31 julho 2006

enquanto nao me meto no carro rumo a Galiza

Parabens Silvia!

Amigo Carteiro, aquele abraço ainda mais especial neste seu dia de aniversário e parabéns por ... ter ido de férias! Pensando no que Vexa escrevia aqui há 1 e 2 anos atrás é caso para dizer: que progressos :)
E olha João, podes ter a certeza que não és so tu que queres brindar pelo teu pai e com ele... e ainda que aqui o champagne seja apenas virtual , vai um brinde com uma imagem algo ambígua, um toque de humor negro que o sol não brilha para todos, como bem lembra o MCR no antecedente postal.



PS 1- Carteiro, espero que os seus níveis de ansiedade baixem durante as férias...então não podia ter esperado mais uma horita e dar-nos a pimazia da lembrança, homem?!
PS 2 - e quem sabe até logo mais, ao sul, nosso "padroeiro" ...

3-euros-3 por cada 15 m

A 3-euros-3 por cada 15 minutos, não estão à espera que eu faça um relatório, pois não? Limito-me a sublinhar que isto é uma roubalheira. Estou no Algarve, pois, no Montechoro, que é o sítio onde poiso quando deixo as coisas para a última hora.

Cheguei já à noite e, por isso, não sei como anda o tempo. Sei apenas que está vento. Espero melhorias para amanhã. Mas, se não houver, paciência. Importante mesmo foi o ter conseguido sair.
Aproveito para informar que já comecei a fazer 46 anos. Não precisam de dar os parabéns, mas obrigado na mesma :-), porque sei que já estão todos a abrir garrafas de champanhe (o João já está a chamar-me convencido). E, pronto, é assim a vida ao preço de 3-euros-3 por cada 15 minutos.
Abraços para todos do carteiro Hermenegildo e do João.

30 julho 2006

antes de ir para férias

Uma das imagens que me persegue desde que tenho idade para pensar é a de um menino de quatro cinco anos com um sobretudo muito bonito e um estrela de David (estrela de seis pontas) na lapela. O menino tem as mãozinhas no ar. Como quem está ameaçado por indizíveis assassinos. Não sei se o menino sobreviveu ao horror dos campos de morte nazis. Sei apenas que essa imagem é a imagem da suprema infâmia. Como uma de hoje: dezenas de corpos de crianças são retirados mortos da cave de um edifício onde, com as mães, também mortas, se escondiam das bombas de Tsahal, o exército de Israel. Até prova em contrário, o desonrado exército de Israel. Entretanto os porta-vozes do governo e do exército de Israel já tentaram desmentir este assassínio de civis. Primeiro disseram que as mulheres e crianças são usadas como escudos pelo Hezbollah. Depois disseram que não se compreende como um ataque feito pela manhã só é tornado público à tarde (como se retirar quatro inteiros andares de cima de uma cave, se fizesse em cinco minutos!...). Finalmente disseram que os mísseis tinham sido dirigidos para um alvo a quatrocentos e sessenta metros (que precisão!!!). Agora, alguém fala em inquérito. Por favor não o façam! Primeiro porque vai concluir-se que foram os terroristas do Hezbollah que os mataram. Ou que foi uma fuga de gás. Ou um depósito de bombas ali mesmo ao lado. Ou...Ou... Depois porque não punirão os assassinos. E muito menos darão vida aos mortos. Respeitem estes, ao menos.
Espero também que a conhecida articulista Esther Muchnik que diariamente defende a outrance o Estado de Israel, não tenha filhos, que tendo-os não sejam crianças, que já o não sendo que estejam longe das bombas, que tendo-os. adultos e perto do local dos combates não sejam atingidos por um míssil fantasma... Ou não o disparem...

A vertigem da biblioteca infinita




A simples visão do exterior da instalação – Book Cell, do eslovaco Matej Kren - que se ergue no átrio do CAM (note-se que não é a da foto, embora seja do mesmo autor) - impressionou-me: aquelas coloridas paredes de livros habilmente sobrepostos, num equilíbrio aparentemente precário, constituía de per se um objecto arquitectónico de impactante beleza.
Não liguei ao aviso que prevenia os incautos dados a vertigens: entrei afoita, que não me penso dada a essas idiosincrasia, nem não sou moça de ficar de fora a ver, e a nesga de luz e cor que se entrevia pela abertura daquela “torre feita de livros” estava programada para atrair mesmo os menos curiosos….
E eis-me inesperada e subitamente quase em desiquilíbrio, pés hesitantes sobre a ficticiamente estreita passagem ladeada de espelhos que, multiplicando até ao infinito essas paredes feitas de sabedoria inerte, pareciam querer atrair-me ou para o abismo daquela espiral de inalcançável conhecimento ou para o infinito de um céu sem horizonte.
Saí assustada, perante a queda consabidamente imaginaria mas ainda assim iminente. E fiquei à espreita pela abertura de saída, pés fora, cabeça dentro, contemplando o impossível sonho de saber.

Por aí

Eu também. Vou por aí, com o meu Joãozito, até ao Sul, ele que queria um boné laranja e com rede, que não conseguimos encontrar.
Comprei uns corsários - esta noite-, eu, que sou um bocado conservador, mas que gosto de viajar com o ar do puto que até podia ir ao festival do Sudoeste (Olá, Mariana, estás bem por aí?). Adolescência maltratada ou a recusa de outras coisas, que tal a recusa do tempo? Vou por aí. Se tiver tempo e um computador por perto, direi o que ando a fazer. Será mau sinal. Sinal de que não consegui desligar (para que estou com isto, se sei que não consigo desligar?).

Agradeço, contudo. O grito de sexta-feira. O final do dia, do prazo e dos prazos. Quase 300 artigos, 100 doumentos? Já nem sei.

29 julho 2006

Conto de uma mulher


Por várias vezes tentou escrever o texto, outro texto, palavras outras. Por muitas vezes saiu da frente do computador e foi sentar-se na poltrona da sala, buscando a forma, o conteúdo do texto que precisava escrever.Algo leve, passageiro. Sabia de uma espécie de ansiedade que a invadia, como se tivesse um compromisso com a escrita. Um compromisso interno, externo, já não conseguia definir bem. Sabia que as fontes para escrever o poema, a prosa, são muitas. Todas ao alcance da mão, da mente. Ao alcance do olhar.
No entanto, apesar disso, apagou todas as vezes o que ia rascunhando.

Não é isso, não é isso, murmurava consigo mesma. Nada sobre o oceano ou a tarde linda lá fora. Nem sobre os flamboyants colorindo o caminho de um vermelho peculiar. Sempre e tudo lugares comuns.E sentava-se novamente em frente à tela branca. As mãos dele por entre a sua blusa e a pele, descendo-lhe pelo corpo, lentamente. Tocando-lhe os seios. A boca na sua nuca. O frisson. Sacudia a cabeça para afastar a memória. E recomeçava a escrever: era uma tarde vazia, a rua...

As palavras dele ao seu ouvido: amo-te, nunca saberás quanto. As palavras dele entrando-lhe pelo peito, gravadas nela. És minha, entendes? Só minha, sabes disso. E segurava-lhe os braços, a carne, abraçava-a com força. O tom trêmulo da voz dele correspondendo ao estremecer dela, à sensação de alguma coisa líquida descendo-lhe pelo corpo, de frio na espinha. O desejo invasivo e uma ternura que nunca sentira. A boca oferecida ao beijo enquanto pendia a cabeça para trás. As palavras dele. És meu amor definitivo, sabes? Nunca mais te deixarei ir. Amo-te, amo-te, amo-te. Para sempre. E ela acreditava. Acreditava e sabia.


Levantou-se e foi à cozinha beber um suco, um café, uma qualquer coisa. Precisava escrever e não queria escrever memórias. Memórias de um tempo há muito passado. Memórias pregadas em si, impressas na sua história. Precisava ver-se livre da memória da paixão, do amor. Ao menos desta intensidade. Precisava reorganizar-se. Era uma mulher que amava a vida, uma mulher apaixonada, e queria de volta a disponibilidade afetiva que um dia tivera. Não queria esquecer a história, o privilégio de a ter vivido, mas apagá-la um tanto. Descer sobre ela véus, fumaça. Nada parecia atenuar essas lembranças nítidas.

Passou pela cozinha e ligou a televisão. A lembrança dele não a deixava. O abraço por trás enquanto faziam qualquer tarefa na cozinha. As mãos nos seus quadris, nas coxas levantando o vestido. Meu amor, amo-te. Nunca esperara por isto. Os corpos fundidos. O desejo dele, fúria e suavidade. As palavras dele. Nunca pensei que amaria novamente, nem que pudesse amar assim. Nunca amei como te amo. Nunca pensei que amaria as tuas palavras. Encantas-me. Fascinas-me. Quero-te minha. Quero-te, sem limites. E ela o amava, sem limites .Os dois conversando depois do amor, a intimidade repartida à meia luz. As pernas, os corpos, plenamente acomodados um no outro, encaixados como peças de um puzzle. Descansados. Sem incômodos. Risos e atenção, carinho. Os livros, os poemas lidos, a música compartida.

Desisto! Escreveu na tela. Desisto. Respirou fundo, rendida.

O ar ou a dor a entrar-lhe no peito.Vencida a resistência, sentou-se na cadeira a chorar um choro manso. A mulher que não esperava mais. Que voara vôos inesperados. Que o amara porque era livre com ele. Que saltara para um abismo de dúvidas sem hesitar. Que o tivera nos braços chorando, o corpo enroscado no dela. Que o tivera em si, perdidos os dois na surpresa de serem um só. Que se perguntara todos os dias porquê. Que construiu todas as hipóteses possíveis. Que conversava todos os dias consigo mesma como se conversasse com ele. Que sabia ser aquele o último amor de sua vida, mas que ainda se dispunha a amar. Que dorme com esses paradoxos. Que ora a um deus – ela que não crê - pela anestesia. Que chora muito baixo para que ninguém perceba e o homem não sinta, apesar da distância, suas lágrimas.


Sentada a mastigar, pedaço a pedaço, o silêncio.


Silvia Chueire

Ok, está bem.

Em resposta a quem nunca tem dúvidas, chamo os reforços

Quando, Sábado passado, abri o Expresso e li a crónica do primo João (Pereira Coutinho), sorri e achei que aquele era o registo, eu que ando farto de lhe dizer que ele tem de voltar ao estilo inicial - corrosivo! Ele costuma olhar-me de soslaio quando lhe digo estas coisas. Mas ouve-me, que eu sou mais velho e, aqui para nós que ninguém nos ouve, talvez tenha sido um dos principais culpados por ele andar ligado aos jornais em vez de ser um desgraçado advogado.

Soube há pouco, por interposta pessoa, que é mesmo assim, e que, por ser corrosivo, foi o mais comentado da edição passada do Expresso. Liguei-lhe há minutos: desce ele, a pé, uma avenida de Lisboa e acrescenta que a semana foi dura. Não deixou a coisa pelo recatângulo e, na sua coluna na Folha de São Paulo, andou a escrever cartas aos terroristas. Milhares de comentários. Também me contou que escreveu sobre a guerra civil de Espanha e comprou uma guerra com o Embaixador. Boa, João! Por aqui, as pessoas não têm dúvidas de que os sionistas são uns bandalhos assassinos. Na minha suprema ignorância, eu tento ser equilibrado e suscitar as minhas dúvidas.
Mas, para os que aqui andam e não têm dúvidas, eu aproveito-me de ti, que também não tens dúvidas. Temos que ser uns para os outros, pá.

Por isso, deixo ficar aqui as palavras iniciais do teu texto na Folha (Ah, e diz ao Alberto Gonçalves que li a crónica dele esta semana na Sábado e que ele está em grande forma. Ainda começo a comprar a revista por causa dele...).

Caros senhores terroristas

Começou a época das manifestações. Leio agora que, só em Londres, milhares de pacifistas saíram à rua para marchar contra a guerra no Oriente Médio. Nada a opôr. Marchar contra a guerra é simpático. Mais ainda: é cómodo. Você pode não saber nada sobre o conflito, nada sobre as razões do conflito, nada sobre as consequências do conflito. Mas é contra. Ser contra é a absolvição do pensamento: uma forma tranquila de colocar a flor na lapela do casaco e mostrar a sua vaidade moral ao mundo. Hitler invadiu a Polônia, exterminou milhões de judeus e procurou subjugar um continente inteiro? O pacifista é contra. Contra quê? Contra tudo: contra Hitler, contra Churchill, contra Roosevelt. Contra Aliados, contra nazistas. E quando os nazistas entram lá em casa e se preparam para matar o pacifista, ele dispara, em tom poético: "Não me mate! Você não vê que eu sou contra?" É provável que o nazista se assuste com a irracionalidade do pacifista e desapareça, correndo.

Capitão: "Eu não mandei você matar o inimigo?
"Soldado: "Sim, meu capitão. Mas ele era contra. Fiquei com medo."

(O resto está na Folha Online)

Do Mar Inquieto - "A bebé perdeu o nome"

«Este é o título da nota final que, com destaque, acompanhou este artigo da edição impressa do Diário de Coimbra de hoje, e que não consta da edição on-line - que passo a transcrever: "A forma como a Comunicação Social abordou este caso mereceu críticas da parte do procurador do Ministério Público. O magistrado lamenta sobretudo o facto de o nome da bebé ter sido "amplamente difundido".Facto um: o nome foi, efectivamente, divulgado, e não deveria ter sido. Torna-se, deste modo, imperioso, fazer "mea culpa". Facto dois: a partir do momento en que o nome se tornou conhecido, seria uma hipocrisia não o divulgar.Facto três: como ontem apelou o procurador, é preciso salvaguardar o futuro desta bebé e, assim, "esquercer" o seu nome. Os textos que constam desta página já o "esqueceram".
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REGISTO, COM MUITO AGRADO, ESTA ATITUDE DO "DIÁRIO DE COIMBRA"!» - conclui o Mar Inquieto.

28 julho 2006

Pois, também já tinha percebido...

A nova geração de mulheres é mais propensa que os homens a perseguir, atacar e abusar psicologicamente dos seus parceiros, segundo um estudo da Universidade de Florida.
«Vemos mulheres em relações, que actuam diferentemente do passado. A natureza da criminalidade mudou nas mulheres e isto reflecte-se também nas relações íntimas», disse Angela Gober, uma criminóloga da Universidade da Florida que dirigiu a investigação.
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Se querem saber mais, leiam no Portugal Diário.

Ora aqui está uma má notícia... para os advogados

O Supremo Tribunal de Justiça recusou declarar inconstitucional a lei que instituiu o encurtamento das férias judiciais. Esta decisão unânime de oito juízes conselheiros surgiu em resposta a um recurso interposto pela Associação Sindical dos Juízes (ASJP) sobre uma deliberação do Conselho Superior da Magistratura (CSM). Os juízes pretendiam que essa deliberação fosse declarada nula por, entre outros argumentos, a lei das férias judiciais violar os princípios da igualdade e proporcionalidade.
Pode ler-se mais no JN desta sexta-feira

Coincidência?

Experimentem por a palavra inglesa FAILURE no Google, façam Pesquisar na web e vejam o que aparece em primeiro lugar. Como exemplo não podia ser melhor…

Bom, aproveito para me despedir já que vou de férias. Umas excelentes férias para todos e que a boa disposição vos acompanhe!...
Um abraço

27 julho 2006

PJ fica no Ministério da Justiça

O secretário de Estado da Justiça, Condes Ribeiro, reafirmou esta tarde, em Lisboa, que a Polícia Judiciária vai ficar na tutela do ministério da Justiça e que o modelo da instituição vai manter-se. A nova lei orgânica vem a público já em Setembro. (...)

Para discutir os vários modelos policias e reconhecer a primazia portuguesa estiveram Nuno Rogério, o jornalista Rui Costa Pinto, o bastonário da Ordem dos Advogados, Rogério Alves, o director nacional da PJ, Alípio Ribeiro, o secretário de Estado Adjunto da Justiça, Condes Ribeiro e Carlos Anjos, Presidente da ASFIC/PJ (Associação sindical dos Funcionários de Investigação Criminal).

(Fonte Portugal Diário)

Juro que este postal não tem nada a ver com o que está abaixo

O Ministério Público (MP) vai ganhar mais poder assim que for aprovado o novo Código de Processo Penal, cujo anteprojecto foi ontem entregue ao ministro da Justiça. Entre outros pormenores, no novo texto saem reforçados os poderes do MP na verificação do trabalho das polícias, na instauração de inquéritos, na constituição de arguidos e na fiscalização das escutas telefónicas.

Também se lê no JN desta 5ª feira

Na altura a coisa também me pareceu esquisita

O Tribunal da Relação de Lisboa considera nula a apreensão de computadores de jornalistas do 24 Horas, no âmbito do inquérito promovido pelo Ministério Público para investigação do chamado caso do "Envelope 9".

Lê-se no JN desta 5ª feira e presumo que em todos os jornais.

26 julho 2006

Todos os nomes

(São Hermenegildo, o mártir)
Eu tenho muitos traumas. Mas há um que me perturba sobremaneira: o nome. Melhor: o facto de não ter nome. Ou melhor ainda: a dificuldade com que os outros enfrentam o facto de eu não ter nome.

Se eu me chamasse Miguel, era Miguel e pronto. Ou Pedro. Ou João. Ou Ernesto. Mas não. Os meus pais, imbuídos do mais são dos sentimentos, olharam para mim quando eu nasci e acharam que eu tinha cara de vagamente Joaquim e de vagamente Manuel. Por não terem tempo para escolher, há que registar-me como Joaquim Manuel. Eles nunca me falaram sobre o assunto, mas eu acho que foi assim. Imagine-se: Joaquim Manuel!

Nos primeiros anos, a coisa resolveu-se com alguma facilidade. Eu era o Quim Manel. Nem só Quim, nem só Manel. E ainda hoje, para os amigos que vêm de então, eu sou o Quim Manel. Para a família também, descontando as minhas tias mais novas que resolveram o trauma com um Manolo.

Quando saí do Marco, achei que não devia ser mais Quim Manel. O Manolo também não me parecia. Mas não fui capaz de optar entre o Joaquim e o Manuel. Usar os dois nomes estava fora de questão, sobretudo porque comecei a escrever nos jornais e assinar com Joaquim Manuel Coutinho Ribeiro ocupava duas linhas. Na dúvida, apontei para Coutinho Ribeiro. Achei que era suficientemente exclusivo para não criar confusões, até porque o meu irmão (que se chama João Célio, mas é o Célio) não estava no segmento.

A partir daí, institucionalizou-se o Coutinho. Passou a ser uma espécie de primeiro nome (com alguma variantes: pequeno Couto, dizia o Fiel; petit Coutain, dizia o Kiki). Fica mal, eu sei, mas foi assim que aconteceu com uma enorme naturalidade. Em Coimbra, eu era o Coutinho. No Porto, também. Para os colegas mais próximos, sou o Coutinho; para os outros, o Coutinho Ribeiro.

Claro que o problema ressurge quando a intimidade se aperta. Os homens não ligam muito a isso, mas as mulheres são mais dadas a esses preciosismos. E quando a intimidade é muita, realmente não fica muito bem um amo-te Coutinho. É pouco poético. Demasiado comercial, eu acho. A minha ex-mulher resolveu o assunto tratando-me por Ni - tal como eu a tratava -, mas isso foi antes de eu ter todos os defeitos do mundo. Agora, para alguma amigas, sou o Joaquim. Para outras o Manuel. Ou só Manel. E há ainda quem queira dar um tom mais íntimo e me trate por Mané. Grrrrr.

O trauma cresce todos os dias. O que é legítimo. E sugere-me uma dúvida: devo mudar de nome? Que tal Hermenegildo? É um nome forte, inconfundível, é nome de comandante. E de santo. E de mártir. Vá, mas deixem-se de coisas: é Hermenegildo e ponto final. Não se lembrem depois de começarem a tratar-me por diminutivos, tipo Gil ou coisas do género, que eu não alinho em palhaçadas.

25 julho 2006

Variações sobre o Verão

O canal Arte passa um filme , melhor dito um western de Richard Fleischer com Robert Mitchum: Bandido ou Bandido Caballero, no original. Já não é o oeste americano mas o México insurrecto. Claro que Mitchum há-de tomar o partido dos zapatistas ou villistas, contra a tropa fandanga que explora a terra miserável. Não tem nada a ver com A Quadrilha Selvagem (The wild Bunch) ou com Os Sete Magníficos. Tem graça que de repente apareceram uns filmes ambientados no México que aparte o facto de terem sempre um yankee como principal figura, já não maltratam os mexicanos. Que eu ainda sou do tempo em que mexicano em western ou era patife ou um serviçal falando uma misturada de espanhol e inglês (Take care, señor! There are many bandidos near the frontera) Até Ford, o Magnífico menosprezou os latinos!
Que recordações entretanto me assaltam. Durante a minha estadia em Lourenço Marques tinha um grupo de amigos com quem ia sempre ao cinema. O nosso dinheiro era escasso de modo que caíamos sempre no Scala um cinema de reprises que tinha a vantagem de só passar filmes de acção e, antes do filme principal, passava um episódio de longuíssimas séries que eram o encanto da malta. Aquilo valia tudo: morria aliás tanta gente por episódio que uma vez fizeram-se as contas da série chamada O Barco Misterioso (um desses vapores de rodas carregado de jogadores, aristocratas do sul cantoras fatais, meninas de saias rodadas e o herói) Eu não sei se terá sido o Magalhães quem teve a ideia de contar os mortos no barco. Mas deve ter sido ele apesar de, no dizer do Dr. Brito, o Magalhães ser a viva personificação da negação da matemática. O caso é que em dois meses a quatro sessões semanais tinham morrido cerca de trezentas pessoas, por quedas ao rio, emaranhados nas fatais rodas, tiros no salão de jogo, facadas em recantos obscuros das cobertas, setas de índios (em pleno Mississipi!!!) para já não falar nos que eram arrebatados por crocodilos de uma espécie que devia ser voadora. Entretanto o barco também conhecia crises próprias, incêndios, caldeira a explodir, agua nos porões, rochas submersas, encalhamentos. Enfim: diversão pura que era ainda mais pura porque o fim de cada episódio nos deixava num suspense horrível e titânico que só passava com o início do episódio seguinte onde afinal a tremenda tragédia se desfazia num par de mortos e num salvamento de última hora.
E depois da série vinha o filme propriamente dito: western, claro, western baratucho, de pacotilha, muito tiro, muito cavalo, pouco sexo, que a América que produzia estes filmes era quase tão puritana quanto o Bush actual. Só que os filmes eram menos perigosos que este cavalheiro. Ao fim de hora e meia a sala iluminava e nós saíamos para um mundo real, colonial a preto branco e mais um par de cores que apesar de tudo era bem melhor que o Iraque actual para já não falar de Beirute. Mas deixemos a actual situação e continuemos nos filmes. De vez em quando para variar apareciam comedias italianas, desde as do Dino Risi até outras menos elaboradas mas que a rapaziada preferia (aos 13, 14 ou 15 anos não se pode ser propriamente um cinéfilo!…): filmes de praia, italianas de fazer parar o transito e uns parolos a tentar cortejá-las. Claro que os cretinos levavam sopa porque entretanto aparecia o verdadeiro galã, pobre mas honrado, e convertia aquele absoluto desparrame de mulher ás virtudes do amor puro, simples e pobre. E a fita acabava com o parvalhão cornudo a olhar para o carro enquanto a bela e o sedutor partiam numa vespa ou numa lambretta, ela bem agarradinha ao condutor, ou pelo menos tão agarrada quanto o permitia a sua anatomia transbordante.
Doutras vezes eram os policiais franceses (Eddie Constantine na pele do agente especial Lemmy Caution, falando um francês absolutamente britânico). Murros, mulheres fatais em negligés vaporosos, gangsters de pacotilha, aventuras com um ligeiríssimo fundo politico.
A Inglaterra anunciava-se sob as cores tolas da série Carry on. Umas comedias que hoje não consigo perceber mas que na época me faziam rir a bandeiras despregadas. Quase tanto como os filmes de Cantinflas, o mexicano magnífico esse actor genial que se chamava Mario Moreno. Tão bom quanto o grandíssimo Totó, falso – mas verdadeiro!, para todos quantos o viram - príncipe Curtis, napolitano universal que só a burrice actual e a miséria cinéfila triunfante (as duas sobrepõem-se) ainda não souberam render a devida homenagem. E não esqueçamos Fernandel esse francês do sul que anunciou outros cómicos posteriores. De todo o modo nesse tempo os cinemas enchiam-se e não se falava de crise. Se calhar era porque o cinema não era monocolor e mono-nacional. Eu que tenho o cinema americano em alta estima desconfio que irá também ele ser vítima do seu êxito. Sem a concorrência europeia o cinema americano estiola e repete-se. Mas deixemos isso, essa metáfora da politica actual, porque estamos no Verão e eu estou aqui para falar de férias e de prazeres simples. E de filmes alemães que também havia. Deixo para os dias outonais o sublime Murnau (cujo nome relembra a vila onde terá crescido e onde os expressionistas se reuniam à sombra da bela Gabrielle Muntner e venho relembrar a lindíssima Maria Schell (ai que paixão !!!) e a Romy Schneider da série Sissi. Claro que vi os filmes da Sissi, quanto mais não fosse porque as namoradinhas não falhavam. Aliás vi quase todos os filmes da Schneider e chorei gordas lágrimas quando morreu, vitima ela também do cinema, da vida, do amor. Quem teve a paciência de aqui chegar, junte-se a mim num comovido pensamento pela bela Romy.
Mas a que vem tudo isto, esta ladainha choramingona de um tempo definitivamente passado e de um cinema que falava línguas variadas mas tinha uma única gramática e um público ávido e inocente? Vem que estamos no Verão, companheiros e amigas, na estação em que, como um editorialista pateta de um jornal de referencia assevera com espanto, se desencadearam guerras. A criatura parece não perceber que ninguém iniciava uma ofensiva quando chovia, nevava, havia lama e os caminhos estavam intransitáveis. Alem do que o Verão propiciava saques de alimentos, de trigo, que o inverno áspero não permitia. Mas deixemos isso, que hoje não vim aqui fazer política. Vim apenas lembrar prazeres simples, leituras leves, momentos de descanso, que a vida também é isso. E dizer-vos até daqui umas duas ou três semanas, que eu vou para férias. Já tenho uma pilha de policiais, alguns dvd de comedias antigas, dois ou três livros mais substanciosos. Quem quiser que apareça entre as dez e a uma (portuguesas) na praia de Areas, mesmo à sombra de um pequeno restaurante A Postiña. Procurem um cavalheiro infamemente gordo, moreno, barba branca e curta, debaixo de um guarda sol, de livro em punho e El País ao lado. Terei muito gosto em vos pagar uma caña . O Verão também é isso. E carreguem as baterias para os tempos que se avizinham.

Vosso, mas muito veraneante - só faltam três dias! - d'Oliveira

Au Bonheur des Dames - suplemento ao nº 28

Os figos

Naquele tempo, a praia era grande mas não como agora que a areia comeu uma boa fatia à enseada. O mar vinha mais terra adentro e podiam distinguir-se perfeitamente as três zonas que marcavam a baía. Baía, não enseada. Baía limitada pela foz do rio, mais precisamente pelo forte de Santa Catarina, a sul, e pelo cabo Mondego a norte. No ponto mais reentrante uma fita de casas, só de um lado da estrada, marcava o sítio dito da Praia. Antes chamara-se Palheiros, e ainda é assim que aparece nas descrições das fortificações que defendiam Buarcos, capital do concelho e a jovem povoação da Figueira da Foz. À boca do rio o já citado forte, em Buarcos as muralhas da vila. A meio “para cruzar fogo” erguia-se o fortim de Palheiros, toponímia perdida e que significava casas provisórias de pescadores.
Se cito esta ladainha de fortalezas é tão só para tentar explicar o que seriam estas dignas e abandonadas fortificações para a pandilha de miúdos que comigo cresceram: um dom celestial, uma permanente aventura, um convite a gazetar à escola e á catequese. Então o fortim era uma bênção. Estava mesmo atrás da nossa casa. Bastava trepar um muro de quatro ou cinco metros e entrava-se numa enorme tapada carregada de árvores antigas e com o fortim meio sepultado entre meia dúzia de enormes figueiras. Um tesouro para a passarada e para o pequeno grupo de miúdos que viviam na nossa rua. Tesouro guardado com mil juras, com a gulodice a ajudar a tapar a boca dos mais faladores.
Todavia, uma história de amor infeliz viria a tornar as figueiras um pouco mais públicas e sobretudo um pouco mais partilhadas pelos meninos que no Verão (e o Verão naquele tempo era três longos meses) se juntavam ao nosso pequeno grupo.
Tudo começou num dia em que Fredão (ou o Frederico gordo, o pançudo, o banhas) amigo do peito, me confidenciou que estava apaixonado. Apaixonado e mal correspondido. Ou melhor sem qualquer hipóteses de correspondência. Uma tal Ju ( morena, olho atrevido e voz de pirolito, a melhor bebida “gasosa” daquele tempo de dificuldades (princípios dos anos cinquenta…), ou seja um voz de marulho manso de água fresca e açucarada para traduzir isto para o meu fã clube de leitoras brasileiras…
A Ju tinha passado do primeiro para o segundo ano do liceu como Fredão, enquanto eu já ía a caminho do terceiro. Portanto a donzela averbaria onze castos anos, os mesmo de Fredão e o cronista andaria pelos doze. Castos, também que naquele tempo havia moralidade e nós, de todo o modo, éramos demasiado novos. Mas namoros e paixões tremendas não faltavam. A pontos de alguns já começarem a dançar. Danças sérias, entenda-se, na garagem do Nélito, com mães, tias e avós sentadas em redor, atentas, atentíssimas. De vez em quando dançava-se a raspa, uma coisa espanhola, importada através do Casino Peninsular a cujas matinés infantis (quartas e Sábados) assistíamos todos deixando a praia deserta. A raspa consistia numa meia dúzia de saltos, e rodas entusiásticas, com uns gestos á mistura. Era óptimo porque as saias rodadas das meninas levantavam-se um bocadinho. E um pouco de perna ao léu sob uma saia era muito melhor que a perna toda na praia quando a proprietária da dita cuja andava de fato de banho!
Portanto Fredão, apaixonado. Fortemente! A pontos de nem lhe apetecer a “bolacha americana” das tardes. E olhem que o sacrifício da bolacha americana, era coisa digna de espanto. Pior: Fredão desdenhava os jogos diários de futebol. Vá lá que, se porventura era um Portugal Espanha, ainda se animava. Não pelo futebol mas pela hipótese de batalha campal em que o jogo se tornava após os primeiros dez minutos ou o primeiro golo. Aí começava a valer tudo. Tudo, ponto e vírgula! Estava formalmente proibido puxar para baixo os calções do adversário. Havia pudor! Fora isso valia tudo: canelada, empurrões, rasteiras, encontrões e o mais que viesse à cabeça dos atletas. Era a pátria que estava em causa!
Voltemos, porém, ao suspirante Fredão: um desastre. Sentado, longe do grupo, à beira mar, com o pé a molhar na onda, Fredão, sondava a distância, o mar, e nem olhava para quem passava. A restante garotada indiferente, demasiado ocupada com as variadas ocupações de um dia de praia. Aliás manhã de praia que o desgosto de Fredão inaugurou-se por volta das nove da manhã e eram dez e tal quando eu me apercebi do caso. Preocupado e circunspecto sentei-me junto dele e disparei: tás doente?, queres vir ao banho? Vamos picar umas carreiras? Posso almoçar em tua casa?
Fredão encolheu os ombros e respondeu: não, não, não, sim se te apetecer mas hoje o almoço vai ser caras de bacalhau porque o meu pai chegou ontem à noite de repente e quer comer as caras de bacalhau.
Porra! Pensei. – caras de bacalhau! – Convém dizer que o pai de Fredão, além de autoritário tinha a mania de comer iguarias deste teor que nós todos, a arraia miúda, detestávamos. Aliás logo que cada prato estava servido pela criada começava um descarregar de caras de bacalhau no prato do parceiro que fazia o mesmo até encher o prato da irmã mais nova de Fredão que protestava baixinho. Aí o pater famílias punha os óculos de ver ao longe e dizia “Amélia ponha mais caras de bacalhau aos meninos que eles já acabaram!” E já não tirava os óculos. E nós, lá tínhamos de comer aquilo. Ou como dizia o Dr. Alves (o pai do Fredão) ou comem as caras a bem ou comem a mal, as caras e uns bofetões… O dr. Alves, fazia parte de uma negregada confraria de pais de crianças em férias na Praia que atribuía a todos os seus membros o direito de bofetão e castigo a qualquer dos filhos próprios ou alheios. Uma conspiração de pais que só pedia meças a uma outra de mães e tias que era ainda pior!
Bom, voltemos ao Fredão. Desconvidei-me de imediato do almoço e inquiri das suas razões para estar com tal carga de angústia existencial. Não foi bem assim que eu disse mas o Fredão, pouco dado ao estudo de Sartre, não se incomodou e desbobinou a história da Ju, que ao saber por terceiro (um emissário, no caso o Marito, primo do Fredão), da paixão assolapada teria dito que o Fredão estava bom para namorar uma toninha. Ora, como as leitoras do Brasil não saberão, a toninha é uma dessas bichezas marítimas, estilo golfinho, que por vezes apareciam mortas no nosso litoral, mortas e a cheirar que tresandavam. E gordas. A afronta, o desdém, a comparação eram, pois, graves. E definitivas. E logo no princípio do Verão! E Fredão deixou escapar uma lágrima gorda (como ele) pela bochecha (também gorda e reluzente). Eu não posso ver ninguém chorar. Sobretudo um amigo que me avisava dos menus em casa dele para eu poder comparar com os da minha casa e escolher lealmente o mais adequado ao meu apetite.
Conversámos gravemente sobre o mundo, a vida, a volta a Portugal de bicicleta o talento do nosso campeão Alves Barbosa, as raparigas e os seus múltiplos mistérios e mesmo sobre uma certa Gina que eu andava a atacar. E ela, toda risinhos, segredinhos às colegas, deixando perpassar a ideia que “enfim, talvez…”. A coisa estava mesmo avançada: no jogo dos “reis e rainhas” ela queria-me para par (sinal verde, portanto, como a bandeira todos os dias erguida no nosso pedaço de praia). Fredão, bom apreciador, dava palpites. Vais bem pá, ele é muito gira! E eu, magnânimo “mas a Ju não lhe fica atrás.” Jesus o que fui dizer! Segunda lágrima de Fredão, logo seguida de terceira e quarta e por aí fora até eu o arrastar para o mar porque alguém podia ver o Fredão a chorar e um homem não chora mesmo quando tem onze anos e uma paixão do tamanho do fortim de Palheiros! Ai meu Deus, outra argolada! Fortim?, espantava-se Fredão entre duas ondas. - Fortim de forte, de castelo, com ameias, canhões, arcabuzes, bombardas, metralhadoras, lanças e espadas? - Melhor respondia eu, inconsciente e apiedado. - Melhor?, rugia Fredão, já esquecido da Ju, de todas as Ju, jás, jés e o que mais vier sobre forma de cobra feminina para atenazar o coação imenso dum gajo gordo mas forte, campeão de natação e de canelada, imbatível no jogo do empurra e grande apreciador de bolacha americana! - Melhor!. dizia eu, inconsciente de novo, burro, burro, como se verá. Um fortim cheio de figueiras! - Com figos? Babava-se Fredão, -Cheio , cheínho de figos! - Pingo de mel?, Insistia o guloso. - Sei lá! - Não acredito! - grande hipócrita o gordo, já tendo percebido que havia ali grosso, gordo segredo. - Ai não? Pois vamos lá hoje à tarde!
E fomos. Fredão sentou-se num ramo conveniente e grosso e durante umas horas comeu figos. Maduros, assim assim, verdes e verdíssimos! A passarada, que nos ramos mais altos também debicava, estava muda: nunca tinham visto nada daquele género. Uma máquina humana e metódica a devastar uma figueira centenária e carregada de fruta.
No dia seguinte de Fredão nada! Onde está onde não está? - Na cama com uma diarreia astronómica (gastronómica corrigia o Luisinho, sacaninha e bom aluno). - Doente - anunciou a criada Amélia. -Lá para a tarde podem visitá-lo, coitadinho, fiz um pudim mas não lhe podem dizer que ele está de dieta. Ordens do Dr. Marcelo ( o meu pai que aviava as nossas doenças de verão com rapidez e clisteres).
Fredão esteve ausente durante três dias tendo sido visitado (ele ou o pudim) no primeiro. Com o tempo as doenças deixam de ser interessantes sobretudo se não houver um lanche decente para os visitantes. Ao terceiro dia perguntámos pela Gina. Alguém disse foi ver o Fredão. Ninguém ligou. A Gina era mesmo assim. Comovia-se com a desgraça alheia mesmo se ela fosse uma simples caganeira por abuso de figos.
Ao quarto dia Fredão ressuscitou. Mais magro (menos gordo) pálido, proibido de futebol porque estava fraquinho. E de sol, no toutiço, nada! Por qualquer razão. Ou por nenhuma, como dolorosamente constatei quando o vi, muito juntinho da Gina, a partilhar uma bolacha americana. Grande traidor. As mulheres são umas cabras!
- Bem feito para não andares a dar á língua com as figueiras - resumiram acusadoramente o meu irmão, o Nélito e o Bartolomeu. - Agora temos de as mostrar aos outros!
E mostrámos! E afinal havia figos para todos! E apareceu uma menina chamada Isabel! E pediu-me ajuda para trepar à figueira. E ajudei! E disse-lhe quais eram os melhores figos. E ela agradeceu. E descascou um para mim!

Oh espíritos do Verão longo de outrora, dai-nos outra a vez a inocência dos anos que foram e não voltam. Ou um prato de figos! Maduros! Pingo de mel!

O Bonheur encerra para férias do pessoal e da gerência, que bem merece. Regressarão, lá para meados de Agosto, de terras galegas, com o papo cheio de marisco, peixinho fresco, pimentos do Padron (uns picam outros non!), vinhos do Ribeiro e Albariño e o que mais houver. Até lá comam os figos da aventura, do Verão e da nossa comum herança mediterânica.

Tourada em tarde de domingo

Domingo, fui à tourada na Póvoa de Varzim. Trânsito infernal, impossibilidade de encontrar estacionamento, legal ou ilegal, gratuito ou a pagar, lá consegui pôr o carro no parque privativo de um restaurante, após procura durante quase duas horas ao ralenti.
Muita gente, muita alegria! A praça estava cheia. A festa ia começar! E veio a desilusão. Os dois primeiros touros eram fracos. Rui Salvador e Cochicho cumpriram os serviços mínimos. Entra Rouxinol e sai-lhe um touro coxo. Não é exagero, o animal arrastava a perna traseira esquerda; não se mexia. O público protestou vivamente. O director de corrida insistiu em que a lide se fizesse. A vaia do público foi monumental. O cavaleiro saiu. Quando reentrou, saiu um touro em condições. A lide, impulsionada e fortemente apoiada pela assistência, foi uma beleza (a melhor da tarde). Esperava mais de Sónia Matias (já assisti a melhor exibição). Ana Rita, cavaleira praticante muito jovem, arriscou na equitação, mas mostrou que tem valor.
As pegas foram complicadas. Salvou-se a última, que mereceu o prémio que lhe foi atribuído. O público aguardou os resultados da atribuição dos prémios. Desta vez o juri coincidiu com a opinião do povo (nem sempre isso acontece).
E, no dia seguinte, a tourada não foi notícia. No Público apenas se referia a manifestação de activistas anti-tourada. Vi-os quietos e sossegados, em número suficiente para pegarem no cartaz que exibiam (contei oito, mas o jornal referia vinte).

Penumbras


Não, não é verdade, não podes dizer isso, tu não me conheces, nunca me conheceste, por muito que me tenhas visto, e nunca irás conhecer-me, mesmo que me tenhas visto tantas vezes com o teu olhar de censura. Chegaste demasiado tarde, já o sol se punha, ficaste o que bastou - o que bastou - e foste, foste não sei por onde nem para onde. Não perguntei. Do mesmo modo que não te perguntei de onde vinhas. Uma falha de carácter!, gritas? Não, claro que não é nada disso e tu sabes que não é nada disso, mas não queres saber porque não não te interessa saber, preferes pensar que é uma falha de carácter, porque dói menos e parece mais justo. Mas só parece.

Entendamo-nos: podias ter sido, mas tu não foste um caso de amor, sequer uma paixão daquelas que fulminam. Tu foste um acaso. Eu fui um caso. Um flash. Um tropeção que caíu bem, mas tinha prazo certo. Como um contrato de ususfruto com termo certo. Cada um de nós fruiu o outro e foi muito. E foi bem. E não foi isso o que eu te disse? Não acreditaste? Pensa bem. Não foi isso o que combinámos, naquele momento em que o sol se pôs e eu te disse que era o vagabundo à espera de um poiso, mas que não andava à procura de poiso, porque me habituei a ser um sem abrigo? Não foi isso mesmo o que viste, durante tanto tempo, aquele tempo em que numa noite por semana, sem uma palavra trocada, me olhavas e censuravas os meus desvarios? Pensa bem. Quando tropeçámos, eu até te disse que ressonava e que não gosto de incomodar ninguém... Pensa bem. Lembra-te das palavras exactas, porque elas foram exactas como uma escritura.

Se me custou ver-te partir? Custou, claro, sempre me doeram as partidas, custou-me ver o teu esgar de dor, o caminhar apressado, custou-me começar o retrocesso, esquecer os teus olhos que, queiras ou não, têm um traço de oriente e o teu sorriso que é o mais bonito do mundo. Mas chegaste demasiado tarde, já o sol se punha.

Foste um tempo que vai do sol ao sol. Que eu estou no tempo da penumbra, procuro as sombras, e foi aí que estivemos, porque chegaste tarde. Ou fui eu. Já não sei...
(Se te apraz, já tenho saudades)

24 julho 2006

As férias pagas do Jorge

Tu tinhas-me contado, meu caro Jorge Fiel, quando jantámos, que, depois daquela incursão à Alemanha para veres o Portugal-Irão, irias percorrer o Algarve e o Sul de Espanha, numas férias pagas pelo Dr. Balsemão - reconhecido pela sua prodigalidade e conhecido por pagar férias aos seus jornalistas -, para tentares descobrir para o Expresso se é melhor passar férias do lado de lá ou do lado de cá da fronteira. Passei a procurar a reportagem na Única, mas não encontrei.

Por acaso, por mero acaso, este fim de semana andei a espiolhar o novo site do Expresso. E, enquanto percebia que o texto só vai ser publicado em Agosto, para não influenciar os leitores, fui lendo os teus bilhetes postais à "chefe" Cândida Pinto. Brilhante, meu amigo! Não tanto pelas considerações que fazes, mas pela forma como as fazes, com aquele teu humor tão próprio que, hoje refinado, já teve momentos menos conseguidos, o que nos ia valendo aos dois um lugar "à sombra" nos áureos tempos dos finais da década de 80, quando, com mais alguns também (então) muito desvairados, fazíamos "O Comércio" de forma apaixonada e ousavamos o humor mesmo naquilo que era perigoso.

Confesso-te, Dr. Fiel, que, lidos os postais, ainda não decidi se vale mais a pena ficar pelo Algarve ou saltar para o lado de lá, que tu - creio - também ainda não explicaste. Fica para a reportagem na Única, já sei. Mas isso agora também não interessa nada. O que importa é que temos de voltar a jantar. Com férias ou sem férias. E não esqueças que na próxima sou eu quem pago... Ah, e desta vez com a companhia do eng. Abílio...


23 julho 2006

PQP a guerra


Há quarenta e dois anos, dois meses e treze dias (estas coisas assim ganham outro efeito; dá ar mais sério mesmo quando é isso mesmo o que pretendemos.) quarenta rapazolas todos estudantes em Coimbra, foram passar uma curta vilegiatura a Caxias sur mer, ou se quiserem, ao Reduto norte da Cadeia de Caxias.
Deixando de lado os porquês e os por conseguinte, a rapaziada coimbrã sob a chefia, amável e divertida, de Carlos Mac Mahon, “o mais velho”, mulato e angolano e clandestino do MPLA, lá se organizou para passar, com o possível conforto, aquela pequena provação.
Também não é esta a ocasião para narrar esses dias mas tão somente para contar que uma das coisas que diariamente se gritavam nas duas celas, unidas por um pequeno átrio, era um grito em honra dos carcereiros: E pelos guardas não vai nada?, bradava o gordo Mac e o povo sereno uivava em resposta: Piu, piu, piu, Puta que os pariu! Isto normalmente ocorria pela hora em que um par de guardas fazia uma ronda pelo corredor exterior e batia com um pau nas grades das celas para ver se a malta não as tinha serrado (!!!). Chamávamos a isto a “visita pascal” e havia mesmo um par de camafeus que cantavam partes do Tantum ergo
Tudo isto para explicar o inicial PQP do título. E para dizer, uma vez mais do meu desamor às guerras. E para responder, de certa maneira, a uma pergunta que tem muita razão de ser e que foi feita pelo Carteiro sobre esta guerra, Israel e árabes, razões e des-razões, direita e esquerda.
Convém, antes de mais, relativizar a ideia de que a esquerda é pró-arabe e anti Israel, enquanto a direita vice versa. Era simples mas felizmente não é verdadeiro. Há direita anti israelita e pró árabe e esquerda pró israelita e anti-árabe. Isto sem sequer se falar do chamado anti-semitismo, do anti sionismo e do velho mas sempre reacendido fascismo. De facto uma boa parte, provavelmente maioritária, até, da esquerda tem uma simpatia acentuada por um Israel de kibutz, trabalhista, pleno de vítimas do holocausto, com Rabin e Shimon Peres como emblemas. Outra há que é claramente anti-sionista (isto é anti ideal do Eretz Israel, do Grande Israel , do Israel anexionista, do Israel de Sharon). Todavia, mesmo esta segunda esquerda, reconhece o direito à existência de Israel e até já vai aceitando o direito de Israel a parte de Jerusalém… De resto, basta conhecer a história das diferentes esquerdas ocidentais no século XX para ver que muitos dos líderes da esquerda europeia foram judeus, desde Léon Blum a Trotsky, para já não invocar Marx. A esquerda francesa foi pró Dreyfus enquanto a direita, aí unida foi contra o capitão condenado e finalmente inocentado graças, entre outros, a Zola e aos socialistas e republicanos franceses. Tudo isto tem de ser lido e examinado com algum critério na medida em que a opinião dos ocidentais (europeus) sobre os judeus variou de país para país. Onde os pogroms eram regra, obviamente a esquerda era menos militante na defesa dos judeus. Onde um catolicismo integrista era a regra, os judeus eram mal vistos (caso da Polónia, por exemplo). E convém não esquecer, que isto da história é terreno minado, que os países que mais sanhudamente perseguiram os judeus (Alemanha e Áustria) foram precisamente os países onde no fim do sec XIX e nas primeiras décadas do sec XX os judeus estavam mais bem integrados politica e socialmente.
E já agora, que estamos com a mão na massa, convém lembrar que os países muçulmanos deram guarida durante séculos aos judeus (aos famosos sefarades). Marrocos, Yemen, Tunísia foram até ao aparecimento do Estado de Israel modelares quanto ao tratamento dispensado às suas importantes comunidades judias. E a Turquia então foi sob certos aspectos uma verdadeira pátria para muitos dos expulsos da península ibérica.
E a direita? Por definição a direita é anti-judaica, o que também pouco quer dizer. A África do Sul racista e pró apartheid foi declaradamente amiga de Israel e por este apoiado intransigentemente. Como se vê o Estado hebraico na altura de escolher amigos também não olhava a meios e muito menos ao estatuto dos perseguidos por esses mesmos amigos. A direita americana (veja-se Bush e a sua actual posição neste conflito) adora, apoia e defende a outrance Israel. Mesmo sabendo que um só gesto deles pararia a escalada contra um Líbano, este Líbano, pró-americano e pró-ocidente! E a ironia não para aqui: É um a senhora negra quem vem, dia sim dia sim, apoiar a insensata destruição do Líbano. Ora aqui está um exemplo de solidariedade entre perseguidos! Condoleeza Rice tem, como alguém dizia, uma alma branca. Branca e do Sul dos Estados Unidos acrescentaria eu. “glory, glory Hallelujah… etc…
O jornal ABC (aqui da vizinha Espanha) bolsa ódios antigos e novos contra Zapatero só porque este deixou que lhe pusessem um keffieh nos ombros! Portanto a direita só será contra Israe4l quando este for contra os seus interesses o que não é, de todo em todo, o caso.
A questão judaica, como a questão chinesa, noutros tempos, atravessou por igual esquerda e direita, deixando nestas um rasto de adeptos e de adversários. Ou por outras palavras: a escalada actual de Israel contra um país, mais pequeno, desarmado e já com 20% da população transformada em bandos informes e desgraçadíssimos de refugiados não me suscita qualquer ira ideológica. Só indignação. E nojo! E cólera!


Postal "Boa Notícia" :
ver a actualização.

Postal "Processo Penal - mudanças anunciadas":
atenção ao comentario do bem reaparecido Rui Cardoso
.

22 julho 2006

Estes dias que passam 31

1 Comecemos pela anedota para, infelizmente, sermos obrigados a falar de coisas mais sérias: Elvas e o seu amado presidente, que bela metáfora de um Portugal que pensávamos sepultado na memória das histórias jocosas do país. Um cavalheiro, eleito presidente da Câmara local vai permitindo aos seus munícipes (ia-me descaindo a mão para súbditos) que o celebrem dando o seu nome a bairros, ruas e sei lá que mais. Não que o senhor presidente o queira, nada disso. Ele é modesto. Mas – há sempre um mas nestas coisas – ele, que nasceu em berço humilde, sabe que as homenagens prestadas são apenas uma erupção de amor pelos humildes, de reconhecimento pelos que sobem pela vida a pulso. E por isso, só por isso, aceita, a contre-coeur a homenagem eventualmente excessiva dos conterrâneos. Atenção o cavalheiro não se chama Alberto João. Isso é para o numero seguinte.
2 Alberto João (Iº), aparece de novo sob o manto duvidoso da indignação. E razão tem ele. Razão mais que sobeja! Então não é que o governo da República, o governo colonialista de Lisboa, se recusa a financiar-lhe uma vez mais o deficit! Pela 1ª vez em 30 anos, há uns “cubanos” lisboetas que não lhe dão o dinheiro que ele, em berraria avinhada, exige, batendo os membros inferiores no chão, e inchando a careta para assustar o contrincante. Está zangado, o dono da Madeira. E por ele zangam-se também, os cavalheiros do PPD/PSD que se indignam com a maldade feita à Madeira. E chegam a insinuar que o governo, tira à Madeira para dar aos Açores. Claro que os cavalheiros do PPD/PSD não leram ( ou se leram não prestaram atenção, ou se prestaram, estiveram-se nas tintas) o relatório da União Europeia que coloca a Madeira fora das zonas pobres ao mesmo tempo que lá mantém os Açores... Que A. J., o Primeiro, diga asneiras e ataque os “cubanos” da Metrópole exploradora e colonialista, já não surpreende. Que uns cavalheiros da mesma metrópole colonialista e exploradora, o apoiem só porque se acolhem à mesma sigla partidária, já dá que pensar...
3 Uma senhora de meia idade, cabelos ao vento e pouco agraciada de cara, que dá por Esther Mucznik escreve uma inflamada patetice política sobre o Estado de Israel e as suas actividades mafiosas nos territórios a norte e a sul do país. Esta senhora é, ou foi, a actual presidente da comunidade judaica em Portugal e, suponho, é nossa co-nacional. Se não for também não tem importância. O artigo publicado sexta feira lembraria a palhaçada de Elvas se não houvesse mortos no caminho. Muitos mortos! Esta senhora algum dia será responsabilizada se começarem a aparecer anti-semitas em Portugal. Em poucas palavras: nem as fronteiras de 67 (fronteiras originadas pela ocupação de territórios palestinianos, diga-se de passagem) a sossegam. Para ela, as pontes destruídas no norte, as auto-estradas escavacadas, o aeroporto de Beirute bombardeado, as fábricas (e entre elas a maior central leiteira do Líbano –como se sabe o leite é uma arma estratégica dos terroristas dado que um copo diário os torna imunes às bombas incendiárias de Tsahal) os faróis, os portos, as escolas são alvos naturais porque pertencem á infra-estrutura do Hezbollah. E se não pertence, pertence a aliados, a amigos, a cúmplices, aos sírios, aos iranianos, ao Saddam Hussein, á al Qaeda ou ao Al fatah, ou a o merceeiro da esquina que é um comprovado anti semita!
Eu bem sei que esta raiva cega, este olhar vesgo sobre a história dá muito em algumas senhoras com os ovários em polvorosa por via da menopausa. E em alguns cavalheiros com dispepsia. E nos tolos. E nos parvos. E nos pobres de espírito quando não almejam ao reino dos céus.
Gostaria também de sublinhar que Israel nasceu violento: o senhor Beguin, chefe do Irgun sabia disto qualquer coisa. E outros pais da pátria palestinianos, quais sejam os senhores do grupo Stern. E que ainda há gente que sabe o que foi o atentado do Hotel Rei David... Tenho para mim que um Estado que recorre a assassínios selectivos se põe ele mesmo de fora da legalidade internacional, mas enfim...
4 O celebrado Adolfo Hitler sempre interveio nos países limítrofes arguindo provocações terríveis, basta lembrarmo-nos da invasão da Polónia. Ele também entendia que uma “raça” ou os membros de uma religião, eram o ferro de lança duma ofensiva contra o pacífico povo alemão. Vai daí prendeu-os primeiro (como ocorre com centenas ou milhares de palestinianos) e liquidou-os depois, como vai ocorrendo no Líbano de cada vez que um avião lança a sua bondosa e justiceira carga de bombas... Acho que foi Marx quem alguma vez disse que a história se repete...
5 Sempre no Público e sempre de sexta feira eis que respigo mais uma pérola do jornalista José Manuel Fernandes. Segundo este pequeno génio a teoria exposta por Miguel Portas quanto ao problema palestiniano (a vinda de judeus perseguidos na Europa teria introduzido na Palestina um problema de terra que há séculos ali não existia) faz-lhe lembrar uma frase do sinistro Ahmadinejad: se os países europeus dizem que mataram judeus na guerra porque não lhes dão um pedaço da Europa?
Boa pergunta.
Fernandes, o iluminado, deve esquecer-se que os europeus sempre bondosos, juntamente com os bondosos americanos e os maldosos russos, acharam que os judeus podiam ir para uma terra que não era sua há dois mil anos. A Palestina!
Claro que ainda pensaram noutras soluções: Madagáscar, Angola e parece que uma parte difícil do Tanganica. Entretanto alguém terá dito que lá havia pretos, coisa pouco importante na época. O mesmo alguém terá depois lembrado que sendo os judeus, brancos poderiam ser caçados pelos pretos maus que inclusive os poderiam comer. Os pretos são, como se sabe maus e antropófagos. Finalmente entendeu-se que a Palestina era um bom sítio: perto da Europa, perto do mar, perto de países habitados por beduínos muçulmanos, portanto ainda piores que pretos!, que urgia acalmar. Uns milhões de refugiados a mais ou a menos naqueles desertos não fazia mal E até poderia desestabilizar os países da região...
Para acabar: tenho quanto aos adeptos do terrorismo uma teoria: são assassinos que metem nojo. Que envergonham o Homem. E a civilização. Exactamente como os Estados que não sabem quais são os limites à sua acção militar. Que do alto da sua força, não vencem , humilham. E fazem por isso nascer ódios inextinguíveis.
Mas eu sou apenas um vago português já velho, pouco prestável e indignado. Não pertenço a nenhum povo eleito, não tenho uma religião onde me refugiar, nem acredito no uso da força desproporcionada. Sou, eventualmente, um elemento de uma espécie em vias de extinção. Como os libaneses do sul... com uma diferença: ainda não estou á mercê de uma bomba vinda do céu.
PS: morreu tranquilamente na cama um cavalheiro chamado Ta Mok, era cambodjano e khmer vermelho. Esses ao menos, não deixaram para hoje o que puderam fazer ontem. Sozinhos e artesanalmente mataram milhão e meio de compatriotas. Lembremos que muito boa gente deste pais – e não só – festejou em seu tempo a “revolução cambodjana”. Hoje escrevem em jornais respeitáveis.

Boa Notícia

Governo não quer autarcas com cargos em empresas municipais
O governante [Eduardo Cabrita] falava sobre a Lei do Sector Empresarial Local, que se encontra em fase de discussão pública, num encontro com militantes socialistas de Leiria e defendeu que as empresas municipais "não podem ser uma forma de duplicação de tarefas, de remunerações ou de actividades". "As empresas municipais justificam-se quando há um sector de actividade que exige uma gestão própria, independente e profissionalizada. Não passa pela cabeça de ninguém fazer o ministro das Finanças acumular o cargo com o de presidente da Caixa Geral de Depósitos", indicou. "Não faz sentido, porque estamos a falar de actividades extremamente absorventes para serem bem feitas. (...)
Eduardo Cabrita considerou que "as empresas municipais não podem servir para fingir que se desenvolve de forma empresarial actividades que são puramente administrativas". "Há empresas municipais que são puramente fictícias e algumas são uma forma de endividamento escondido das autarquias", referiu.
A Lei do Sector Empresarial Local surge para regular a actividade empresarial dos municípios, que engloba não só empresas municipais, mas também empresas multimunicipais, intermunicipais e a participação em empresas com o sector privado. Eduardo Cabrita explicou ainda que a Lei das Finanças Locais, em processo de revisão, prevê ainda "o princípio da consolidação de contas entre municípios e empresas municipais, quando estas existam"."Em nome do reforço da transparência e rigor no financiamento local, só tem sentido olhar para a dimensão financeira de uma autarquia, olhando globalmente para o que é a sua expressão", sublinhou Eduardo Cabrita.


actualização ( in TSF on line )

(...)"A vice-presidente da Associação Nacional de Municípios [Isabel Damasceno] afirma que esta proposta já foi feita ao Governo e por isso não compreende a posição assumida na sexta-feira à noite por Eduardo Cabrita, secretário de Estado da Administração Local. «Não concordamos com o que está previsto na lei de impedir a acumulação. Já manifestámos ao senhor secretário de Estado que achamos que deve haver possibilidade de se acumular funções a custo zero, que é aquilo que acontece na maioria das empresas municipais», disse. Para Isabel Damasceno, também presidente da Câmara de Leiria, eleita pelo PSD, esta mudança «parece que quer criar uma nova carreira de gestores municipais a ganharem valores muito significativos, que até podem ser superiores ao do próprio presidente da Câmara». (...)

Ministério Público: à espera de Godot

Excertos de artigo de Luis Eloy Azevedo, Procurador da República no Círculo Judicial de Oeiras, publicado no DN de hoje
(sublinhados meus)

De comentadores a jornalistas, de políticos a advogados, muitas opiniões têm sido emitidas sobre o que deve ser o perfil do próximo procurador-geral da República. (...)
O mínimo que se pode dizer é que existem grandes dificuldades para quem escolhe e espera uma árdua tarefa para o escolhido. O ex-presidente da República, dr. Jorge Sampaio, teve uma sábia percepção dessas dificuldades ao enunciá-la como "a escolha mais difícil" que deixava ao seu sucessor.
De facto, as grandes dificuldades dessa escolha resultam para o poder político de um facto óbvio, mas pouco enunciado: o poder politico desconhece completamente o que é a magistratura e, até mais importante do que isso, desconhece completamente quem são, realmente, os magistrados entre os quais tem de escolher (vamos dar aqui de barato que o poder político não se inclinará para a desajustada solução de escolher um não magistrado).
Tratando-se de um cargo unipessoal, as qualidades pessoais do escolhido são, certamente, essenciais para o exercício do cargo. Ora, a nosso ver, o aspecto técnico-jurídico é apenas um de entre muitos aspectos fundamentais para o bom desempenho do cargo. De facto, parece assente que não será bom ter alguém a quem sobeje qualidade técnica e falte capacidade judiciária e qualidade comunicacional. (...)
Conhecer o Ministério Público, ter uma ideia mobilizadora conhecida para o Ministério Público e ter um projecto de renovação consistente é bem fundamental. Diria ser pelo menos tão fundamental como a capacidade técnica. O que torna a aposta ainda mais difícil. (...)
Na verdade, a magistratura portuguesa tem tradicionalmente pouco debate interno e despolitizou-se, deixou de intervir na pólis (e quando o faz traduz normalmente inconfessados interesses narcísicos ou corporativo-sindicais). A nossa magistratura, com os seus perfis mínimos de intervenção, reduz a sua visibilidade externa e comprime consideravelmente as margens de sucesso da escolha. E, a este nível será interessante analisar comparativamente o rasto político e pessoal do congénere espanhol, o fiscal-general Cândido-Conde Pumpido, o tipo de obra publicada previamente (colorida, variada e activa) e de intervenção sócio-judiciária anterior ao actual desempenho.
Por outro lado, uma árdua tarefa espera o futuro procurador-geral da República.
Desde logo, precisa de ter capacidade para conter o poder político para propósitos inconfessados de acabar com a autonomia da instituição e reduzir o seu peso relativo (ver o triste episódio de pretender passar o procurador-geral da República de sexto para 13.º no protocolo de Estado).
E ao mesmo tempo ter capacidade de ver e mudar o que não funcionou. De facto, na nossa opinião, o Ministério Público português, fruto de um determinado passado histórico, judicializou-se no mau sentido (usado este termo no sentido de reprodução de um modelo copiado da magistratura judicial). Pensou-se, na verdade, que a judicialização seria a melhor forma de proteger o Ministério Público das influências do Executivo. Mas os velhos erros do passado não evitaram novos erros no presente: a essa luz, criou-se uma estrutura com pouca mobilidade (a par do juiz natural criou-se um quase Ministério Público natural), com colocações de magistrados erráticas, sem levar em conta as capacidades individuais (acentuadas por um recrutamento onde se deu preferência ao número em relação à qualidade, convivendo, hoje, o muito bom e o muito mau em patamares igualitários e um mecanismo de progressão na carreira ancilosado), com uma estrutura hierárquica pouco clara (com equiparações à judicatura sem lógica qualitativa) e um diminuto papel uniformizador (com a completa paralisação das estruturas hierárquicas intermédias, reconduzidas a entidades de controlo meramente burocrático, sem qualquer papel para evitar a balcanização da aplicação da lei). Ou seja, o nosso Ministério Público perdeu autonomia de projecto, agilidade, organização, espírito de equipa, laços hierárquicos estreitos e isolou-se da comunidade. Por outro lado, temos um Ministério Público com autonomia, mas sem uma correspondente responsabilização comunitária. Ou seja, a sua judicialização, quer através da formação, quer através da blindagem do seu Estatuto, ajudou a fazer esquecer algumas das características que deveriam estar presentes na magistratura do Ministério Público, como a capacidade de iniciativa e a inquietude para o cumprimento integral de um projecto de cidadania plena.
Para consagrar um Ministério Público verdadeiramente de iniciativa comprometido com a qualidade de vida e a globalidade dos interesses sociais, seria também necessário romper com a sua conotação predominante de perseguidor penal e com uma perspectiva minguada de intervenção restringida ao processo judicial.
Em suma: para ter êxito, interna e externamente, espera o futuro procurador-geral uma tarefa ciclópica. Diz-se que as personagens de Beckett carregam em si todo o peso do mundo.
Boa sorte para quem escolhe e para o escolhido.

Se tenta

Um amigo já me tinha falado no restaurante, ali numa ruelazinha que liga a Restauração à Alfândega,
se senta se tenta,
nome bem apanhado para quem se tente, e ele tinha-me dito que se come muito bem, nouvelle cuisine, que os sabores estão lá todos, assim,
em pratos bonitos.
Pratos bonitos.
Fui lá nesta 5ª feira, com amigos, sugerido pelo Jaime que já conhecia e os pratos eram bonitos e a vista sobre o Douro fantástica. Um restaurante com paredes negras,
eu gosto de paredes negras,
janelas rasgadas num prédio abandonado rodeado de prédios abandonados, serviço simpático, pratos bonitos outra vez,
e os sabores estavam lá todos,
e havia gente vagamente conhecida das revistas dos sabores que estão lá todos.
Pois.
Foi mesmo assim.
Um restaurante para quem tem um bom palato para
os sabores que estão lá todos,
mas dificilmente exequível para quem gosta de comer quando sai para comer, como me dizia, esta 6ª, o compadre, mais devotado como eu à substância das coisas do que aos pratos bonitos onde os sabores estão todos. Um belo restaurante, sem dúvida, um sítio bonito para levar a namorada, depenicar a comida, desatento, olhar o rio, extasiar-se com com a namorada e esquecer que se foi lá para jantar, depenicar os sabores, destatento, e olhar a namorada extasiado, que a digestão é fácil
e os sabores estão lá todos.
E a menina também.
Com os sabores todos.

21 julho 2006

O 54º vai de férias

Sim, este vosso amigo, que ocupa a posição 54 na lista de precedências do Protocolo de Estado, vai de férias. E vai descansado depois de ter visto o Parlamento aprovar a nova distribuição dos lugares no Protocolo de Estado. Era um assunto que me preocupava deveras.

Os votos dos meus conterrâneos de Marco de Canaveses elegeram-me para a Assembleia Municipal local, embora não tenham sido suficientes para atingir a presidência desse órgão, e eu estava preocupado sobre o lugar em que tinha que me sentar quando tivesse uma qualquer cerimónia ou recepção oficial, com ou sem representantes da(s) Igreja(s). Agora sim, sei que atrás de mim ficam personalidades de relevo nacional como os membros das juntas e das assembleias de freguesia, os directores de serviço, os chefes de divisão e os assessores e adjuntos dos membros do Governo – autênticos carros-vassoura do aparelho de Estado.

É certo que à minha frente há cinquenta e três posições, multiplicadas por vários cargos ex-aequo, mas vou tentar tirar partido da minha posição 54. A começar já pelas marcações de mesa nos restaurantes do Algarve!

Até breve.

Não












le tableau noir - Picasso


Não tiro os meus olhos do mar,
não disponho as mãos geométricas,
calmas, sobre o colo.
Mantenha-se distante ,
diz o aviso em minha testa.

Não evitarei o lugar do corpo,
- o lugar natural ao qual ele pertence -
ou o da voz. Não evitarei a canção.
Não darei voltas ao redor
do óbvio : círculos são formas repetitivas.

Não navego no discurso vazio,
os dias são poucos e raros
para silenciar a fala
com a palavra vã.
Não renego o que digo
nem aceito arreios a atormentar-me os versos.

Não me dobram as noites longas,
cujo céu cresce, onda negra
no silêncio em torno.
O tempo não corre trajetos exatos,
amanhã cantarei a lua, o dia.

Não me cales as palavras
de qualquer ordem
- não me calarei para que durmas em paz,
não me importas.
Não as enfeito com lirismo
elas têm brilho próprio.

O poema é a matéria
que tenho nas mãos.



Silvia Chueire


Funcionários Públicos – II

Hoje uma rádio fez um fórum sobre os funcionários públicos. Não param de aumentar, diziam uns. O Estado engorda, engorda, diziam outros. O Governo falhou nas suas previsões, concluíam todos.

Pouco ouvi, mas pelo que ouvi e percebi, a questão não deveria ter sido abordada nos termos em que o foi. A rádio ao colocar a questão nos termos em que o fez, enviesou toda a discussão e a conclusão ou tendência central do fórum, só poderia ser a que os promotores pré-definiram.

Face à notícia veiculada por alguns jornais, acerca do aumento de funcionários públicos, o fórum deveria, antes de mais, incidir sobre as chamadas funções do Estado e procurar saber se estas estão sub ou sobredotadas de pessoal.

A ideia geral que existe é que o pessoal das prisões não chega; que os processos nos Tribunais não andam por falta de pessoal que faça as notificações, que promova penhoras, etc.; que nos hospitais e centros de saúde faltam médicos, enfermeiros e técnicos auxiliares; que os serviços de inspecção (económica, fiscal, de trabalho,…) são profundamente ineficazes por falta de pessoal; etc., etc.

Esta ideia geral (que até pode estar errada) é que deveria ser confrontada. Mas se essa ideia for verdadeira, então, qual a credibilidade do estafado slogan: o “Estado continua a engordar”? A engordar, onde? Em que sector?

Se, por exemplo, os Tribunais, a polícia judiciária, a PSP, os serviços de inspecção forem reforçados com mais efectivos, a máquina judicial e inspectora torna-se mais eficaz e o retorno que o Estado obtém é seguramente superior (muito superior) ao gasto com esses efectivos. Neste caso, qual o problema em o Estado engordar?

A avaliação do Estado mais ou menos gordo não deve ser feita apenas na perspectiva de ter mais ou menos funcionários. Tem que se avaliar o respectivo custo-benefício.

Diferente é a alteração do estatuto dos funcionários públicos que, aberrantemente, continua a garantir emprego para toda a vida, independentemente do desempenho profissional de cada um e que não possibilita premiar o mérito. Este estatuto é que deveria ser profundamente alterado, tal como o caótico número de categorias e carreiras.

20 julho 2006

Um "comandante" para o Ministério Público?

Por Eduardo Maia Costa, Procurador-geral Adjunto, no blawg Sine Die
(sublinhados meus)
Segundo o Bastonário da Ordem dos Advogados o novo Procurador-geral da República deve ser um "verdadeiro comandante". Estas palavras são equívocas e podem ser interpretadas no sentido de que é necessário um reforço da hierarquia do MP. Se for esse o sentido das palavras do BOA, devo dizer que discordo frontalmente.
Sempre me opus a uma visão administrativista do MP, sempre considerei essencial à boa administração da justiça, pelo menos a uma justiça imparcial e independente, características essenciais e indispensáveis de uma boa administração da justiça, um MP judicial, um verdadeiro órgão de justiça e não um órgão da administração pública.
Creio que a análise dos diversos sistemas existentes demonstra inequivocamente que a proximidade do MP em relação ao executivo é directamente proporcional à dificuldade na afirmação da justiça como poder independente. É sempre através do MP, "elo mais fraco" do poder judicial, que são veiculadas, com maior ou menor visibilidade e eficácia, as tentativas (legítimas e ilegítimas) de interferência na justiça.
Não basta, porém, a autonomia externa; só um grau mínimo de autonomia interna, de autonomia de acção e decisão de cada membro do MP, garante a judicialidade do MP e consequentemente a salvaguarda dos valores que lhe compete defender.
Por isso, creio bem que o MP português não precisa de um "comandante" (com a inevitável conotação militar ou policial que essa palavra envolve), nem de um dirigente carismático (experiência já vivida e que não deixou saudades), mas de um PGR que se entusiasme e entusiasme os seus subordinados no cumprimento das suas funções constitucionais e estatutárias, que saiba despertar e canalizar energias para as dificuldades e problemas, que saiba encontrar novos métodos de trabalho e organização, que privilegie o diálogo e a discussão, em detrimento do "direito circulatório", que saiba mobilizar toda a magistratura para enfrentar a crise em que está mergulhada.
O PGR não é o MP. É apenas o seu dirigente máximo e porventura o seu "alvo" mais exposto. Tem um estatuto ambíguo, não isento de fragilidades. Sem os magistrados do MP, no seu conjunto, não "vai lá". É preciso que o próximo PGR tenha consiência disso.

PROCESSO PENAL - mudanças anunciadas

In JN (excertos)

(...) nas intercepções telefónicas, vai ficar consagrado expressamente que, além do suspeito, podem ser escutados terceiros sobre quem haja "fundadas razões" para acreditar que transmitam ou recebam comunicações referentes ao suspeito. Isto, além da própria vítima de crimes, o que constitui outra inovação.
Quanto a prazos para escutas, fica definido três meses como período máximo. A autorização é renovável mas terão, no mínimo, de se manter as suspeitas iniciais. Por outro lado, de 15 em 15 dias o processo de intercepção tem de ser fiscalizado pelo juiz. Presentemente, a lei refere que as escutas têm de ser levadas pelas polícias "imediatamente" ao juiz, o que, não acontecendo, tem levado, em muitos casos, à sua anulação.

(...) restrição às detenções fora de flagrante delito. "Só poderá haver este tipo de detenção se houver fundadas razões para acreditar que a apresentação à autoridade não seria voluntária. Só por este aspecto já valia a pena esta revisão! Acaba-se com as detenções em directo nos telejornais", defende o penalista [Germano Marques da Silva]

(...) consagração da obrigatoriedade de "todos os interrogatórios de arguidos presos terem de ser acompanhados por defensor" e também a possibilidade de as testemunhas fazerem-se acompanhar de advogado em todas as inquirições.
Assim como o facto de ficar escrito na lei que, no primeiro interrogatório judicial, o juiz deve explicar ao arguido os indícios de crime que lhe são apontados.

Tudo muito à boleia do processo "Casa Pia", sintetiza o jurista [Germano Marques da Silva].

Todos com advogado
Testemunhas poderão estar acompanhadas de advogado. O procedimento só tem sido aplicado a arguidos.

MP define acusação
Nos crimes particulares, o processo deixa de seguir em frente se o MP não encontrar indícios suficientes. Só a vontade do denunciante não chega.

Recursos
Alargado para até 30 dias prazo para recorrer. Deixa de haver transcrições de depoimentos. Juízes desembargadores passam a ouvir cassetes. Audiências nos tribunais superiores passam a facultativas.

Segredo de justiça
MP é quem define se processo está em segredo. Mesmo assim, o arguido pode opor-se à publicidade até à decisão instrutória.

Presos com defensor
Arguidos detidos passam a não poder prescindir de defensor em interrogatório.

Prisão preventiva
só para crimes puníveis com mais de cinco anos de prisão; prazo máximo de prisão preventiva vai baixar de quatro anos e nove meses para três anos e quatro meses.

Escutas telefónicas
Prazo de três meses. Juiz controla de 15 em 15 dias. Conversas deixam de ser transcritas. Polícia só faz resumos. Terceiros conluiados com suspeitos podem ser escutados.

Contradição nas perícias
Os peritos nomeados pelo tribunal têm de ser acompanhados por consultor nomeado pelos arguidos

O leitor impenitente nº 6

Um policial na varanda, frente às casuarinas

Então não morreu o Mickey Spillane? Ora bolas, e eu que pensava que ele já não era deste mundo há um bom par de anos! Foi preciso ler a coluna do Eduardo Prado Coelho para me dar conta deste óbito. O Eduardo não dizia se morrera de morte natural ou de algum tiro de ricochete, morte mais apropriada a este autor violento, que eu conheci via Vampiro, faz nem sei quantos anos. Tenho mesmo uma boa dúzia de livros dele: herança, ofertas, empréstimos não devolvidos, compras em alguma estação da CP para tornar a viajem mais leve? A verdade é que o tenho perto de outros do mesmo teor (Carter Brown, Henry Kane, Richard Prater. Dan Marlowe), livros comprados para uma urgência, literatura de praia sem livrarias, de ler e esquecer.
Recordo, entretanto, que esta adicção ao policial, bom, mau, medíocre ou péssimo vem de África. De Moçambique. Mais precisamente, do norte de Moçambique, no que foi o distrito de Nampula e agora será província, ao que sei. Nesse tempo íamos muito para o “mato” visitar amigos. Viagens espantosas pelas picadas de matope, para pequeníssimas terras com nomes mágicos, nomes africanos, plenos de luz, que queriam dizer coisas, que falavam da alma do lugar: Lalaua, Maringa, Mecúfi, Quixaxe, Chaonde, Quitxundulo, Ribáue, Amaramba, Bilibiza, Ziu-ziu, Ulúngué. E paro aqui porque já houve um palerma que trocou as memorias da infância com colonialismo, como se ter passado anos felizes em África fosse crime!
Ora nessas escapadas, enquanto os meus pais jogavam bridge e canasta com os hospedeiros e vizinhos, eu enfiava-me numa varanda enorme e amena (havia sempre uma varanda fresca, com uma mesa de gulodices e sumos de fruta) e zás pilhava o primeiro livro que via. E muito embora houvesse alguma “boa literatura” não faltavam livros que se lessem numa, duas horas, livros de que se podia interromper a leitura, deixá-la a meio se fosse caso. E entravam aí os policiais. Desde os Vampiros à XIZ, colecção rival, e aos editados no Brasil. Nunca percebi porquê mas no Moçambique dos anos cinquenta, circulavam revistas brasileiras (“O Cruzeiro” com o imortal Vão Gogo, um humorista como nunca mais houve; os “Guri” e “Gibi” revistas de banda desenhada para a miudagem, e mais umas tantas cujo nome perdi) e livros editados no Brasil sobretudo policiais (os Prather e companhia). Daí este meu profundo conhecimento e eventualmente parte destes livros baseados num esquema imperdível: detective engatatão, criminosos péssimos e burros, loiras mamalhudas, vamps morenas e tiros, muitos! Um regalo!
Paralelamente apareciam uns autores de nomes americanos mas que o não eram. Não falo do Dennis MacShade, que também terá aparecido mas tão só de dois outros que finalmente se tornaram famosos depois de terem ouvido exactamente os mesmos qualificativos: Ross Pynn e Dick Haskins. Ou seja, agora sabe-se, os senhores Roussado Pinto e António Andrade Albuquerque. À cautela tinham pseudónimo americano e a acção do romance passava-se em meios anglo-saxónicos. Confesso que não me recordo de nenhum. Mas nem por isso os desprezo. Um livro é sempre melhor do que um bombardeamento no Líbano. E tem menos vítimas colaterais! Aliás eu sou dos que pensam que, para haver bons romances policiais, houve que escrever muitos maus. Para fazer a mão do escriba, para divulgar o género. É por isso que sinto um pequeno aperto no coração ao saber do passamento do pai do Mike Hammer! E, se me é permitida uma confissão, alguns dos seus livros são melhores de muito do que a título de literatura, se publica por aí. Por aqui!
E já que falei de boa e má literatura, permitam os leitores que, por ter falado de Moçambique, recomende dois livros a todos os títulos notáveis: “Tabus e vivencias em Moçambique” e Mitos, Feitiços e Gente de Moçambique”. O autor, Edgar Nasi Pereira, era amigo do meu pai. Conheci-o quando era administrador de Meconta, a leste de Nampula, a caminho das praias abençoadas do Mossuril. Acho que na sua bonita casa de Meconta, outra varanda!, também terei lido algum policial. Os livros de que falo, e vivamente recomendo, estão publicados pela Caminho.
Se algum dos leitores encontrar esse venerável ancião, há-de ter oitenta e vários, fará o favor de o cumprimentar por mim. O filho do Marcelo, o médico de Nampula! Ou diga-lhe: kanimambo!

um leitor avisou-me da falta de leitor (im)penitente nº 3. É verdade. Está escrito á espera de oportunidade. Graças a Deus, sou apenas um escriba do efémero, nada de grave, posso dar-me ao luxo de achar que nos escritos que vou perpetrando a ordem dos factores é arbitrária. Mesmo que essa lei científica não se aplique ao caso em apreço. Um dia destes sai o nº 3 do leitor. Enquanto houver paciência para me aturarem.

Manhã no Hospital

Hoje tive consulta no Hospital. Já não é nada de grave e, por isso, não estava particularmente ansioso. Bem sei que a consulta estava marcada para as 8.30h. Toda a gente tem a mesma hora marcada. O Serviço fica inundado de gente. Já aprendi. Só chego pelas 10 horas e normalmente sou atendido pelas 12 horas. Sinceramente, não me importo. É que sou bem atendido pelo médico e admiro o seu profissionalismo e competência. Sei que, antes das consultas, há cirurgias. E que as urgências passam à frente. Não sei se o Serviço podia ser melhor organizado (não sou espcialista, mas acredito que sim!), mas é intolerável ouvir as pessoas que esperam. Barafustam, dizem palavróes, ameaçam agressão. A intolerância reina, como pontifica a má educação. Somos um povo iletrado, pois, em qualquer outro lado (conheço o exemplo do Luxemburgo), não havia alteração da tranquilidade pública, verificar-se-ia é que, quem se sentisse lesado, registaria por escrito as suas queixas. Mas cá ninguém põe por escrito as reclamações. Pelo meio do povo (que espera e ... fuma!), passam os doentes a caminho do bloco operatório. Passado algum tempo, regressam combalidos. Mas ninguém reduz o som, a confusão, os protestos. O sofrimento dos outros deveria merecer o nosso respeito. Ainda me lembro de quão desagradável para mim foi passar pelo meio da turba a caminho do bloco (aquele cheio a tabaco; aquela vozearia, ...)
Devo dizer que o Hospital pode não funcionar bem, mas o acto médico tem qualidade, por isso respeito quem exerce a medicina no Hospital e admiro a paciência que revelam.
Hoje tive de intervir com calma, para explicar às pessoas que os médicos estavam a trabalhar e que todos iam ser atendidos. Consegui reduzir um pouco a confusão e lá consegui ir lendo a "Ius Canonicum" (+/- 150 pp.). O tempo dá para tudo!

Funcionários Públicos

Hoje de manhã dei comigo a pensar que agora que estamos em período de férias e temos cá muitos estrangeiros, se algum destes perceber minimamente português e ouvir as palavras “ funcionários públicos” poderá pensar que temos cá em Portugal uma máfia tipo Italiana. De facto, fala-se em Portugal sobre funcionários públicos como se estes fossem um grupo de malfeitores, com a cabeça a prémio, a abater. Ora, eu que sou adepta de um serviço público forte e de qualidade, que reconheço no serviço público e nos seus funcionários uma componente fundamental de uma sociedade que se pretenda minimamente justa, não consigo aceitar esta caça ao homem. Apoio fortemente todas as medidas que visem optimizar recursos, tornar mais eficazes e eficientes os serviços públicos. Exigir das pessoas mais e melhor é possível e desejável, até porque está instalada em muitos sectores públicos um comodismo confrangedor. Há de facto imenso a melhorar. Mas isso é uma coisa. Outra, muito diferente, é o “bota a baixo” generalizado, o não reconhecimento pelo muito de bom, diria excelente, que é feito no sector público e a fuga para a frente, criando serviços semi privados paralelos, em vez de se fazer investimentos na reestruturação e desenvolvimento dos diferentes serviços.

Li há dias no Público que Portugal bate todos os recordes europeus no número de parcerias público privadas. Será que esta caça ao “funcionário público” tem alguma coisa a ver com isso?...

19 julho 2006

Estes dias que passam - Gulbenkian

Gulbenkian!

1 Eu cá sou, como diz o meu amigo Mário Vale Lima, “cão que conhece dono”. Quero com isto dizer que me sinto grato e gosto de o dizer. Já basta de tanto mau momento que se passa para ainda por cima não sabermos essa coisa simples e magnifica que é dizer obrigado.
E agora que a Fundação Calouste Gulbenkian faz cinquenta anos, repito o que mesmo aqui (Gaudeamus Igitur) já disse: fui bolseiro da Fundação e estou-lhe por isso muito grato. Pode haver quem diga que a fundação não fazia mais do que cumprir os seus estatutos. Pois! Mas eu estou-lhe à mesma grato, gratíssimo. Durante alguns anos pagaram-me com honrada decência bolsas de viajem e estadia para o Curso Superior de Direito Comparado, para o Curso de Direito do Trabalho Comparado e para um primeiro ciclo de Instituições Europeias. Cinco bolsas!
E porque fui associado do CITAC (Centro de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra) e fiz parte do elenco de diversas peças levadas à cena –sempre na equipa técnica, confesso – também lhe tenho de agradecer o apoio sem reservas à actividade do grupo. E como gosto de teatro tenho de agradecer a ajuda dada a todos os grupos universitários de teatro. E porque frequentei muito as suas actividades acho que também isso é de agradecer. Como finalmente agradeço a excepcional publicação “Colóquio Artes” e a sua mana, identicamente excelente “colóquio letras”.
Dona Gulbenkian, obrigado, Danke, grazie, merci, thank you, kanimambo!
2 E já que estou com a mão na massa, deixem-me agradecer, entre todos, sem os esquecer, a um grande senhor da Universidade e da Cultura Portuguesas: António de Arruda Férrer Correia. Professor distintíssimo, homem de palavra e de palavras, corajoso militante do MUD, Reitor da Universidade de Coimbra, Reitor Honorário da mesma escola, Director da Fundação e seu Presidente.
3 Há uns anos, numa roda de amigos, veio à baila o nome de Férrer Correia. Assim a secas: Férrer Correia! E duas vozes, e uma era a minha, atalharam de supetão: Doutor Férrer Correia! Doutor por extenso, por mérito, por qualidade absoluta. O infeliz dono do Férrer sem mais, desculpou-se, estava distraído, pois claro, Doutor. Muito tempo depois, num programa de rádio ouvi-o com estas que a terra há-de comer: Doutor Férrer Correia, pausa, Professor Doutor Férrer Correia, corrigiu-se. E nesta correcção ia um imenso e respeitável efe erre a! Dos sentidos!
4 Uma história muito pessoal: no primeiro ciclo de Direito Comparado, realizado com dignidade impar na Fundação, o Doutor Férrer Correia estava na mesa de honra na sessão final para a distribuição dos diplomas. Por acasos da sorte, eu fui o único português a ter uma mention trás bien. Os respeitáveis cavalheiros da mesa iam, à vez, dando o diploma à rapaziada mas num determinado momento, vi o meu antigo professor de Comercial e Internacional Privado, gesticular comicamente e obrigar o Professor Krutogulov, Pro-Reitor da Universidade de Moscovo, a trocar de lugar com ele naquela soleníssima sessão. E com a voz vibrante de orgulho, o Velho Senhor chamou não pelo nome do diploma, sempre abreviado, mas pelo nome completo, este vosso criado: MCCR! E não contente com isso, apresentou-me formalmente a todos os membros da mesa! Viva eu cem anos que nunca esquecerei esta imensa honra feita por um professor a um seu antigo aluno.
E por isso, durante anos a fio, sempre que ia a Lisboa ou a Coimbra, eu tentava visitar o Doutor Férrer Correia, cumprimentá-lo, dar notícias. Em não estando, era simples: um cartão de cumprimentos. Nunca fiz isto a mais ninguém. Provavelmente, com a idade que levo, nunca mais o farei. Mas este homem era excepcional: excelente professor, simpatia irradiante, humor muito britânico, dedicado aos alunos (e por tantos, tantas vezes me perguntou), corajoso, simples e sempre, sempre ao lado dos seus estudantes.
No meu panteão pessoal, e também já aqui o disse, há uma série de personalidades que muito me marcaram; Paulo Quintela, Luis de Albuquerque, Orlando de Carvalho, Jorge Delgado, Marcos Viana, “Fred” Fernandes Martins, Ilídio Sardoeira, tudo professores e amigos, a que não falta, e aqui, sim sem doutor nem senhor, Férrer Correia.
Não foram ministros, generais, jet set, muito menos empresários ou dirigentes políticos. Foram só, e apenas, como se diz no hino, varões assinalados. Os seus nomes são para mim um acróstico de pátria, um dique contra a desesperança, um voto no futuro, uma doce recordação. Como a das cerejas, que eram ginjas!, que comíamos na árvore ou o mar de Buarcos!


PS: o confrade d'Oliveira pede o favor de co-assinar este texto. Sempre ás ordens, d'Oliveira! Tenho muito gosto.