31 agosto 2007

SAÚDE – A Procura Inadequada

A notícia:

As contas do 1.º semestre dos Hospitais EPE, hospitais com gestão empresarial, apresentaram prejuízos de 128 milhões de euros. Os jornais trazem abundante matéria sobre este assunto.

A justificação:

Em declarações ao JN, de 31/8, Manuel Delgado, da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, explica o défice com o facto das receitas serem ainda insuficientes.

Solução para o equilíbrio futuro:

O mesmo administrador explica que acabar com o défice passará por “limpar os hospitais da procura inadequada”.

Dúvida

A minha dúvida é mesmo esta: o que é uma “procura inadequada” num Hospital-EPE?

30 agosto 2007

Estes dias que passam 75


O mundo move-se... apesar de tudo

Há uns tempos, num desses programas de televisão estrangeiros, que infelizmente não passam telenovelas portuguesas (nem sabem o que perdem, os tristes), li que no Texas havia um preso no corredor da morte á espera da execução. Presos nos corredores da morte há muitos nos Estados Unidos (que não é o único pais onde ainda se mata legalmente, convém dizer) mas este, que se chama Kenneth Foster era diferente. Não matara ninguém, não roubara nem mandara matar. Simplesmente estava in the wrong place at the wrong moment. De facto auxiliara um amigo a fugir à polícia, guiando o carro da fuga. Veio-se a provar que esse amigo (já executado) matara um homem. A ajuda de Foster foi suficiente para ser condenado à morte. Esta monstruosidade jurídica foi atacada em todo o lado e na América também. Foster deveria ser morto esta noite. Não o será. O governados do Texas comutou-lhe a pena em prisão perpétua. Convenhamos que é um passo de gigante. Insuficiente: prisão perpétua por ajuda a um assassino (coisa que segundo o próprio, Foster ignorava: dava uma boleia a um ladrão sem sorte). Urge, agora tantos anos já passados na cadeia, exigir uma revisão decente e justa da sentença.
Fosse Foster branco e as coisas provavelmente correriam melhor mas ainda não se conseguiu obter a formula milagrosa que tem tornado Michael Johnson cada vez mais branco.

A China quer mostrar que também é um país normal ou quase. Enfim, o quase é um pouco excessivo, mas há que saudar todos os minúsculos passos que vai dando. E para o provar, ei-la que liberta um dos dissidentes da praça Tien-an-men. Faltam ainda 99 mas só o facto de libertar um preso de consciência anima a malta. Vamos todos pedir a libertação dos restantes. E isso antes dos jogos olímpicos. “Camaradas” chineses arregacem as mangas e tratem de, também aqui, imitar o melhor do Ocidente. Estas imitações, podem acreditar, ninguém as recusará.

Uma criatura americana morreu. Era rica muito rica. A fortuna (ou uma bela talhada dela) é herdada por um cão que já tem oito anos. Quando o bichinho falecer, será inumado no panteão familiar da dona.
Ah, já me esquecia: os quatro netos da senhora não recebem um só dollar. Nem agora, nem nunca porque o remanescente da fortuna da bizarra americana ira para uma fundação.
Ora aqui está uma ilustração do belo brocardo: quem espera por sapatos de defunto morre descalço.

E a “nossa” Europa. Pois lá vai cantando e rindo. Enfim, lá vai. Como exemplo desta bela inocência eis que a Orquestra Sinfónica de Osnabrück está a fazer uma digressão nada mais nada menos do que no Irão. Parece que por lá há muitos amadores da grande música ocidental. A orquestra tocou portento para um públco caloroso. Com um pequeno pormenor, coisinha insignificante...
As mulheres da orquestra para tocar tiveram que pôr véu.
Espera-se fervorosamente que uma orquestra semelhante mas iraniana venha à Europa. E que, em Roma sê romano, as mulheres iranianas toquem de cabelo ao vento. Eu não sou de Osnabrück, nem alemão mas palavra que fiquei envergonhado. É assim tão importante levar Beethoven a Teerão?

Em Espanha, aqui tão perto, abriu-se hoje mais uma fossa comum do tempo da guerra. Desta vez foi na Corunha. Desenterraram-se os ossos dos vereadores republicanos e de um grupo de sindicalistas galegos. A direita espanhola acha isto escandaloso. Andam a perturbar os mortos! Não se deve mexer no passado! Esta campanha é revanchista!
Tem toda a razão. O melhor mesmo seria desenterrar Franco e pô-lo de novo em El Pardo. Fazia, mesmo morto, melhor papel que Rajov.

E sempre ali, na “pele de touro” uma euro-deputada, Rosa Diez abandona o PSOE e seu lugar em Bruxelas para se juntar ao movimento “Basta ya” e aos Ciutadans... Está na forja um novo partido político que se tiver a sorte dos Ciutadans nas recentes eleições autonómicas da Catalunha poderá fazer a diferença. Bons ventos de Espanha, desta vez...

a gravura: cartaz da UGT publicado na Catalunha: operários organizem os campionatos do trabalho, frente à guerra.

Uma arte antiga

aqui tinha sido referida a demissão da directora do Museu Nacional de Arte Antiga. Há poucos dias, Dalila Rodrigues, enquanto estuda com os seus advogados se deve intentar uma acção contra o Estado pela forma como terminou a sua comissão de serviço, pesando nomeadamente os prejuízos causados pelo facto de ter vendido a sua casa em Viseu e comprado uma nova em Lisboa e agora ter de regressar a Viseu para as suas funções docentes no politécnico local (!), recebeu no museu o líder do PSD, Marques Mendes, para criticar o Governo pelas opções tomadas. Sim, porque Mendes não foi lá ver os painéis de S. Vicente...

Em plena campanha interna no PSD, Dalila Rodrigues e Marques Mendes deram um péssimo exemplo do sentido de Estado que se exige a um alto funcionário da Administração, ainda que demitido da sua função e a poucos dias de terminar o mandato, e ao líder do maior partido da oposição.

Pacheco Pereira analisou assim o assunto no seu Abrupto: “Em toda a campanha interior do PSD deve estar presente que um candidato a dirigente do PSD é um candidato a Primeiro-ministro. Marques Mendes, no seu "passeio" pelo Museu Nacional de Arte Antiga, esqueceu-se disso porque foi dar caução a um acto que é inadmissível numa funcionária pública no exercício das suas funções. Esta é uma questão de Estado, que já o presidente da República tratou com pouco cuidado.Ao fazer o que fez (e já antes em várias alturas tinha procedido igualmente mal), Dalila Rodrigues colocou-se numa situação insustentável. Não é suposto uma funcionária pública abandonar o dever de lealdade e isenção e, se queria fazer o que fez, poderia muito bem fazê-lo noutra condição, noutro estatuto, de outra maneira. Tudo aquilo era possível, com Marques Mendes visitando o Museu ao lado de Dalila Rodrigues, ambos como cidadãos e políticos, no pleno exercício dos seus direitos, criticando o Governo como entendessem, mas Dalila Rodrigues não poderia estar ali como directora do Museu, mesmo demissionária, nem poderia colocar-se ao lado do líder da oposição na casa do Estado que gere, para atacar o Governo legítimo do seu país. Insisto: é uma questão de Estado.”

Subscrevo por inteiro.

29 agosto 2007

voz alheia 2


Era la guerra
FRANCISCO UMBRAL

Era la guerra con sus limpios dientes, era la guerra con su papel firme, era la guerra de todas las guerras, que se repite siempre como una bestia negra, sin imaginación.

Vino tal que el domingo con su fiesta de pueblo y colgó tanques y hombres debajo de los árboles. Nos asusta la insistencia de la guerra, su parecido con guerras anteriores. Todos los guerreros tienen la misma guerra y todos los tiranos tienen la misma cara.

Era ayer y domingo y empezaba otra guerra. Lo que asusta en la guerra es su cara de fósil, que nace ya dejando parecido.

El domingo los tristes hablaban de la guerra, tenían el perro suelto o comiendo otros perros y hasta sus enemigos ya se dejaban ver porque sus enemigos eran hoy sus amigos y aquello iba a ser fácil como dicen los hombres de la guerra.

Qué tienen los domingos en su estructura frágil, qué traen en sus colores de muñeca violada, pero sea lo que fuere aciertan con la guerra y saben el camino, que es el de sus abuelos. No es hermosa la guerra, sino más bien enferma y llena los domingos de pleuresía y tristeza. Vayamos a la guerra como si la creyéramos, pongamos una bomba en cada corralera y así demostraremos cuántas guerras sabemos, cuántos hombres matamos, cómo acertamos siempre con el dios de la guerra, que es el campeón de bolos y suena muy despacio.

La guerra ha terminado o habría terminado si la guerra empezase de verdad un domingo, pero no empieza nunca porque ahora es guerra total y los hombres no saben dónde empieza esta historia, cómo empieza esta gente.

Ahora ya son más libres porque tienen más guerra y van coleccionando huesos de antepasados que hicieron otras guerras y por otros caminos. Esto se llama guerra y un día vendrá su gobierno, el campeón de la guerra desgritando mujeres. Se sentirá muy fuerte porque mata sin ruido. Nos iremos al cine donde empieza una guerra.

Era la guerra. La guerra llena de conventos que matan al infiel cuando ve a Dios. Porque toda guerra se hace por esto, por haberle visto o no haberle. Era la guerra con sus claros dientes asesinos que va dejando pulcros limpiabotas por donde pasa con su surco de dientes como por un surco de pena. Era la guerra de todas las guerras, que se repite siempre como una bestia cansada, como una fiesta de pueblo, como un colgajo de tanques y de árboles.

Era, sí la guerra, que ahora ha vuelto a matar descamisados y negros con un precioso camisón de rosa. Estamos en la guerra porque el yanqui tiene fuentes de petróleo en su precioso parque de muchachas. Estamos en la guerra, en puertas de la guerra, lavándonos los dientes con su papel de estraza pues a los yanquis Bush hoy los quiere negros y nos cuenta la guerra en un papel muy duro que sirve al jefe para contar su guerra, para contar sus cuentos, para un colgajo alegre de tristísima lluvia de colores donde recordará, viejo asesino, el rosario que reza con los panificadores y sus otros obreros de la Casa Blanca, lo limpios que están todos, lo guapos que han crecido, lo nobles que son todos, aunque violen a una chica, dulcemente contra la losa fría de su espalda de Virgen.

02.01.2007 El Mundo (los placeres y los dias)

a gravura representa dois ninots que irão ser queimados na Nit del foc em Valência: Camilo José Cela e Francisco Umbral. Ou como em certos países os escritores gozam de tal fama que até dão paraimagens de festa popular...

novos diplomas (selecção)

Lei nº 48/07, D.R. nº , Série I de 2007-08-29
15ª alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro
ENTRADA EM VIGOR: 15 de Setembro 2007

Lei n.º 47/2007, D.R. n.º 165, Série I de 2007-08-28
Primeira alteração à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que modifica o regime de acesso ao direito e aos tribunais.

Decreto-Lei n.º 303/2007, D.R. n.º 163, Série I de 2007-08-24
altera o Código de Processo Civil, procedendo à revisão do regime de recursos e de conflitos em processo civil e adaptando-o à prática de actos processuais por via electrónica; introduz ainda alterações à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, e aos Decretos-Leis n.os 269/98, de 1 de Setembro, e 423/91, de 30 de Outubro.

Lei n.º 46/2007, D.R. n.º 163, Série I de 2007-08-24
Regula o acesso aos documentos administrativos e a sua reutilização, revoga a Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, com a redacção introduzida pelas Lei n.os 8/95, de 29 de Março, e 94/99, de 16 de Julho, e transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/98/CE, do Parlamento e do Conselho, de 17 de Novembro, relativa à reutilização de informações do sector público.

"o que de melhor se pode dizer de um advogado"

"A imprensa brasileira noticia: «Hoje ele completa 70 anos e, depois de exercer a advocacia por quase 30 anos e atuar como desembargador por 16 anos, ele está se aposentando.
(...)
«Carlos Stephanini nunca abandonou a beca, mesmo togado», porque «a sua imparcialidade é o retrato fiel do seu compromisso com o Direito e a justiça».

Eis o que de melhor se pode dizer de um advogado, para além de lhe referir a honradez. Defensor do interesse de uma parte, mas não com ela confundido. É difícil? Sim. Impossível? Não. Na subtileza da diferença está a grandeza moral da pessoa."

do sempre atento Blog de Informação

Excertos deste post:

"Conforme noticiado aqui, no «Público», «O Presidente da República vetou o diploma que aprova o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.»

Contrariamente ao enfatizado por outros órgãos de comunicação social (TVI, SIC, Rádio Renascença, TSF, e C.M.) não se trata de um veto fundamentado, "apenas", por exigência de equilíbrio das finanças públicas e razões de operacionalidade administrativa.

Leia-se, a propósito, os seguintes extractos da mensagem dirigida pelo Presidente da República à Assembleia da República, que se encontra publicada, na íntegra, aqui:

«(...) 8. No contexto da responsabilidade por danos causados no exercício da função jurisdicional, o diploma em apreço consagra (artigo13º) um princípio geral de responsabilidade do Estado por erro judiciário − realidade que, em bom rigor, não deve ser confundida com a da revogação de uma decisão judicial por uma instância superior. Ora, a previsão de responsabilidade por erro judiciário é feita de um modo de tal forma abrangente que poderá conduzir a essa confusão, com consequências difíceis de prever a todos os níveis, incluindo o da salvaguarda do princípio da independência dos tribunais, entendido este na sua dimensão da liberdade de julgamento. (...)

9. Suscitam-se, igualmente, dúvidas sobre a clareza da solução acolhida quanto à responsabilidade dos magistrados judiciais e do Ministério Público (artigo 14º, nº 1).

Razões de segurança jurídica e de garantia do princípio da independência e irresponsabilidade dos magistrados judiciais, aconselhariam a densificação dos conceitos de culpa grave e dolo para os efeitos da propositura da acção do direito de regresso, à semelhança do que sucede em outros ordenamentos europeus.

As garantias constitucionais de independência e irresponsabilidade dos magistrados judiciais impõem que estes só respondam por violações concretas dos deveres funcionais e nunca por eventuais erros ou incorrecções das decisões que proferem". (...)


Obs: nada que não tivesse sido dito, oportunamente, pelas ultra-corporativas associações de magistrados... E esta, hem?

Diário Político 64


De Espanha ventos incómodos...

“el terror vasco, si, ha dejado de ser revolucionário para quedarse en estético y su labor artesanal consiste, como decimos, en evitar que nada cresca, que nada se relacione, que nada pacte, que nada viva ni cante fuera de las tapias del cementério. Mejor que hacer la revolución es impedir que los otros hagan la democracia”

Estas linhas foram escritas em El Mundo a 25 de Março de 2002, por Francisco Umbral que hoje vai a enterrar. Mais um numa sucessão de mortos que, como os fogos violentos de Verão, eclode por todo o lado (o Alberto de Lacerda, o Eduardo Prado Coelho e don Paco Umbral, estrela do Café Gijon, e da noite febril de Madrid). Vai fazer falta, este escritor múltiplo, este comentador político desbragado e poético que nunca renegou a sua matriz de esquerda ibérica, vermelha e negra, independente, sem bombas mas com “plumazos” que deixavam derreados os seus “contrincantes”. A história dos últimos sessenta, setenta anos de Espanha pode ler-se em meia dúzia dos seus livros onde as memórias e os arrebatamentos davam uma cor funda à sua particular tela.
Morre Umbral e “renasce” a ETA. Enfim, renascer é talvez exagerado que o bicho nunca tinha realmente morrido. Apesar do crescente repúdio à sua acção, de cada vez serem mais e melhor conhecidos os meios de pressão com que oprime a sociedade basca que vive entre o receio da denúncia (as “pintadas” à porta de casa...) e o medo bem real do tiro na nuca. Que o diga Savater para não ir mais longe.
E a ETA reaparece como e porquê? Resposta fácil: uma bomba aqui, um carro abandonado precipitadamente ali, uma família raptada durante um inteiro fim de semana, uma carrinha que explode no meio de um campo. Razões para isto? A “intolerância” de Zapatero!
Todavia, não é da política interna de Espanha que quero falar, mas apenas do monte de falácias com que, no nosso país, se relativiza o facto de só neste mês (e porque foram detectados) se alugaram carros que transportavam explosivos. E alugavam-se com documentos falsos portugueses, ao que parece, recorrendo ao estratagema de encomendar a viatura num sítio e recolhê-la a uns centos de quilómetros depois. Isto, para qualquer paisano, significa que esta gente se mexe à vontade por cá. Como “um peixe na água” como se dizia nos bons velhos tempos de leituras teóricas maoízantes.
Algum leitor mais renitente em acreditar que isto é o moinho da Joana, retorquirá que ainda ontem um senhor general à paisana (agora parece que os generais não usam farda para não serem confundidos com o desaparecido engenheiro Ângelo Correia ou o pitoresco Alvaro Vasconcelos, dois profundos teóricos da “defesa nacional) dizia com a aquela displicência de quem sabe que não havia constância de bases da ETA no jardim à beira mar plantado.
Por acaso, ainda me recordo, de há uns anos ter sido preso um cavalheiro basco que se fazia acompanhar de vário material explosivo. Cá, claro. A Espanha pediu a extradição desse acidental turista, oferecendo vasta cópia de argumentos e um curriculum vitae do inocente perseguido digno de causar inveja. Alguns senhores juízes entenderam que não era caso disso e o homem foi ficando e provavelmente ainda andará por aí. A menos que tenha sido chamado para junto do Senhor ou para cumprir outras tarefas que exigindo discrição o afastaram do convívio dos seus lusos admiradores.
É que por cá, numa certa, pequena mas tão determinada quanto imbecil, franja esquerdista há um piedoso sentimento de ternura por esses rapazes do tiro na nuca, da bomba lapa, do amonal amoral. Existiu sempre no risonho país lusitano, a ideia que os inimigos de “Castela” são nossos amigos. A ETA e aquele furúnculo chamado Exército do Povo Galego, tiveram por cá amigos, apoiantes quiçá cúmplices. O fascismo dá-se bem nestas pequenas e disparatadas bandas que à falta de milho transgénico sempre arranjam tempo para uma solidariedade internacionalista.
Mas persistamos nesta vaga e estival indagação: sendo verdade que em França as coisas vão mal para as bases recuadas da ETA, conhecido que é o facto de Andorra não oferecer condições mínimas para o estabelecimento de esconderijos de gente e de armas, onde é que, com economia de meios, possibilidades de passar despercebido, se poderá instalar um núcleo “guerrilheiro” que a todo o momento possa ser activado? Na Bolívia? No Irão? No Pólo Norte, agora tão cobiçado? Ou num pais vizinho com quase mil quilómetros de fronteira vaga e terrestre, sem polícia que se veja, de escasso controle sobre emigrantes ucranianos, turistas brasileiras jovens ou mendigos romenos que se movimentam à vontade?
Francamente senhor general!
Admito, só para poder conversar, que os indícios (duas viaturas portuguesas alugadas em Portugal) não dão uma garantia a 100% mas também me parece displicência a mais não considerar preocupante a ocorrência e sobretudo a simultaneidade. Em menos de um mês, este mês de Agosto, silly season para alguns, dois carros parece bastante. Tanto mais que se poderá sempre pensar que não passam da ponta de um iceberg (cá estamos outra vez no pólo..., que maçada!) e que eventualmente outros andarão nas nossas estradas com a sua carga letal de “recuerdos”, tripulados por rapazolas educados na kale borroka e desejosos de mostrar a virilidade numa corrida sem touros, sempre perigosos, mas com alvos inermes como foram quase todas as últimas vítimas mortais desta lepra moral e política que se chama ETA.
Até ao próximo rebentamento.

De Vexas respeitosamente,
d’Oliveira

na gravura: "bomba de três canos (queira isso dizer o que quer que seja) pilhada, claro, na internet, na wikipédia para ser mais exacto, com o consentimento do seu autor cujo nome, se bem me lembro é qualquer coisa Menezes. O seu a seu dono, que diabo!

28 agosto 2007

o leitor (im)penitente 17



Um quarteirão de livros depois...

Pode-se ser, ao mesmo tempo, escritor, jornalista, animador de tertúlias, homem na moda, símbolo do que á falta de melhor (e correndo todos os riscos) da desaparecida gauche divine e da movida de Madrid?
Já sei que alguém daí me dirá que ser escritor e jornalista é normal, o que de todo em todo é falso, como bem avisava o Fernando Assis Pacheco, e que o resto vem em consequência.
Nada disso, leitoras gentis (e uma referência à Maria Manuel que é uma apreciadora da literatura espanhola o que punha o Eduardo espantado e desconfortável porque, vá-se lá saber porquê, não conseguia ler o castelhano, pelo menos não conseguia ler romances. Ainda nas férias de 2006 nos seguiu resignado, mas murcho como uma alforreca naufragada, à Michelena em Pontevedra onde nós estoirámos uma valente soma nas novidades). De facto raros são os escritores que reúnem condições para manter uma coluna diária num jornal e, ao mesmo tempo, publicar com regularidade os seus outros livros.
Falo, claro, de Francisco Umbral. Um deslumbramento que terá começado nos anos oitenta do século passado (ah como gosto desta expressão: o século passado...). Mais precisamente, vejo agora, em 87. Há vinte anos portanto. Neste espaço de tempo comprei um quarteirão de Umbrais e mais um, repetido, prova provada da ganância que me animava. Comprei e, já agora, li. E acabo de descobrir que afinal só posso contar vinte e quatro livros. Descobri outro repetido. Azares de quem começa a envelhecer, é distraído e compra longe de casa.
Francisco Umbral, dizia. Um desses escritores que vem de um qualquer recanto e se maravilham com a grande cidade. Com uma particularidade. Umbral era madrileno, “gato”, como lá diz, mas passou a infância e a juventude em Valladolid só regressando à cidade natal na década de 60. E por isso, ao ler alguns dos seus textos mais memorialistas parece um intelectual subjugado pela visão da grande cidade. E pelos cafés, locais de encontro de tertúlias numerosas. Umbral apareceu no Café Gijon e aí se amesendou. Eu próprio fui um par de vezes a esse sítio emblemático com o único intuito de o ver. Mas ou fui a má hora ou acertei sempre nos dias em que ele faltou. Recordo com alguma emoção que foi lá mesmo que comecei a ler “La noche en que llegué al café Gijon”. Provavelmente esperava encontrar o mesmo ambiente descrito no livro. Não encontrei, claro. Os anos finais da década de oitenta eram felizmente diferentes, mesmo que se tenham perdido as gloriosas discussões do princípio da década de 60.
Umbral é, a par com o seu mestre reconhecido, Miguel Delibes, um prosador poderoso, original, poético e, em contadas ocasiões, cruel, violento e virulento. Provavelmente porque, qualquer leitor o nota, se põe em cena em cada livro, nu e indefeso perante o leitor.
Além de romancista e ensaísta (e aqui valeria a pena referir alguns textos certeiros sobre Lorca ou Valle Inclán) foi um jornalista esforçado cujas crónicas segui primeiro no El Pais e depois no El Mundo: tenho para aí umas 300 ou 400 crónicas que paciente e diariamente tirava da internet. Esta por exemplo, referente a 30-12-2000 sobre a intelctualidade:
...nuestras dinastias han sabido que no se pude vivir sin intelectuales, aunque sean bajitos y ahi están Savater, Jimenez Losantos, Ferrero imponiendo la dulce tirania de la estatura. De entre ellos solo Savater se juega la vida. Pensa más un morto que un vivo, cuando muere cabalmente.
Depois acusa grande parte dos intelectuais por não actuarem, de já não irem às manifestações anti-otan mas apenas “a la venial vanguardia del Teatro de la Abadis, en Fernàndez de los Rios, mala calle donde siempre te engaña una puta. En dias sin función, por supuesto.
Morre agora, com uns breves setenta e poucos anos e mais de cem livros publicados. Ou seja ainda me faltam cerca de setenta!.. Menudo lio, este!
Umbral teve todos os prémios possíveis em Espanha, desde o Nadal ao Cervantes, do Nacional de literatura ao Príncipe de Astúrias. Faltou-lhe entrar na Academia, coisa que muito o mortificou e que de facto é de uma injustiça gritante sobretudo quando se sabe que foi preterido por um escritor que não o iguala em qualidade.
Não tenho a certeza mas julgo que em Portugal se terão traduzido um ou dois livros dele. Desconheço que acolhimento tiveram mas não me custa a crer que tenham passado despercebidos. É a sina dos espanhóis entre nós. E somos nós quem perde.
A morte deste cronista implacável dos últimos cinquenta anos deixa, como é costume dizer, um grande vazio. Porque ele, escrevia com sangue, no fio dos dias, arriscando-se a todo o momento, na sua crónica diária. Ou como ele disse uma vez numa entrevista à televisão: não temos alma mas, de qualquer modo, devemos tentar salvá-la. Que programa imenso!

27 agosto 2007

voz alheia 1



Por uma vez, provavelmente única, dou a palavra à Maria Manuel Viana que quis corresponder à amabilidade dos companheiros desta barca e enviar-nos um texto seu sobre o Eduardo.
Aqui o recebi e, por junto, copiei-o.
Juntei para o ilustrar uma fotografia de uma máscara Urhobo (Nigéria). Achei que o EPC gostaria dela, curioso como era.


para as incursões


ele teria gostado de ler as palavras do marcelo. ter-se-ia comovido. aquelas eram também as palavras dele. vagueio pelos blogs, à procura dum pequeno sinal, duma memória partilhada, para assim calar esta dor insuportável.
ele já não está.

em 73, cruzámo-nos num festival de cinema na figueira. ele falava da persona do bergman. eu tinha 18 anos. fiquei fascinada.

amámo-nos por entre muitos rostos, muitas outras pessoas, muitos filmes e muitos livros.
ele já não está.

adormeceu devagarinho, no sábado de manhã.
como o menino que era.
ele já não está.

dói-me acordar.
dói-me viver.
ele já não está.

fomos felizes enquanto os deuses o permitiram.

a vida é isto


observas a vida que passa,
com uma sabedoria
que a reduz ao simples que é :
as horas (in)certas de comer
de foder, de dormir.
no mais apenas pequenos incidentes.

dos humanos sabes as pernas a rodearem-te,
as mãos a te alimentarem e afagarem o pelo,
o cheiro de cada um
e um dever de gratidão.

olhas por eles,
que não sabem bem o que fazem
e cumpres o teu dever
com alguma ternura.

a vida também é isto, pensas.


silvia chueire

26 agosto 2007

Felicidade


A incessante e cansativa procura do ser humano pela felicidade foi algo que sempre despertou o meu interesse. Digo incessante e cansativa pelo que representa de obsessão nesta nossa sociedade ocidental, dita moderna. Parece que o direito a se estar infeliz já não existe. Como diz Pascal Bruckner, no seu excelente livro L’euphorie perpétuelle”, que recomendo vivamente, esta sociedade não dá espaço para a nossa tristeza.

Por exemplo, quando nos perguntam ( e perguntam sempre) “Como vai?” se respondemos “Mais ou menos” temos logo um inquérito em cima de nós, questionando sobre a razão de não estar “Muito bem, obrigada!”. Experimentem. Verão que terão logo como resposta “Algum problema?...”

Há uns anos atrás passei por uma situação que me deitou abaixo quase completamente. Se atendermos ao facto de eu ser uma pessoa extremamente optimista, rapidamente se conclui da gravidade da situação. Nesse período é que percebi até que ponto as perguntas mais banais podem invadir o nosso recato e deixar-nos desamparados entre a vontade de não falar, de mater a nossa privacidade, e a mentira banal “Tudo bem, obrigada”.

Tudo, ou quase tudo, que nos tentam vender é com a mensagem de felicidade anexa. Ou porque nos vai dar cabo do mau colesterol, tornar-nos saudável e desse bem-estar advém a felicidade; ou porque nos vai tirar, ou evita as rugas, fontes de infelicidade; ou porque vamos ganhar aquela viagem formidável num sorteio; ou porque nos vai permitir falar com todos os mil amigos sem pagar quase nada; ou porque… todos nos vendem a felicidade num boião, numa caderneta, numa casa com electrodomésticos, num telemóvel. E depois? Será que depois de termos isto tudo vamos ser felizes? Parece que não, já que os centros comerciais estão cheios de pessoas com casa repletas de mobilas, electrodomésticos e tudo o mais que promete a felicidade.

E há também um outro aspecto importante neste processo de venda da felicidade: as seitas religiosas. Aqui o que se compra vai directamente ao âmago da coisa. A transacção é feita directamente para o desgosto e sofrimento alheio, para que acabe. Oferece-se, melhor dizendo, vende-se a felicidade. E esta felicidade tem ainda um atractivo suplementar: é eterna. Este processo parece quase incompreensível no sentido de como é que as pessoas se deixam convencer nestas tretas. E são tantas as pessoas que se envolvem. E são tantas as tretas…

O que se vê nesta sociedade, é que a incessável busca da felicidade promove o pavor da doença, do envelhecimento, da morte, logo, uma vida de desassossego.

Uma carta colectiva

Atenhamo-mos, primeiro, no arroz de lingueirão de que nos fala, comentários abaixo, a nossa querida Kami, e que este ano não houve, nem na Ilha de Faro, nem em qualquer outro lado, por razões de que o JCP não tem culpa, que ele chegou a falar-me no assunto, mas eu disse-lhe o que digo aqui, que não estava nada combinado e eu sou assim, um absoluto palerma que, muitas vezes, acha que pode estar a entrar demais na vida das pessoas que estão no Algarve de forma diferente da minha, elas lá na sua vida e eu na passeata. Foi por isso, apenas por isso, que não telefonei para o lingueirão, coisa que me teria dado muito prazer, e a menina sabe e também sabe que é mesmo como digo em relação ao resto, porque já me vai conhecendo. Mas não há problema: com ou sem lingueirão, não falta tempo e as mesas também não, por aí ou por aqui, ou a meio do caminho, tanto faz.
(Ainda bem que só soube que "o meu olhar" e o JSC estavam em Aljezur depois de ter passado por lá, porque, de outro modo, também me angustiaria, agora, sobre se os procurava ou não no seu sossego.)

Diz o MCR que eu ando preguiçoso. Ah, meu amigo, nem imagina quanto! Quando leio estas coisas, corro sempre a cassete atrás e lembro-me do tempo em que dizia que iria reformar-me aos 45 anos e fiz por isso. Melhor: fiz por isso até aos 39 anos e ia conseguir, porque corri tanto, andei tanto, sofri tanto que ia conseguir. E ia conseguir, mesmo que nunca tenha perdido a ética e os valores. Mas tive que andar para trás, a partir daí, tive de começar tudo de novo, deixei para trás os livros que iria escrever na reforma precoce, as minhas viagens, o tempo da inimputabilidade total que me deixaria ser o que me apetecia, numa vida nem sempre sincronizada. Tudo. Começar tudo de novo até pode ser um desafio, um estímulo interessante, uma aventura. Só que eu não tinha percebido até que ponto estava cansado dos meus 50 mil quilómetros por ano e das noites mal dormidas. Agora, aos 47 anos, vivo a vida mais devagar. Devagar demais, há quem diga. Logo se vê...

Discute-se, por estes dias, a questão dos financiamentos dos partidos a propósito do PSD e da Somague. Expedito, o SOL traz novamente à liça o fincanciamento do PS no Brasil. Não vale a pena - discute-se, apenas, a espuma das coisas. Porque no dia em que se discutir mais além, discute-se a democracia. Alguém quer? Quem? O BE? E de onde vem o dinheiro para as grandes campanhas do BE? Querem discutir o assunto? Todos? A sério? Ah, não, não querem. Fiquemo-nos, então, pelo que é acessório. E, aí, retomo as palavras do "primo de amarante", precisamente na parte em que escreve, um tanto mais abaixo e a propósito do tema, que o PS do Porto justificou as faltas de Francisco Assis à Assembleia Municipal do Marco com o argumento de que o senhor não queria, com a sua presença, inibir os demais deputados do seu partido. Inibir?! O senhor deputado europeu, com a sua presença, ia inibir? Mas inibir, quem? Por essa altura eu era vereador da oposição local, pelo PSD, e teria gostado que o senhor deputado europeu tivesse ido lá inibir quem não respeitava as regras da democracia. Não o fez. Inibiu-se! Himself.
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25 agosto 2007

O Fio do Horizonte


As crónicas de Eduardo Prado Coelho no Público, com o título "O Fio do Horizonte", de 2ª a 6ª f , desde o 1º número daquele jornal * [entre 28.12.1998 e 24 de Agosto de 2007, ontem mesmo!] podem ser lidas aqui.

estes dias que passam 74


A morte, hóspede inesperada




Ainda ontem, sexta, pela tardinha, tínhamos recebido uma mensagem da Maria Manuel: o Público trazia uma reportagem sobre a Mayra, prima segunda de ambos e ela e o Eduardo achavam por bem prevenir todos os familiares.
Nada fazia prever este desenlace, depois de tantas e tantas vicissitudes, há fígado, não há fígado, há rejeição, a rejeição foi vencida, enfim o rosário do costume, as aflições habituais.
Conheci o Eduardo na Figueira há mais de trinta anos numa das primeiras edições do Festival de cinema. Fomo-nos encontrando ano, pós ano, criando laços, coisa mais que natural entre pessoas da mesma geração e com interesses semelhantes. Polemicámos as vezes necessárias que ambos somos senhores do seu nariz. Uma que outra vez, por interposta imprensa, trocámos um que outro afectuoso abraço a propósito de pequenas coisas que nos interessavam.
Há uns anos ele e a Maria Manuel acharam que tinham sido criados um para o outro e disso me deram conhecimento rápido. Ao fim e ao cabo sou o primo mais velho duma série de dezasseis, todos netos da Velha Senhora. A Maria Manuel foi durante muito tempo a única prima que eu conheci, aliás conhecia-a com dois anos de idade, aos gritos numa janela namorando descaradamente os polícias da esquadra em frente. Nos seus romances, a Maria Manuel lá me vai fazendo aparecer fugazmente e o Eduardo dizia que tinha ciúmes...
Agora já os não tem. Nem ciúmes, nem histórias para contar, como ainda há um ano na Galiza. Às oito e meia da manhã de hoje, a minha mãe telefonava-me mais rouca (e mais velha...) do que de costume a dar-me esta miserável novidade. Convenhamos que há maneiras mais agradáveis de acordar. Ao meio dia e meia, não perguntem como, já estava em Lisboa. Vamos daqui a pouco para lá velar o nosso mais recente parente.
Estamos mais pobres e mais desolados.
O Verão é uma má estação para morrer. Aliás, todas as estações são más que a morte é sempre uma hóspede inesperada.

Georges Rouault: Notre Dame des Champs nº4. Acho que o Eduardo gostaria desta gravura malgrado a sua consabida falta de fé. A mim também me falta mas rouault é indiscutível...

Uma perda

O país e o espaço público de debate e reflexão em Portugal ficaram mais pobres com a perda de Eduardo Prado Coelho. As suas crónicas diárias no “Público”, sobre os mais variados temas, da política ao cinema, da dança à literatura, eram um dos mais valiosos espaços de reflexão e análise da realidade contemporânea nacional.

Ninguém como tu Figueira


http://www.fotoscomhistoria.canalhistoria.com/?cmd=

dedicado ao nosso MCR, que tantas memórias da Figueira da Foz tem aqui partilhado

* fotografia: 1951, autor João Sardo (tirado do site fotos com história)

* Álbum Figueirense (preito ao passado para enfrentar o futuro)

* letra da canção "Ninguém como tu Figueira", de Rocha Oliveira e Mário Gonçalves Teixeira, a qual, interpretada por Clara Sacramento, mereceu uma menção honrosa no VIII Festival da Canção Portuguesa (Figueira da Foz) no ano de 1969 (*)

Não há outra terra igual
Assim junto à beira-mar
E o Mondego vem de longe
P'ra te ver e te falar
Ninguém como tu Figueira
Tem um ar assim risonho
Ficas em nossa lembrança
A perdurar como um sonho

Eu sei que não há ninguém
Que saudades não vá ter
Depois de passar aqui
Tem que voltar p'ra te ver
Também o sol teu amigo
Nunca falta com seu manto
Torna oiro a branca areia
Faz da Figueira um encanto

E da serra até Buarcos
Vive gente boa do seu labor
Quando há um barco
Que sai a barra
Há sempre um adeus
Para o seu amor

Figueira
Tua praia
Também não tem igual
Para nós és rainha das praias de Portugal


* informação colhida nestoutro blog também dedicado à rainha das praias.


PS - vejam só que coincidência: na minha última incursão à Figueira, vai para bem mais de um ano, estava eu no hotel em doce remanso, o mar lá ao longe (sempre ao longe, o mar na Figueira...), a ler um livro de um autor espanhol cujo nome não recordo, tal como o do livro, mas que, se não me falha de novo a memória, era um quase estreante, que arrenegara da formação jurídica e se iniciara nas letras com estrondo; o livro esse passava-se em Veneza, melhor dizendo, era sobre Veneza e arte e a arte em Veneza e muitas coisas mais (de que me lembro, mas não vêm agora ao caso); a escrita era poderosa e o vocabulário um tanto invulgar - pelo que dei comigo curiosa quanto à identidade do tradutor, que não pouco trabalho havera de ter tido para alcançar um tão harmonioso fraseado. Eis senão a surpresa: o nosso Marcelo! Ele mesmo, o MCR! Veio-me então à memória que ele já mencionara o livo aqui no Incursões (ainda que eu o tivesse comprado apenas porque sim). Como é que se chamavam mesmo, o livro e o autor? (não o tenho ao meu alcance, de momento, vai uma ajudinha?)

A Flor das Flores

dedicado ao nosso carteiro, de novo às voltas com "as coisas dele":

Tribunal proíbe mulher de fumar no seu jardim


*
imagem: caixa de cigarros brasileiros (informação sobre a colecção, de que faz parte, aqui)

24 agosto 2007


Au Bonheur des Dames 82


Antes de português, cidadão e antes de cidadão, homem

Um texto meu aqui abaixo (os leitores desculpem mas ainda ninguém me ensinou o truque de escrever aqui, sublinhar e clicando vai-se lá ter direitinho. Estou à espera de uma lição da exma administradora Kamikaze...) suscitou ao caro JSC a ideia de que a minha auto-estima “enquanto português” anda muito por baixo. E parece ainda que me confessei iberista. Vamos por partes:
Eu nasci aqui e, queira, ou não, sou daqui. E em muitas coisas sou-o "sans peur ni reproche” como o cavaleiro Bayard (em francês e tudo!). E uma das mais conhecidas características portuguesas, JSC que me desculpe, é esta: reclamar! Eu reclamo contra tudo o que me não agrada seja portuga ou importado.
E isso aprendi-o com um cavaleiro do tempo do nosso D Afonso III ou IV que numa caçada, apanhou o rei a jeito e cominou-o a mudar de vida senão. O rei façanhudo perguntou: senão o quê? E o conselheiro impávido respondeu: senão, não! Ou seja: em tempos imemoriais havia essa força capaz de desafiar reis. Onde é que ela anda agora, JSC?
Agora, gostaria de esclarecer esses 900 anos de nacionalidade. Eu sei que, nos anos 40 do século passado, houve uma comemorações patuscas, chamadas dos centenários em que se jogava com 1140, 1640 e 1940. Ou seja com a data mais ou menos simbólica da reivindicação de Afonso Henriques e a data da “restauração”. No meio iam 60 anos de Filipes, mas enfim.
Não será o filho de minha mãe que retirará a 1140 o valor de mito que tem. Mas só esse. Até à revolução de 1383-85 a “nação” portuguesa esticava e encolhia consoante se queria, ou pensava poder, abarbatar Castela ou partes dela. D. Dinis, por exemplo, pelo tratado de Alcañices sacou uma bela posta da fronteira central aos vizinhos, para não ir mais longe. Os reinos eram propriedade pessoal do rei e de mais uns quantos e o pópulo que se governasse. De resto, estou em crer que ao mesmo ajuntamento de pés-rapados, o povo português da época, pouco lhe diria um castelhano-leonês, ou um lusitano de pura cepa. Já a partir do século XIV, ou melhor do fim da primeira dinastia, as coisas parecem ser diferentes. Graças aliás à proto-burguesia citadina, ao partido de D.João I, e ao Zé-povinho das cidades que tomaram voz por este. Lá se vão dois bons séculos...
O intermezzo felipista não parece ter suscitado grande protesto: Felipe II de Espanha e Iº de Portugal gabava-se de ser rei por três ponderosas razões: herdara o reino, comprara-o e conquistara-o. Assim mesmo. Herdeiro mais que natural, comprador exímio (quanto portuguesinho valente não recebeu belos dobrões de ouro dos emissários espanhóis) e conquistador dado que teve a pequena maçada de desbaratar a pequena hoste de D António, prior do Crato. E foram sessenta anos de altos e baixos e monarquia dual na forma e, pelo dizer dos nossos nacionalistas mais , de domínio espanhol. Não foi assim, claro mas são eles que insistem pelo que não lhes disputarei essa frouxa caracterização da época histórica.
O senhor duque de Bragança, muito instado, lá se resolveu a lançar o grito do Ipiranga, entusiasmado por sua mulher Dª Luísa de Guzman, da poderosa casa espanhola de Medina Sidónia. Não deixa de ser patusco lembrar que a lenda atribui a esta, aliás excelente, senhora o dito: mais vale ser rainha um dia que duquesa toda a vida! O patriotismo, sempre o patriotismo...
Portugal desembaraçou-se da tutela espanhola para se embaraçar na inglesa mas isso é de somenos. A verdade é que devemos a independência de 1640 (e dos vinte e tal anos seguintes, sempre em guerra, convém recordar) ao facto da Espanha estar mais interessada na Catalunha (coisa que nenhum catalão nos perdoa) e ao apoio das grandes potencias europeias que queriam uma Espanha menos poderosa. Devemo-lo também, evidentemente e sobretudo, aos portugueses que apoiaram o novel rei, por ele se bateram e por Portugal morreram.
Isto quanto à nossa peripécia e a traço muito grosso. A ideia de pátria é uma novidade mesmo no século XVII e se calhar deveríamos andar mesmo um pouco mais para diante para realmente se poder falar disso. Mas aceitemos cum grano salis, como se deve, o esforço afonsino, a astúcia dionisiana, a gesta de Avis (e nunca esqueçamos a tentativa de D João II e a política insistente de casar com herdeiras do trono espanhol, a mais importante das quais morreu juntamente com o infante D Afonso nos campos de Santarém deixando semi-viúva uma menina espanhola que trazia no dote Castela e arredores) e o arranco de 1640-1668, feito por um duque demasiado cauteloso, quase rei à força, que escreveu em espanhol um par de obras notáveis.
Dir-se-á que tudo isto é apesar de tudo um claro sinal de uma “diferença” portuguesa. Será, sem dúvida. Mas não tão enorme que numa outra diferente dobra da história não visse a península unificada por um rei nascido nestas partes e com capital em Lisboa (diz-se que Felipe bem a queria cá e que só optou por Madrid por haver oposição dos portugueses que preferiam a sede do vice-reino longe do olhar desconfiado do espanhol. Negócios!...)
Com isto não há iberismo de coração que resista ao portuguesismo de cabeça. Como eu disse. Não vejo possibilidades de união ibérica mesmo sob a forma republicana. E sob a forma republicana muito me espantaria que o resto da península continuasse junto e unido. E não é pelo irredentismo basco, digo-o já. Muito menos pelos galegos. É a Catalunha, caro JSC, a Catalunha que me parece mais capaz de querer soltar amarras e “libertar-se da sua colónia espanhola” como me dizia um amigo catalão, advogado prestigiado e moderadamente nacionalista. E persisto: quererá alguém em Espanha o torrãozinho de açúcar? Permita-me que desconfie.
Portanto, como bom português, pouco dado a manejar um saco de lacraus, tenho por mim que mais vale estar quieto no meu canto do que ir caçar gambuzinos.
E depois, que diabo, faz algum sentido, em plena União Europeia, falar ainda de um projecto iberista mesmo se louvado por alguns dos melhores espíritos, e só cito Antero, para não maçar?
Agora voltemos à estafada auto-estima de português. Eu tenho por mim que encher o peito de ar e lembrar Aljubarrota, os heróis de 40 e a volta do cabo da Boa Esperança, pode ser peitoral mas não me diz nada que valha para o presente ou para o futuro. Continuando uma tradição antiga de portugueses estrangeirados ou tidos como tal, sobretudo estes, dói-me este país tal qual se mostra diariamente nos jornais, no parlamento e nas ruas cheias de lixo e automóveis mal-estacionados. E disso reclamo, como cidadão primeiro, e homem ainda antes. E não percebo porque é que aqui ao lado há centenas de milhões de euros para a investigação e cá é o que se vê. Não percebo porque é que lá com salários muito mais altos há artigos mais baratos e já nem falo dos automóveis. E poderia fazer uma lista do tamanho da légua da Póvoa com vantagens comparativas.
Já por várias vezes aqui me disseram que ando com a auto-estima em baixo. Quem me conhece sabe que sou de meu natural optimista e risonho. E, mesmo para quem me não conhece, tenho a declarar que isto não é uma questão de auto-estima, nacional, profissional ou cultural. É um olhar desapaixonado sobre o que me rodeia e uma sensação de tempo perdido. Andamos há muito tempo a discutir o estado da nação e quando se arranja uma solução substituímos-lhe logo outra antes da primeira mostrar o que vale. Este país sofre, entre outras, de uma doença fatal: disenteria legislativa. O bota-abaixismo regulamentar desanima o mais valente e transforma cidadãos pacíficos em gente sem fé nem lei. Mas basta uma viração futebolística, um golo milagroso de calcanhar, para subitamente desatar tudo aos hossanas, a acenar bandeiras e bandeirinhas num tumulto que passa mais depressa que o suspiro de uma virgem. E é disso que se alimenta uma classe política (ou parte dela, sejamos comedidos) que parece só andar naquilo na miragem de bodo aos pobres. Apetite satisfeito, ei-los que partem para outra e começam imediatamente a dizer que a nau se afunda. Basta ler os jornais para ver.
Aceite estas linhas pelo seu valor facial. Não há nelas animosidade nem arcas encoiradas. Eu digo o que penso e quando é possível penso o que digo. Um abraço
mcr, cidadão, num estado gordo e um tanto ou quanto arruinado, cosmopolita por gosto, português porque não sabe ver-se de outra maneira.

PS:algum leitor mais expedito poderá ler querendo um texto chamado Aqui estou, aqui fico (Au Bonheur des Dames, 67, 24 de Maio de 2007: basta clicar na etiqueta e aparecem todos os malvados bonheurs. Depois é ir baixando até ao 67. Outra hipótese é clicar no mês de Maio de 07 e procurar. Tá, meus?)

A gravura:num promontório frente às terras iguais mas espanholas, Marvão. Em desertificação acelerada. Entenda-se esta metáfora pelo seu justo valor. E a lembrança da terra como uma homenagem à memória de Aníbal Belo, cidadão e português, colega de Coimbra e amigo até à sua estúpida morte, com quem partilhei longas conversas sobre isto de sermos portugueses...

Olha que coisa mais linda!

Poemas da nossa Sílvia no 1º número da Revista Sulscrito, um dos muitos projectos e actividades culturais em que está envolvido o Sulscrito-Círculo Literário do Algarve, que a dirige editorialmente, sendo editora a ARCA. Como estava por perto mas não pude ir à apresentação da Revista, no passado dia 10 de Agosto, na Feira do Livro de Faro, vou redimir-me pessoalmente junto da Sílvia, já em Setembro. Se quiserem mandar alguma encomenda, disponham :)

Sugestão: clique na imagem abaixo, para aumentar, e clique aqui para ler enquanto ouve Vinicius por Tom Jobim, em a Garota de Ipanema, que me parece vir bem a propósito...


margemdois.blogspot.com

23 agosto 2007

Estes dias que passam 73



V. disse plágio? homessa!

Pensa uma pessoa que em férias não acontece nada dado que é bem sabido que os políticos não resistem a ir mostrar-se nas areias do Algarve. Parece que é aí que os fotógrafos das diferentes revistas “sociais” operam. Com sorte, o político imberbe e provincial obtém –mesmo que tenha de pagar – duas fografias em quadricromia. Depois basta encaixilhar ou comprar umas dezenas de exemplares para distribuir na terrinha e estava começada uma carreira.
Agora é mais difícil. Não que as revistas society tenham desaparecido, nada disso. Continuam risonhamente a mostrar semanalmente ao indígena, as pequenas indignidades do “people”. Quem dorme com quem (agora chama-se namorar) quantas vezes por semana, quanto viagra se usa, quanta coca etc... Mas isso tornou-se de tal modo vulgar, que já ninguém aposta nesse desgastado elevador para a glória local.
Agora, por exemplo, vale a pena ter um blog. Ou algo parecido com isso mas com um fim perfeitamente pessoal. Dar-se a conhecer e assim tentar angariar uns votos, uma base eleitoral, um lobby. Terá sido essa a ideia de um candidato à presidência do PPD. Criou o seu blog e começou a debitar pérolas culturais. Nada lhe escapava, sequer o Bergman ou o Antonioni. Sobre o passamento destes dois cavalheiros foi um ver se te avias.
Todavia (estas coisas têm sempre um aborrecido senão...) alguém, um invejoso certamente, resolveu comparar os textos com o que se publica por essa internet fora. E o que se previa, sucedeu. O inditoso político foi apanhado com a gulosa boca no biberão. Copiava alegremente os textos que apanhava e publicava-os sob o seu próprio nome. Parece que agora apareceu um prestável assessor que assumiu todas as cópias. Bravo, meu rapaz! Assim vais longe, pá. Esse género de sacrifícios poupa anos e anos de trabalho...

2 Na risonha ex-rodésia do sul, agora Zimbabué, a taxa de inflação atingiu os 20.000%. Ora aqui está uma façanha a acrescentar à extensa glória do senhor Robert Mugabe. Com jeito, dizem os economistas, lá para o fim do ano, os felizes governados deste pai da pátria que o pariu conseguirão ver a sua inflação na taxa dos 100.000%.

3 Em Espanha, um só instituto de investigação científica, o Parque de Investigação Bio-Médica tem um orçamento anual de 60 milhões de euros! Claro que atrai investigadores de todo o mundo e publica nada mais nada menos do que 400 artigos científicos por ano. Artigos de grande qualidade, ao que ouvi no programa Quark (RAI 1). E este é apenas um entre os vários que a Espanha tem.

4 aproveite-se para lembrar o egrégio Saramago. O homem desde que se estabeleceu naquelas terras não resiste a um microfone que lhe passe a menos de cinco metros de distância. A sua tese, que alguns confundiram (mal) com iberismo, causou alguma inútil polémica. Já por aqui falei vezes sem conta do nosso vizinho, com admiração, alegria e inveja. Pelo coração seria iberista mas a cabecinha pensadora não me deixa. Nem vejo que alguma vez deixe. Claro que era sedutor ver uma península unificada. Mas basta atentar nas manobras irredentistas de algumas das “autonomias” para ver o que eventualmente se passaria. E depois há uma pergunta: a Espanha quer-nos?

5 Não é coisa que mereça mais do que uma espantada indignação e um saudável desprezo essa historia de ataque a uma plantação de milho no Algarve. O eco-fascismo há muito que rondava. Agora mostra-se em toda a sua brutal vileza. Uns rapazolas que se tomam por Robin dos Bosques, juntaram-se convenientemente mascarados e vá de se cevarem numa pequena exploração agrícola. Escolheram bem: a GNR local mostrou uma vez mais a sua inoperância e na zona, pouco habitada e envelhecida, não havia quem se pudesse opor. Outro galo cantaria no centro e no norte onde este tipo de culturas tem aumentado. Só que por aqui talvez os não deixassem ir embora tão tranquilamente. E o medo guarda a vinha... a acção destes tristes garotelhos teria outra reacção. Espero que o sr Ministro em vez de se substituir aos advogados, proceda e apoie uma queixa em boa e devida forma. E cortem de uma vez por todas os subsídios abertos ou encapotados que estes piratas recebem. Aproveito a ocasião para remeter os leitores interessados nesta problemática para o blog de João Vasconcelos Costa, www.meubloconotas.blogspot.com. Ai se poderão informar bem dos dados do problema.

6 Morreu Bruno Trentin, um dos grandes líderes da esquerda italiana e seguramente um grande dirigente sindical. Dito assim isto sabe a pouco mas a verdade é que Trentin foi um dos obreiros do sindicalismo italiano. Testemunha do século, já tinha 81 anos, Trentin fez parte da Resistência na Itália ( nas fileiras de Giustizia eLibertà, de que aliás foi um dos fundadores) e também em França. Naquele tempo, como herança da tradição das Brigadas Internacionais, pouco importava o país onde se estava porque a luta, dizia-se, era a mesma. Trentin que aderiu ao PCI mais tarde (onde não estaria muitos anos por considerar prioritária a acção sindical) era jurista de formação mas de facto distinguiu-se como dirigente da CGIL de que foi mesmo secretário geral. Actualmente era deputado europeu e membro eminente dos Democratas de Esquerda. (alguns destes dados foram conferidos com os constantes na Internet)

a ilustração: femme au miroir de Fernand Leger

Adjudicações e financiamentos

As notícias sobre o alegado financiamento ilícito da Somague ao PSD, não encerrando em si mesmas qualquer novidade estrutural, face àquilo que é comentado à boca pequena nos bastidores da política, chamam-nos a atenção para algumas coincidências e fazem-me recordar um caso concreto passado em Marco de Canaveses.

Com efeito, vemos que o então secretário-geral adjunto do PSD, com a tutela dos assuntos administrativos e financeiros, Vieira de Castro, transitou directamente deste lugar para secretário de Estado das Obras Públicas do governo Durão Barroso, intervindo em processos que envolviam a Somague. Mais tarde, António Mexia, “compagnon de route” do presidente da Somague, assumiu também a pasta das Obras Públicas no governo de Santana Lopes. Coincidências ou apetências naturais pela área das obras públicas?

A outro (?) nível, decorria a segunda metade de 2004 e a Câmara Municipal de Marco de Canaveses, governada pelo CDS-PP, que então marcava presença no governo do país e tinha Nobre Guedes como ministro do Ambiente, decidia adjudicar a um consórcio liderado pela AGS (grupo Somague) a concessão da exploração e gestão dos sistemas de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do concelho.

Depois de um processo complicado, em que até um dos integrantes do consórcio perdedor aparece mais tarde a integrar o consórcio vencedor, pude sublinhar o seguinte numa declaração de voto que subscrevi ao votar contra a adjudicação: “…O parecer do Gabinete Jurídico da Câmara Municipal de Marco de Canaveses reconhece o “escasso tempo em que teve que ser elaborado” e baseia-se na transcrição de um documento apenso ao processo, datado de Sintra, local da sede da AGS, e que, tudo o indica, foi elaborado pela empresa líder do agrupamento concessionário; O documento que identifica as principais vantagens da opção de adjudicação ao agrupamento liderado pela AGS é também ele datado de Sintra, local da sede da AGS, o que demonstra uma promiscuidade intolerável entre a autarquia e o concessionário…”. Tudo isto é público, está nas actas e não sei se alguma vez mereceu qualquer investigação por parte de quem de direito. Resta esclarecer que esta adjudicação se veio a revelar um pesadelo para os marcoenses, pelas tarifas praticadas pelo concessionário, obrigando a Câmara a suportar parte dos custos e a procurar, ainda hoje, uma saída para o imbróglio então criado.

Este processo agora vindo a público penaliza o PSD e faz estalar o verniz ao presidente da Somague, um dos mentores do curioso Compromisso Portugal. Mas o mais preocupante é que ele é também revelador de uma ponta do enorme novelo que envolve o financiamento de todos os partidos. Todos sim, porque julgo que, nesta matéria, não haverá gente disponível para atirar pedras ao telhado do vizinho.

Este corpo



Olha, digo,
é este o corpo que tenho.
Não é um corpo de arestas.

Pudesses saber agora
em que píncaros,
em que precipícios ele se construiu,
saberias também o que tenho de pássaro.
O que de oceano, tenho.

O que de só carne e sangue,
artérias batendo contra as têmporas.
Pequenas taquicardias
neste corpo desconsoladamente humano.
Que não recusa a glória de o ser,
nem sua submissão ao tempo.



Silvia Chueire

22 agosto 2007

Expediente 7




O meu colega de blogue (o “agualisa6.blogs.sapo.pt” de obrigatória leitura para quem goste de perceber o mundo em que vive) João Tunes apanhou-me naquela postura balnear aí em baixo e zás mostrou-me aos leitores dele. e pergunta-se como é que é possível ler na praia. Aqui se responde que este pin-pong inter-blogs é um desporto que não cansa e que distrai.
Meu caro João Tunes
Fico a saber que V lê em toda a parte ou quase excepto na praia. Aí, desculpará mas eu ganho-lhe. Leio rigorosamente em toda a parte, retrete excluída, apesar de alguma vez o ter feito mas sem entusiasmo. Não sou como um padrinho do Joaquim Pais de Brito que até tinha uma estante nesse local. E carregada de bons livros, garantia-me o Quim. Ainda um dia hei-de de estudar esse fenómeno: que livros são aconselháveis, que tempo de leitura, quanto tempo etc...
Você fala-me do vento, da areia batida e doutros desastres próprios do nosso litoral oeste como impeditivos da leitura. Confesso-lhe que fiquei a meditar nisso porque para mim, criado na praia de Buarcos, o vento norte, a “nortada” é sinónimo quase obrigatório de Agosto. Confesso que não desgosto duma brisa no meio da “calorina” da praia. Coisas que se apanham em pequeno, decerto. Sei que V vive nesse “deserto”, que um ex-comunista reconvertido às obras públicas pesadas inventou, mas ignoro se V vive na costa ou pacificamente numa desses aduares à beira de palmeiras e uedes sob a sombra de algum minarete arruinado e reconvertido em ninho de cegonhas ou suporte de antena de telemóveis. Porque a margem sul (belo nome, pelo menos para mim, claro) tem, por um lado ,o rio já quase mar e, do outro, o mar propriamente dito.
Portanto explicar-me-ei baseando a minha tese de que V. vive mais para o lado do rio. Eu, caro amigo, para ler na praia preciso de dois requisitos: sombra e cadeira para sentar o cadáver. Havendo isso, leio tudo o que apanho à mão embora, à cautela, parta para férias já com um carregamento de livros que infelizmente aumenta pois eu não consigo estar por ali sem ir às livrarias se as houver, ou a cidades onde as haja em caso contrario. Sou um leitor compulsivo e quase omnívoro. O vento, se moderado, ajuda-me a não ter calor. As especiais antenas de que nós homens somos providos, avisam-me da passagem de banhistas interessantes porque ler só sem mais nada pode fazer mal. Assim sempre descanso os olhos gastos e só peco em pensamento.
E que livros?, perguntará V. Pois romances, alguma história, um ensaio ligeiro. E farta dose de policiais, claro. Este ano aviei dois Camilleri, outro tanto de Dona Leon e Elmore Leonard.
E o jornal, ia-me esquecendo: o “El País”. De cabo a rabo, palavras cruzadas incluídas.
Compreendo, todavia, as pessoas que não se dão na praia. Eu, aliás, aguento no máximo três horas e está feito. Dever cumprido. À uma, o mais tardar, levanto o acampamento e vou almoçar. Nesta praia, isso significava andar cinquenta metros subir uma dúzia de degraus e acolher-me a uma esplanada agradável com uma lista decente e barata. Seguidamente uma sesta, banhinho em casa, um café e o resto da tarde para continuar uma tradução dum excelente romance que tenho de entregar.
A segunda parte da sua carta punha uma questão curiosa. Agora é quase obrigatório gostar-se de praia. E ir para lá. E tomar banho de mar mesmo que a água esteja fresca até para pinguins. Hoje parece mal não ir para um desses paraísos vagamente tropicais, estorricar ao sol, regressar bem pretinho e sem perceber em que país se está ou esteve. Provavelmente as pessoas acharão que as férias são isto e que o resto não importa. Alguém me disse uma vez que em férias não quer preocupar-se. Eu também não. Só que mesmo em Agosto o mundo rola e alguma coisa acontece. Sobem os preços, governos tomam decisões cruciais sabendo que a malta está distraída a molhar o pé e, em contados casos invade-se a Checoslováquia ou dá-se um golpe militar no Chile.
Percebo inteiramente que a praia possa ser para muito boa gente, uma chatice das gordas. Aliás, na Figueira, havia veraneantes que nunca cruzavam sequer a esplanada da praia. Davam umas voltas pelas ruas em redor do casino, sentavam-se nas esplanadas dos cafés mais em voga e davam por cumprida a sua missão. Sempre a mais de um quilómetro do mar...
Eu, para não ir mais longe, só desço ao areal para acompanhar a CG. Lá dou um mergulho, e zás, chuveiro e livro de novo. Com uma excepção: se houver ondas boas e com alguma força ninguém me tira da água. Este ano o mar estava manso e chão, uma chatice. Não se podia “picar uma carreira” nem mergulhar às ondas mais altas. Paciência, também ninguém morre à falta disso. Aliás o mais provável, se houvesse mar mais buliçoso, seria aparecer alguma autoridade e proibir o banho. Esta malta resolveu, uma vez por todas, proteger o indígena de tudo. Das touradas (de que não gosto) da morcela da Beira porque é artesanal, do vinho morangueiro (que dispenso) da sardinha assada por via das dioxinas e de mais um milhão de coisas que até ontem significavam diversidade. E do tabaco (deixei de fumar ainda no século passado) claro. Parece que a palavra de ordem é : tu serás salvo a bem ou a mal!
Mais dia menos dia, meu caro João Tunes, aparece-lhe aí por casa um cabo de esquadra com uma intimação do tribunal: obrigado a fazer praia, em horário laboral completo quinze dias em cada Verão.
Até lá continue a gazetar à areia e vá dando notícias. De si, dos livros e do resto. Um abraço deste seu (também compulsivo) leitor.

suponho que V. não desgostará da esplanada do "aux deux magots" para um café e leitura. Aí está.

21 agosto 2007

Tavira ou Afeganistão?

Lê-se esta notícia do JN de ontem e não se consegue fechar a boca de espanto. Em pleno mês de Agosto, no Allgarve, andam tropas especiais a brincar às guerras pelo meio dos veraneantes de Tavira. Acabou-se o tino? Esta gente não estaria melhor a defender o produtor de milho transgénico contra o ataque dos “verdeufémios”!? A silly season chegou às forças armadas.

Au Bonheur des Dames 81


Correio dos leitores

Volta e meia recebo cartas dos leitores. Não muitas, claro, também não é caso para tanto, mas algumas a que vou respondendo porque nisto de correspondência sigo a imortal máxima do ex-ministro Coelho ainda que menos ameaçadora: quem me escreve leva resposta como manda a boa educação. Se a correspondência continua depois ou não, isso já é outro caso.
Eu tenho por regra de vida este princípio: à polícia e aos costumes diz-se nada. E nem sempre foi fácil mas também não sofri horrores inomináveis por ter este feitio. E já agora um segundo vício (ou virtude, é sempre uma questão de perspectiva): dizer alto e bom som o que penso. A verdade é chata, às vezes magoa, mas a mentira, a omissão, magoam mais. E sobretudo magoam a vítima e o vitimador ou isso julgo eu.
Vem isto a propósito da última correspondência chegada.
Uma leitora (M***) acha que eu devia ser mais contundente com algumas situações e algumas pessoas da nossa praça. A leitora diz que “ficou com fome e sede de justiça...”. Convenhamos: um blog é apenas um blog, e para varrer feiras a varapau já por aí andam muitos Joãozinhos das Perdizes, se é que a amável leitora aprecia Júlio Dinis, autor bem menos valorizado do que devia. Já o Dr. Orlando de Carvalho (ai que falta faz!...) e o Joaquim Namorado (idem, aspas, aspas) entendiam que ele poderia ter sido o nosso Balzac, ou seja que ele foi o único escritor do século XIX que descreveu, contemporaneamente a revolução que o país vivia com o fontismo. Portanto, querida leitora, continuarei, nesta onda pacifica que para salvador do Povo nunca dei. E muito menos para Profeta.
A seguinte leitora promete biscoitos feitos por ela, não prometa, cara I***, mande os biscoitinhos e em quantidade que se veja e faça jus à minha barriga!, e conta-me a história do ex-marido, por quem ela “tem carinho e pena”. Parece que o traquinas passou a vida toda a recusar chorudos lugares e construiu assim uma “não carreira” empresarial e política. Claro que tinha uns cacauzinhos herdados, o preguiçoso... E lá está por Barcelona, feliz e contente, de livreiro de “viejo”. A leitora queixa-se que, por junto, ele escreve aos amigos e às filhas. Logo ele, com tanto jeito, tantas oportunidades e afinal alfarrabista. Nem sequer de livros caros, nada disso, uma espécie de bouquiniste na cidade condal, sem horário fixo, perdido e achado nos lugares de tapas. A leitora, coitada, foi lá e veio mais gorda três quilos!!! Será que o querido ex me convidaria para uma semaninha assim? Homem sábio, leitora, e já agora, a resposta: conheço-o sim senhor e gosto dele, mesmo que ache que o seu ódio à classe política portuguesa não justifica só falar catalão inclusive com as filhas. Est modus in rebus!
Outro leitor (olha um leitor!...,) “bebedor de amêndoa amarga” (ora toma!) quer folia. Mais histórias de Coimbra, diz-me, dos “bons velhos tempos”, em que “ninguém queria sentar-se à mesa do orçamento” nem “prestar-se ao espectáculo da política caseira ou não” (homessa, leitor amendoeiro, V. está com visões). Coimbra não é, não foi nunca, um jardim de delicias e virtudes. Muita mesquinharia por lá se fez e faz. Basta ler Eça! E os rapazes e raparigas com quem conversámos, sonhámos e partilhámos alguma experiência, mudaram como nós mesmos. Às vezes mais, muito mais! Ou nem isso, já eram assim, mas na fogueira de maravalhas da nossa “juventud divino tesoro” não reparávamos. Muitos conheci eu, calados publicamente, a fazer o banquinho onde haviam de trepar, que, em aparecendo o 25 A, gargantearam de galo galifão. A gente pasmava-se com aquela súbita coragem, já desnecessária, diga-se, mas tronituante. E depois, Coimbra, como o Porto, de resto, dá azo a que muito peru se tome por pavão. Também é verdade que o processo é tolerado mais do que o desejável. Ao fim e ao cabo, no “país da minha tia, trémulo de bondade e aletria” (O’Neil, à cautela...) os para-pavões estimam-se, cumprimentam-se, cantam de galo e finalmente condecoram-se com imensas penas de pavão, claro. E como ninguém tem a misericórdia de os avisar, eles continuam a cantar de galo na capoeira que escolheram. Basta que haja milho que chegue para todos. Estamos conversados, ó camarada da “ginginha com elas”?
E um terceiro e último, Deus o ilumine!, vem dizer-me várias coisas sobre si próprio. É sempre bom a gente saber coisas sobre nós próprios, já o sábio o recomendava, convém é que o que pensamos de nós seja compatível com essa trivialidade que se chama consciência, ou essoutra, coitada, que se atreve a intitular-se verdade, senão, mais cedo ou mais tarde, tropeçamos na nossa desmedida importância e afocinhamos no chão (esta roubei-a ao VPV) que felizmente está muito mais perto do que pensamos.
E para o fim, escreve-me irado, outro eventual leitor, que em resumo me diz, como se não se notasse, que aprecia Sócrates. (O José...).
Pessoalmente, prefiro a cicuta.

1 Como é sabido eu sou um contador frustrado de histórias. Portanto qualquer semelhança com personagens vivas ou mortas é obviamente pura coincidência.

2 Vinha esta croniqueta (escrita e esquecida há largo tempo) a propósito de uma discussão animada por duas pessoas que estimo e que respeito (o Primo de Amarante e o leitor José) e que sozinhas animariam uma bela tertúlia. A um conheço-o há anos, sempre no fio da navalha, na incomodidade. Ao outro apenas há três, mais dia menos dia e, como arguto conservador, obriga-me a pensar para lhe responder. Isto de se dialogar com a outra banda tem muito que se lhe diga e não é fácil. A democracia, aliás, também não é fácil mas, salvo melhor opinião, não há outro caminho. A ambos um abraço.

3 a ilustração (o próprio sentadinho à beira mar, sob sombra acolhedora e lendo um romance de Andrea Camilleri) é uma inocente resposta ao texto abaixo de JCP sobre leituras de Verão. E mostra um bocadinho da praia de Areas.

20 agosto 2007

“A última campanha”

Uma das minhas leituras de férias foi o livro do jornalista Filipe Santos Costa “A última campanha”, uma obra que já estava lá por casa há uns bons meses e que só agora pôde ser lida. Esse livro procura fazer uma análise aos bastidores da campanha de Mário Soares nas últimas eleições presidenciais.

O livro está razoavelmente bem escrito, pese embora algumas gralhas que se encontram aqui e ali, e baseia-se naquilo a que o jornalista, muito elogiado no prefácio pela insuspeita Constança Cunha e Sá, assistiu no decurso da campanha, na sua qualidade de enviado-especial do DN, assim como em algumas entrevistas realizadas depois das eleições a alguns dos protagonistas da candidatura. Soares, esse, percebe-se que achou piada à ideia de registar em livro essa sua aventura, mas não quis colaborar directamente com o jornalista, com o argumento de que “as pessoas já não querem saber disso para nada”.

Quem gosta de política e já fez campanhas eleitorais encontra ali um retrato curioso sobre como se gera e alimenta uma candidatura ao mais alto cargo da nação. As intrigas, as espontaneidades, as leviandades, o trabalho de sapa, os trabalhadores e os aristocratas, os “cérebros”, as traições, as sondagens, as deserções, as divisões, os contactos com a “máquina” e com o povo, a hora das decisões, a digestão da derrota (ou da vitória).

Soares pensava genuinamente que Cavaco, pela sua dimensão e visão do mundo, não era o presidente certo para Portugal neste momento. Perante a falta de alternativas, foi empurrado por alguns amigos e pelo PS para uma candidatura que alimentou, apesar da resistência de familiares próximos. Fiel ao sistema partidário, acreditou que, segurando o eleitorado que votara PS/Sócrates, faria o suficiente para marcar presença na segunda volta. Deu de barato que PCP e BE o apoiariam e nunca acreditou, por vários motivos, no êxito da candidatura de Alegre.

Tudo lhe saiu ao contrário, mas não creio que, apesar de tudo, Soares se tenha dado mal. Percebe-se no livro que Soares era o mais enérgico e lutador, passando por cima das fragilidades de uma estrutura de campanha que nunca poderia conduzir ao sucesso. E penso que Soares soube digerir bem a derrota e, passado o período de nojo, dar a volta por cima. O Soares que ficará na História não é certamente o que foi derrotado em 22 de Janeiro de 2006.

19 agosto 2007

O FIM DA CRISE

Agora que quase todos regressamos de férias esperam-nos dias felizes. Nos últimos dias tem-nos sido anunciado que a economia está a crescer, ainda muito lentamente, mas a crescer.

Por efeito das políticas creditícias nos EUA as bolsas têm estado em queda, o que provocou a perda de milhões. Contudo, são milhões perdidos num jogo de risco, que corre ao lado da economia real, do mesmo modo que os milhões virtualmente ganhos.

A expectativa é grande. O emprego cresceu umas décimas. Este ano os fogos não tiveram a dimensão habitual, o que já originou grandes declarações públicas dos responsáveis para nos convencerem como foram correctas as medidas tomadas. O défice orçamental vai ser contido dentro dos limites definidos, com o prestimoso contributo do ministro da saúde que vai prosseguir a sua tarefa de extinguir o Serviço Nacional de Saúde, com as ambulâncias a substituírem as maternidades encerradas e as nossas gentes raianas a recorrerem cada vez mais aos serviços de saúde em Espanha.

Aliás, a Espanha é cada vez mais um bom destino económico, para ir ao supermercado, para atestar o depósito do automóvel ou mesmo para se ser doutor em medicina. O Saramago é um vidente.

Lá para o Outono serão anunciados os grandes objectivos para 2008 e 2009. Então ficaremos a saber qual o grau de acréscimo de betonização do país. Também se conhecerá as múltiplas facetas que as parcerias público privadas irão assumir, o que equivale a dizer quem é que vai levar a grande fatia dos nossos impostos.

Mas a grande razão para os dias felizes que aí vêm está no muito dinheiro que haverá para distribuir, via fundos comunitários. Milhões e milhões de euros são o prenúncio de que a festa está para começar. E nem os costumeiros apelos de que esta será a última grande oportunidade, para o país dar o salto para o desenvolvimento, estragará o apetite das elite

Futebol


Ontem fui ver o Braga-Porto. Isto constitui um acontecimento na minha vida já que, até agora, só fui ver cinco jogos, sendo que o primeiro foi há perto de trinta anos. Um Sporting-Porto, em Alvalade. A memória que me ficou desse jogo não foi a qualidade do mesmo, nem tão pouco o resultado. Não me lembro qual foi. O que ficou foi o ambiente de agressividade, os palavrões. Para compreenderem melhor do que falo apenas digo isto: fiquei do lado dos adeptos do Sporting. Não pude, portanto, dar largas ao meu entusiasmo. Lembro-me que fiquei calada, todo o jogo, com uma vontade danada de sair dali para fora.

O segundo jogo foi nas Antas. Tratou-se da despedida de Rui, guarda-redes do Porto, na época meu vizinho.

O terceiro foi a Selecção Portuguesa, em Agueda. Um jogo para esquecer pelo péssimo futebol.

O quarto foi a selecção dos Sub 21, no Bessa. Jogo muito bom, que Portugal ganhou.

E agora, este Braga-Porto. E o que me levou a mim, adepta fervorosa do Futebol, mas na TV, a ir ver este jogo? Bom, o que me convenceu a ir foi o meu filho mais novo, o Pedro. Numa família normal quem iria acompanhar o filho seria o pai. Pois era. Só que a minha não é uma família normal. Somos três portistas e um benfiquista. Claro que já adivinharam quem é o vermelho cá da casa. Bom, para ser inteiramente sincera, o Pedro também foi do Benfica… até aos quatro anos de idade, altura em que começou a entender melhor o mundo que o rodeava e abriu os olhos…

Bom, lá fui para Braga, acompanhada também da curiosidade de conhecer o estádio que todos dizem ser lindíssimo. Confirmou-se. O estádio é uma maravilha de arquitectura. Vale a pena lá ir só para o ver. Quanto ao jogo gostei muito. Mesmo muito. Além disso o Porto ganhou, merecidamente. Digamos que fiquei com o bichinho de ir ver os jogos ao vivo. Como diz a campanha do Sporting, ao vivo é muito melhor. Pena foi o problema que ocorreu na bancada dos Super Dragões, quase no final do jogo, com cadeiras lançadas não se sabe por quem. Pena também foi que, já cá fora, assistisse a uma cena de agressão de dois indivíduos a um carro por, supostamente, o condutor deste ter batido no carro deles. Muita agressividade, a um nível assustador.

Quanto ao mais gostei muito. O colorido, a alegria, o desalento, a euforia, as palmas, os berros, os hinos, o agitar das bandeiras...O futebol é mesmo uma festa!...

18 agosto 2007

missanga a pataco 24



When I was a jazz musician… (Harlem, 1958)

Os amadores de jazz são perigosos. São uma minoria, sabem-se minoria e agem em consequência. Normalmente são pacíficos desde que nada se interponha entre eles e um músico (de jazz) a tocar.
Eu, confiteor, sou um pouco dessa mafia. Não sei porquê, nem quando, mas a verdade é que gosto de jazz. Vou a concertos, fui a muitos festivais, compro discos, ando sempre à procura daquela gravação em que Deus se dignou descer até uma cave feia, velha, carregada de fumo de tabaco e cheia de músicos a dar ao pulmão. Claro que os pianistas, violinistas bateristas dão á mão mas a expressão dar ao pulmão é mais certeira. Poderia dizer dão ao coração porque isto de ser músico de jazz dá pouco no que toca aos cacaus.
Ora, durante a minha já longa vida de ouvinte, aconteceu-me ler uma vez a história de uma fotografia de Art Kane, amador de jazz, também, que mostrava uma reunião matinal de umas dezenas de músicos de jazz. Fora encomendada pela “Esquire”, revista que já se tornara famosa no meio jazzistico graças aos concertos anuais que promovia. Nesses concertos tocou a fina flor dos músicos. Aliás, em cada ano, eram convidados os músicos que se tinham distinguido. Os leitores da revista é que faziam a votação final e a verdade é que há, pelo menos, um concerto histórico: o que foi realizado na Metropolitan Opera House em Nova Iorque a 13 de Janeiro de 1944 e que é conhecido como Esquire Jazz Concert (existe um disco publicado por Giants of Jazz (CD53035)).
Todavia, o que agora interessa é a história da minha longa, persistente e teimosa pesquisa dessa fotografia. Anos! Para onde quer que fosse lá andava eu a mexericar em lojas de posters, discotecas, livrarias sempre à procura da fotografia que aí está. Parece que o simples acto de conseguir reunir 57 músicos fora, mais do que um desafio, uma provação, um trabalho de Hércules. Os músicos de jazz são assim, detestam levantar-se cedo, de modo que o milagre de os ter reunido num soalheiro dia em Harlem foi uma espécie de milagre. A fotografia ficou imediatamente famosa e dela se venderam centenas de milhares de posters.
Em 2000 já tinha quase desistido de a encontrar. Todavia, nesse ano, fui com a CG para Paris em Setembro (coisa que fazemos sempre que podemos, devo confessar: em tendo uns tostões no bolso, Paris connosco). Uma das coisas que queríamos fazer era ir ao Centro George Pompidou ver uma enorme exposição de esculturas de Picasso. Quando finalmente nos decidimos havia uma bicha de uns bons duzentos metros e nem sequer ainda o museu tinha aberto. Para passar o tempo resolvi dar uma volta pelas lojas que bordejam a praça. Procurava, claro, a fotografia. E com tanta sorte que numa das lojas, gerida por um cavalheiro magrebino, dei de caras com o poster que agora adorna o meu escritório. O meu urro de alegria sacudiu a metafísica indolência do conspícuo beduíno que me perguntou, deferente, se me podia ajudar. Disse-lhe que não, que já tinha o que queria e, por alto, falei numa improfícua busca de anos. O cavalheiro do outro lado do mediterrâneo olhou para o poster e só perguntou se eu fazia parte do grupo. Respondi-lhe desalentadamente que não, paguei e com um salam aleikum, despedi-me do compungido árabe que retorquira entretanto que eu merecia estar na fotografia. Voltei para bicha onde a paciente CG me ouviu babado de entusiasmo contar-lhe o fim desta procura dum graal de grande formato onde ficaram retratados cinquenta e tal cavalheiros e que, se o magrebino mandasse, eu estaria também. Por um momento passei para o outro lado como a menina Alice Liddel. Com a vantagem de não ter de aturar a Rainha de Copas nem a Lebre que tomava chá. Todavia o meu sorriso, disse-me a CG, era igual ao do Gato de Cheshire: estava pendurado em mim e parecia que nada o faria desaparecer.