muitíssimo maiores, gigantescos, mesmo. É que os pequenos gestos dizem muito ou, pelo menos, dizem-me muito.
E para resposta uma só palavra: obrigado!

* E, já agora, uma gravura de que, à semelhança do meu homónimo Proust, gosto especialmente: a "Vista de Delft" de Vermeer.

** o texto saiu-me assim; sublinhado e a azul. Tentei corrigir mas a minha mala pata é conhecida.


05 dezembro 2008

Missanga a pataco 64


O preço do imobiliário


O custo da obra saltou dos projectados 33 milhões para 119 ou seja mais que triplicou!
O tempo de construção passou de 28 meses para 82. Também aqui se triplicou. Deve ser mania.
Houve empreitadas por ajuste directo coisa que a lei proíbe e a prudência desaconselha. Diga-se: prudência daqueles que querem não só ser sérios mas passar por isso, ter a fama disso.
Manifestamente tais preocupações não terão estado no espírito de muitos dos cavalheiros e cavalheiras que andaram mascarados de administradores da obra da Casa da Música.
A verdade é que ninguém é obrigado a parecer honrado. A segunda verdade é que eventualmente haverá gente não honrada que não quer passar por honrada. Coerência, acima de tudo.
A terceira verdade é que ninguém vai pagar por este desperdício. Desculpem lá, mas 86 milhões é uma dinheirama! Uma senhora dinheirama. Para onde foi?
É que podia ter vindo até aqui, a esta casa onde o cacau se converte, vá-se lá saber porquê, em livros, em discos, em pequenos mimos que os amigos vêm comer, em comidinha para duas gatas vorazes e curiosas (são gatas, quand même!). claro que se tivéssemos sofrido essa inundação de euros teríamos morrido sufocados porque são, para gente como nós, paisanos, povo miúdo, números demasiado grandes para sequer sabermos o que fazer com eles.
Todavia, e esta é a quarta verdade, parece que há gente que lida bem com estes rios de dinheiro, que gosta de os ver correr, fluir, desaparecer numa qualquer longínqua foz que, juro, não estou a confundir com um qualquer bolso.
Perdoarão que tenha falado da Casa da Música. Da Casa da Música só se deve dizer bem. Muito bem. Mesmo que seiscentos mil espectadores divididos por três mil duzentos e oitenta e seis espectáculos, representem uns modestos cento e setenta espectadores por cada um. E seria ainda necessário quantificar as borlas, as entradas de favor para depois tentar perceber quanto e como se gasta o dinheiro dos contribuintes. E que retorno traz. Mas isso, como costumo dizer, é outra história...

08 novembro 2008

Missanga a pataco 63


Lady Day morreu na cama,
The Empress na rua

Escrevem-me dois leitores corrigindo, pensam eles, a minha crónica sobre Obama. De facto ambos afirmam ter lido no "Público" uma crónica de última página da autoria de Miguel Gaspar onde este respeitável jornalista afirma que foi Billie Holiday quem morreu na rua por não haver hospital que a aceitasse.
Não têm razão os leitores e muito menos o jornalista que tomam por fonte. Billie Holiday morreu num hospital aliás em circunstancias extrordinárias porquanto foi aí, no seu leito de morte que mais uma vez a polícia a inculpou de posse de drogas...
Bessie Smith, "The Empress of Blues", foi quem morreu no estado do Mississipi, perto de um hospital que se negou a recebê-la por negra. Esvaía-se em sangue depois de um brutal acidente rodoviário e morreu como um cão porque era negra e o hospital era para brancos.
Aprecio muito os textos de Miguel Gaspar e gostei de ler este de que agora falo mas que vem ferido por um erro grosseiro. Bessie é mais velha do que Billie, morreu vinte ou mais anos antes e os seus estilos musicais são profundamente diferentes, como se sabe. Não podem nem devem ser confundidas como não se deve nem se pode confundir o Público com a revista Caras ou Gaspar com a governadora Palin que não sabia que África era um continente com muitos países.
Os leitores não devem tomar tudo o que se imprime por absolutamente verdadeiro e o mesmo se aplica aos meus textos. Devo ter errado várias vezes e bem precisaria de quem me puxasse a orelhinha mouca. Mas neste caso sou eu e não Gaspar quem está no certo. Não é grande vitória nem afecta a qualidade dos escritos deste jornalista que me tem como fiel leitor. E apreciador. Assim ele me lesse e apreciasse mas isso era já pedir demais.

03 novembro 2008

Missanga a Pataco 62

Com os cumprimentos de mcr ( e muito provavelmente de d'Oliveira) aqui se oferece aos camaradas de blog JCP & filho, Carteiro, Mocho Atento e O meu Olhar um galhardete da imortal e galharda Associação Naval 1º de Maio, agremiação mais que centenária e anterior (desculpem lá mais esta) ao "glorioso" derrotado de ontem...

O Carteiro, que passou por Coimbra, recordará sem dúvida a velha citação do Palito Métrico: nos quoque gens sumus et bene cavalgare sabemus...

ficam de fora os camaradas Simas Santos, Kamikaze e JSC por óbvias razões. Mas basta-lhes esperar que a Naval está aí fresquinha para os receber. 
E se a "loucura da sorte" nos for adversa (e é-o tantas vezes...) não há crise. Em Buarcos e seus arredores estamos habituados a tudo, mormente naufrágios, maremotos e terramotos e isso tornou-nos pacientes: alguma vez será...  


21 outubro 2008

missanga a pataco 61


Já que estão com
a mão na massa

Daqui a dois anos celebra-se o primeiro centenário da República. Parece que se preparam grandes festejos ou pelo menos é isso que é permitido pensar dada a gigantesca comissão já nomeada.
Nunca fui um especial entusiasta de comemorações deste teor mas percebo bem que haja quem sinta uma imperiosa necessidade de se proclamar republicano. O republicanismo está ainda associado a uma certa ideia de defesa de ideais de igualdade, solidariedade e justiça social. Convenhamos que as coisas nem sempre se passam assim e que a República, mesmo a !ª (1910-1926) andou muitas vezes longe destes desideratos. O Partido Democrático avassaladoramente maioritário durante este período não foi um amigo dos sindicatos, dos trabalhadores para não falar das mulheres e dos camponeses. E para não falar sobretudo do clero, da maioria católica que não só se sentiram atingidos pela perda de privilégios extravagantes mas também pela tenaz perseguição que a ala mais radicado novo regime levava a cabo contra os “talassas”, os monárquicos e os crentes habilmente amalgamados pela propaganda republica numa imensa conspiração restauracionista que, como na fábula do rapaz e do lobo, acabou em 1926 por se tornar real. Ou melhor: o golpe de Gomes da Costa é sobretudo obra de republicanos, como são republicanos muitos dos mais influentes dirigentes do regime que se lhe seguiu.
Devia, julgo, poder fazer-se agora a história desapaixonada desse período com as suas grandezas e... com as suas misérias. Foi isso que um grupo de monárquicos veio solicitar há pouco e é isso que a ética republicana, pelo menos como a entendo, exige. Não se trata de, mais uma vez, pedir umas estúpidas desculpas, que nada significam e que nada resolvem, mas apenas de fazer finalmente a história de uma época que a imensa maioria dos portugueses desconhece e que, por exemplo, um museu como o da república, omite.
Sob pena de, não o fazendo, levar a água ao moinho dos adversários da Republica ( e muitas vezes da liberdade) a quem as roupagens de vítima favorecem.
Há pouco tempo, um desses concursos populares, deu a Salazar o estranho e inesperado título de português mais popular e importante do século passado. Suponho que Afonso Costa nem sequer aparece citado na lista das personalidades marcantes. Isto diz muito sobre o desconhecimento da República.
Consta, porém, que há uma opinião bastante generalizada que remete a história e a critica das misérias da República para os seus adversários ou para “gente do género Vasco Pulido Valente”. Trata-se , a ser verdade, de uma burrice supina seja qual for o ponto de vista que se adopte. À uma, o dever do historiador é a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade. Depois, VPV é seguramente um historiador brilhante irredutível a géneros sejam eles quais forem. Terceiro, voltar a tentar escrever piedosas hagiografias da Primeira República, é um erro palmar que não só não ajuda a comprender a época mas, sobretudo, nos remete para o que de mais torpe e canalha se herdou do salazarismo.
Perceberam ou é preciso fazer um desenho?

12 outubro 2008

Missanga a pataco 60


Danos colaterais

Não sou cristão, sequer religioso. E sinto-me confortável nesta “terra de ninguém” a que nos condenam os que crêem no mais além e que, normalmente, não aceitam que uma pessoa não tenha a “fé” e esteja pois fora da “graça” que, segundo eles é o estado natural do humano.
Feita esta declaração de interesses, não deixa de me impressionar o que actualmente se passa no Iraque. Os cristãos são perseguidos raivosamente e já não tem conta os mortos, os feridos, os emigrados, os fugitivos. A comunidade que há alguns anos contava mais de um milhão de crentes estará reduzida a menos de quinhentos mil.
Nos tempos de Saddam, havia deputados cristãos, empresários cristãos, militares cristãos e mesmo um vice-primeiro ministro cristão.
A intervenção americana levada a cabo por dirigentes radicalmente cristãos, que tinham uma fezada na existência de armas de destruição maciça, conseguiu várias coisas de uma só vez: cresceu a influencia chiita, cresceram as tensão inter-comunitárias, diminuíram drasticamente os direitos das mulheres, ao mesmo tempo que se está cada vez mais perto da imposição pura e simples da “sharia”. Num pais onde a Al Qaeda não só não existia mas sobretudo era mesmo perseguida ou, pelo menos vigiada de perto, agora há dezenas de organizações que dela se reclamam, a imitam e causam os desastres que se conhecem. Entre eles, este, os cristãos passaram a ser identificados com os ocupantes estrangeiros. E a ser perseguidos.
Esta, a igreja caldeia, era a mais antiga igreja cristã existente e, mais do que isso, a única com influência e estatuto num pais árabe (com a excepção do Líbano onde, de resto, começa também a ser problemática – por erros próprios, aliás – a continuidade da igreja maronita.). Corre o risco de desaparecer. E de desaparecer rapidamente.
Não sou, como já disse, cristão. Irritam-me mesmo certas campanhas cristãs, a tentativa de missionação que por vezes ocorre às várias e diversas igrejas cristãs, católica incluída. Todavia, acredito piamente na liberdade, em todas as liberdades, incluindo a de culto. E quando esta é posta em causa, as outras não tardarão a ser igualmente postas em questão. Por isso, enquanto é tempo, aqui deixo este apontamento. E já agora esta pergunta: foi para isto que se invadiu o Iraque ou, como ocorre com as diárias vítimas civis, também aqui estamos em presença de um “efeito colateral”?

* Deveria também citar o que se passa na Índia (Orissa) mas aí a questão põe-se diferentemente. Trata-se sobretudo de luta de classes (não se assustem, almas de Deus) e de castas. São os mais pobres que, de há muito convertidos a uma religião onde ninguém está condenado a ser paria, reivindicam direitos que, obviamente, os possidentes lhes negam. E o ataque aos templos cristãos é apenas um modo de lembrar aos seus crentes que além de párias adoram um deus estrangeiro... Aliás o deus dos antigos colonizadores. Ah, a história repete-se, como dizia o velho Karl. Se se repete...


** a ilustração mostra dois cristãos a fazer umas judiarias a uns mouros. Lembram-se?

24 setembro 2008

Missanga a pataco 59


Ao que consta o FBI vai investigar cerca de cinquenta empresas bancárias e para bancárias americanas. Entre elas todas as que estão na origem da debacle financeira.
Afinal não parece ser assim tão difícil criminalizar o procedimento das Merryl Linch, Freddie Mac ou Fanny Mae.
Para que conste: o principal administrador do Lehman brothers ganhaou 40 milhões de dólares e saiu com um prémio de 13. O da AIG recebeu 68 milhões e o cavalheiro da Merryl Linch 60!
Imaginem o que eles não receberiam se não tivessem levado as respectivas empresas à falência.

24 julho 2008

missanga a pataco 58


As leitoras (e os raros leitores, também) sabem que não gosto de falar de Direito. À uma porque nem sempre o Direito que por aí se usa o é. Depois porque há neste blog gente muito mais preparada para o efeito (Kamikaze, Simas Santos) e muito mais capaz do que eu. E finalmente porque não creio que os problemas que afligem a pátria madrasta se resolvam a golpe de lei, decreto, regulamento & assimilados. Temos leis a mais, confusas e mal feitas algumas, ministros da Justiça que ainda sabem menos do que eu, deputados “peritos” em leis que metem os pés pelas mãos e são culpados de algumas aberrações recentes, para não falar nos muitos profissionais do Direito que “vêem o argueiro no olho do vizinho mas esquecem a tranca no próprio” (se é assim o brocardo...). A Justiça está doente, é provável. Mas são tantos os médicos à sua cabeceira que duvido que ela escape ao arraial de mezinhas que se propõem.
Vem tudo isto a propósito do recurso que umas senhoras procuradoras apresentaram no caso apito dourado. Um juiz entendeu que a senhora Carolina Salgado mentira quanto a um telefonema de que se dizia testemunha. E mandou extrair certidões. E ilibou o senhor Pinto da Costa. Segundo os autos a senhora Carolina estava em Gaia na altura do alegado telefonema feito por Pinto da Costa no Porto. Ora a Sr.ª Procuradora entende que das duas, uma: ou PC contou o telefonema à testemunha Carolina, ou esta conseguiu vir de Gaia ao centro do Porto num ápice ouvindo assim o telefonema. Eu tenho o maior respeito pela Sr.ª Procuradora mas permito-me lembrar que vir de Gaia num pulinho até ao centro do Porto (e resta ainda determinar que centro) é milagre de Fátima desses de tornar Carolina beata ainda mais depressa que Santo António de Lisboa (ou Pádua para as leitoras italianas, se é que as há). Depois, acreditar que Pinto da Costa, galo velho, e com esporões, contaria à amásia os seus telefonemas é forçar uma história. Nos autos, que saiba, nunca Carolina, perdão a senhora Carolina, afirmou que o telefonema lhe fora contado. Ao que se sabe, ela disse que o ouvira em primeira mão ou primeira orelha. Ou seja, a senhora Carolina nunca disse que lhe tinham contado aquela treta.
Mas há esta obsessão por Pinto da Costa a mendigar favores arbitrais depois de ter um campeonato no papo. É caso para se dizer que o diabo do homem pode ser pinto mas é burro. Então, mesmo sem precisar de favores, vai arejar uns tostões só por amor à arte? Para que precisava ele de comprar um árbitro, num jogo que não só já era a feijões mas que sobretudo parecia fácil para o FCP? A Senhora Procuradora terá pensado nisto, na lógica disto, no estranho que é acreditar piamente (na beata Carolina) numa criatura que anda à porra e à maça com Pinto da Costa, e não acreditar no homem, na evidência futebolística e geográfica?
A justiça, desculparão as Senhoras Procuradoras (e aqui o plural vai por via da Drª Maria José Morgado que terá conseguido "descodificar" o telefonema sempre com a ajuda inestimável da Senhora Carolina) não terá mais em que se entreter? Não conviria andar para a frente, por exemplo: investigar outros telefonemas de outros dirigentes para outras personalidades a pedir um árbitrozinho? Ao que parece não faltam casos. E confessados publicamente alto e bom som pelos seus (ir)responsáveis. Será que por não serem do Porto os autores, a corrupção já não é crime? Eu, por mim, estou por tudo desde que as excelentíssimas autoridades assim mo cominem.
Um amigo meu sugeriu-me que pôr em causa a palavra da senhora Carolina é prova de exacerbado machismo. Retorqui se não seria feminismo aceitá-la apesar das incongruências. O meu amigo, sábio e matreiro, mandou-me ler Simone de Beauvoir e declarou que no actual momento histórico o politicamente correcto é aceitar como bom tudo o que for contra o FCP e como mau tudo o que prejudicar outro qualquer clube português.
Sendo um navalista (da Associação Naval 1º de Maio) antigo e exclusivo e detestando por igual os chamados três grandes (enfim o grande e os dois crescidinhos) perguntei se não se poderia mandar o clube da minha terra para a Champions em vez destes já que, assim como assim, tanto vale estar a vinte e tal pontos do primeiro como a trinta ou quarenta. O meu amigo, portista dos quatro costados ameaçou: se persistes nesse mau caminho peço ao Santana Lopes para voltar para a Figueira.
Perante esta ameaça definitiva e crudelíssima, retiro tudo o que se disse acima, entregando-me de baraço no pescoço à piedade indesmentida das Senhoras Procuradoras a quem desde já beijo a fímbria do vestido ou das calças consoante apareçam vestidas. E arrenego do juiz que pôs em causa as declarações da senhora Carolina. Para trás, Satanás!

Vai esta para o meu querido camarada JCP, portista fervoroso, que anda arredado destas lides. Ó homem apareça e diga coisas. Olhe, explique este imbroglio às leitorinhas, V que sabe tudo destes futebóis. Um abraço

22 julho 2008

Missanga a pataco 57

A ignorância atrevida

Acabo de ver um episódio do CSI. Dá-me para as fitas policiais sobretudo quando estou irritado. E hoje estava mas explico depois. De todo o modo o CSI distrai e faz menos mossa do que as mesas redondas da televisão. E muito menos do que os programas de análise desportiva onde se vêm uns tipos muito enfatuados a “cagar sentenças”c sobre futebol. É demais: eles ainda por cima são regiamente pagos para irem dizer umas burrices supinas que disfarçam mal os apetites e lógicas clubistas. É uma gente que não discute. Diz umas coisas a abater mas se repararem depois do paleio de chacha o que fica é o clubezeco a que votaram uma fidelidade canina e sem limites.
Deixemos isso e vamos ao que interessa. Estas séries estrangeiras que são o pão nosso de cada dia são traduzidas com os pés. Com os pés? Com as patas! Anda para aí um bando de tradutores, uma máfia calabresa que não sabe português, não sabe outras línguas e que também tem uma cultura geral digna do actual programa do ensino secundário, a menina dos olhos da senhora ministra (desculpem mas de repente falha-me o nome da criatura).
Hoje um criminoso em série despachava criaturas nova-iorquinas com um versículo do Levítico gravado. Tomava-se por Caronte, o barqueiro. A querida televisão ou quem paga ao tradutor deve desconhecer que não existe em português nenhum Charon em língua portuguesa. A menos que o actual ministro da Cultura (impagável! Inenarrável!) tenha inventado um novo dicionário para suprir a falta dos que ele inocentemente desconhece. Charon en ingliche é Caronte em portuga. Até novas ordens!
Poderia desfiar um rosário de bojardas ouvidas as mais das vezes nos canais temáticos. Mas não vos quero maçar e maçado já estou eu.
Há dias falei aqui numa “venda de livros” que terão sido de um intelectual decente e digno que quis deixar a sua biblioteca a Famalicão. Uma ex-mulher dele deve ter pensado que isso era um desperdício. Vai daí organizou uma venda. Havia gente, ingénua, que pensava que a freguesia escassearia por saberem das vontades últimas do referido intelectual. Parece que não aconteceu a dita escassez. Um bando de urubus leitores (ou nem sequer isso) precipitou-se sobre os livros em saldo e foi um vê que te avias.
Que lhes faça bom proveito. Á barriga, claro, porque cabeças indiferentes não fazem cidadãos cultos.

2 notícias boas de hoje: no país basco caiu o comando "vizcaia" e o sérvio croata Karadzik foi apanhado. Ainda faltam alguns terroristas espanhóis e alguns criminosos de guerra croatas, sérvios ou bósnios. Mas a coisa vai...

18 julho 2008

Missanga a pataco 56

O tempo, versão portuense


Há uns anos entrei na livraria Leitura e o Fernando Fernandes, esse livreiro de mão cheia e coração grande, avisou-se, assim que me viu, que tinha chegado um livro pedido por mim. Nem me dei ao trabalho de perguntar qual. Livros pedidos por mim eram moeda corrente naquela casa. Por mim e por mais um bom quarteirão de fregueses. O Fernando até dizia que nem precisava de ler a imprensa especializada. Bastava pô-la à nossa disposição e nós encarregávamo-nos de fazer a lista dos que interessavam. Claro que lia os boletins bibliográficos de fio a pavio mas isso era outra conversa.
Quando acabei de farejar as novidades, fui pelo livro chegado. Era um livro que eu já tinha seguramente há vários anos. “arterosclesose?”, perguntei-me assustado. Ó Fernando eu já tenho este livro. - Mas Você pediu-o. Tenho aqui o impresso do pedido. Esmagado por mais esta mostra da velhice galopante, saquei-lhe o papel da mão. Era um pedido com onze anos!
Aliviado, passei ao ataque num discurso longo e florido, todo em ponto cruz a gozar com uma livraria que no curto espaço de onze anos satisfazia os pedidos da clientela.
Mas o Fernando, batido nestas e noutras, raposa velha, limitou-se a responder que a livraria Leitura nunca desistia de satisfazer um pedido de um cliente demorasse o tempo que demorasse.

Ora ontem, resolvi passar pelas “Zenoficinas”, alto lugar do restauro de quadros, imagens, documentos, tudo. Se os da Zen, especialmente o Senhor Campos, não souberem, ninguém sabe.
Ia por uns diplomas do meu trisavô Ernst Richard Heinzelmann. O velho senhor, nascido nos alvores do século XIX licenciara-se em Medicina em Berlin, na Universidade Frederico Guilherme aí por 1820. Emigrara para o Brasil onde o Imperador D Pedro lhe concedera em vistoso documento uma “verificação da licenciatura”, com fita verde e branca pendente e selo em caixinha de prata. Isso e dois documentos esfarrapados da “alma mater” berlinense eram os tesouros que mandara restaurar.
O senhor Campos lembrou-se logo. Ah, uns diplomas em latim... Estão aí numa gaveta. Às vezes penso neles mas como ninguém reclama vou-os deixando para trás.
Pois considere a reclamação feita e em tom de ameaça mortal. Essa papelada está cá há um par de anos, retorqui-lhe com ar severo.
Encontrámos os papeis ainda dentro da capa que eu fizera para os guardar. O Senhor Campos jurou-me que os tem prontos antes do fim do mês. E como prova de boa fé e promessa entregou-me o canhoto da encomenda que eu buscara em vão na desordem horrível dos meus papeis. A data de encomenda? 8 de Setembro de 1992!!!

29 junho 2008

Missanga a pataco 55


Indiscutível

Bilhete ao meu amigo João Tunes, navegador solitário do Agualisa 6, um blog que anda por aí a chatear o indígena. Que nunca as mãos lhe doam!

Foi uma grande equipa, caro João, uma equipa e não um somatório de géniosinhos. Uma equipa e não um ajuntamento. Com um treinador que não se esconde atrás de desculpas nem invoca a Virgen del Pilar ou outra do mesmo teor. Foi uma bonita festa, a festa do futebol como a malta gosta, um futebol franco, aberto, prazenteiro, um futebol que a malta pensa que é o mesmo que jogávamos na praia, no recreio da escola, um futebol em que nos esfarrapávamos para ganhar, cuspindo meio pulmão e alegria. Uma equipa que não perdeu um jogo, que não facilitou, que não descansou, que uniu, que deu o litro, o hectolitro, que suou bem suada a camisola. Assim, vale a pena!
E uma palavra para Luís Aragonés a quem tantos e tão poderosos auguravam um mau fim. El viejo mostrou com que lenha se aquece. E deve estar a rir-se como um cabinda à custa dos adversários entocados que lhe juravam pela pele.
A CG esteve aqui a meu lado, a perguntar coisas, coitada, ela de futebol, nicles, um zero à esquerda, nunca deu um chuto numa bola, nunca arreou uma canelada matreira no adversário imbatível, nunca marcou de cabeça, nem sequer um falhanço clamoroso, baliza aberta e bola ao lado... A enteada Ana, uma fanática de sofá, também não, mas teve um namorado que jogava futebol de salão e isso faz dela um oráculo aos olhos da mãe embevecida, queria a derrota da Alemanha porque os germânicos nos mandaram para casa. Não tem razão, fomos nós que mostrámos que devíamos vir para casa ao perder com os suíços. Com os suíços! Arre, porra, que é demais. Depois disso não merecíamos andar a enganar os nossos emigrantes para quem essa vitória seria tudo. Jogadores emigrantes contra trabalhadores emigrantes!
Voltemos aos espanhóis, á malta aqui do lado: assim vale a pena. Não se deve perder nem a feijões, não se deve facilitar, isto é uma coisa muita séria e os milhões que se ganham nos estádios devem ser retribuídos com um futebol profissional, vivo e limpo.
Esperemos que o próximo treinador, as criaturas da FPF, dos Clubes, da Liga, da imprensa esparvoada e sobretudo os jogadores portugueses percebam isto. Só se ganha quando se merece. Só se merece quando se é humilde e persistente.

18 junho 2008

missanga a pataco 55



tantos verões que ela dançou...

Ai Casino Peninsular nesses anos gloriosos em que a infância esmorece e as pernas de uma mulher nos começavam a dizer mais do que um duelo entre o Roy Rogers e vinte maus, armadaos até aos dentes.

Ai anos e anos de salas escuras, a magia do ecran, a música, a dança, Ninotchka, mil outras ninotchkas com mil outros nomes, a graça, a leveza, o júbilo o profissionalismo, a técnica, o feeling, o encantamento, o movimento em estado puro, o movimento puro, o movimento...

Uma mulher destas não morre, é impossível. Uma mulher destas é raptada por dois anjos pícaros, respectivamente Fred Astaire e Gene Kelly, e levada para um palco longínquo onde se produzirá eternamente diante dos seus pares.

Ai Cinema Peninsular, Figueira da Foz anos cinquenta, também eu dancei no escuro, no verão, levado pela mão dessa emoção feita carne que se chamava Cid Charisse.

*o título é uma homenagem a Arne Matsson, autor premiado de "Ela só dançou um Verão" (princípios de cinquenta). E este texto tem um grande destinatário, tão de luto quanto eu: o escultor Manuel Sousa Pereira, é a vida mano, a nossa e a dos nossos amigos...

06 junho 2008

missanga a pataco 54


De cabeça perdida

Cabeça é um modo de falar, a menos que apenas que me queira referir a uma das três antigas partes do corpo.
Mas comecemos por explicar: há no PS uma curiosa criatura, de seu nome José Lello e que é desde sempre um dos mais inúteis ornamentos daquele partido. Este cavalheiro tornou-se vagamente conhecido por, in illo tempore, ser um dos fervorosos adeptos do dr Jaime Gama, era mesmo uma espécie de cabo eleitoral do actual Presidente do Parlamento, ainda me recordo de o ver cerimonioso e serviçal a comboiar Gama numa reunião almoçante de uma coisa que se chamou “esquerda liberal” e onde estive. Fora isso, o homenzinho tornou-se conhecido porque durante um par de Natais oferecia um livro a uns políticos e o título do livrinho pretendia ser uma brincadeira com o alvo da generosidade lelliana. A coisa era mais ou menos inócua, se bem que oferecer livros assim me pareça no mínimo boçal mas gostos são gostos, e os livros são sempre úteis para equilibrar o pé cambo de uma mesa...
Fora isso, o deputado Lello terá sido vagamente secretario de Estado, coisa de que só por pecado de memória forte me lembro porquanto da sua patriótica actividade não resta qualquer fulgor.
Ora bem, foi esta criatura quem, num jornal, entendeu acusar Manuel Alegre de “parasitar o grupo parlamentar” numa reunião ocorrida nos Açores, aproveitando o poeta para lançar um livro ou seja teria viajado às custas do partido para fins eminentemente particulares.
A história é obviamente outra: Alegre lançou nos Açores um livro, encomendado pelo Governo Regional que lhe pagou as deslocações. Ao saber que ele lá estava, o presidente do grupo parlamentar, Alberto Martins convidou a Alegre para a mesa de honra das jornadas e Alegre aceitou. Este uma hora, hora e meia e depois foi ao que vinha.
Isto mesmo foi explicado por Alegre à lelliana criatura. Apanhada em falta total de veracidade, esta retorquiu que, se Alegre fora pago pelos Açores, então parasitara a reunião dos deputados. Isto mesmo depois de saber perfeitamente que Alegre fora convidado a vir até à reunião. E convidado a sentar-se na mesa principal pelo presidente do grupo parlamentar. E que quando finalmente abandonara a reunião e o jantar levara consigo vários membros da direcção parlamentar que quiseram associar-se ao lançamento do livro.
É gente deste teor que inça desde há tempos imemoriais os corredores do poder. Nada os predestinava a isso, excepto a alta ideia que têm de si próprios e a marginal utilidade que o Partido lhes reconhece para tarefas como esta que se relata aqui e que se pode ler mais desenvolvidamente na edição de sexta- feira do Público a pp 10.
Mas perguntar-se-á: a que vem este súbito acicate do ofertador de livros? Pois à falta de argumentos políticos. Incapaz de atacar Alegre politicamente, por segura falta de ideologia e competência, eis que arranja esta historieta de viagens pagas que o não são, de aproveitamento que não existiu, de “atitude muito diferente da postura ética com que (Alegre) gosta de se apresentar”.
E mesmo quando os desmentidos chovem em catadupa, desde os elementos dos Açores, até aos deputados e ao próprio Alegre, eis que Lello suicidariamente persiste virando o bico ao prego, como também se pode ler quer no Público quer junto da Lusa.
Voltemos, porém, um pouco atrás: este benfeitor do comercio livreiro por grosso tornou-se como disse, conhecido, enfim brevíssimamente conhecido, pela tal listinha de livros que oferecia ao um ramalhudo leque de personalidades. E como é que o público babado de admiração sabia disto? Pois, pelos jornais. E quem é que mandava a lista dos livrecos e dos beneficiados para os jornais?
Ele há gente que precisa de ser famoso de qualquer maneira. De todo o modo antes assim do que à maneira de Eróstato...
As consequências do incêndio é que são sempre as mesmas...

* O templo de Artémis em Éfeso.

03 junho 2008

missanga a pataco 53


Chover no molhado

Às vezes uma pessoa sente-se cansada. Ao fim de anos e anos a tentar perceber o mundo em que se move, ou em que a fazem mover-se, verifica que tudo continua na mesma e que os avisos de há quarenta, trinta ou vinte anos foram ouvidos por um lado e esquecidos com mais pressa pelo outro.
Anda tudo zangado com o aumento dos combustíveis, como se tal aumento fosse de hoje, ou não tivesse sido constante de há anos a esta parte. Lembram-se do preço da gasolina antes do Iraque?
Agora os pescadores resolveram fazer greve. Curiosa greve em que fazem de tropa de choque dos armadores. Que levam a sua gentileza ao ponto de despedirem as suas tripulações para que os homens do mar (e de mão) possam acolher-se ao subsídio de desemprego...
É a primeira vez que vejo patrões e assalariados unidos e em greve. Mas que raio de greve é esta que não tem destinatário conhecido e reconhecido? Será contra o engenheiro Sócrates e a pobre criatura que faz de ministro?
Será contra nós consumidores que dia a dia pagamos mais caro o pescado, a gasolina, o leite, o pão, as hipotecas das casas etc., etc.?
Ao que vejo fica mal falar de capitalismo desregrado (como se geralmente este tivesse especiais regras...) do crime das sub-primes, da corrida aos etanóis, da fome no terceiro mundo. Disse fome e repito. Não é de agora mas agora pode piorar porque a corrida aos cereais para produção energética torna as coisas ainda piores.
Umas almas caridosas acharam que três dias sem ir à Galp abastecer a fariam retroceder. De certo modo alguma razão tiveram e aí está o tal cartão Fast com descontos de cinco cêntimos por litro. A Galp é generosa.
Outras almas, “his master’s voice” governamentais, intimam o governo a não ceder, a não recuar por Deus e pela Pátria. Não cedam perante este pequeno problema, vociferam, que isto está no bom caminho. Aliás esteve sempre. Fosse à sombra do “sol da terra” nos anos do PREC ou agora sem prec mas com preços altos.
Se calhar estão na razão: vai começar o futebol e enquanto aquilo durar e os portugas não perderem, a crise passa. Passa? Não passa mas a malta habitua-se. Sempre se habituou. E depois vem o Verão, a praia e a silly season.
E no meio, o governo vai fingir dar qualquer coisinha. Como dizia o príncipe de Lampedusa, é preciso que algo mude para tudo continuar na mesma.
Ah, esquecia-me: vem aí a alta velocidade! Vamos fazer percurso Porto-Lisboa em menos vinte minutos. E mais mil milhões. Ou dez mil. Ou cem mil!
Divirtam-se, comprem uma televisão nova muito digital, um cachecol verde e vermelho e pipocas para ver os jogos.

11 maio 2008

Missanga a pataco 52


Perplexidades de um da Naval (Associação Naval 1º de Maio, se faz favor)

Não percebo nada de futebol. Ou, pelo menos, deste futebol. Sou do tempo em que se dizia off side, back e outras inglesices do mesmo teor. Sou do tempo em que raramente um jogador mudava de clube, ou porque o dinheiro não era o mais importante, ou porque mesmo sendo havia o brio de defender o clube do coração.
E sou da Naval. E de Buarcos. E do futebol na praia, com banho de mar no fim. Enfim, sou um inocente.
Dizem-me que nas decisões agora anunciadas (Porto, Boavista e Leiria, mais um par de árbitros) a prova produzida decorre da intercepção de telefonemas que no processo principal (o famoso Apito Dourado) não terão cabimento por não terem sido obtidas segundo as regras da arte. É assim? Assim mesmo? Ou seja, por não se respeitarem determinados formalismos, a prova cai inexoravelmente até ao ventre da mãe terra ajudada pelo autoclismo legislativo. É assim?
Concorde-se ou não com este excesso formal, ele existe e faz lei. Essa lei, e só essa é a que deve ser aplicada pelos Tribunais. Dura lex sed lex, ou branda lei mas lei e basta!
Não acredito em tribunais de outro tipo, mormente os desportivos. Não acredito em tribunais ou em juízes eleitos, provavelmente porque não sou americano. Aceito mal esses tribunais especiais (a simples palavra arrepia-me, mesmo se não forem “plenários”...Explico-me?) e no caso em apreço só os tolero se a sua disciplina for idêntica aos Tribunais comuns, se a prova produzida correr pelo mesmo caudal que a que se produz nos Tribunais.
Em segundo lugar, repetindo que sou da Naval e de mais nenhum clube, muito menos de qualquer “grande” e jamais do Boavista, meu desagradabilíssimo vizinho, desagradou-me saber pelo noticiário das sete da manhã o que só foi oficial às cinco da tarde. Acho o processo deselegante para não dizer infame. Venha ele de um juiz togado ou dum assistente da faculdade de Direito de Coimbra (a minha faculdade e a minha universidade).
Mais me perturba verificar que afinal o “apito final” se resume a três clubes e não à boa vintena de que toda a gente fala. Então a corrupção é assim tão pouca?
Não vou cair na inocência de pensar que um clube que ganha (no mesmo ano da tentativa de corromper árbitros) o campeonato português, o da Europa e o do Mundo andasse a tentar ganhar a dois clubes pequenotes, frangões, mesmo, passe o termo que não pretende ser insultuoso.
Eu, navalista, sei bem que o meu clube é o melhor do mundo. Todavia rir-me-ia a bandeiras despregadas se o senhor Pinto da Costa achasse necessário comprar um árbitro para garantir uma vitória do FCP sobre a gloriosa (e mais antiga, como se sabe) Associação Naval 1º de Maio. Eu sei que somos temidos mas tanto também não, que diabo!
Outra coisa que me suscita alguma perplexidade, pese embora estar do outro lado um jovem assistente que até tem um diploma seguramente maravilhoso em Direito do Desporto (boa piada, em Portugal, esta do direito do desporto numa terra em que o desporto é de bancada e se chama futebol...) é a tal alegação de “coacção”. Eu já disse que não gosto do Boavista, muito menos dos seus dirigentes mas coacção? Coacção é uma palavra grave, carregada de significado que não se pode perder por veredas subtis e imaginativas. Eu ainda me recordo do dr. Santana Lopes (outro que tal) a sportingamente avisar de conspirações em Canal Caveira, ameaçando varrer tudo como numa feira em Fafe (com que ninguém fanfa) ou os eternos dirigentes de outros clubes mal habituados a perder que avisam que vão estar atentos, atentíssimos, que não se responsabilizam pelo que as massas associativas possam fazer quando justamente indignadas pelas barbaridades arbitrais se virem forçada a fazer justiça pelas próprias e inocentes mãozinhas. Nem assim se falou de coacção, pelo que presumo que desta vez a coisa foi mesmo à moda de Chicago dos velhos tempos: “ou marcas uns pennaltys para a malta ou comes...” Uma espécie de Jorge Coelho mais encorpado e menos parlapatão, estão a ver o estilo?
Fico-me por aqui porque não compete a um paisano de Buarcos, navalista, meter-se no curral dos grandes. Todavia mantenho: sinto-me perplexo. Provavelmente é porque não sei o suficiente de futebol e muito menos de Direito. Se for esse o caso, não leiam o que está escrito aí em cima. Se o leram já, esqueçam-no. Se não o esquecerem rezem por mim um Pater e cinco Ave Marias. Se não me servir por demasiado pecador talvez sirva aos da Liga no caso de se verificar que eles meteram o pézinho delicado na argola. Vale?

05 maio 2008

Missanga a pataco 51


O Alentejo, os pobres, Cuba e as cataratas

Está a causar grande escândalo o envio de doentes para Cuba. Vão fazer operação às cataratas. Vão quase cegos, fartos de anos de espera. Chegam lá e, além da operação, são submetidos a check-ups gerais e, como foi possível, hoje, ouvir na televisão, regressam melhor, a ver e tratados de outras maleitas de que padeciam.
Quem me costuma ler sabe bem que não nutro pelo regime cubano qualquer carinho. Acho aquela gente tão detestável quanto qualquer outra tirania, actual ou passada.
Todavia, tenho de me render a uma evidência: as pessoas regressam a ver, satisfeitas, por preços que são acessíveis tanto mais que fazem lá todo o post-operatório.
Parece, contudo, que à Ordem dos Médicos, ao Ministério da Saúde e a mais algumas criaturas cujos interesses me parecem pouco claros, causa espécie esta transumância sanitária .
Comecemos pelo excelso Ministério: de repente entende que é possível fazer o dobro das operações que se faziam até agora. E vai entrar em acordos com hospitais privados para o efeito.
A pergunta inocente é esta: por que é que os não fez antes, tanto mais que, mesmo com as centenas ou milhares de operações em Cuba, havia uma enorme lista de espera? Uma lista que, a avaliar pelas prometidas e actuais metas, dá para cinco anos, sem contabilizar as urgências que irão aparecer inevitavelmente. Porque, ao que me informam, crescerá a procura destes serviços de saúde.
Continuemos pela Ordem: alguma vez questionou o problema? Alguma vez se lembrou de recomendar um sistema análogo ao cubano, rápido e expedito, um sistema que em quinze, vinte dias receba um camião de alentejanos idosos e os devolva sãos e a ver às localidades de origem?
Eu não vou cair na facilidade, maliciosa, ainda por cima, de pensar que à Ordem o que dói é o “cacauzinho” que os seus representados deixam de receber. A Ordem crê firmemente no juramento de Hipócrates e decerto estará disposta a recomendar aos médicos e às clínicas privadas um forte desconto para restituir a saúde ocular aos portugueses pobres.
Deixo para terceiro lugar essas criaturinhas que provavelmente pensam que nisto há uma conspiração bolchevista internacional que transforma cataratas capitalistas em perigosos agentes do Komintern. É a revolução que vencida nas urnas, regressa nas córneas dos operados. Convém prevenir o SEF, a Guarda Fiscal, o SIS, os senhores Ministros da Saúde e da Administração Interna, sem esquecer o da Justiça.
Olho nesta alentejanada vermelhuça e de mau agouro.