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16 junho 2006

Uma dor de alma...


Como confidenciei em anterior post, decidi recentemente vir trabalhar para a capital do império, como o Delfim gosta de dizer.
Instalaram-me num gabinete espaçoso, mas completamente desprovido de mobiliário. Paredes brancas, vazias. Para lá se acarretaram alguns móveis, metálicos, impessoais. Enfim, um desconforto total. Nem ao menos uma carpetezinha, e já não estou a pensar em Arraiolos.
A vista da janela, contudo, reconfortou-me a alma: no lado contrário da rua, estreita, situava-se um espaçoso logradouro de um palacete pombalino. Várias acácias, choupos e palmeiras, para além de trepadeiras com flores multicolores e, para compor ainda melhor o ramalhete, uma nespereira carregadinha de frutos, amarelos, apetecíveis. Os únicos hóspedes do local eram os pássaros, uma vez que, em dois meses e meio, nunca vi vivalma naquele jardim.
A visão daquele quase oásis numa zona de Lisboa onde não se vê uma árvore, acabou por me reconfortar a alma, depressa esquecendo o desconforto do espaço laboral.
Durante estes meses muitas vezes espraiei a vista por aquele espaço, procurando inspiração nas folhas das acácias ou nos frutos da nespereira. Era, quase, o meu jardim privado e secreto, uma vez que, dada a disposição dos prédios e o muro alto, poucos mais o poderiam ver.
Hoje cheguei cedo ao meu gabinete, seriam umas nove horas da manhã. Ainda antes de entrar na garagem, vi que alguma coisa de anormal se passava, Aquela rua, sempre tão sossegada e quase deserta, fervilhava de camiões, tapumes e máquinas e até dois polícias controlavam o trânsito. Depressa percebi que o muro do meu jardim tinha sido esventrado por uma retro escavadora. Quando cheguei à janela do segundo andar, já a nespereira tinha sido arrancada, as trepadeiras cortadas, e um choupo, certamente com mais de um século, estava a ser cortado por uma moto-serra.
Agora, ao final do dia, apenas resta a palmeira que, disse-me a funcionária da portaria - sempre atenta a tudo o que se passa à sua volta - parece que vai ser transplantada para não sei onde.
O dia está cinzento. Chuvisca. A minha alma sente uma dor tão profunda como as raízes do choupo arrancadas a golpes de camartelo.
Eu sei que o metro quadrado de terreno para construção nesta zona de Lisboa deve valer um dinheirão. Sei que os proprietários do terreno têm direito a fazer os seus negócios. Sei também que, daqui a alguns meses, ali estará um daqueles prédios modernos com aspiração e aquecimento central e ar condicionado, talvez até com música ambiente em todas as divisões, incluindo a casa de banho. Mas isso não me enche a alma, não me conforta, nem servirá de abrigo aos pardais e outras aves que, já esta noite, irão procurar poiso noutras paragens.
Uma dor d’alma, meus amigos…

03 junho 2006

As razões de uma ausência ou a história do "vipe" que me passou pela cabeça

Estranham alguns companheiros incursionistas, em anteriores posts e comentários, a ausência de alguns colaboradores, entre eles este vosso Nicodemos.
A minha ausência - quero eu convencer-me disso - terá uma simples explicação: recentemente decidi mudar de emprego e, de profissional liberal passei, num golpe de mágica, ou mais propriamente, de despacho publicado na II série do Díário da República, a - imaginem só - uma espécie de, não sei como dizê-lo, mas digamos, funcionário público. E logo nesta altura em que, ao que consta, os (nos ?) querem mandar para qualquer coisa com um nome esquisito, como quadro de supranumerários ou semelhante, isto provavelmente porque não os podem mandar para outro lado...
E vai daí, é natural que essa mudança tenha provocado algumas alterações na vida deste vosso amigo, uma das quais, e a não menos importante, foi a de ter que passar a viver a quase cem quilómetros de casa.
A experiência de passar a viver em local diferente não é nova, mas estava muito longe de pensar que voltaria a ter a sensação que já experimentara nos anos da tropa, no QG de Évora (ai as migas com pingo...) e, em anos mais recentes, num célebre convento que fica ali para os lados da Estrela, onde também me alistaram durante uns tempos (ali as migas eram outras e, acreditem, ainda mais indigestas).
O fazer a mochilita no início da semana, com a camisinha (sem segundas interpretações, se faz favor...) e a gravatinha, o caos do trânsito, a poluição, o comer na tasca da esquina e, last but not the least, os burocratas encartados(que pululam na capital e são uma das espécies mais nefastas de poluição, só comparável ao gás sarin), causaram alguma perturbação no quotidiano (e também no aparelho digestivo) deste vosso amigo, habituado que estava (pelos vistos mal, senão não tinha mudado) a ir de casa ao trabalho em menos de dois minutos, a comer à mesa com a famelga à uma da tarde e às oito da noite, e a não ter de aturar ninguém, a não ser, de vez em quando, algum cliente mais recalcitrante ou algum juiz mais chato (o que, diga-se, não é nada comparável a ter de aturar um manga de alpaca munido da III série de Diário da República de 1947).
Et voilá, aqui está, preto no branco, as razões da ausência, que se espera temporária, deste vosso humilde escriba.
Mas, cadê os outros ? Também lhes deu na mona armarem-se em parvos e mudar de emprego quando já deviam era estar a pensar na reforma (ou será aposentação ?...)
Vá Ruis, do Carmo e Cardoso, Anto, Forte, Contraverso e tutti quanti têm andado a fazer gazeta: digam também de vossa justiça, dêem notícias. Os leitores do Inc. e este vosso neófito manga de alpaca agradecem...

20 março 2006

50.000 mortos depois...

Segundo a edição online do Expresso, o presidente da Comissão Europeia, Durão, aliás, José Barroso, afirmou que o seu apoio, enquanto primeiro-ministro de Portugal, à invasão do Iraque, resultou de informações que não se vieram a confirmar, eufemismo em que se refugiou para não dizer que foi enganado.

Num programa da RTL, Barroso afirmou o seguinte: «A decisão que tomei, e que muitos governos tomaram, foi baseada em informações que tínhamos recebido e que, depois, não foram confirmadas: que havia armas de destruição maciça; Tínhamos documentos que nos foram dados. Foi com base nessas informações que tomámos aquela decisão».

Segundo se depreende da notícia, o antigo PM não esclareceu quem lhe terá dado essas informações e documentos, mas todos nos lembramos que, depois de uma deslocação a Washington, o antigo PM declarou na AR que estava na posse de documentos que provavam, sem margem para dúvidas, a posse de armas de destruição massiva por parte do Iraque.

Todos nos lembramos, também, de o ver a pôr-se em bicos de pés e de ter arrastado o nome de Portugal para essa aventura belicista, com a famigerada cimeira das Lages.

Na entrevista à RTL o antigo PM não esclareceu se extrairá qualquer consequência do logro em que reconhece ter caido, provocado, subentende-se, pelo seu amigo George, o tal a que ontem o Hugo Chavez chamou os bois pelos nomes.

O José Barroso disse também que «A História fará o balanço".

Eu, no tocante à criatura, há muito que fiz o meu: é preciso descaramento!

17 março 2006

Hoc opus, hic labor est...

Segundo o Diário Notícias de hoje, foi já entregue ao Primeiro-Ministro a versão final do PRACE - Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado. Até ao final do mês o Governo deverá tomar uma decisão.

Este programa, elaborado por uma comissão coordenada pelo Prof. João Bilhim, tem como objectivo aliviar o Estado de muitos organismos inúteis ou duplicados, pelo que envolverá a extinção ou a fusão de muitos deles.

João Bilhim é professor catedrático no Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa e tem um invejável currículo nas áreas das ciências sociais, gestão e administração pública e planeamento.

À primeira vista, o PRACE parece uma iniciativa séria, e altamente louvável, uma vez que só quem não quer é que não vê o estado calamitoso a que chegou a nossa administração pública, resultado de décadas de clientelismo e de laxismo. Todas as iniciativas que possam contribuir para o “emagrecimento” desta administração tentacular e gastadora são, certamente, bem vindas, e isto nada tem a ver com o cliché do neo-liberalismo. Tem só a ver com um mínimo de boa gestão dos recursos públicos.

O DN chama a atenção para uma das propostas que parece mais difícil de levar à prática, que é a substituição dos actuais 18 governos civis por apenas 5 entidades equivalentes, uma em cada NUT de nível II.

Concordo em absoluto.

Os governos civis não servem, hoje, praticamente para mais nada que não seja a emissão de passaportes, actividade que, convenhamos, poderia ser realizada em qualquer loja do cidadão com maior eficiência e comodidade e, certamente, a muito menor custo.

É preciso ter em conta, contudo, que os senhores governadores civis são, salvo raras e honrosas excepções, a nata dos aparelhos partidários, escolhidos apenas em função da sua militância e fidelidade aos líderes partidários. Não são escolhidos em função de quaisquer capacidades ou competências que, de resto, dadas as suas atribuições, também não são minimamente necessárias ou relevantes.

O DN tem razão. Vai ser muito, mas mesmo muito, difícil extinguir estes 18 lugares (mais os chefes de gabinete, adjuntos e assessores, todos oriundos da mesma base de recrutamento) e criar apenas 5 representantes do governo, em sua substituição.

Será numa medida como esta que se verá a têmpera do Primeiro-Ministro.

Quando anda meio mundo, de há um ano para cá, a louvar a coragem do Engº Sócrates, este será um teste decisivo.

Se o PM conseguir extinguir os 18 governos civis, tiro-lhe o chapéu. Mas, sinceramente, não acredito.

A ver vamos…

10 março 2006

A virtude...

E já agora, a propósito da Madre Paula e da carta da prima Ana do MCR, aqui fica uma pequena brincadeira.

O João e o Zé



Dando imagem ao desejo do MCR num post mais abaixo, aqui ficam as imagens destes nossos saudosos amigos, que também tive o gosto de conhecer pessoalmente.

03 março 2006

Vai uma aposta ?...

Em notícia de primeira página, comentada em editoral de Eduardo Dâmaso, afirma-se hoje no DN que um despacho do director da PJ não inclui os crimes económicos, o tráfico de influências e a fraude fiscal nas prioridades daquela polícia para o ano em curso.

Segundo a notícia, a prioridade da PJ para 2006 seria o combate ao terrorismo, não constando dos cinco pontos do despacho de Santos Cabral qualquer referência à criminalidade económica e financeira e à corrupção.

À tarde, o Ministro da Justiça veio negar o teor da notícia, afirmando que o Governo tem tomado "medidas e decisões em relação a pessoas e objectivos que contrariam completamente essa ideia".

Mais tarde, o próprio Santos Cabral emitiu um comunicado em que esclarece que o documento interno da PJ “não define prioridades de investigação criminal”.

Segundo o Público online, “o responsável máximo da PJ desmente assim a notícia do DN de hoje e sublinha que os cinco pontos referidos no despacho em causa dizem respeito apenas "a conceitos com significado preciso".

Esta sucessão de notícias e desmentidos sugere-me alguns comentários:

Primeiro comentário: Parece-me transparecer da notícia do DN uma certa falta de rigor e confusão de conceitos. É claro, todos o sabemos, que o rigor no tratamento dos temas judiciários não abunda propriamente na nossa comunicação social. Todavia, no caso concreto, dada a relativamente boa preparação dos jornalistas do DN nestas matérias, e em especial de Eduardo Dâmaso, não me parece crível que esta aparente confusão entre um despacho de serviço do director da PJ e a polémica definição de prioridades de investigação no âmbito da Lei Quadro de Política Criminal, seja inocente.

Haverá, pois, um objectivo dissimulado atrás da notícia, qual seja, por exemplo, o de criar a ideia de que o governo, por interposta PJ, não está empenhado no combate a certos crimes, nomeadamente à corrupção.

Segundo comentário: a ingenuidade e a confusão podem ser todas minhas e, afinal, o DN e o seu director-adjunto não confundiram nada e o Senhor Ministro da Justiça já definiu as suas prioridades quanto aos crimes a investigar e o director da PJ está já a dar seguimento a essas orientações, tudo isto no silêncio dos gabinetes e ao arrepio da tal LQPC que a Assembleia da República, por proposta do Governo, acabou de aprovar.

Terceiro comentário: Quando, futuramente, a AR aprovar, também por proposta do Governo, a sua resolução sobre as prioridades da investigação criminal (fora do silêncio dos gabinetes), certamente que os crimes económicos e financeiros e a corrupção, especialmente a dos titulares de cargos políticos, estará na linha da frente dessas prioridades. E até aposto que haverá um discurso muito mediatizado de Senhor Primeiro-Ministro sobre o assunto.

Último comentário: Depois da aprovação da resolução atrás referida, também aposto que os meios afectos ao combate à corrupção, designadamente o reforço de meios para o DCIAP, se não diminuírem, continuarão a ser os mesmos.

28 fevereiro 2006

Aromas e sabores de Espanha

Em trabalho no reino dos Algarves nos últimos dias, aproveitou este incursionista, militante mas absentista, o fim-de-semana para dar um salto à vizinha Andaluzia.
Hoje, com a Via do infante e a Autovia do Centenário concluídas, é um saltinho de qualquer ponto do Algarve até Sevilha. Depois, seguindo um pouco mais para sul, sempre em auto-estrada, em menos de uma hora estávamos em Puerto de Santa Maria, para almoçar.
Estive na dúvida entre uns mariscos no Romerijo ou uma carnita no Méson del Assador e acabei por optar por este último. Depois do jamon ibérico, dos morrones assados e da salada, veio para a mesa um pequeno fogareiro, com brasas, para que o próprio cliente possa grelhar o chuleton de buey a seu gosto. A carne estava óptima, tal como os entrantes e as sobremesas. Em vez do vinho, talvez um Rioja, que seria certamente melhor companhia, teve este comensal que se contentar com umas cañas, uma vez que a viagem haveria de prosseguir e não seria interessante qualquer encontro com a Guardia Civil.
O méson estava à cunha e com vasta fila de espera mas, estranhamente, o aroma dominante era o da carne grelhada. Faltava ali qualquer coisa que, às primeiras impressões, não era identificável. Bem, só no final da refeição me apercebi que ninguém fumava na apinhada sala. Era essa, de facto, a grande diferença. A seguir, numa pequena pastelaria onde fomos tomar o café, e que também estava apinhada de gente, a mesma sensação agradável: cheirava apenas a café e bolos e não a tabaco. Aí, em local bem visível, um cartaz chamava a atenção para a proibição de fumar em locais públicos. Ah grande Zapatero, pensei. Quando será que o Sócrates segue os bons exemplos, em vez de se entreter com fogo-de-vista ? É verdade que também me lembrei do nosso Carteiro e de um seu post sobre a liberdade de fumar, mas neste aspecto não tenho qualquer hesitação: proibição do fumo em lugares públicos, Já !
À noite, no hotel em Marbella e, no dia seguinte, às portas da Mesquita-Catedral de Córdova (de que nos falava num post recente o nosso prestimoso Marcelo), a mesma agradável sensação do cheiro a comida nos restaurantes. Aqui, na cave sem grande arejamento do Rafaé, mesmo para quem, como eu, detesta o cheiro a fritos, o aroma tornava-se agradável, pois cheirava a chipirones, a boquerones, a pimentos del piquillo, a gambas al ajillo e a outras coisas boas, e não a tabaco, alcatrão ou nicotina.
Parece que a lei, antes de entrar em vigor, em Janeiro deste ano, foi muito contestada e havia quem vaticinasse que nunca seria cumprida. Dois meses bastaram para demonstrar que, pelo menos aparentemente e pela curta amostra que me foi dada ver, a lei está a ser cumprida, sem grandes sobressaltos e com manifesta vantagem para a saúde de nuestros hermanos.
Vamos lá ver se, como diz o ditado, os bons exemplos frutificam.

13 fevereiro 2006

Por uma vez estou de acordo com ele...

Saddam Hussein enters courtroom at start of latest trial session shouting "Down with Bush." Watch CNN or log on to http://edition.cnn.com for the latest news.

22 novembro 2005

E no entanto, lá por fora...

O Canadá adopta medidas de transparência. O ministério da Justiça canadiano adoptou uma série de medidas para melhorar o seu sistema de nomeações de magistrados federais. Uma das mais marcantes será a instauração de um Código de Ética dirigido aos membros dos comités que examinam as candidaturas de quem pretende ocupar um lugar de juiz. Outra medida foi a publicação de uma lista de linhas de orientação que deverão governar a participação dos membros do comité consultivo nos processos. A nomeação dos juízes canadianos é feita a partir de uma avaliação meritória. O ministro da Justiça Canadiano considera apenas para nomeação os magistrados que são recomendados ou fortemente recomendados por estes comités, constituídos essencialmente por cidadão não ligados à actividade judicial.

06 novembro 2005

Aprender com os erros alheios

Ontem não consegui aceder ao Incursões, apesar de conseguir entrar em tudo o que era blog ou site. Hoje quis comentar o post do Carteiro sobre as defesas oficiosas, e não consegui. Agora é este irritante espaço entre o título e o texto, que nenhuma tecla consegue reduzir. Tudo isto deve ser já o choque tecnológico a actuar em força, tal com a Kamikase já o sentiu com os acentos (gráficos, não dos nossos venerandos). Mas, adiante... O meu comentário era, mais ou menos, este:
O problema do Alberto Costa não é, como às vezes se ouve, um problema de inabilidade para explicar as suas ideias. É, muito pelo contrário, um simples caso de utilização da demagogia para fazer passar as suas medidas junto da opinião pública. Tal como no caso das férias judiciais, esta história das defesas oficiosas demonstra-o bem.
É óbvio, para quem anda pelos tribunais, que existem boas e más defesas oficiosas. A situação de defesas com uma só frase existe, e é deplorável, assim como há quem se empenhe a sério na defesa, como o faria com qualquer cliente.
Nas férias era a mesma coisa. Há magistrados que aproveitam as férias judiciais de forma muito útil para a função e outros que as utilizam apenas como período de descanso.
O ministro, contudo, num caso e noutro, não cuidou de fazer a distinção. E não o fez, não por ser estúpido, ou inábil, mas pura e simplesmente porque não lhe convinha. Imagine-se, se a explicação para as medidas tivesse sido esta: "Apesar de haver magistrados que trabalham durante as férias judiciais para despachar processos complicados, que não podem ser devidamente apreciados durante o tempo normal de serviço pelo facto de lhes estar distribuido um número excessivo de processos, e não obsatante isto não ser assim para todos, decidimos reduzir para metade as férias judiciais"; ou, quanto às defesas: "Apesar de haver advogados que se esforçam por fazer sempre a melhor defesa possível, não distinguindo defesa oficiosa de defesa de clientes, não obstante isto não se poder aplicar a todos, e apesar das defesas oficiosas serem mal pagas e com meses ou anos de atraso, decidimos reduzir para metade as verbas destinadas a apoio judiciário".
É claro que uma explicação deste tipo não produziria o efeito desejado junto da turba ululante.
Assim, o ministro preocupou-se apenas em referir as situações negativas, esquecendo as positivas, de modo a ser aplaudido pela opinião pública. Ou seja, não hesitou em agravar uns milhares, para tentar agradar a milhões.
Como táctica, não está mal. Como estratégia, parece-me um desastre, pois conseguiu indispor contra si os profissionais forenses, uns após outros, apesar da eventual bondade das medidas.
Com isto ganhou adversários em cada esquina e, como o futuro se encarregará de demonstrar, terá muito maior dificuldade em levar à prática as reformas de que o sistema de justiça necessita.
Uma última nota, pois é conveniente aprender com os erros alheios. Aquando do episódio das férias judiciais, os sindicatos reagiram da pior forma possível. Levantaram-se em uníssono contra a medida anunciada, sem ter em conta a necessidade de esclarecer a opinião pública do mais óbvio, isto é, da distinção entre férias judiciais e férias dos magistrados. Quando deram pelo erro já era tarde demais, pois a opinião pública já assumira que os "malandros" apenas queriam ter mais tempo de descanso que o comum do mortais. De nada valeu a exigência seguinte, de poderem gozar 22 dias úteis em qualquer período do ano. O próprio efeito da reacção às medidas seguintes (serviços de saúde, congelamento de carreiras), como a greve, veio a ser fortemente limitado por aquele "pecado original", pois na opinião pública continuou a persistir a ideia que tudo não passava de mera reacção à redução das férias.
Espero que a Ordem dos Advogados não caia na mesmo erro e que aproveite o momento para esclarecer algumas coisas: primeiro, que o ministro tem razão em relação a alguns profissionais, mas não tem razão em relação a todos; segundo, que os dinheiros públicos para pagamento do apoio judiciário devem ser geridos de forma criteriosa, e não como até aqui os governos o têm feito, devendo servir para pagar, a tempo e horas, bons serviço e não maus serviços; terceiro, que se impõe a alteração imediata da lei do apoio judiciário, de foma a garantir o cumprimento do direito constitucional de acesso à justiça, revisão que não pode deixar de contar com a participação dos advogados.

02 novembro 2005

Reviver o passado em Macau

A entrevista de José António Barreiros publicada no último “O Independente” e os comentários que se lhe seguiram, em que se falou de Macau, televisão, Emaudio, etc., fizeram-me procurar um exemplar do livro de Rui Mateus, esquecido desde 1996 numa estante e que só agora vim a ler.

O livro contém estórias muito interessantes, escritas por um protagonista de muitos acontecimentos ainda hoje mal explicados.

É uma leitura interessante, principalmente neste período pre-eleitoral.

Sobre o nascimento da Emaudio, transcrevo alguns excertos que me parecem elucidativos.

(...) No dia 17 de Fevereiro encontrar-me-ia, como combinado, em casa de Mário Soares onde Ivanka Corti era convidada para o almoço. Ali, embora ainda sob a emoção da vitória, Soares explicaria que tinha ideia de aproveitar os recursos de algumas fundações partidárias que lhe eram afectas, para participar na tão falada privatização dos meios de comunicação social e abertura da TV ao sector privado. Queria primeiro melhor estudar o assunto, mas desde logo pediria à convidada italiana que transmitisse um convite seu a Silvio Berlusconni para vir a Portugal. Este não perderia tempo e chegaria pouco tempo depois a Lisboa, no seu avião pessoal acompanhado de Ivana Corti. Estava disposto a associar-se ao grupo do Presidente Mário soares se isso, estou convencido, lhe pudesse trazer mais benefícios que investimentos. Antes do jantar, no Palácio de Belém, os seus técnicos seriam autorizados a montar ali uma espécie de mini-estúdio de TV com equipamento, para a altura ultra-sofisticado, que trouxera consigo no avião. Depois da refeição demonstraria até altas horas o seu “produto” ao Presidente da República e aos seus convidados portugueses, os quais viriam a constituir o grupo Emaudio.
Na reunião que teria lugar na sua casa de campo em Nafarros, Soares reuniria os elementos escolhidos para formar o grupo, a quem explicaria os objectivos. O seu filho, que até então vivera numa relativa obscuridade política (...). Almeida Santos, a quem competiria a orientação jurídica do projecto, era desde há muito o braço direito de Soares. Bernardino Gomes, que anos antes tinha definido as “regras” para a viabilidade das empresas ligadas ao PS. Carlos Melancia, homem da sua máxima confiança e reconhecido pela sua competência técnica (...). Raúl Junqueiro, muito ligado a Melancia (...). Menano do Amaral (...). João Tito de Morais (...). Eu seria o oitavo elemento escolhido em virtude de deter a presidência da FRI, que assumira por sugestão de Mário Soares após a sua eleição.
(...) Entretanto Em Lisboa, no dia 18 de março de 1987, tinha sido constituida na avenida Antónuiio Augusto de Aguiar, na sede da Fundação de Realações Internacionais, a Emaudio, S.A., Sociedade de Empreendimentos Audio Visuais para ir ao encontro dos acordos que estávamos em vias de concretizar coma News International de Rupert Murdoch.
(...) Cada um de nós teria direito a receber graciosamente cinco por cento do capital do que a empresa viesse a ser, como remuneração pela nossa contribuição pessoal para o projecto. Cinco por cento do que viesse a ser o valor da empresa e não 5% de cinco mil contos. Os restantes 60% ficariam em meu nome, enquanto presidente da FRI e na qualidade de fiel depositário dos interesses do projecto político de Mário Soares, a ser desenvolvido por intermédio daquela fundação e que tinha dois grandes vectores: reconquistar o PS para a área “soarista” e ser reeleito Presidente da República em 1991. Ou vice-versa. Não sei bem !

Rui Mateus – Publicações Dom Quixote – pág. 289/296


27 junho 2005

Isenção e PGR

Três posts do nosso estimado Carteiro ( rodriguinhos, provocação da populaça e segredos pouco secretos ) abordaram temas actuais da justiça e suscitaram uma multiplicidade de comentários muitíssimo interessantes, que se espraiaram sobre várias matérias. Tentando repescar o debate e centrando-me apenas numa dessas matérias - o papel do PGR - seguem-se algumas reflexões, tão sintéticas quanto possível.
Fala-nos o Carteiro numa putativa tentativa de substituição do PGR antes do final do mandato. Não sei se essa tentativa existiu ou não, mas a questão merece uma madura reflexão. Uma questão fundamental, na minha óptica, é saber para que serve o PGR e qual deve ser o seu perfil.
Quanto a mim, o PGR, enquanto máximo dirigente do MP, deve reunir duas condições fundamentais: primeiro, ser um coordenador eficaz da máquina; depois, ser isento e impermeável a pressões externas, designadamente do poder político.
Quanto ao preenchimento da primeira condição, não depende apenas do indivíduo, uma vez a nossa arquitectura constitucional estabeleceu um sistema de pesos e contrapesos que, por vezes, não são fáceis de gerir.
Quanto ao segundo requisito – a independência – é uma condição absolutamente fundamental e, aí, dependerá mais do indivíduo do que das circunstâncias. Tenho para mim que o actual PGR preenche inteiramente o segundo requisito, mas experimenta muitas dificuldades na vertente da direcção do MP, ao contrário, aliás, do seu antecessor que era conhecido por dirigir a máquina com grande eficácia.
A direcção do MP, contudo, não deve ser confundida com um intervencionismo excessivo na vida de todos e de cada um dos sectores e agentes do MP e, por exemplo, a avocação de inquéritos, deve ter um carácter excepcional e não o objectivo de cercear quaisquer investigações. Ou seja, o PGR deve ser um garante da eficácia mas, simultaneamente, da autonomia interna do MP.
Neste aspecto, tenho para mim que Souto Moura tem cumprido satisfatoriamente, não concordando com os ilustres comentadores que afirmam que ele “não pôs ordem no MP” ou que é apenas uma figura decorativa.
O grande problema de Souto Moura é ter-se fechado demasiado num inner circle de meia dúzia de hierarcas, pouco dados à mudança e que pensam, erradamente, que escondendo-se numa espécie de casulo poderão resistir melhor às investidas externas.
Esta insuficiência, contudo, é ultrapassável e os próximos tempos dirão se Souto Moura compreendeu ou não as lições dos recentes acontecimentos que eu, confesso mais uma vez, não sei se foram acontecimentos ou não.
A grande vantagem de Souto Moura, por outro lado, reside na sua capacidade de resistir a pressões externas. Não que as enfrente de peito aberto, que o seu feitio afável não estará para aí virado mas, com maior ou menor subtileza, o que interessa é que, na prática, tem sabido resistir a elas, como o demonstra o caso Casa Pia que o próprio classificou como case study.
Esta impermeabilidade de Souto Moura valeu-lhe a hostilidade de boa parte da classe política, designadamente do actual poder socialista. Daí que a tentativa do seu afastamento, se não foi já tentada da forma descrita nos posts, não deixará de se colocar mais cedo ou mais tarde, no limite em Setembro de 2006 quando terminar o mandato.
Não me desagrada a ideia, referida por alguns comentadores, que o próximo PGR pudesse ser um não magistrado, como forma de abrir mais o MP à sociedade e combater mais eficazmente certos afloramentos corporativos que muitas vezes se verificam. Contudo, receio que, no contexto em que nos movemos, com uma excessiva partidarização da vida política, seja missão impossível esperar que um “civil”, qualquer que ele seja, nomeado pelo poder político, consiga reunir as qualidades de isenção e de impermeabilidade a pressões que o cargo exige.
Assim, apesar de todas as dificuldades e insuficiências de Souto Moura, penso que é preferível apostar no certo, do que embarcar em aventuras de que se desconhece a saída.
É por isso que, em minha opinião, nos tempos conturbados que se avizinham, é uma tarefa patriótica apoiar a recondução do Dr. Souto de Moura como Procurador-Geral da República.

01 junho 2005

Antiguidade e mérito

Pegando no seguinte comentário de Killer a um post anterior:

"(...)Só quando nos tribunais - Magistrados e funcionários -, for instituída a Méritocracia, de que tanto fala o Dr. Pacheco Pereira, onde a excelência seja distinguida da mediocridade, em vez da visão igualitária das coisas, que se verifica actualmente ( quer trabalhem muito quer trabalhem pouco, são todos iguais; ganham o mesmo ao fim do mês e têm a mesma progressão na carreira ), se poderá pensar na qualidade e na celeridade da justiça.",

lanço a seguinte provocação:

Como reagiriam os nossos magistrados a uma progressão na carreira baseada exclusivamente no mérito e não na antiguidade e mérito, como hoje existe ?

25 maio 2005

Seisvirgulaoitentaetrês

Acompanhei esta manhã a visita do Senhor Ministro da Justiça a um dos centros de reeducação de menores, geridos pelo IRS (...não, é o outro, o Instituto de Reinserção Social).
O Centro conta com modelares instalações, nas quais não faltam piscina e picadeiro e estábulo com vários cavalos, para aulas de equitação. Nele trabalham 31 funcionários administrativos, de todas as categorias, desde director e sub-director a tratador de cavalos. Para além destes 31 administrativos, conta ainda com a indispensável colaboração de 9 professores, médico e até um sacerdote, embora estes últimos não trabalhem ali a tempo integral. Ao todo são mais de 50 (cinquenta) funcionários e prestadores de serviços que, diariamente, ali labutam de forma esforçada, em prol da reinserção social de jovens que, por uma razão ou por outra, se desviaram das normas sociais estabelecidas ou, como dirá o sacerdote, que pecaram.
Um último pormenor: estão internados neste centro 9 (nove) jovens.

22 maio 2005

Processo criminal / Crimes excluídos do segredo de justiça / Brasil

17 de Maio de 2005. - Projeto de Lei 4892/05 determina que todo processo criminal, que trate dos crimes contra a vida, tráfico de drogas, prostituição infantil e tráfico de seres humanos, jamais corram em segredo de justiça.

O objetivo do projeto é tentar acabar com a influência política e econômica de grupos organizados.

http://www.camara.gov.br; http://www.direitovivo.com.br

15 maio 2005

Um contributo para aumentar a qualidade e a celeridade da justiça

A Associação Forense do Oeste reuniu no sábado passado, em Torres Vedras, para discutir algumas propostas a apresentar ao Ministro da Justiça, numa audiência já agendada para o próximo dia 23.
Para além dos associados, estiveram presentes os presidentes do CDL da Ordem dos Advogados e do Sindicato dos Oficiais de Justiça.
Das conclusões do encontro saliento, muito resumidamente, as seguintes ideias-chave:

Sendo manifesto que os tribunais, com o seu actual modelo organizacional, não conseguem responder às solicitações dos cidadãos, há que repensar as suas regras de funcionamento. A afectação de mais meios para o sector da justiça seria, certamente, uma forma rápida de alcançar maior eficácia: o reforço substancial do orçamento do ministério que permitisse a introdução no sistema de um maior número de magistrados e de funcionários e a criação de mais tribunais, permitiria atingir, se não uma maior qualidade, pelo menos uma maior celeridade na tramitação dos processos e no descongestionamento dos tribunais. Contudo, existe a consciência de que a política de contenção orçamental que, pensa-se, irá ser prosseguida, impede que as soluções possam ser encontradas por essa via, ou seja, pela política do reforço dos meios. Há, pois, que encontrar formas imaginativas de, com os meios existentes, fazer mais e melhor.

O aumento a produtividade dos tribunais passa pela especialização e pela formação permanente.

No capítulo da especialização, a AFO irá propor a realização de uma experiência-piloto, no círculo judicial de Caldas da Rainha, nos seguintes termos: mantendo as actuais quatro comarcas (Caldas da Rainha, Peniche, Rio Maior e Bombarral) e o mesmo quadro de magistrados e de funcionários, serão transformados em juízos criminais, cíveis, e de família e menores, os actuais oito juízos de competência genérica existentes, onde seriam redistribuídos os 15 juizes actualmente em funções. Esta alteração permitiria também deslocar para a sede do círculo 7 magistrados do MP, de forma a criar um DIAP de círculo. Esta experiência seria devidamente monitorizada e, ao fim de algum tempo, seria feita a avaliação dos resultados, com vista à sua eventual consagração em lei aplicável a todo o país.

No campo de formação a AFO propõe-se organizar, periodicamente, com o apoio dos conselhos superiores, CEJ e Ordem dos Advogados, acções de formação profissional destinadas a todos os operadores judiciários do círculo em conjunto, nomeadamente juizes, magistrados do Ministério Público e advogados, permitindo economias de escala no aproveitamento dos meios de formação já existentes, aproximando a formação dos destinatários e permitindo mobilizar apoios da própria sociedade, como escolas, autarquias e empresas.

12 maio 2005

Reforma da acção executiva

Proposta do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, de medidas urgentes com vista à reforma da acção executiva:

- Classificação dos títulos no requerimento executivo, pelo mandatário do exequente, como estando ou não sujeitos a despacho prévio, evitando assim essa análise pela secretaria;

- Nos casos em que não existe necessidade de despacho prévio, entrega directa da cópia do requerimento executivo pelo mandatário do exequente ao solicitador de execução, logo depois da distribuição;

- Clarificação do papel do exequente como responsável pela condução do processo executivo, prevendo as formas de relação directa entre o mandatário do exequente e o solicitador de execução;

- Atribuição ao mandatário do exequente da possibilidade de realizar determinados actos nos casos em que o solicitador de execução não os pratique nos prazos previstos no Código de Processo Civil;

- Clarificação da possibilidade do executado ser constituído depositário na penhora de recheios de habitação (bens móveis), evitando custos que inviabilizam a diligência nos casos de valor mais reduzido e possibilitando a venda com a posterior entrega dos mesmos pelo executado ao adquirente.

10 maio 2005

PRÓS E CONTRAS

O debate sobre Justiça transmitido ontem no progama Prós e Contras da RTP 1, foi, apesar de tudo, interessante. Alberto Costa, agora um pouco mais por dentro de alguns dos temas relativos ao seu ministério, não conseguiu esconder o seu nervosismo e uma atitude demasiado crispada. Foi possível vislumbrar, na sua intervenção, juntamente com um misto de demagogia e convicção, também uma certa vontade de contrariar o que, timidamente, o PGR ia tentando dizer. Este, como sempre pouco claro e incisivo, deu a ideia de estar mal no seu papel. Os representantes dos sindicatos perderam-se com questões menores, como a das famigeradas férias judiciais, e falharam uma oportunidade de denunciar abertamente as fragilidades do sistema e as más condições de trabalho nos tribunais. O ex-secretário de Estado Paulo Rangel não esteve mal, mas demasiado defensivo e o José Lamego foi como se lá não estivesse. Salvou-se, quanto a mim, o Prof. Boaventura, com intervenções oportunas e que denotam conhecimento dos problemas.
Estas apreciações permitem-me concluir que, em qualquer modelo em crise, as melhores soluções provêm de quem está de fora, pois tem capacidade para pensar e agir de forma lógica e racional e menos apaixonada.
Um último apontamento: desenganem-se os que pensam que a polémica das férias judiciais foi lançada pelo governo de forma desastrada e pouco habilidosa. Pelo contrário. O tema foi escolhido a dedo e de forma a provocar, necessariamente, as reacções que provocou. As greves de zelo e outras medidas semelhantes, só servirão para dar ainda maior amplitude a essa manobra e fazer perdurar os seus efeitos junto da opinião pública.

29 abril 2005

REORGANIZAÇÃO DO MAPA JUDICIÁRIO - III

O investimento na Justiça poderá não significar um acréscimo no Orçamento do Estado: bastará racionalizar os meios já existentes.

A especialização poderá ser feita, fora das grandes cidades por Círculo Judicial. Tal especialização poderá trazer uma maior celeridade à resolução dos conflitos e uma melhor qualidade na aplicação da Justiça. Acontece em vários círculos Judiciais coexistirem Tribunais completamente “afundados” com mais de 3.000 processos enquanto a 30 ou 50 Km existem outros com 1.000. Todos a funcionarem em competência genérica, todos tribunais da mesma categoria, o que significa que dentro duma mesma comunidade urbana cidadãos que moram a uma curta distância (às vezes tão curta como a dos limites que separam um concelho de outro) podem uns esperar anos pela resolução dum conflito e outros ver o litígio dirimido dentro do prazo legal.

Ora, se dento dum determinado círculo judicial se determinasse que cada um dos tribunais funcionaria de forma especializada, sediando-se num o Tribunal do foro cível, noutro o Tribunal do foro penal, noutro o do Tribunal do foro executivo e noutros o Tribunal de família e o Tribunal de Instrução Criminal, podere-se-ía com o mesmo número de magistrados e de funcionários reorganizar de forma racional os recursos humanos bem como os meios logísticos para uma funcionalidade mais racional.

Tome-se por exemplo o Círculo Judicial de Caldas da Rainha: no tribunal sede de comarca existem três juízos. Cada um tem cerca de 3.500 processos, em competência genérica. O Tribunal de Peniche, que fica a cerca de 40 Km da sede do círculo tem dois juízos cada um dos quais com cerca 1000 processos por juízo. O tribunal do Rio Maio tem 2 juízos. Cada um deles tem cerca de 800 processos e por fim o Tribunal do Bombarral (este é o único considerado de ingresso) um único juízo com cerca de 1.200 processos. Sublinhe-se que o número de funcionários por secretaria é sensivelmente o mesmo. No Tribunal sede de Comarca existem 3 juizes auxiliares (um por cada juízo), dois juizes de círculo e um Juiz de Instrução Criminal. Existe ainda um Tribunal especializado: o de Trabalho, com um único juiz titular.

Ora, tendo em consideração o número total de juizes, de procuradores, de procuradores-adjuntos, de funcionários da magistratura judicial e do Ministério Público e o número total de processos no círculo, a especialização permitiria uma justa distribuição de processos por juiz, que naturalmente se especializaria também. Tal especialização seria um salto qualitativo na administração da Justiça.

Evidentemente que tal solução carecia de ser devidamente discutida com toda a comunidade forense, de forma a obter consensos e compromissos, porque a organização judiciária deve ser equacionada em função da individualização concreta da vida. “Compreende-se, e consequência, que um deficiente funcionamento dos tribunais, uma aplicação jurisdicional menos feliz ou inoportuna da lei seja reconduzível à injustiça. E aqui, sublinhe-se, a injustiça da solução concreta rapidamente é tomada como injustiça da ordem jurídica. E num crescente generalizar ascendente, como crise de justiça” .

Numa das suas monumentais obras, Alexandre Herculano afirmou: Querer é quase sempre poder; o que é excessivamente raro é querer.”

No início dum novo ciclo governativo impõe-se irrecusavelmente querer dar o qualitativo na apreciação das questões da Justiça, como forma de garantir a ordem social no Estado Democrático de Direito; mas a ordem social é uma ordem de liberdade; ela propõe-se à vontade colectiva e justifica-se pela sua racionalidade, não se impõe cegamente.

O Direito é um fenómeno humano e social, imprescindível a toda a sociedade, é um elemento essencial da comunidade. Logo inevitavelmente a todos nós afecta e a todos nós diz respeito. Um Direito Justo é a estrela polar de qualquer sistema jurídico.

Assumindo as diferenças que separam os diversos profissionais forenses é possível extrapolar a realidade existente e recriar uma nova realidade pela acção conjugada da imaginação e da razão. Ninguém por si só tem a fórmula mágica que porá fim à tão falada “Crise da Justiça”. Só o debate de ideias pode buscar as soluções “racionais” para uma realidade em transe, desordenada, se não mesmo em caos delirante. È de espírito aberto que se poderão buscar soluções úteis e consensuais.

André Mycho afirmou que o espírito “c’est l’enfant terrible de l’intelligence” , mas já o Estagirita foi considerado pelo Oráculo de Delfos o mais sábio de todos os homens por apenas saber que nada sabia. Por isso a sabedoria é um paradoxo. O homem que mais sabe é aquele que mais reconhece a vastidão da sua ignorância.

Uma viva inteligência de nada serve se não estiver ao serviço de um carácter justo. Mas um relógio não é perfeito quando trabalha rápido, mas sim quando trabalha certo.

Está na hora de acertarmos o nosso relógio, o relógio da JUSTIÇA!


ISABEL BATISTA