31 outubro 2008

Estes dias que passam, 129


JVC tire sa révérence

É verdade. O blog “meubloconotas” sai de cena. Não devia, digo eu, mas o João Vasconcelos Costa está já noutra, como me escreve.
Muitos dos meus leitores conhecerão este blog, fruto da inteligência (muita), da cultura (idem) do João. E de mais algumas pessoas que o entusiasmo do João arregimentou para a (boa) causa do ensino universitário e não só.
Eu sou amigo do João desde há décadas. Conheci-o através do meu irmão, quando ambos andavam em Medicina em Coimbra. Depois, como era norma do tempo, passaram-se para Lisboa onde continuaram a dar-se. Parece que se juntavam no velho “Bocage”, poiso do José Gomes Ferreira, do Abelaira e de mais alguns poetas e escritores. Imagino o que aqueles jovens estudantes estúrdios diriam dos “notáveis” que partilhavam o seu espaço.
Voltei a saber do João sempre que havia um desses vírus novos e tropicais. A televisão ia desencantar o senhor Professor Doutor para explicar a coisa. O João desempenhava o seu papel com segurança e rigor numa linguagem desarmantemente simples. O raio do homem tinha a vocação do Ensino (com letra grande) metida na pele.
Reencontrámo-nos fisicamente nas sessões dos “Estados Gerais” onde fazíamos uma perninha independente no Conselho Coordenador. Foi um tempo de esperança, igual a tantos outros por onde andámos empenhados e arriscando o canastro. Que o João, além de grande aluno, foi um dos homens fortes da R.I.A. em meados de sessenta (não sei mesmo se não terá sido seu Secretário Geral) e ao mesmo tempo estava metido até às orelhas no partidão. Isso no tempo em que a repressão era a sério e em que as denúncias e as traições além de serem frequentes eram o pão nosso de cada dia.
Um gajo destes, doublé de grande leitor, de imparável cozinheiro (com livro publicado: uma Bíblia para os gourmets!), dotado daquele humor açoriano que se temperou pelas europas, tinha por força que abrir um blog. Que teve (e tem) leitores fervorosos e dedicados para quem a notícia do fecho é uma má notícia.
Bem sei (ele já se tentou justificar) que há o cansaço, a ideia que poucos leitores se interessam pelo que dizemos, a concorrência feroz do dia a dia, o risco de termos de comentar constantemente a espuma do tempo, sei lá que chatices mais. Também sei que ele vai abrir uma coisa que me descreveu como um portal (que é que será isso?) onde poderá escrever textos longos sem receio que os leitores abandonem ao fim de dois parágrafos. Ou seja, o João vai continuar no éter, na estratosfera, nesta bolha, enfim nesta coisa de que não percebo patavina, mas tudo isso e o seu charme, o seu rigor, a sua indignação, as suas cóleras vulcânicas (ou não fosse ele dos Açores...), o seu humor, as suas frechadas sempre argutas e a acertar no alvo, não são suficientes para que não nos sintamos mais sós, mais desacompanhados.
Eu não sei se tenho muitos ou poucos leitores. Parece que há uma maneira de o saber mas, como sabem as leitoras gentis, eu sou um ignorante absoluto desta geringonça. A estimável Kamikaze, administradora deste blog considera-me um caso perdido mas, como toda e qualquer mulher bonita, ampara-me como se ampara um filho um pouco atontado. Com uma diferença: eu já não cresço. Ou melhor cresço para os lados, que o pneu está viçoso.
Pois bem, apesar de só saber dos leitores pelos comentários e pelos mails cá vou continuando a distribuir maravalhas, indignações e críticas con un palo dando y a Dios rogando. Também me canso, me farto, me irrito. Também sou tocado pela imortal deusa da preguiça (espero que haja uma no panteão grego, tão cheio de deuses oportunos e oportunistas), também descreio desta cruzada que o não é que eu para cruzadas já dei, fechei a loja há muito e não vai ser agora que a reabro. Desconfio de cruzadas, diga-se em boa verdade, mesmo (e sobretudo) das mais seráficas e inocentes. No outro extremo há sempre alguém que se lixa e eu não vim para redimir os humanos nem para servir de Vichinsky. Estou aqui como mera testemunha deste tempo armado de um computador MacBook Pro e da minha indignação. E do meu entusiasmo pelos livros, pelas pessoas e, já agora, por Mozart.
Percebo todavia que o JVC não pense da mesma maneira. Chateou-se e vai embora. Ou nem isso: vai para outra, mais séria, mais “portal” (seja lá isso o que for). Mas vai com, a minha saudade a minha amizade e a minha admiração: pelo que escrevia, como escrevia, pela elegância, pela ironia e pela vontade de ser útil. Raios partam os açoreanos...

Como prova de que sou um desastrado isto hoje sai tudo sublinhado. Juro que não estava assim no rascunho. As ilustrações reportam-se ao JVC himself e a dois (entre vários) livros que ele perpetrou: a ler sem falta!





30 outubro 2008

A candidatura de Elisa Ferreira move-se

A candidatura de Elisa Ferreira à Câmara do Porto começa a mover-se e a preparar-se para a luta. Elisa Ferreira tem reunido com universitários, gestores, empresários e quadros de reconhecida qualidade, que têm reflectido sobre o caminho e as opções a seguir. Diz-me quem tem frequentado esses encontros que há algumas presenças surpreendentes, sobretudo do meio empresarial, e que o clima que se transpira é de confiança, serenidade e firmeza na necessidade de debater a cidade (e a região) sem determinismos e sem cedências à demagogia barata.

As pessoas que estão com Elisa Ferreira, e a própria, parecem ter os pés assentes no chão, têm noção das qualidades e fraquezas de Rui Rio e isso é meio caminho andado para não embarcar em euforias. Assim como também conhecem as debilidades do PS local, a nível concelhio e distrital, e estão preparadas para lidar com isso.

O combate é difícil, mas deve ser sustentado em ideias, projectos e convicções. Com elevação. Pelo Porto.

29 outubro 2008

Au Bonheur des Dames 146


Oh happy days!

Há dias assim; ou melhor fins de semana assim: estava eu sossegadinho da silva, a registar uns livros acabados de comprar com a ajuda sempre ineficiente da Ingrid Bergman, a gata amarela que não pode ouvir tocar em papel sem imediatamente se apresentar à espera de uma milagrosa bola (de papel bem amassado) para brincar durante horas, quando apareceu a CG seguida da Kiki de Montparnasse (a gata cinzenta) e, sem ter-te nem guar-te, disse: Vou mudar o meu escritório para a salinha de estudo da Ana. Não quer ficar com ele para pôr lá mais umas estantes e os livros que entretanto vai comprar?
As gatas estavam estupefactas e eu pensei que a CG estivesse a gozar. Uma sala belíssima, o segundo melhor quarto da casa, paredes laterais com cinco metros cada, ou seja sessenta metros de estantes prontas a encher, quem é que não queria?
Murmurei uma vaga aceitação, pois convém não mostrar demasiados arroubos nestas ocasiões. Pelo menos enquanto não soubermos o que a ocasional dadivosa criatura quer em troca.
Nada!, disse. Não queria nada. Ou coisa pouca, pouquíssima. É que, confidenciou-me, pensava que eu não quereria a estante preta que estava na parede esquerda.
A dita estante, se é que tal alboio se pode considerar uma estante, é uma monstruosidade preta (já o disse) de 3x2 metros com tábuas de sete centímetros de largura. Pesa um balúrdio, e veio de uma dessas lojas careiras onde ninguém percebe que uma estante é uma coisa para ter livros e não um o resultado da inteira desflorestação da Amazónia.
Mas a CG tomou-se de amores por aquela monstruosidade e achou que tábuas fortes eram o ideal para acomodar os muitos livros de arte que tem (A CG pinta, ganhou mesmo uns prémios e, nos tempos em que dava à paleta, ganhava o suficiente para ir comprando os carros ,sempre carrinhas para poder trazer as telas sem mexer no cacau que recebia pela profissão dominante). E vocês sabem o peso e o tamanho desse género de livros.
Portanto, a sala vinha inteira e virginal para este vosso criado, desde que eu desmontasse, carregasse e voltasse a montar aquela meia tonelada de madeira. Ai acham que não é meia tonelada? Então venham cá e vejam. Podem ser menos uns quilos mas eu que já não na primeira (nem na segunda) juventude sei bem o que carreguei. E há três dias que nem sinto as articulações.
Portanto, desmontámos a estante. Deitada no chão, claro para ver se não se morria de uma paulada das estantes. Depois carreguei as tábuas para a outra sala e toca de montar o objecto negregado. Como a sala é mais pequena tive de dar às meninges para ver qual era o modus faciendi mais prático. A parte mais larga, montou-se sem grande novidade, levantou-se e escostou-se à parede. Depois havia que lhe juntar uma parte mais pequena com cerca de um metro de largura que teria de ser ajustada á parte maior. O que significava, caso não saibam, fazer coincidir 10 parafusos (ou lá como se chamam com as estantes já montadas no alçado. E aí, digo-vos, aqui à puridade, foi o cabo dos trabalhos. À uma aquilo pesava que se fartava, depois, as estantes propriamente ditas tinham de ser mantidas a direito porwue com o peso podiam torcer os parafusos que as seguravam ao lateral. Enfim, um esforço hercúleo, quiçá o 13º trabalho do herói só que em versão lusitana e com um artista sexagenário! Perdi (foi a única coisa boa) cinco quilos de peso e dois anos de vida futura. Perdi ainda outros tantos dado o copioso número de palavrões que utilizei contra a estante e contra mim que caíra naquela asneira. Deus tem ouvidos, sobretudo ao fim de semana, altura em que os pecadores andam mais buliçosos e propensos ao pecado mortal.
Almoçámos já passava das três da tarde. Recuperei os quilos perdidos (cfr. supra) tal a fome que tinha.
A manhã passara totalmente preenchida com estes trabalhos de alta (e pesada) marcenaria pelo que só à tarde pude ver o correio. Então não é que um par de leitores e uma leitora entenderam afagar-me o ego a propósito das minhas pobres croniquetas com recados tão amáveis que me babei. Notem que eu não sou (nunca fui) modesto e muito menos humilde. Mas esta leitora, Manuela A. amiga de gatos e de jazz, o Alberto B., teólogo amador e leitor compulsivo e o temível e velho partner José (o leitor e comentador que me obriga a pensar e com quem tenho mantido cordiais diálogos por aqui) aliaram-se sem o saber para proporcionar a um escriba (a este escriba) um momento de prazer mesmo se (há que dizê-lo) tenham sido demasiado amáveis e exagerados nos cumprimentos que me fizeram.
Digamos que, apesar da estante preta, pesada, perversa, pavorosa e perigosa, o fim de semana foi glorioso. Quem ganhou com isto tudo foram as gatas a quem ofereci uma latinha de paté (para gatos) com que elas entraram em órbita e a CG que vai receber um sumptuoso álbum da primeira grande exposição de Matisse adquirido num leilão. Ela ainda não sabe mas este álbum é mesmo um caso sério. Excelentes reproduções, textos críticos de rara qualidade e a sombra luminosa e divertida desse mago das cores de quem Pimcrcasso disse uma vez que além de Deus só Matisse o poderia criticar com verdade e rigor.

a gravura representa, está bem de ver, as gatas cá de casa. O título (de um velho gospel) pretende homenagear os amadores de música negra e ocasionalmente os de música religiosa. E esta tema vale bem alguns outros magníficos de canto gregoriano, não?

26 outubro 2008

O leitor (im)penitente 41


A minha avó era uma leitora sui generis. E uma contadora de histórias absolutamente abracadabrante. Capaz de tudo por um final feliz, um final como os que outrora uma escrava lhe contava. Uma escrava comprada para entreter a menina acabada de nascer. Uma escrava dirão? Sim, uma escrava ou algo igual e da mesma substância. As leis generosas e anti-esclavagistas só funcionavam em escassos sítios do Império e seguramente não funcionavam nesse Sul de Angola povoado por tchicoronhos (madeirenses), boers audaciosos e portugueses fugidos do Brasil onde um nacionalismo recente e exaltado não aceitava os portugueses que não adquiriam a nacionalidade brasileira.
A avó, além de contadora de histórias, tinha um fraco por pôr alcunhas. Era mesmo mortífera nesse exercício. Ainda me lembro de um desinfeliz a quem ela apodou de “batata rim”. A criatura nascera para aquele nome!
As escolhas literárias da avó, já o disse, eram inesperadas. Gostava do Ruben A (nos anos 60!...) e de um autor que nos deixava ( a mim e ao meu irmão) perplexos: Pires Cardoso. É que não conhecíamos ninguém com esse nome. O mistério durou algum tempo. Mais propriamente até ao dia em que ela exasperada pela nossa ignorância nos deixou um título: “O anjo ancorado”.
Mas é o Cardoso Pires, bradámos! Ou isso, respondeu a Avó que se tinha apoderado de uma “Retirada dos 10.000” na versão de Aquilino Ribeiro que me tinha sido oferecido por uma namoradinha chamada Judite. E continuou a ler.
Felizmente não conhecia Shakespeare, pelo menos em versão erudita, senão ainda nos tinha atirado com “o que é “um nome?” do Romeu e Julieta, para nos provar que a sua distracção quanto a identificações era uma mera formalidade dispensável entre pessoas de bem.
Lembrei-me de tudo isto ao ler hoje um belo texto de Vasco Pulido Valente sobre o Zé Cardoso Pires.
Eu também faço parte dessa confraria entusiasta de leitores. E isso desde um dia tristonho no colégio Almeida Garrett onde penava e tentava sobreviver lendo tudo o que me passava ao alcance. Numas das raras saídas autorizadas (para um concerto da Juventude Musical vira na livraria Divulgação (hoje Leitura) o livrinho, acabado de sair e, sem saber do que se tratava, gastara a mesada na compra do voluminho. Há exactamente cinquenta anos! Cinquenta anos em que gastei três edições do anjo. Uma dada como penhor de amorios juvenis, a segunda desaparecida por Coimbra, sabe-se lá graças a quem e a última comprada logo a seguir (pela data que ostenta) e que por milagre ainda habita uma estante da biblioteca junta com toda a restante produção do Zé Cardoso Pires.
Conheci-o mesmo e falei com ele um escasso número de vezes. Numa delas contei-lhe a confusão de nomes em que a minha avó persistia. E aproveitei para lhe pedir uma dedicatória um “Delfim” antecipadamente comprado na Opinião para oferecer à Velha Senhora. Nessa noite gloriosa, na “Trave” dos irmão Jaime e Santos, o Zé Cardoso dedicou com palavras carinhosas o seu livro para uma senhora de oitenta anos e assinou “José Pires Cardoso”.
What’s a name? That which we call a rose
By any other name woud smell as sweet

25 outubro 2008

Ferreira Torres out

Os jornais noticiaram esta semana que a juíza que preside ao colectivo que está a julgar Avelino Ferreira Torres expulsou da sala de audiências, por desrespeito ao Tribunal, o ex-vereador da Câmara de Amarante, ex-presidente da Câmara de Marco de Canaveses, ex-senador do CDS-PP e putativo candidato de novo à autarquia marcoense. Parece que após algumas ameaças inconsequentes a senhora juíza se encheu de brios e colocou mesmo Ferreira Torres de castigo, do lado de fora da porta de saída. Como ele merecia há muito tempo e como já teria acontecido a qualquer outro cidadão caso tomasse as mesmas atitudes de Ferreira Torres.

Avelino Ferreira Torres habituou-se durante anos e anos a insultar e agredir opositores nas mais diversas circunstâncias, gozando de total impunidade e da complacência de terceiros, fosse em reuniões do executivo, da Assembleia Municipal, em debates, na via pública ou nos campos de futebol. Há muita gente que sabe do que eu estou a falar…

Ainda bem que, finalmente, alguém o travou. Talvez tarde, mas travou

O Metro do Porto na Asprela (sempre em continuação)

Escrevi aqui a última vez sobre a saga do Metro do Porto na Asprela, junto ao Hospital de S. João e ao campus universitário. Afinal, um ano depois continua por requalificar e ordenar o trânsito e o estacionamento na Alameda Prof. Hernâni Monteiro e na Estrada da Circunvalação, na zona fronteira ao hospital.

Não sei se a culpa é da Metro do Porto, da Câmara Municipal ou do Hospital de S. João. O que sei é que não é normal ver o estacionamento selvagem e os túneis abertos e sem uso, que apenas servem de depósito de lixo, numa das principais entradas da cidade, próximo da maior concentração universitária do Porto e no acesso a um hospital central. Mas como Rui Rio, presidente da Câmara e administrador da Metro do Porto só se preocupa com a Avenida da Boavista e com as corridinhas dos popós…

23 outubro 2008

Estes dias que passam 128


As políticas de circunstancia
e as circunstâncias da política


Uma pessoa tem de se rir. Do pais, do governo, de si própria. Em tempos de crise “rir é o melhor remédio” como se dizia numa secção das Selecções do Reader’s Digest, nos tempos em que a revista era feita no Brasil.
Vem isto a propósito da célebre “mobilidade especial” um truque inventado pelas criaturas que velam por nós e sobretudo pelos funcionários públicos. Em teoria a coisa era mais ou menos assim:
Os funcionários públicos são uma récua de ignorantes, de preguiçosos, de vampiros que sugam o escasso sangue do povo português que “lhes paga os vencimentos”. Em troca não fazem nenhum, são cúpidos, cedem a cunhas e são regra geral incompetentes.
Em função do que vem de ser dito, o prestimoso governo que com imenso e abnegado sacrifício zela pela nossa vida e fazenda, entendeu mostrar urbi et orbe não só a maliciosa acção da funçanata pública mas igualmente quebrar-lhes a espinha e os gigantescos privilégios de que desfrutavam-
Nessa acção moralizadora tinham especial significado um par de avaliações, a entrega de competências do Estado a privados, o fim do “vínculo” e, last but not the least, uma generosa oferta: quem quiser ir embora pode pedir a mobilidade especial que em teoria significa receber cerca de 75% do ordenado sem ter que pôr o cadáver no serviço. Os descontos para aposentação e demais alcavalas ficam a cargo do funcionário. Pretendia-se atirar para fora do Estado com o maior número de pessoas, de modo a “emagrecer” uma administração pública empolada.
Digamos, para abreviar, que com essa cenoura se pensava alcançar sem grande esforço a saída dos milhares de funcionários (75.000 se não estou em erro) que se previra no inicio da legislatura.
A latere, as campanhas de desprestígio de várias camadas de funcionários desde magistrados a professores sem esquecer os “burocratas” avulsos, iam dando aos menos propensos á saída o pequeno e amigável empurrão que se calcula.
Num primeiro tempo, os funcionários, desconfiados de tanta fartura, não tugiram nem mugiram. Depois com a crispação a que se foi assistindo, alguns mais inconformados aceitaram. Renunciaram a 25% do gigantesco ordenado que auferiam (e que era pago pelo povo trabalhador...) pagaram de seu bolso os descontos legais e descobriram que há vida no exterior.
Sobretudo aqueles que eram relativamente novos e tinham formação superior (os chamados quadros técnicos superiores) verificaram que o rarefeito mercado de emprego os aceitava, os incluía e até os disputava. Parece que tinham experiência, conhecimentos, brio, vontade de trabalhar e entusiasmo.
Foi um rastilho: num ápice perfilaram-se à porta de saída fortes contingentes de técnicos superiores. Fartos de humilhações, de maus tratos, de condições de trabalho miseráveis, de chefias nomeadas pelo poder político e pelo respectivo cartãozinho partidário, vendo o seu mundo atravessado por disputas e denúncias de toda a ordem, eis que se resolviam a dar o salto às vezes depois de dez, quinze vinte ou mais anos de serviço público.
Paralelamente, começou a verificar-se a saída em magote, para a reforma, de milhares de funcionários com mais de cinquenta e muitos anos de idade e com tempos de serviço que ultrapassavam os trinta anos. Partiam, e partem, com fortes penalizações mas tudo lhes parece preferível ao caos que começa a instalar-se em muitos sectores da administração.
E, de repente, os alarmes dispararam: a ânsia de sair ameaça paralisar serviços inteiros. Os novos recrutamentos não trazem a esperada vivificação da função pública. Pior: nota-se que o nível dos recém-entrados apesar dos diplomas, das cunhas, da cor política, é baixo. Ou então, sabe-se como sempre se soube (só o virginal governo e os radicais anti-funcionalismo ignoravam) que a aprendizagem da função é longa, difícil, que necessita de um caldo de cultura, muitas vezes furiosa e estupidamente destruído pela sanha renovadora de quem governa e dos seus cabos de esquadra nos serviços.
E toca a fazer marcha atrás: os jornais de hoje já advertem que a mobilidade especial afinal não é para todos. Não é desde logo para os quadros técnicos superiores. Maria de Belém Roseira repetiu-o na televisão (ressalve-se que esta declaração foi antecedida de um profundo elogio ao funcionalismo, algo que se deve realçar porque vem de uma das mais respeitadas figuras do PS que ainda por cima já desempenhou cargos governativos) dizendo mesmo que lhe parecia estranho que o Estado pagasse para as pessoas irem para casa. Tem carradas de razão mas foi exactamente isso que este governo propôs e começou a levar a cabo. Agora percebem (tarde e a más horas) a asneira monumental que fizeram e vá de dar o dito por não dito.
Amanhã, não se espantem leitoras gentis, algum dos sátrapas que nos iluminam com a sua exuberante incandescência virá a terreiro afirmar que a função pública portuguesa (magistrados e professores incluídos) é da melhor do mundo. Vai uma apostinha?
Esta crónica poderia continuar recheada de exemplos caricatos. Não vale a pena. Basta atentar que se a função pública estivesse tão doente quanto a anunciam há muito que tudo isto tinha parado. E, já agora, se porventura vos vier à cabecinha pensadora fazer uma comparação entre eficiência do sector público administrativo e os diferentes privados que se esboroam ao cheiro da crise não hesitem. E digam-me depois a que conclusões chegaram.
E, já que estamos com a mão na massa, façam o pequeno exercício de tentar adivinhar quem prejudica mais o tal “povo” com que nos moem diariamente. Se a Banca, os Seguros, as empresas com E maiúsculo ou os tais malandrins que se escondem debaixo da mesa do Orçamento (que curiosamente se abre à voracidade privada com um descaramento de puta brasileira prestes a reformar-se, mas isso é outra história)?

A Pior das Crises

O antigo director financeiro do Fortis, Gilbert Mittler, recebeu uma indemnização de mais de 4 milhões de euros para deixar o seu cargo, em Agosto passado, apesar de ter continuado a trabalhar para a empresa.

Outra Faceta da Crise

O Preço do Barril do petróleo baixa para preços de Maio de 2007. Entretanto, no primeiro trimestre deste ano os lucros GALP atingiram os 130 milhões de euros, o que representa uma subida de 43%.

Uma vez que estes lucros foram obtidos quando o preço o petróleo subia, agora, que está a descer, é de admitir que os resultados do próximo trimestre sejam negativos, o que explica que o gasóleo (e a gasolina) não baixe proporcionalmente à queda do preço do crude.

Novos Passos da Crise

O Governador do Banco da Inglaterra revelou, ontem, a sua preocupação com o estado da economia do país, que enfrenta um cenário de recessão, apesar do esforço governamental de 37 mil milhões de libras para evitar o colapso da banca.

Na mesma altura, o responsável pela Reserva Federal dos Estado Unidos anunciava um novo programa para a compra de activos (que podem ser simples papel comercial ou fundos de tesouraria), no montante de 600 mil milhões de dólares, com o objectivo da dar mais liquidez ao mercado financeiro e permitir à banca cumprir as suas obrigações.

Ainda na mesma altura, o Banco Central Europeu anunciou ter emprestado aos bancos 305 mil milhões de euros e 101,9 mil milhões de dólares.

Na verdade, desde que deixaram que o Banco Lehman Brothers fosse à falência, os governos têm-se esforçado para impedir que muitos outros bancos tivessem o mesmo destino.

Mas de onde apareceu todo este dinheiro público, que se dirige para o mesmo fim? É espantosa a capacidade dos governos para mobilizar meios para nos proteger da derrocada financeira.

Igualmente espantosa é a declaração com que o Ministro das Finanças da Alemanha brindou o mundo ao afirmar que
a Suiça devia estar na lista negra dos paraísos fiscais, por potenciar a fraude.

Este filme vai ter um momento significante no próximo fim de semana, com a reunião de 40 chefes de estado e de governo europeus e asiáticos, em Pequim, para tratar da crise financeira global e do espectro de recessão.

Um bom exercício que poderiam fazer, tipo exorcismo, era hierarquizar o contributo que cada um dos presentes deu para a crise.

21 outubro 2008

missanga a pataco 61


Já que estão com
a mão na massa

Daqui a dois anos celebra-se o primeiro centenário da República. Parece que se preparam grandes festejos ou pelo menos é isso que é permitido pensar dada a gigantesca comissão já nomeada.
Nunca fui um especial entusiasta de comemorações deste teor mas percebo bem que haja quem sinta uma imperiosa necessidade de se proclamar republicano. O republicanismo está ainda associado a uma certa ideia de defesa de ideais de igualdade, solidariedade e justiça social. Convenhamos que as coisas nem sempre se passam assim e que a República, mesmo a !ª (1910-1926) andou muitas vezes longe destes desideratos. O Partido Democrático avassaladoramente maioritário durante este período não foi um amigo dos sindicatos, dos trabalhadores para não falar das mulheres e dos camponeses. E para não falar sobretudo do clero, da maioria católica que não só se sentiram atingidos pela perda de privilégios extravagantes mas também pela tenaz perseguição que a ala mais radicado novo regime levava a cabo contra os “talassas”, os monárquicos e os crentes habilmente amalgamados pela propaganda republica numa imensa conspiração restauracionista que, como na fábula do rapaz e do lobo, acabou em 1926 por se tornar real. Ou melhor: o golpe de Gomes da Costa é sobretudo obra de republicanos, como são republicanos muitos dos mais influentes dirigentes do regime que se lhe seguiu.
Devia, julgo, poder fazer-se agora a história desapaixonada desse período com as suas grandezas e... com as suas misérias. Foi isso que um grupo de monárquicos veio solicitar há pouco e é isso que a ética republicana, pelo menos como a entendo, exige. Não se trata de, mais uma vez, pedir umas estúpidas desculpas, que nada significam e que nada resolvem, mas apenas de fazer finalmente a história de uma época que a imensa maioria dos portugueses desconhece e que, por exemplo, um museu como o da república, omite.
Sob pena de, não o fazendo, levar a água ao moinho dos adversários da Republica ( e muitas vezes da liberdade) a quem as roupagens de vítima favorecem.
Há pouco tempo, um desses concursos populares, deu a Salazar o estranho e inesperado título de português mais popular e importante do século passado. Suponho que Afonso Costa nem sequer aparece citado na lista das personalidades marcantes. Isto diz muito sobre o desconhecimento da República.
Consta, porém, que há uma opinião bastante generalizada que remete a história e a critica das misérias da República para os seus adversários ou para “gente do género Vasco Pulido Valente”. Trata-se , a ser verdade, de uma burrice supina seja qual for o ponto de vista que se adopte. À uma, o dever do historiador é a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade. Depois, VPV é seguramente um historiador brilhante irredutível a géneros sejam eles quais forem. Terceiro, voltar a tentar escrever piedosas hagiografias da Primeira República, é um erro palmar que não só não ajuda a comprender a época mas, sobretudo, nos remete para o que de mais torpe e canalha se herdou do salazarismo.
Perceberam ou é preciso fazer um desenho?

Há Luz ao Fundo do Túnel?

As dúvidas começam a morder as melhores consciências.

Depois do plano de compra, com dinheiros públicos, dos "Activos tóxicos" que maquilharam Balanços e deram lucro a finançeiros & associados;

Depois de se ter verificado o falhanço das entidades reguladoras e do fracasso das entidades oficias de revisão de contas, incluindo as agências de rating;

Depois dos governos terem injectado biliões e biliões de euros e dólares, para dar "confiança" ao sistema, que levou a que muitos vissem nessa medida "o início do fim da crise";

Depois de banqueiros e executivos da banca terem agradecido aos governos o apoio recebido;

Depois dos principais líderes europeus terem encontrado uma fórmula mágica para "refundar o capitalismo", que foram levar ao Sr. Bush, principal mentor da crise, em retirada de cena;

Depois de tanto esforço e dinheiro público gasto eis que as dúvidas se reforçam e começam a morder as melhores consciências.

O Sr. Brown inventou um Plano para refundar o sistema, que vai discutir com uns tantos países (G8 + dois ou três). Por sua vez, o responsável pelo Banco de Portugal aligeirou regras e critérios contabilísticos a que a banca estava sujeita, para “ajudar os bancos contra a crise”, permitindo que os bancos "respirem" melhor. Ou seja, a “confiança” demora e as medidas paliativas incrementam-se.

Contudo, apesar de tanta medida e tamanho apoio público concedido, o sistema financeiro continua a agonizar e a tramar empresas e particulares, que formam a economia real.

Um conjunto de grandes bancos europeus necessita de mais de 73 mil milhões de euros para reforçarem o seu capital. São os analistas do Merrill Lynch que esclarecem que muito dificilmente os accionistas terão condições para reforçarem os seus capitais, logo, concluem, terá que haver injecções de dinheiro por parte dos Governos.

Notável é os homens da Merrill Lynch já não defenderem que o mercado funcione e cumpra o seu papel. O que eles impõem, agora, é que os governos intervenham, injectem o capital que os accionistas não arriscam e tudo para"tranquilizar os cidadãos".

Como é que toda esta história vai acabar é coisa que não se sabe. Mas tudo parece indicar que o que vem a seguir é muito pior. O sistema financeiro transformou-se num saco sem fundo. Até onde os governos poderão segurar que o pânico se alastre, porque é que isso, só isso, que têm estado a fazer.

orquídeas














orquídeas

as orquídeas brancas debruçadas
enfileiravam-se
a subir pela haste
-pelo poema-

subiam como palavras
essenciais de beleza.


silvia chueire


saudades, muitas saudades meus amigos...
carinho,
silvia

20 outubro 2008

A D. ROSA

A D. Rosa tem existência real. Mãe preocupada com a educação dos filhos. Viúva. Nunca teve emprego certo por conta de outrem. Recebe uma pensão de sobrevivência (não sei se é assim que se chama) que lhe é atribuída e calculada (creio) com base no vencimento do falecido marido.

Recebe abono de família e um complemento da pensão ou RSI. Tudo somado não ultrapassará os 300 €. A D. Rosa faz parte das estatísticas que mostram o forte peso da pobreza no Norte e que o Expresso e outros jornais bem retrataram.

A D. Rosa cultiva umas terras, das quais retira batatas, cenouras, legumes, tomates, maçãs, figos, laranjas e outros produtos que a mãe-terra concede a quem a trabalha. A D. Rosa, também, cria galinhas (e até vende uns ovos e uns frangos) e tem sempre um porco na pocilga, que lhe vai dando os torresmos, chouriços, costeletas e outras carnes. Tudo sem grande custo financeiro, excepto o seu trabalho. A D. Rosa vive numa razoável casa cedida por um familiar e está a construir casa própria num terreno que lhe foi cedido por um familiar.

A D. Rosa não faz vida de pessoa rica, mas vive com conforto e com dignidade que o trabalho propicia. Mas, a D. Rosa faz parte das estatísticas da pobreza.

Sem generalizar, o exemplo da D. Rosa mostra que fora dos centros urbanos, para quem quiser trabalhar o campo, a pobreza que as estatísticas quantificam é qualitativamente diferente da pobreza urbana. É, digamos, menos pobreza, logo mais valor e dignidade humana.

A D. Rosa nada saberá de estatísticas. Estas também nada sabem da vida que a D. Rosa leva.

18 outubro 2008

O leitor (im)penitente 40


Ramiro Fonte

Conheci-o na Póvoa ou em Matosinhos já não estou certo nem isso interessa muito. Tinha acorrido à chamada fraterna do Francisco Guedes esse agitador cultural que tem criado pontes entre escritores e público que vão muito mais longe (e muito mais fundo) do que dez Ministérios da Cultura juntos.
O Ramiro era um homem de cultura e de convicções. Dizia alto e claro ao que vinha. Não poupava elogios e não era meigo nas críticas. Fora isso gostava de comer bem, de ler e de Portugal. E de alfarrabistas portugueses, sobretudo de Lisboa, que ele frequentava amiúde, comprando os tesouros que a incúria, a preguiça e o desinteresse nacionais deixavam por aí esquecidos. Sabia de literatura portuguesa mais do que 99% dos portugueses. Lia os nossos (e dele) autores com paixão, com rigor e sempre surpreso. Ah que dias (aliás noites...) de conversa! E que paixões comuns, o Raul Brandão, por exemplo...
Combinámos mil encontros numa das minhas vindas a Lisboa. Mas eu esquecia-me sempre de trazer o cartão com o número de telefone dele... Agora já não serve.
Morreu subitamente em Barcelona. A notícia caiu-me brutal no El País de domingo passado. A Laurinda e o Manel Simas quando chegaram ao café viram-me com cara de caso. Falei-lhes nele e na falta que vai fazer. Depois fui até casa, escrevi um texto curto mas a internet falhou quando o tentava "postar".
Hoje, a Maria Manuel Viana manda-me um mail com a fotografia e o poema. E perguntava-me se eu já sabia. Sabia mas, com a vinda para Lisboa, e mais três futilidades, esquecera o post adiado. Sai este à pressa e que os deuses da internet permitam que siga. Não se diga que o Ramiro desaparece sem uma notícia mesmo breve mas sincera. Lembrem-lhe o nome. era galego, poeta, e amava a nossa literatura como muitos de nós a não amamos.



Promesa

Quizá fuesen mejores
nuestros corazones cando eran frágiles
y algún golpe de mar, o la noche de júlio
pudieran abrir las calladas heridas
que ahora, y para siempre, llamaremos nostalgias.
Quizá fuesen mejores cando eran
cual regatos ligeros o lluviosas tardes
que mojaban la infância y partian
un domingo común; un valle abierto,
imensos arenales, aquel balcónn
detenido en la presencia de pulidos gerânios.
No eligieran barcos para partir lejos;
ni la brisa liviana de un verano
para que los apagase, con su fuego insumiso.
Semejantes a los hombres, desearon
a los árboles antiguos de esta tierra.

(in A Origen das Espécies 12/10/2008)

17 outubro 2008

Au Bonheur des Dames 145


Confiança, dizem eles...


Ai minhas manas e leitorinhas!... então não é que aquela gente da finança, alta, média ou baixa, que são todos iguais, valha-os Deus, agora insiste que nós, os do montão, os paisanos, os ignorantes, as massas, devemos fazer mais um esforço e ter confiança, mostrar confiança nas bolsas, nas medidas governamentais, na responsabilidade dos banqueiros, na grandeza dos empresários, na honestidade dos correctores de Wall Street!
Então não deveriam ser eles a confiar, a investir, a comprar as acções que estão pelo preço da uva mijona, a “rastos de barato” como diria o falecido presidente do Clube dos Trouxas, meu venerado Rui Feijó que, como Jesus Cristo (apud Pessoa, em heterónimo) não percebia nada de finanças? Então hei-de ser eu, um Zé Ninguém, que não tem cheta, que hei-de ir a correr comprar acções da Telecom, obrigações da Galp, investir, inverter, arejar uns carcanhóis que antecipadamente algum banco misericordioso (como todos os bancos que se prezam sobretudo os dos sub-primes, super merda) me emprestará a juro razoável (segundo o onzeneiro) tomando como garantia a minha casa, os meus livros, a minha carcaça (de bem pouca valia, dada a idade e os estragos de uma vida crivada de erros meus, má fortuna e amor ardente)?
Hei-de ser eu, armado em Durão Barroso mais loquaz e mais interveniente (agora a criatura desdobra-se pelas televisões e anexos como se tivesse contribuído com algo mais do que um espesso silêncio para a resolução (???) da crise), quem deve tirar as castanhas do lume, já que é tempo delas, valha-nos ao menos isso, ainda hoje comprei uma dúzia no Chiado (chiça que as castanhas estão que fervem, até pensei que me tinha enganado e que estava a comprar “marrons glacés e não um honrado produto nacional e transmontano que pelo preço deve ter sido lavado em petróleo já refinado e embrulhado em seda natural, daquela com que se faziam umas saudosas gravatas Michelson’s que só se vendiam também no Chiado numa lojinha pequena e caríssima mesmo ao lado da Bertrand: vão lá e vejam os preços para saber quanto é dura a vida dos ricos e dos tipos que têm a mania de usar gravatas diferentes das da deputadagem, da ministeriagem e da empresariagem indígenas... )?
Já me perdi, o que até nem é mau porque assim devo assemelhar-me aos nossos capitães da indústria (eu ia a dizer cavalheiros de indústria mas se calhar eles não percebiam e já não estou para "dar pulos á margarida" como diziam os romanos, quem quiser perceber que vá ás fábulas latinas que eu não tenho tempo nem paciência para traduzir o meu estafado humor em terceiro grau...) que também andam por aí desnorteados, a fingirem que isto (a crise) não é nada com eles. E se calhar não é. A chuva quando cai não é para todos mas apenas para os que não tem gabardina nem chapéu de chuva. Ou seja: eles poderão safar-se mas nós vamos ser como o mexilhão quando o mar bate na rocha (Eu estou a ver a minha companheira de blog, a Sílvia que anda fugida, à nora com estes idiomatismos ((cfr. Dicionário Aurélio, 2º edição, pag. 913)) portugas, a tentar entender esta língua fugidia que nenhum acordo luso-brasileiro alguma vez consertará, pensando que o mcr endoidou definitivamente como era de prever mas não de lamentar.), nós vamos ser lixados, como é tradição, costume, hábito, fado, vida.
Eu gostaria imenso de dizer, como o velho professor de Candide que tudo corre pela melhor no melhor dos mundos, mas como todos sabem, nem Voltaire acreditava nisso. Aliás, acreditava em poucas coisas, o velho sacaninha, e por isso aí o temos janota a fazer galhardamente 300 anos, a espantar os dignos de espantar-se, os que ainda se surpreendem, os que são curiosos, os que gostam de saber e não se satisfazem com frases feitas, narizes de cera, proclamações altissonantes e outras balivérnias.
É por isso, por me sentir mais próximo do velho Senhor do que destas imitações de intelectual que por cá pululam, saltitantes e excitadas, que me sinto intranquilo e não me converto à novíssima moda do hossana à Europa (enfim desunida) ao governo que me vai aumentar a pensão, e aos senhores deputados que votaram rapidamente e em força o aval aos bancos. Não que não seja necessário que o é, mas provavelmente votar só isso será pouco, muito pouco. Precisa-se de outro paradigma, de outra vida, de outra responsabilidade. Remeto-vos, leitoras conscienciosas, para o belo post de JSC aí em baixo. Ele diz bem o que eu só toscamente consigo murmurar.
E, para fechar em beleza, um conselho baratinho: corram, voem à livraria mais próxima e comprem o último Herberto Hélder. Na editora já esgotou mas ainda hoje o vi em duas ou três livrarias, mormente numa pequena livraria do Centro Comercial Palmeiras em Oeiras. Ora aqui está um profissional que não deixa os seus créditos por mãos alheias. Mesmo tendo uma pequena loja num pequeno centro comercial, não deixou de encomendar o Hélder. Precisamos de muitos livreiros como este. Ou como uma certa Liliana Palhinha em Faro onde existe uma coisa linda e divertida: Pátio de Letras. Entrem e vejam. E bebam um copo enquanto compram um livro e folheiam outro. E falem com a senhora livreira. Além de bonita é inteligente e simpática.
São pessoas destas que me fazem pensar que nem tudo está perdido.

16 outubro 2008

Inconstitucionalidade é irrelevante!

O artigo 74º, nº 1, do RGCO estabelece que o prazo para interpôr recurso da sentença judicial condenatória proferida em sede de processo contra-ordenacional é de 1o dias, sendo a tramitação posterior determinada pelo Código de Processo Penal.
Assim, o prazo para o recorrrente é de 10 dias e para a resposta do Ministério Público de 20 dias.

O Acórdão 27/2006 do Tribunal Constitucional declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade do referido artigo 74º, nº 1 do RGCO, na medida em que fixa para o recorrente um prazo inferior ao recorrido Ministério Público.

Qualquer pessoa conclui que o prazo de recurso passou a ser o fixado para a resposta do Ministério Público.

Note-se que a declaração de inconstitucionalidade é na parte em que fixou prazo inferior ao Ministério Público. Não foi declarado inconstitucional que o MºPº tivesse prazo superior (neste caso, a conclusão seria a redução do prazo para 10 dias).

Estava estudando este problema, quando descubro um acórdão do Tribunal da Relação do Porto que é lapidar: afinal, o prazo de recurso mantém-se em 10 dias. O acórdão do Tribunal Constitucional que declara a inconstitucionalidade com força obrigatória geral não tem efeitos a não ser no caso concreto!!! E outras afirmações extraordinárias ....

A ler e reler!

15 outubro 2008

"Uma das causas da crise do regime é o mau funcionamento da Justiça"

Interessante entrevista do Bastonário Marinho e Pinto pode ser lida aqui.

Nítido Nulo

A obra de Virgílio Ferreira, goste-se mais ou menos dos seus escritos (ou de alguns dos seus escritos, que são muitos e de diversa natureza) constitui, inquestionavelmente, património cultural português a preservar e manter vivo - leia-se, disponível para leitura.

No entanto, das 32 obras editadas pela empresa que detém os direitos de publicação, uma das quais incluída no Plano Nacional de Leitura, estão esgotados ou indisponíveis ... 32 títulos!!! Ou pelo menos assim consta do site respectivo... pois afinal, segundo me acabam de informar telefonicamente, há alguns (poucos) títulos reeditados.

Como acabam de dar à estampa manuscritos do espólio do escritor, correspondentes a um diário que escreveu, com algumas interrupções, entre os 26 e os 32 anos , apetece glosar a célebre frase e gritar bem alto: PUBLIQUEM 33!!!

E se não publicam/reeditam, que haja alguma entidade responsável pela cultura neste país que - à falta de mecanismos legais de injunção neste particular - faça uma oferta irrecusável e adquira os direitos de publicação! Sairia certamente mais barato que uma só saison de Allgarve, pelo menos tendo em conta a regra do custo/benefício, sendo este extensível agora a todos os portugueses e não só aos allgarvios e certamente também mais perene, não se evanescendo num qualquer "sonho de uma noite de verão" ...

Au Bonheur des Dames 144



Citar o que se não conhece para falar de coisas mais ou menos comuns.


Uma senhora jornalista do Público entendeu titular um seu texto sobre a guerra do alecrim e mangerona do casamento homossexual assim: do Capital ao Kamasutra.
Quem distraidamente ler o título poderá pensar que a criatura terá lido ambos os calhamaços e poderá mesmo ter-se enternecido: coitada: tão nova e à pega com aquelas duas desconformidades.
Pela parte que me toca, li apenas o livro 1 do primeiro e boa parte de uma versão, eventualmente truncada, do segundo numa edição espanhola e sigilosa vai para mais de quarenta anos. Aliás “O Capital” e depois os “Grundrisse” na velha 10-18, sucederam-se aos textos mais curtos e clássicos que qualquer universitário de esquerda que se prezasse tinha de ler. Isso, um par de Lenines, o nefando “Materialismo Histórico” do Zamora, algum Lukacks, muito Lefebre, “A origem da Família” e alguns tomos de História (desde o Soboul da Revolução Francesa, até ao Hauser da Historia Social da Literatura e da Arte, com passagem por Plekanov e mais uns tantos) faziam parte da corrida (da maratona) de obstáculos com que um filho da burguesia se ia tentando transformar em revolucionário.
Em boa verdade, a maioria, a imensa maioria, não lia nada disto. Limitavam-se a uns livrinhos e a muita romançada “realista e social” a começar por um Jorge Amado (tão excelente autor!...) que caira na esparrela de publicar uma coisa horrenda chamada “Os subterrâneos da liberdade” e a acabar num par de autores soviéticos que não chegavam aos pés do Gorki. Na literatura indígena usava-se e abusava-se da má poesia panfletária esquecendo sobretudo a boa. Era o ar do tempo.
Voltando, porém, à senhora que ocupa a última página do Publico, estou em crer que se baldou quer ao Capital quer ao Kamasutra. No que só teve bom gosto, convenhamos. Todavia, ao ler-lhe a prosa desconexa, fica-se com a ideia de que ela pretende passar por leitora dos dois textos.
Não se vê como depois de os ler, se os leu, venha agora falar da passagem da leitura de um para o outro, ou seja do mais moderno para o mais antigo, caracterizando a pequena turbamulta pró casamento dos homossexuais em adeptos do Kamasutra (???!!!) em oposição a uma mais antiga gentinha devedora do Capital.
Eu sei que estas fórmulas bombásticas estão na moda. Basta ser atrevido e pensar que nenhum leitor lhe sairá ao caminho. Mas de vez em quando um velhadas ranzinza salta para a arena. E vejamos: a senhora resolve falar do rapto de Aldo Moro pela rapaziada das Brigadas Vermelhas. Foi um crime e mais do que isso uma burrice e um desafio que nenhum Estado toleraria. Porém, ao descrever a prisão de Moro, diz-nos que por um lado os brigadistas queriam forçá-lo a ler os clãssicos marxistas e revolucionários e que Moro, “obviamente, os tinha já lido. A gente pasma. Eis que Moro que não era inculto, também petiscava na gamela revolucionária. Não consta e, após uma breve volta a livros e textos da época, não vejo sinais disso. Que dois revolucionários patetas entendessem dar um clister de Gramsci ao preso, não duvido. Que ele soubesse vagamente duas ou três coisas do antigo dirigente comunista não me custa. Mas ler o que se chama ler? E o Marx? E o Lenin? Quiçá o Mao ou até o Stalin? Isto para só referir os pesos pesados ou os que passavam por o ser.
Eu sei que uma lenda persistente põe Moretti a explicar Marx, de livro em riste, ao prisioneiro. Mas outras e muito fiáveis fontes atiram por terra esta historieta que terá (para alguns) alguma graça mas que não resiste a uma leitura dos factos, da época e do que se conhece do carácter dos intervenientes.
Nos anos sessenta, a direita não lia Marx e a esquerda também não abusava. Podiam comprar os livros que aliás pululavam em tudo o que era livraria e editora, sobretudo nas editoras conservadoras mas com espírito capitalista. Mas ler, o que se chama ler, népia. Eu suponho que a senhora jornalista não era ainda nascida nesses anos de chumbo, ou sendo-o já, teria muito verdes anos para poder com segurança vir atirar estas ao pagode. Sempre lhe diria que mesmo no seio do poderoso e estruturado Partido Comunista Italiano, Marx era um quase desconhecido (tirando o Manifesto, claro e mais dois ou três breves opúsculos). Disso mesmo se faziam eco os críticos que mais tarde vieram a fundar Il Manifesto e e escrever as famosas “200 teses”. E nos restantes países ocidentais a coisa andava pela mesma situação. A imensa maioria dos quadros e dos militantes fazia gala de muito tarefismo, muita devoção, e pouquíssimo estudo. Os autores citados acima e muitos outros eram pascigo de meia dúzia de intelectuais, com pouca autoridade no meio partidário, suspeitos a mais das vezes ( e nem sempre sem razão) de heterodoxia.
A segunda parte do redundante texto que venho citando dá aos adeptos do casamento dos homossexuais (e aos que não se lhe opõem como é o meu pobre caso) uma fama de perseguição a outrance da moda e da modernidade e um singular penchant pelo Kamasutra.
E este também não me parece ser texto muito divulgado entre os lusitanos. Excepto na versão “BD” de Manara ou nalguma edição resumida, como já disse. Parafraseando um velho amigo, o “Kamasutra” é um livro pitoresco mas cansativo. Um manual de ginástica dificultoso e, finalmente, pouco útil. Excepto para as entorses e outros desastres sempre possíveis a quem se atrever a tentar levar à prática algumas das menos difíceis posições.
Conta-se, e esta é para terminar, que um inocente erro tipográfico na primeira ou segunda edição do “Ulisses” fez aparecer uma criatura em que Joyce jamais pensara e que, aliás, não cabia naquele dia fatigante mas genial. As edições foram-se sucedendo, o erro ter-se-á mantido até ao ponto de aparecerem algumas sábias e copiosas teses universitárias sobre essa esboçada e entrevista criatura que há uns anos desapareceu quando se resolveu finalmente expurgar o Ulisses da patina de erros, virgulas e demais postiços. Não sei o que sucedeu aos autores das teses, reputados estudiosos da obra joyciana. Provavelmente estarão a discutir a teoria do valor e a mais valia com Moretti e o fantasma de Moro. Antes isso do que pregarem a homofilia.

14 outubro 2008

Brindemos!

A crise estalou trazida pelo sol meridional
Gente confiável, de mãos brancas, à espera
Que os governos anunciassem o plano

Hoje, todos elogiam o bom senso governamental
Medido na proporção da abertura do cofre

Ninguém vai ter de se atirar do décimo primeiro
Ou esmagar o crânio sob o tgv

Os governos acabam de presentear o desvario

É Outono, aproxima-se a estação das chuvas
As estradas vão ser lavadas e limpas

O povo não se vai sentir melhor nem pior

A crise acabou. A factura está paga
(Por quem tinha que a pagar)

Sigamos o Fortis. Brindemos!

13 outubro 2008

Estes dias que passam, 127


O som do silêncio em versão fadista


A actual crise financeira tem tido efeitos extraordinários. À uma pôs muita gente (eu incluído) a discutir as bondades e os vícios redibitórios do capitalismo. Trata-se, como sabem, de uma vexata quaestio que começou a ser explorada por um cavalheiro barbudo e alemão e provocou, na sua forma mais radical, um par de revoluções. Incidentalmente, provocou também, atentados que fizeram a glória de Bakunine e Kropotkine, e a desgraça de vários reis e presidentes, incluindo mesmo um czar de todas as Rússias.
Como recordarão, houve de tudo: ataques á ganância dos dirigentes da banca americana e das grandes empresas, ataques ao pobre Bush que, seguramente, ainda não percebeu o que lhe está a suceder, criticas a uma das nossas criaturas mais estimáveis entre as que acreditam a pés juntos nas virtudes do liberalismo a outrance e sombrias previsões sobre o fim dos tempos.
Não vou falar da crise, esperemos que as recentíssimas medidas tenham efeito porque, infelizmente, a crise acerta em todos, sobretudo em nós, os paisanos, os que não têm eira nem beira nem ramo de figueira, e quem se escapa, ainda que com fortes mossas são os ricos. Os ricos, ao contrario do que dizia o finado partido do senhor Fazenda, nunca pagam a crise.
Venho apenas, e com a devida vénia, perguntar por onde é que andou o dr Durão Barroso durante todo este tempo. É que a criatura é, dizem, o Presidente da Comissão Europeia. E durante todos estes dias não se ouviu daquela boquinha mimosa nada que jeito tivesse. O homem andava mudo como uma carpa (carpa, disse eu e não cherne, que é peixe demasiado saboroso para aquele ar de mosquinha morta. A propósito: quando a amantíssima esposa num arrebatamento digno de um filme de Perdigão Queiroga, entendeu recitar parte do “sigamos o cherne” de O’Neil deve ter-se esquecido do fim do poema qe põe pobre peixe morto a flutuar entre duas águas. Se era essa a intenção, anunciar-nos que o cavalheiro era, foi sempre, um cadáver político, acertou, mas duvido que tal ideia perpassasse nas meninges da amorosa cônjuge...). Mudo, dizia, antes deste breve circunlóquio, e antes assim. Para dizer asneiras também não valia a pena. E já havia inscritos.
Todavia, há uma questão que me perturba. Se Barroso achou que não valia a pena dizer qualquer coisinha, que anda ele lá a fazer? Será que o acham necessário para abrir portas por onde passe Sarkozy ou Gordon Brown, para falar de duas pessoas que deram o litro? E para tão eminente actividade relacional, não bastam os contínuos do Eliseu, ou o porteiro do nº 10 de Downing street? Eu bem sei que há uma longa e heróica tradição de porteiros portugueses em Paris, aliás de porteiras, para ser mais correcto. Enquanto os homens andavam no “batiment”, as mulheres faziam o “ménage” e a estudantada emigrada e impecuniosa dedicavam-se a “concierges” de hotéis baratos, mormente de passe. As porteiras de prédio portuguesas representam um passo mais (e mais tardio) na integração da massa emigrante nas franças e araganças. Não vejo, porém, a utilidade de Barroso, neste pitoresco emprego. A criatura foi contratada para presidir á Comissão, portanto é mister que presida. E que se mexa, que diabo. Já basta o ter ido embora da pátria madrasta deixando-nos entregues ao menino guerreiro que, parece querer voltar às lides políticas, via Câmara de Lisboa. É por essas e por outras que me temo do tal inquérito que alguém resolveu abrir sobre casas cedidas a particulares. Pelos vistos só Santana e uma vereadora avulsa é que são culpados. As centenas de pessoas que se aboletaram por trinta reis de mel coado, durante anos e anos, á custa do erário municipal, são todas umas inocentes, cidadãos e cidadãs acima de toda a suspeita. Com estes favores persecutórios, o homem arrisca-se a ganhar. Arre, o mundo é uma coisa muito esquisita.

CRISE, POLÍTICOS, ADMINISTRADORES, REGULADORES, MULTINACIONAIS DA AUDITORIA, RATING

O que mais se tem ouvido aos mentores do sistema financeiro que ruiu é que aquilo que o mundo, agora, precisa é de soluções para a crise e não de identificar as causas nem os responsáveis.

A política dos governos, a começar pelo governo americano, logo replicada pelos governos europeus, resolveu abrir os cofres públicos e colocá-los ao serviço do sistema financeiro que durante anos viveu (e vive!) faustosamente, que se auto remunerou e bonificou, que se fazia (faz) transportar em jactos privados ou em helicópteros particulares, que concedia férias em resorts a amigos e familiares, que dava crédito em função de duvidosos critérios, que atribuía chorudas e antecipadas aposentações, etc, etc.

Pois bem, quantos CEO, de empresas falidas ou de bancos, foram penalizados pela crise que geraram? Muita gente, milhares e milhares, perdeu empregos e poupanças que aplicaram na bolsa ou em fundos aconselhados por consultores financeiros. E os responsáveis pela crise, aqueles que usaram em proveito particular da confiança que accionistas e particulares lhe delegaram? Esses irão continuar a usufruir de todas as mordomias, durante os próximos tempos um pouco mais resguardados, para mais adiante aparecerem com o esplendor de sempre, para gáudio do povo e dos políticos, que até conferirão, a um ou outro, o grau de comendador.

Mas se aos administradores, banqueiros e gestores de sociedades financeiras ou mesmo de fundos imobiliários que ficcionaram resultados, que promoveram transacções virtuais, que inflacionaram activos e distorceram a informação que disponibilizaram para o mercado, se a esta gente nenhuma responsabilidade se exige (porque o que importa agora é buscar soluções), porque também nada se exige (nem se fala) às empresas de auditoria? E o que dizer do comportamento escandaloso das empresas de rating? Quem conhece o nome das multinacionais da auditoria e de rating, que aferiam e validavam as contas das empresas falidas ou das que não faliram porque os governos estão a injectar recursos públicos para as salvar?

Depois, temos, ainda, as entidades reguladoras, responsáveis pela supervisão e fiscalização, não só das transacções na bolsa, como da fiabilidade da informação financeira que sustenta os movimentos de capitais. Como a prática mostrou, estas entidades falharam em toda a linha. Ou não falharam e foram coniventes com a especulação. Em qualquer dos casos, os responsáveis por essas entidades estão a contas com algum processo ou continuam, calma e serenamente, a exercer a sua acção pseudo fiscalizadora?

Por todo o lado, em todo o mundo, tudo permanece como estava. As mesmas pessoas, o mesmo sistema, os mesmos reguladores, as mesmas multinacionais de auditoria, as mesmas empresas de rating, os mesmos alinhamentos e as mesmas conivências. O que faltava a essa gente era dinheiro fresco. Os governos acabam de lhe assegurar que têm dinheiro à ganância, sem custos acrescidos nem perda de bem-estar.

Como é óbvio, todos os governos vão dizer que o que estão a fazer é para bem de todos nós. E até (numa pequeníssima quota parte) pode ser. Só custa a entender é porque esse dinheiro público não apareceu mais cedo para os governos pagarem o que devem às PME, para romperem o ciclo de pobreza e criarem melhores condições de vida para as pessoas/contribuintes, que vão pagar a manutenção de um sistema financeiro que se mostrou não confiável.

As caras da crise

Uma vertente básica na resolução de qualquer problema é a identificação das causas que lhe deram origem. Isto quando se quer realmente resolver o problema. Por isso, não consigo compreender o que leva ao silêncio geral ( analistas, políticos, jornalistas, opinião pública) relativamente ao que originou toda a crise financeira que galopa por esse mundo fora. Mas afinal o que deu origem a tudo isto? Falar que foi a especulação financeira não basta. Por de trás de toda a acção humana estão, obviamente, humanos. Assim sendo, onde estão as caras da crise?

O que se está a fazer, parecendo um mal necessário, mais não é que acorrer às consequências. E às origens, às causas? Que intervenções estão previstas? O FMI fala da necessidade imperiosa de regulação dos mercados ao nível global. Mas esta notícia tem pouco destaque, não é o assunto principal. Ora, este parece-me que deveria ser o objecto principal da nossa preocupação, porque nessa intervenção é que está o futuro. Os milhares de milhões que andam para aí a serem distribuídos pela banca servem para segurar o presente e para que a banca continue a fazer o que sempre fez: ganhar dinheiro sem risco. Este, fica sempre do lado do investidor.

Os causadores não dão a cara e ainda vêem o seu problema ser tratado ao mais alto nível com a capa do medo do impacto da crise financeira na economia real. A banca e as seguradoras, que ainda até há bem pouco tempo tinham milhões de lucros, estão agora a ser tratadas como vítimas de um sistema fantasma, quando eles fazem parte desse mesmo sistema. Não há fantasmas, nós é que vivemos todos adormecidos por um mundo de fantasia que nos é passado em forma de notícia.

12 outubro 2008

Missanga a pataco 60


Danos colaterais

Não sou cristão, sequer religioso. E sinto-me confortável nesta “terra de ninguém” a que nos condenam os que crêem no mais além e que, normalmente, não aceitam que uma pessoa não tenha a “fé” e esteja pois fora da “graça” que, segundo eles é o estado natural do humano.
Feita esta declaração de interesses, não deixa de me impressionar o que actualmente se passa no Iraque. Os cristãos são perseguidos raivosamente e já não tem conta os mortos, os feridos, os emigrados, os fugitivos. A comunidade que há alguns anos contava mais de um milhão de crentes estará reduzida a menos de quinhentos mil.
Nos tempos de Saddam, havia deputados cristãos, empresários cristãos, militares cristãos e mesmo um vice-primeiro ministro cristão.
A intervenção americana levada a cabo por dirigentes radicalmente cristãos, que tinham uma fezada na existência de armas de destruição maciça, conseguiu várias coisas de uma só vez: cresceu a influencia chiita, cresceram as tensão inter-comunitárias, diminuíram drasticamente os direitos das mulheres, ao mesmo tempo que se está cada vez mais perto da imposição pura e simples da “sharia”. Num pais onde a Al Qaeda não só não existia mas sobretudo era mesmo perseguida ou, pelo menos vigiada de perto, agora há dezenas de organizações que dela se reclamam, a imitam e causam os desastres que se conhecem. Entre eles, este, os cristãos passaram a ser identificados com os ocupantes estrangeiros. E a ser perseguidos.
Esta, a igreja caldeia, era a mais antiga igreja cristã existente e, mais do que isso, a única com influência e estatuto num pais árabe (com a excepção do Líbano onde, de resto, começa também a ser problemática – por erros próprios, aliás – a continuidade da igreja maronita.). Corre o risco de desaparecer. E de desaparecer rapidamente.
Não sou, como já disse, cristão. Irritam-me mesmo certas campanhas cristãs, a tentativa de missionação que por vezes ocorre às várias e diversas igrejas cristãs, católica incluída. Todavia, acredito piamente na liberdade, em todas as liberdades, incluindo a de culto. E quando esta é posta em causa, as outras não tardarão a ser igualmente postas em questão. Por isso, enquanto é tempo, aqui deixo este apontamento. E já agora esta pergunta: foi para isto que se invadiu o Iraque ou, como ocorre com as diárias vítimas civis, também aqui estamos em presença de um “efeito colateral”?

* Deveria também citar o que se passa na Índia (Orissa) mas aí a questão põe-se diferentemente. Trata-se sobretudo de luta de classes (não se assustem, almas de Deus) e de castas. São os mais pobres que, de há muito convertidos a uma religião onde ninguém está condenado a ser paria, reivindicam direitos que, obviamente, os possidentes lhes negam. E o ataque aos templos cristãos é apenas um modo de lembrar aos seus crentes que além de párias adoram um deus estrangeiro... Aliás o deus dos antigos colonizadores. Ah, a história repete-se, como dizia o velho Karl. Se se repete...


** a ilustração mostra dois cristãos a fazer umas judiarias a uns mouros. Lembram-se?

10 outubro 2008

Porto reflecte sobre a humanidade

Ciclo de Conferências «Ecce Homo (Eis o Homem)», na Associação Católica do Porto, às 21.30 horas:

22 de Outubro: «O que é o ser humano» por Walter Osswald e José Aguiar de Castro; moderador: D. Manuel Clemente, Bispo do Porto;

29 de Outubro: «A Evolução no debate contemporâneo» por Marina Lencastre e Ângelo Alves; moderador: José Carlos Marques;

5 de Novembro: «O contributo da Bíblia» por Teresa Olazabal e D. António Taipa, Bispo Auxiliar do Porto; moderador: Luis Braga da Cruz.

Pequenos gestos podem fazer a diferença

Hoje senti-me grato ao arrumador que há anos me "martiriza" à porta do Café. Depois de meses de insistência, veio-me dar a notícia de que tinha ido falar com a Directora do Centro Social. Já lá tem ido almoçar todos os dias da semana. E comprometeu-se a tratar dos documentos de identificação. Pode ser que se lhe arranje alojamento!

Estava triste! Roubaram-lhe os cobertores com que se resguarda à noite!!! Nem os pobres respeitam os pobres!

E há tanta gente a viver na rua! E tanto dinheiro gasto na procura de soluções! Se não podemos resolver o problema de todos, pelo menos, vamos tentando libertar o maior número possível da miséria. A erradicação é o grande desafio que aqui é mencionado como Objectivo do Milénio.

O Bastonário pode falar?

António Velez, Vogal do Conselho de Deontologia de Évora, diz que sim

Crise em Crescendo

Agravam-se os problemas financeiros nos EUA. Mais de metade dos Estados sem liquidez para pagar serviços públicos até ao final do mês.

Depois da falência de grandes grupos financeiros, são os próprios Estados a viver dias difíceis e confirma-se que a injecção dos 700 mil milhões de dólares, para salvar grandes grupos financeiros, não restabeleceu a confiança.

A ser verdadeira a notícia, preparemo-nos para o pior.

Dia 17 de Outubro Levanta-te e Actua!

Em Setembro de 2000, chefes de Estado e de Governo de 189 países, incluindo Portugal, reuniram-se nas Nações Unidas. Ali assinaram a Declaração do Milénio, comprometendo-se a lutar contra a pobreza e fome, a desigualdade de género, a degradação ambiental e o vírus do VIH/SIDA. Assumiram ainda o compromisso de melhorar o acesso à educação, a cuidados de saúde e a água potável.Para avaliar o cumprimento daquele compromisso, estabeleceram 8 Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), a alcançar até 2015:

1. Erradicar a pobreza extrema e a fome
2. Alcançar o ensino primário universal
3. Promover a igualdade de género e empoderar as mulheres
4. Reduzir a mortalidade infantil
5. Melhorar a saúde materna
6. Combater o VIH/SIDA, a Malária e outras doenças graves
7. Garantir a sunstentabilidade ambiental
8. Fortalecer a parceria global para o desenvolvimento


Para apelar ao cumprimento desses objectivos foi criado um movimento a nível Mundial que pode ser visto em http://www.levanta-te.org/

Em 2006 foram 25 milhões de pessoas que se envolveram. Em 2007 foram 45 milhões, dos quais 65000 portugueses. Parece uma coisa simples: levantar pela pobreza. Muda alguma coisa? Talvez pouco ao mesmo quase nada, mas combate, pelo menos, a apatia, o que já não é pouco num mundo em que a pobreza parece ser apenas mais uma notícia.

«Corpseficados» Objectos \\ Dejectos - Pintor Agostinho Santos

"Os signos e as inscrições que polvilham os trabalhos, mas também os olhares perturbadores ou os fragmentos de corpos instáveis, reinventam-se e redescobrem-se em movimentos incessantes, como se se furtassem a tentativas redutoras de catalogação. É este eterno devir que torna singular a pintura de Agostinho Santos. Talvez por isso, o agir - ou seja, a transformação - seja mais do que um princípio, a verdadeira génese de uma obra habitada pela inquietação permanente." Sérgio Almeida

Galeria do Palácio de Cristal - Biblioteca Almeida Garrett.
De 11 de Outubro a 23 de Novembro
Terça a Domingo: 10h00 - 12h30 / 13h30 - 18h00
Entrada gratuita


David e Golias

ou "episódio 3 da novela Crise? Qual Crise?"

09 outubro 2008

o leitor (im)penitente 39


A arte íngreme que pratico escondido no sono pratica-se
em si mesma. A morte serve-a.

Eu sei que deveria falar do Nobel da Literatura. E se fosse malandreco, deveria mesmo dizer que já estava à espera, que Le Clezio era um dos meus candidatos.
Lamento muito, queridas leitoras, mas jamais me passou pela cabecinha leitora tal hipótese. JMG le Clezio não deixa de ser interessante mas não passa disso. Generoso, solidário, escreve bem mas pessoalmente acho que como ele há umas largas dezenas (e isto porque leio pouco) de escritores. Frente a dois candidatos cujo nome correu pelos jornais “il ne fait pas le poids”. Refiro-me ao mexicano Carlos Fuentes e ao italiano Cláudio Magris. Não refiro americanos porque, ao que se sabe, o senhor secretário da Academia sueca acha-os fracotes e provincianos. Não refiro Vargas Llosa porque já é candidato há tantos anos que provavelmente nunca obterá o prémio. E não refiro, finalmente, Alvaro Mutis porque é colombiano. Ora a Colômbia já tem um Nobel (G. García Marquez) e tem uma potencial candidata ao Nobel da Paz (Ingrid Bettencourt). E ainda por cima deve ser país pouco apreciado pelos senhores do Nobel, mesmo que o da Paz não seja da responsabilidade dos suecos.
Quando se atribui um Nobel pesam-se demasiados factores e raras vezes a decisão obtém grande consenso. Sobretudo joga-se muito com o factor linguístico. A única excepção relativamente recente de que me lembro foi a premiação sucessiva de Camilo José Cela e Octávio Paz, embora o primeiro fosse espanhol e o segundo mexicano (e isso pode evitar que Fuentes ganhe o prémio. O México é como a Colômbia, um pais sem peso em Estocolmo).
Todavia, e pelo que pude ouvir, nem em França se apostava em Le Clezio. E para o próprio, carregado, é bom dizê-lo, de prémios franceses, a surpresa parece ter sido genuína.
Devo, porem, dizer que li com agrado “ Le Procés Verbal” e “Le Désert” cuja tradução portuguesa andava há tempos pelas feiras do livro baratas a menos de 3 euros. Ou de como os editores se lixam por falta de paciência.


E agora a grande notícia literária do dia, do mês e, quiçá, do ano: acaba de sair “A faca não corta o fogo” de Herberto Hélder. Duzentas e duas páginas de poesia absoluta. H.H. nunca terá o Nobel, claro. Não tem quem lhe traduza os versos para sueco e se porventura alguma daquelas queridas criaturas premiantes se desse ao trabalho de o ler nas línguas em que está traduzido poderia ter uma sofeca, um deliquio, um ataque tremendo pelo que é de toda a conveniência manter HH afastado dos senhores da Academia Nobel. E depois já se sabe que mandaria o prémio às malvas, coisa que só Sartre fez e por outras razões.
Claro que corri para a livraria a comprar o meu exemplar porque sei, de experiência antiga que com HH o melhor é a gente apressar-se. Assisti à abertura do embrulho onde vinham os livros. Em cinco minutos voaram quatro exemplares e ficaram reservados mais três. E o livreiro tentava apanhar um representante dos editores para reforçar a encomenda feita. E olhem que tinha pedido quarenta exemplares.
Às vezes uma pessoa pensa que vive num pais de leitores de bom gosto. E se calhar é verdade.
Alguma leitora maliciosa dirá que estou bem disposto e vejo o mundo cor de rosa. Leitorinha, com um livro do Hélder, à frente, o mundo canta.


* o título é, claro, um verso de HH. A fotografia é dele.

Educação: exigência e responsabilidade

Interessantissima a intervenção hoje do Prof. Marçal Grilo no Jornal das Nove da SIC Notícias.

A repetência é um problema grave para a escola e para o aluno e deve ser evitada a todo o custo, até porque implica um sobre-esforço de todos os intervenientes no processo educativo.


Foi dito, e bem dito, que o problema da exigência tem de ser dos pais e das famílias, que devem educar as crianças com disciplina, com rituais e regras bem claros, para que a criança perceba o que tem de fazer! E devem ser os pais e as famílias a reclamar da escola que sejam exigentes com os seus filhos.

Note-se que não deve defender-se, pura e simplesmente: quem sabe passa; quem não sabe reprova. Essa é uma falsa questão! Deve exigir-se de cada um o máximo das suas potencialidades e permitir a cada educando que possa obter o máximo de formação que lhe é possível! Mas os pais querem é que os filhos não aborreçam e que vão passando, seja de que maneira for! Desde que não incomodem ...

Em contrapartida, na Visão hoje publicada, um especialista defende no "Manual para pais aflitos" que as crianças devem preferir a brincadeira aos TPC. Devo ter percebido mal, porque li muito de relance!

Crise? Qual crise? (1)

Uma prestigiada editora sediada no Porto, à qual pretendíamos fazer uma primeira encomenda, acaba de nos informar que apenas podemos encomendar livros no valor tortal de 250 €, pois é o plafond máximo estabelecido para vendas a crédito. Bem, para além de livros que queremos ter na Livraria, há pedidos de clientes que queremos satisfazer, pagaremos então a pronto! Ah, isso não pode ser, só vendemos a crédito com prazo de 60 dias. Como disse? Então só podemos encomendar 250 € de livros e temos de esperar 2 meses para pagar e assim podermos pedir reposições e novos livros? Bem, podem prestar uma garantia bancária no valor mínimo de 5.ooo €... Certo, mas para quê a garantia bancária se pagarmos a pronto?? Uhm, é que o nosso sistema só admite pagamentos a crédito.

E PRONTO!!!!!

Crise? Qual crise?(2)

Taxa de juro desce para os Bancos e sobe para os clientes!!!

"A taxa Euribor a seis meses, o indexante mais utilizado nos empréstimos à habitação, aumentou hoje para 5,448 por cento, um dia depois de o Banco Central Europeu ter reduzido a sua taxa directora em meio ponto percentual, para 3,75 por cento." in Público on-line.


Será que o Banco de Portugal vai investigar? Ou será culpa do Governo? Em Portugal tudo é culpa do Governo!!!

Estes dias que passam 126

Dias maus e dias piores

Vamos lá a ver: eu não tenho nada contra o PS. Foi durante estes anos todos o meu espaço natural de voto, mesmo que, por vezes, me custasse passar-lhe cheques em branco. Que me lembre apenas votei uma única e solitária vez (aliás a primeira) no MES.
E abstive-me numa eleição para o Parlamento Europeu porque entendi que Maria de Lurdes Pintasilgo não me parecia a candidata ideal quanto mais a cabeça da lista socialista.
Depois desta “declaração de interesses”, vamos ao que importa.
Nos últimos tempos não consigo estar em sintonia com o PS. Nem com o seu governo, nem com vários (muitos) dos seus ministros, porta-vozes, deputados e, sobretudo, com os seus propagandistas. Deixando estes de lado, por insignificantes e interessados num lugarzinho ao sol, conviria perceber se, além da cacafonia, não anda por estas bandas socialistas (ou presumidas tal) alguma confusão política.
Desta feita temos duas e das gordas: a votação próxima do casamento dos homossexuais e o reconhecimento do Kossovo.
Ambos os temas são, no contexto actual, e dadas as preocupações da maioria esmagadora das pessoas, secundários.
É verdade que não me recordo de ler no programa de governo qualquer proposta sobre o casamento dos homossexuais que, diga-se o que se disser, interessa a uma escassa minoria de portugueses. Mesmo se aceitarmos, e eu aceito, que o reconhecimento desse direito, mais do que estar na moda, é uma prova de civilização, e que nada justifica o atraso de tal reconhecimento, a verdade é que o PS não está obrigado a seguir outras agendas políticas. Todavia, a questão foi agendada, haverá votação e o PS terá de se pronunciar. Mais, terá de se pronunciar depois de ter conseguido levar avante uma simplificação do divórcio (e já agora, se me permitem, do casamento) que também não era prioritária nem sequer constituía um anseio reconhecido da população que lá se ia desenvencilhando dos laços matrimoniais sem grande trabalho ou canseira. A justificação do PS para essa “lança em África” (ou “espadeirada na água”, como queiram) era justamente a ideia de que os tempos exigiam, e depressa, tão magna decisão.
Permito-me pensar que esses mesmos tempos estão mais do que maduros para o casamento dos homossexuais. Isso não desvaloriza o casamento dos heterossexuais nem obriga ninguém. Portanto, tratando-se, como parece tratar-se, de uma mera questão de consciência, bem podia o PS avocar a reclamação dos homossexuais ou, não o querendo por receio de perder hipotéticos votos à direita, conceder aos seus deputados liberdade de voto ou, em último caso, abster-se deixando o PPD e o CDS às turras com o PC e o Bloco.
O que se não entende é a disciplina ed voto numa matéria que nada tem a ver com a governação. E ainda menos se percebe a patetice (de pateta e de patético) de permitir a um representante da JS votar segundo a sua consciência, ou seja, e ao que parece, votar a favor. Como truque é barato. Pior é ridículo. Pior ainda: o PS consegue neste caso ficar à direita do PPD que, apesar da sua presidente entender o que entende sobre o casamento, deu liberdade de voto aos seus deputados. Ou seja, o PPD, neste específico caso, está à esquerda do PS. Não é uma extraordinária surpresa mas é apesar de tudo uma novidade.
Há comentaristas que prometem coisas horríveis ao PS: perda de votos entre os jovens, sei lá o que mais. Não creio que perca assim tanto voto justamente porque apesar do escândalo o tema não é sentido como prioritário. Agora que perde credibilidade, é coisa de que não tenho dúvidas.
A questão do Kossovo é também extraordinária. O Kossovo, semi-protectorado alemão, entendeu proclamar a sua independência conseguida graças a um inexistente mas propagandeado holocausto e sobretudo graças às bombas da NATO. Durante meses, o governo português como aliás um elevadíssimo número de governos, entendeu não se pronunciar. Até, aqui ao lado, a Espanha entendeu o mesmo. Estávamos pois acompanhados. Depois dos acontecimentos da Geórgia até se pode dizer que se começa a perceber a camisa de onze varas em que a Europa se meteu.
Ora bem, agora que nada urgia, que há uma crise financeira dos diabos, que a Europa não consegue sequer entender-se quanto a medidas conjuntas e necessárias para nos tirar do buraco, o Governo, pela voz sempre curiosa (é o melhor que me ocorre...) do senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, entende reconhecer aquela vaga coisa em forma de assim que é o Kossovo. Mas com uma especial originalidade: Portugal apoiará a Sérvia no pedido que esta dirige à ONU para que se verifique a legalidade da declaração unilateral de independência do Kossovo.
Se Portugal, tão prudentemente, apoia esta pedido da Sérvia, isso parece querer significar que Portugal tem algumas dúvidas fundadas sobre a declaração de independência. Se as não tivesse diria aos cavalheiros sérvios mais ou menos isto: compreendemos o vosso ressabiamento mas terão de viver com isso. O Kossovo pode ter sido o vosso berço mas não será a vossa tumba, o que já é qualquer coisa. Quando for a vez da Voivodina, a gente fala-se.
Mas há mais: ao apoiar a Sérvia no seu pedido Portugal arrisca-se a uma de duas: ou aceita o eventual veredicto da ONU no caso desta dar razão à Sérvia ou não. Se não aceitar porque apoiou o pedido? Se aceitar, como creio mais provável, porque é que não esperou até este veredicto ter sido votado?
Claro que o senhor ministro poderá sempre dizer que nada indica que o caso seja aceite pela ONU. Ou que, sendo aceite, não seja votado por qualquer obstrução. Ou que, mesmo votado, não seja cumprido pelo Kossovo e pelos que, desde o primeiro dia, o apoiaram se é que o não instigaram. E por aí fora.
Claro que o senhor ministro nunca diria isto. Isto seria de um cinismo e de uma desfaçatez de que o não julgo capaz. Mas que se pode pensar nisto, ai é como ginjas!
Todavia, o que é que se pensará deste jigajoga do “sim, mas”, deste sim envergonhado, deste jogo com um pau de dois bicos, deste estar bem com Deus e com o diabo?
Eu sei que riscamos muito pouco no concerto europeu, mas esta maneira de obedecer aos grandes e este medo de ofender os de fora diz muito do que somos, ou do que, neste caso, o governo pensa que somos. E não me reconheço neste retrato cobarde, acéfalo, espertalhaço, oportunista e, finalmente, pouco sério.
Este caso envergonha-me, como homem, como cidadão e como português. Basta!

07 outubro 2008

Simplex nas Autarquias ?

Há alguns dias, contactaram-me solicitando que interviesse no processo de actualização das rendas de um prédio de habitação. Como já havia sido avaliado o imóvel para efeitos de IMI, sugeri que era fácil tratar de tudo, não havendo necessidade de intervenção de advogado. Bastava ir ao portal da habitação,(aqui) e seguir as instruções. Como não me voltaram a contactar, pensava que tudo se resolvera. Pensava eu: ainda bem que o nosso país está na vanguarda da tecnologia.

Surpresa das surpresas, o meu amigo telefonou-me para me contar as peripécias. O portal funcionou muito bem! Introduziu os dados, seguiu as instruções e acabou por ser advertido de que devia pagar a taxa de 96,00 para que o processo seguisse seus termos. Dirigiu-se à Cãmara Municipal. Não pôde pagar! Os funcionários não sabiam de portal nenhum. Não sabiam de requerimento nenhum! Tinha era que preencher os formulários disponibilizados pelos serviços municipais, em suporte de papel, acompanhado de planta de localização e outros documentos cuja utilidade se desconhece, dado que o prédio dispõe de processo de licenciamento de construção e licença de utilização válida, mas enfim ...! Tinha que seguir os trâmites estabelecidos pela Autarquia.

O Presidente da Câmara Municipal preside à Associação Nacional de Municípios. Parece que os seus serviços desconhecem o Portal da Habitação. Bom exemplo ...

Não há modernidade que resista! À maneira antiga é que está bem!...