31 agosto 2005

As perguntas certas

Cheguei de férias. Saí de cá com o país a arder e no regresso encontro-o ainda pior. Percorri perto de 4000km por terras de França e Espanha, grande parte do percurso em montanhas, e não encontrei 1 (UM!) incêndio, nem terras queimadas. Chego cá e é a desolação que me acompanha da fronteira de Bragança até ao Porto. Ligo a televisão e ouço comentários gastos de como resolver ou atenuar o problema. Diagnósticos, mais diagnósticos. Um cansaço. E ouço: limpar, reflorestar, comprar, formar. Estamos todos de acordo. E ouço perguntas: o que leva à ocorrência de tantos incêndios: incendiários atiçados pelas televisões? Interesses privados dos detentores dos meios aéreos e dos madeireiros? A improvidência de alguns?...?
Fico a pensar: porque é que não se responde às perguntas certas, como seja: Porque é que não se traduzem os muitos diagnósticos em acções concretas, visíveis e eficazes? Porquê? Que interesses, que incompetências não deixam que exista um verdadeiro plano de acção, com intervenções de curto e longo prazo, que atenuem fortemente o problema? Não há nada a inventar. Os nossos parceiros europeus fizeram-no. Veja-se o que se pode adaptar ao nosso país e avance-se.
O Governo deveria apresentar um projecto de intervenção, com acções bem identificadas e calendarizadas e dar contas, fase a fase.
Em Paris, um francês, chocado com as imagens de Portugal a arder, que ele já visitou inúmeras vezes, perguntava-me: Porquê? E contou-me o exemplo da região de França onde habita e que procedeu à limpeza das matas, à reflorestação adequada, a um mais criterioso ordenamento do território. As respostas são sempre as mesmas. Porque não se faz?
Um belga, de visita ao nosso país, admirado com o caos que é a nossa floresta contou-me que no seu país para se abater uma árvore é preciso autorização pela entidade competente. Aqui, o ministro da agricultura falou do imperativo de organizar a floresta, rever plantações de eucaliptos e pinheiros e reacções? Um responsável por uma reserva florestal, que tanto quanto sei está sobre a tutela deste ministro, diz que não, que ele não autoriza essas modificações. Um proprietário, face à mesma questão ofende-se com a possibilidade de se restringir o a sua possibilidade de usar a “sua” a floresta. È uma anedota. Neste país, onde a democracia já está há 31 anos, ainda se confunde liberdade com a possibilidade de se poder fazer tudo que nos dá na real gana.

PENSAR...O TEMPO


Sim, meu caro Lucílio, reivindica a propriedade da tua pessoa; recolhe e põe em segurança o tempo que até agora te foi subtraído, roubado, ou que tu deixavas escapar. Acredita-me, as coisas se passam exactamente como estou dizendo: alguns momentos nos são arrancados, outros escamotea­dos, outros mais nos escorrem pelos dedos
[….]
Cita-me um homem que saiba dar ao tempo o seu prémio, reconhecer o valor de um dia, com­preender que morre a cada dia. Nós nos engana­mos quando pensamos ver a morte diante de nós: ela já está em grande parte atrás de nós. Tudo o que pertence ao passado é do âmbito da morte. Portanto, meu caro Lucílio, age como dizes na tua carta: sê o proprietário de todas as horas. Serás menos escravo do amanhã, se te tornares dono do presente. Enquanto a remetemos para mais tarde, a vida passa. Nada, Lucílio, nos pertence; só o tempo é nosso. E o único bem, fugitivo e submetido ao acaso, que a natureza nos deu: qualquer pessoa pode privar-nos dele.

Séneca Cartas a Lucílio


in As relações humanas – A amizade, os livros, a filosofia,o sábio E a atitude perante a morte –ed. Landy –Introd. e trad. de Renata Maria Parreira Cordeiro

Auto-interpretação

Gabinete do Ministro de Estado e das Finanças
2005-08-30
Comunicado de imprensa


"Entrada em vigor da lei que determina a não contagem do tempo para a progressão nas carreiras da Função Pública

A partir de hoje está em vigor a Lei da Assembleia da República, aprovada a 28 de Julho, que determina a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão automática nas carreiras da função pública e congela o montante dos suplementos remuneratórios até 31 de Dezembro de 2006. A este propósito relembra-se que:"
ver aqui.

Comentário de J.T.R.P. no Verbo Jurídico:

"Já só faltava na nossa democracia o instituto da "auto-interpretação" da legislação.
Por isso, este governo - como não podia deixar de ser - lançou um inédito comunicado pelo qual interpreta a lei aprovada na AR sob sua proposta." (...)

O post pode ser lido na íntegra aqui.

30 agosto 2005

Os julgamentos antecipados na imprensa

O caso que envolveu o ex-deputado do PSD, Cruz Silva, e o presidente da Câmara de Águeda, Castro Azevedo, e que culminou com a respectiva absolvição em primeira instância, por ausência de provas concludentes, é revelador da forma como a imprensa trata os alegados crimes praticados por políticos.
Durante meses, os jornais chamaram este assunto às primeiras páginas e deram uma grande cobertura às investigações e mesmo ao julgamento, construindo uma ideia generalizada de culpabilidade dos arguidos. Já no momento da divulgação da sentença, contrária às expectativas criadas pelos jornais, os destaques foram mínimos e relegados para as páginas interiores – o “Público” fez um pequeno artigo nas páginas nacionais e o “Expresso” desta semana não foi além de uma breve.
Sou insuspeito de simpatias pelos envolvidos no processo e reconheço que tudo aquilo que se foi sabendo de Cruz Silva revela um carácter e uma forma de estar na política a todos os tipos condenável. O próprio tribunal absolveu os arguidos no meio de muitas incertezas e dúvidas. Contudo, não posso deixar de lamentar o comportamento da comunicação social, neste como em muitos outros casos, pelo facto de estar sempre pronta para lançar a acusação pública sobre determinados suspeitos, mas ao mesmo tempo ser incapaz de reconhecer que a decisão dos tribunais, aquilo que efectivamente vale num estado de direito, muitas vezes contraria e refuta as teses que foram sendo desenvolvidas nas páginas dos jornais, as quais podem já ter provocado danos pessoais irreparáveis.

Burocracia, desleixo, incompetência - "a never ending story", cap. II

Continuação deste post.

Então dizia eu que pelas 12H00 chegara finalmente a vez de a empresa ser atendida na IGT.

A funcionária do atendimento até era simpática.
Têm isto? Sim. E mais isto? Sim. E aquilo? Sim, sim, sim!
E aqueloutro? Não(!), mas essa documentação não consta como sendo necessária no vosso site na internet! Ora ora, isto de sites, sabe como é! Os que põem lá essas coisas não sabem nada, nós aqui, que fazemos o atendimento, que despachamos os processos, é que sabemos o que é preciso. Nós é que sabemos!
Sem esses documentos nada feito. Não, não pode deixar cá nada, tem de entregar tudo de uma vez. Vão ter de cá voltar.
Tudo bem, vá lá, eu compreendo, podem vir deixar a documentação na portaria, a qualquer hora de expediente, mas eu já não os atendo, tenho de despachar o serviço, que aqui até o temos em dia, mesmo com boa parte do pessoal de férias, ontem fiquei cá até às tantas, vai ver que o nosso parecer não vai demorar mais que uns 3 ou 4 dias.
Agradeciam a compreensão (ups! ainda bem que a “propalada” reclamação pelo início tardio do atendimento não fora ainda colocada na caixinha-das-sugestões-ajude-nos-a-melhorar-os serviços!)
Comprovativo de entrega dos documentos? Essa agora, aqui não damos isso, aqui nada se perde! Mas é normal entregar um comprovativo a quem dá entrada a um processo, até o nº do respectivo registo… Não damos, não é preciso. Mas… Aqui não damos nada. Bem, olhe, quando trouxer os documentos, peça ao porteiro/segurança para pôr um carimbo com a data da entrada numa cópia do requerimento.
Bem… registavam-se progressos, era hora de meter a viola no saco.
Nessa mesma tarde o porteiro/segurança apunha o carimbo de entrada em cópia de (novo) requerimento, desta feita enunciando todos os documentos com ele entregues pela empresa - ou melhor, por ela alegadamente entregues, pois nada foi conferido...!

Mais ou menos dentro do prazo prometido o parecer positivo da IGT à contratação do José estava na sede da firma.
Uau!
A “propalada” reclamação teria sido mesmo injusta! Ainda bem que não a fizemos!
Ups! Lendo agora atentamente o parecer, verificavam que o nome do trabalhador estava incorrecto em parte e que as funções para cuja contratação era dado o tão esperado parecer positivo não eram as indicadas pela empresa e às quais se referia, inequivocamente, quer o requerimento apresentado na IGT, quer toda a documentação que suadamente o acompanhava, desde logo o contrato de trabalho - ou seja, as funções de pau para toda a obra – mas sim as regulamentarmente não admitidas de caçador de gambuzinos!!!
Como era possível???

A empresa disparou para a IGT.
Fosse porque uma inesperada flexibilidade de espírito tivesse subitamente acometido o porteiro/segurança, fosse porque o rosto da firma espelhava uma determinação inequívoca (ou seria fúria?), a autorização para subida ao andar de todos os pequenos poderes de experiência prática feitos foi quase prontamente concedida.
Realmente isto está mal! Ah, mas a culpa foi do IEFP, que emitiu informação errada quanto ao ROT!(*) Mas então não conferiram os documentos que juntámos??? Ah, não, nós só conferimos o ROT! Mas então para que exigem toda aquela documentação???!!! Não é para verem se o contrato de trabalho está conforme à lei, no caso se existe seguro de acidentes de trabalho e mais isto e aquilo e aqueloutro que exigem ???!!!
Pois é… tem razão, mas nós só conferimos o ROT! Olhe, aqui não podemos fazer nada, tem de ir de novo ao IEFP para eles fazerem novo parecer. Mas depois pode entregar-nos aqui em mão, a qualquer hora de expediente. Vão ter de cá voltar.
A empresa agradeceu a boa vontade.

E disparou para o IEFP-Centro de Emprego.
A responsável do processo continuava nas suas intermitentes férias, só voltava no dia seguinte, o director, para variar, não estava, mas fosse por genuína boa vontade – desde logo da recepcionista - fosse porque o facies da empresa evidenciasse sinais de estar à beira de um ataque de nervos, foi a mesma recebida, pouco depois, pela chefe de serviço.
Foi rapidamente confirmado o incompreensível lapso – de facto a empresa solicitara a contratação do José para ser "caçador de gambuzinos" e fora-lhe dito pelo IEFP que tal não era admissível; quando a empresa, nessa sequência, solicitara a contratação do José como "pau para toda a obra", fora-lhe dito pelo IEFP que autorizava a contratação do José com o ROT de ..."caçador de gambuzinos"!
Não se encontrava explicação para o engano. Adiante, precisamos de um novo parecer o mais rapidamente possível!
Bem, vou ver o que posso fazer.
Pôde e fez: ao fim da tarde a senhora directora de serviço telefonava à empresa a informar que o novo documento, corrigido, estava pronto! Bem, afinal ainda há quem tente resolver os problemas! São estes pequenos nadas que nos fazem crer, a espaços, que nem tudo está perdido neste país!

No dia seguinte de novo a IGT, mais uma vez directo ao andar de todos os pequenos poderes - a empresa já devia ter ganho estatuto e/ou, da 1ª vez, o porteiro/segurança estava apenas de mau humor, todos temos os nossos dias, afinal ele nem parecia estar a falar muito a sério quando dissera estou farto de ver as vossas caras (as deles, emigrantes), mostrem-me mas é os passaportes, os passaportes!
É desta, é desta!
Não foi.

Afinal, no novo documento emitido pelo IEFP a categoria profissional referida não correspondia exactamente à constante do contrato de trabalho. Embora fosse aparentada :(
Olhe, aqui não podemos fazer nada, tem de ir de novo ao IEFP para eles fazerem novo parecer. Mas depois pode entregar-nos aqui em mão, a qualquer hora de expediente. Vão ter de cá voltar.
A empresa agradeceu a boa vontade.

E mais uma vez disparou para o IEFP-Centro de Emprego.
A responsável pelo despacho do processo continuava, afinal, de férias, a chefe de serviço iniciara as suas e o director continuava a não estar. Mas deixe que tomamos nota do assunto e vamos ver se amanhã se consegue resolver isso.

A saga continuava. Aguarde, tal como a empresa, as cenas dos próximos capítulos.

(*) nº de código dado pelo IEFP, que corresponde às funções a desempenhar pelo trabalhador

29 agosto 2005

INSUBMISSA ONDA

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Burocracia, desleixo, incompetência - "a never ending story", cap. I

Por muitas e boas razões que não vêm ao caso, o José parecia o homem certo a contratar pela empresa.
Brasileiro oriundo do Piaui (um dos estados mais pobres do Brasil, se não o mais pobre) e residente no país da sua nacionalidade, aquela oferta de emprego em Portugal pareceu-lhe uma oportunidade a não perder: eram-lhe oferecidas, por pessoas que conhecia e nas quais tinha razões para depositar confiança, condições de estabilidade no trabalho, alojamento digno, benesses para a sua família e um bom salário, mesmo para os parâmetros portugueses.
Sabia-se de antemão que havia muita burocracia a vencer, mas parecia haver tempo de sobra até meados de Setembro, data em que começariam, em Portugal, as aulas da filhota de 11 anos que, naturalmente, tal como a mãe, viajaria com o José - obtidos que fossem os vistos, os delas ao abrigo da "lei de reunião familiar" .

Depois de pesquisas várias junto de organismos oficiais e nos respectivos sites na net, concluiu-se que, para o José iniciar, no Brasil, os procedimentos para obtenção do(s) Visto(s) - tipo IV, a empresa tinha que obter, previamente, em Portugal, dois pareceres positivos à sua contratação:
– um primeiro do Instituto do Emprego e Formação Profissional-IEFP/Centro de Emprego da zona onde seriam exercidas as funções, através do qual seria confirmado o registo fiscal da empresa (CAE) em actividade compatível com as susceptíveis de contratação de emigrantes (aliás, poucas), bem como a inclusão das funções a desempenhar pelo trabalhador nas previstas para contratação dos mesmos;
- um segundo da Inspecção Geral do Trabalho (IGT), através do qual seria confirmada, para além da regularidade de um sem fim de documentação garantística para o trabalhador, a conformidade do contrato de trabalho com as normas específicas exigidas para a contratação de emigrantes.

Procurando mais fácil orientação por entre os inúmeros instrumentos legislativos/regulamentos aplicáveis, a empresa confiou, sem mais, em informação dada pela pessoa responsável pelo despacho deste tipo de processos no Centro de Emprego, quanto ao tipo de funções admissíveis para contratação de emigrantes. Acabou, assim, por ver recusado o pedido de parecer do IEFP porquanto, muito embora a actividade por ela desenvolvida admitisse, em abstracto, a contratação, não era a mesma autorizada para as específicas funções referidas para o trabalhador (ao contrário do que, como se referiu, fora informado). Chamemos a estas funções inicialmente propostas, para aligeirar e facilitar melhor compreensão futura desta saga, as de “caça aos gambuzinos”.
Passara, entretanto, mais de um mês.

Após diligências várias para obtenção de novo CAE, correspondente a actividade secundária constante do pacto social da empresa, no âmbito da qual as funções a desempenhar pelo trabalhador também se inseriam, não se colocando, neste caso, restrições à contratação de emigrantes para o seu desempenho, juntou a empresa, ao processo já iniciado no Centro de Emprego, requerimento solicitando a emissão de novo parecer, agora favorável atenta a documentação com este junta e as diversas funções a desempenhar pelo trabalhador. Chamemos a estas, pelas razões já acima referidas, as de “pau para toda a obra”.

Entretanto, porque o tipo de actividade no âmbito da qual a empresa manifestara agora, junto do IEFP, pretender a contratação obrigava a juntar ao parecer a pedir à IGT, mais um sem fim de documentos, tratou de os obter.
Tornava-se necessário para tanto e para além de muito, muito mais, adquirir impressos. Alguns estavam esgotados naquela cidade de província e não se sabia quando viriam mais, pelo que o melhor era adquiri-los em Lisboa. Enfim, compraram-se... na capital.
Quando tudo parecia em ordem para obter os almejados documentos que haviam de acompanhar o pedido de parecer à IGT, eis que surge esta insólita situação: para os conseguir a empresa necessitava comprovar a existência de um seguro de acidentes de trabalho em nome do trabalhador, apesar de este ainda não o ser… e poder nunca vir a sê-lo! Tendo em vão tentado obviar a este absurdo, acabou a empresa por se propor fazer tal seguro, naturalmente com eficácia imediata no que a pagamentos do prémio respeita…

Foi então que a compreensão por parte do responsável local da seguradora – ainda que conseguida à custa de não poucas manifestações de determinação (ou seria já de desespero?) por parte da empresa -, relativamente ao absurdo da situação que se desenhava, obviou a que esta se visse forçada a desistir da contratação do José, naquele preciso momento em que se propunha fazer o dito seguro! É que, ao menos aparentemente, sem tal compreensão, ao efectuar este novo contrato com a seguradora a empresa teria a taxa do já existente para os seus trabalhadores (todos no âmbito da actividade principal da firma) aumentada para mais do triplo, por ser esta a taxa aplicável à actividade secundária ao abrigo da qual fazia o seguro do seu putativo novo trabalhador, automaticamente extensível a todos os demais, ainda que comprovadamente não trabalhassem na mesma actividade!
O José não o sabe, mas foi graças a esse momento de sensibilidade anti-burocrática, de alguém cuja intervenção em todo este processo não se cogitava, que pôde continuar a ter esperança no seu futuro em Portugal…!

De insistência pessoal em insistência telefónica e vice-versa, junto do Centro de Emprego, e depois de constantes promessas nunca cumpridas de “assim que estiver pronto telefonamos” e ”é já amanhã”, mais outro mês decorrera quando o novo parecer veio finalmente. Era positivo, hélas!

O passo seguinte era o pedido de parecer à IGT, para o que era necessário madrugar à porta das instalações, pois o atendimento é feito só de manhã e são distribuídas, diariamente, às 09h00, apenas 10 a 15 senhas, salvo-conduto indispensável para se chegar à fala com o funcionário de serviço e fazer entrega da documentação.
Como ali ainda não chegara a moda de “comprar o lugar na bicha” (falta de mercado, por razões óbvias...), o melhor era estar à porta pelas 8H00.
A 1ª tentativa gorou-se: volte amanhã…
A empresa voltou. Mais cedo, claro. Mas, ainda assim, já estavam 21 pessoas à porta da IGT... as hipóteses de conseguir senha eram improváveis. Porque de um processo de determinação já há muito (também) se tratava e o tempo começava a urgir, aguardou. Pacientemente, como o faziam os 21 brasileiros, ucranianos e (até) paquistaneses que pareciam já conhecer bem o empedrado daquele passeio à porta da (des)esperança: sem bicha organizada, assim que o porteiro/segurança apareceu, às 9h00, com as almejadas senhas, todos sabiam quem estava à frente de quem.
Ditou a sorte que algumas dessas 21 pessoas pretendessem apenas informações, ou seja, que lhes fosse distribuída uma senha cor-de-rosa, conseguindo a empresa, num sufoco crescente à medida que a bicha decrescia, obter a 13ª senha amarela em... 15.

O atendimento só se iniciou pelas 10h00. Na pequena sala de espera, atulhada, apenas se ouvia a voz do porteiro/segurança quando, uma vez por outra, na sequência de algum telefonema, soprava "isto hoje está um caos, isto está um caos!" Ao que os expectantes, silenciosos, se limitavam a apertar ainda mais, com as mãos àsperas, as pastas de plástico baratuchas com mais aquele papel que faltava da última vez.
Pelas 11h00 chegou da rua uma mulher (que penara para conseguir subir as escadas com o carrinho de bébé que empurrava, sem que os ali presentes lhe dessem uma mão), visivelmente "a leste", a quem o "assoberbado" porteiro/segurança acabou por, condescendente, informar que só poderia ser atendida no dia seguinte. Vendo-a ficar hirta, desorientada, no meio do exíguo espaço, agarrada ao carrinho de bébé, a empresa interpelou o porteiro/segurança: não pode ao menos informar a senhora que tem de vir cedo, antes das 8H00, para conseguir senha?! Ah não, isso não posso fazer, eu sei lá se no próximo dia vai haver muita ou pouca gente para ser atendida! Mas à nossa empresa informou isso mesmo pelo telefone! Bem, isso depende, enfim, eu não posso assumir essa responsabilidade, isto está um caos, bem, olhe, a senhora é melhor vir antes das 8H00...
Enquanto isto, nem uma agulha bulia no silêncio do caminho: os pares daquela mulher há muito haviam aprendido as vantagens de não levantar cabelo...
Aproveitando a embalagem, a empresa, alto e bom som, protestou ir fazer reclamação escrita (a caixinha em frente estava mesmo a pedi-las: "ajude-nos a servi-lo melhor, deixe aqui as suas sugestões!") pelo facto de o atendimennto só ter começado às 10H00, quando os serviços abriam às 9H00 e havia ali gente à espera pelo menos desde as 7H00!

Pelas 12H00 chegou a vez de a empresa ser atendida.

É claro que a saga estava longe do fim. Pelo que, devido ao adiantado do post, noutro se seguirão as cenas dos próximos capítulos.

Lei n.º 42/2005, de 29/8

Lei n.º 42/2005 DR 165 SÉRIE I-A de 2005-08-29
Sexta alteração à Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), oitava alteração à Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), quinta alteração à Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Estatuto do Ministério Público), e quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto (Estatuto dos Funcionários de Justiça), diminuindo o período de férias judiciais no Verão - ver aqui no DRE.

Férias inadmissíveis

(...) Sendo o acesso à justiça e a resolução de litígios em prazo razoável direitos fundamentais dos cidadãos, consagrados no art. 20ºda Constituição, parece evidente que esses direitos não podem sofrer limitações, ainda que temporárias, suspensões ou compressões, face ao disposto no art. 18º da mesma Constituição, o que vale por dizer que qualquer cidadão tem o direito de ver a questão do seu crédito, divórcio, etc., discutida e decidida em tribunal em qualquer mês do ano, mesmo no mês de Agosto.
A norma que limita o direito de acesso ao tribunal é inconstitucional (...)
As férias que afectam a função judicial e o andamento dos processos em geral são tão absurdas como as férias que condicionam qualquer função do Estado, ou o funcionamento de qualquer órgão de soberania, como os tribunais ou a Assembleia da República.
Não se devem confundir as férias das pessoas com as férias das instituições e, se é indiscutível o direito a férias do trabalhador por conta de outrém (art.59º,nº1, da Constituição), todas as outras férias não são objecto de qualquer direito e as férias das instituições públicas são mesmo inadmissíveis, ainda que se traduzam na redução da actividade, ou procedimento limitado aos casos urgentes, como sucede nos tribunais, com a garantia do serviço de magistrados por turnos. (...) É verdade que o Governo assumiu a redução do período das férias judiciais sem coerência e def orma demagógica, como se esta medida resolvesse os problemas dos atrasos da justiça em Portugal. Houve demagogia na forma e a justiça mandava que acabassem de vez as férias judiciais. (...)
Concluiremos por dizer que Portugal tem sido dirigido, há muitas décadas, sobretudo por juristas e que os resultados são visíveis e lastimáveis.

Joaquim Pires de Lima, advogado, in Público de 27/8/05

É uma vergonha

(...) Um dia desta semana que passou, o presidente do TC viajava no carro oficial, uma máquina reluzente, a condizer em qualidade e prestígio com a função pública exercida. Era conduzido por motorista, como prevê a lei e também como a lei prevê, foi detectado a circular a cerca de 200 K/h numa autoestrada do país, a poucos quilómetros de Lisboa. (...)
Pode dizer-se: a culpa é do motorista! Ou alegar-se que o presidente ia distraído; ou...ou...
Seja o que for, é uma vergonha! E como tal, que se assuma a mesma com todas as consequências. Isso, sim, revela dignidade e força de carácter. No melhor pano cai a nódoa e hipocrisia será fazer de conta que assim não é. (...)
Assim, a uma figura com a importância estatutária do presidente do TC, é rasteiro demais fugir a qualquer responsabilidade, alegando-se urgência extrema na deslocação. Como parece que aconteceu.Se foi assim, lembra o caso triste do cachecol que apareceu "por acaso" aos ombros de outra figura institucional da magistratura. E essas tristezas, começam a fartar.

O post do José pode ser lido na íntegra aqui.

28 agosto 2005

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«Quem a alegria beija no romper do dia
vive no coração da eternidade.»


William Butler Yeats

26 agosto 2005

abençoada ausência, digo, regresso!

Se não fosse equívoco diria "abençoada ausência"... assim fico-me por um "abençoado regresso" e deixo o link para a partilha deste notável Diário de uma ausência, por Rui do Carmo, no blog Mar Inquieto.

CURSOS DE PREPARAÇÃO PARA ADMISSÃO NO CEJ

Vi anunciada na imprensa escrita a abertura de inscrições para um dos cursos de “preparação para admissão ao Centro de Estudos Judiciários”. A subsistência e aumento do número destes cursos não é dissociável do modo como é feita a selecção dos candidatos para o ingresso no CEJ e de uma certa padronização dos testes escritos, para a qual, de resto, tem também contribuído a existência daqueles.
Os chamados “cursos de preparação”, partindo da análise dos testes escritos e dos critérios de classificação dos últimos anos, procuram fornecer aos candidatos a resposta pertinente a temas e perguntas previsíveis, de acordo com uma grelha de correcção esperada. São cursos talhados para um objectivo muito específico: que quem os frequenta passe naqueles testes.
Não constituem, por isso, a meu ver, um contributo, que é desejável, das Universidades para o melhor apetrechamento dos licenciados que se assumem como candidatos ao ingresso nas profissões forenses.
Desconheço qual a “taxa de êxito” desses cursos. Apenas tenho os dados, publicados, do inquérito feito aos auditores de justiça que ingressaram no XX Curso Normal de Formação (ano de 2001/2002) *. Dos 110 auditores de justiça do curso, 68 responderam à pergunta sobre se tinham frequentado algum curso de preparação para admissão ao CEJ, tendo 48 respondido que sim e 20 respondido que não. Mas, tomando-se em consideração que os testes escritos das matérias jurídicas visam fazer uma reavaliação da aprendizagem obtida nas licenciaturas dos conhecimentos essenciais das principais áreas do direito, permitindo a lei que seja consultada toda a bibliografia que o candidato consiga transportar consigo, quem frequenta aqueles cursos beneficia ainda, normalmente, dos dossiês com doutrina e jurisprudência seleccionadas por temas, dos quais pode fazer transcrições que, mesmo sendo inúteis para a abordagem do caso concreto, com grande probabilidade o beneficiarão na classificação final.
Repetindo o que já disse e escrevi noutras ocasiões, entendo que a avaliação dos conhecimentos de direito deve incidir essencialmente sobre a capacidade, em face de situações concretas, de sobre elas reflectir, de utilizar adequadamente os conhecimentos jurídicos pertinentes, de encontrar para elas respostas jurídicas suficientemente fundamentadas, de demonstrar ponderação na sua análise – ou seja, uma avaliação não limitada ao conhecimento memorizado, ou à transcrição acrítica da doutrina e da jurisprudência disponíveis. Devendo as provas de acesso ser construídas de forma a serem capazes de aferir estes conhecimentos e estas capacidades.
E, a manter-se a exigência de que os candidatos ao ingresso no CEJ terão de ser licenciados há pelo menos dois anos, impõe-se que o concurso público inclua a análise e discussão curriculares.

* “Sociografia dos Auditores de Justiça – XX Curso Normal”, Fernanda Infante e Rui do Carmo, ed. CEJ – Julho 2002

AINDA A "UNIDADE DE MISSÃO PARA A REFORMA PENAL"

Decidi reler a Resolução do Conselho de Ministros que constituiu a Unidade de Missão para a Reforma Penal, pois surgiram-me dúvidas sobre a opinião a que aderi logo que tive conhecimento da sua criação e constituição.
Leio no nº1 da Resolução que “tem por objectivo a concepção, o apoio e a coordenação do desenvolvimento dos projectos de reforma de legislação penal” – que deverão ser aqueles que estão enunciados no programa do Governo, penso eu. Parece-me que a criação desta estrutura é positiva se tiver em vista procurar garantir a coerência e articulação entre as diversas intervenções legislativas anunciadas (prioridades de política criminal, alterações ao Código Penal e ao de Processo Penal, execução das penas, etc.), uma vez que a incoerência e a desarticulação entre diplomas legais estão entre os problemas actuais da produção legislativa, provocando ineficácia e enfraquecendo a sua força normativa.
Compõem-na, para além do coordenador, um conselho integrado por membros de departamentos do Ministério da Justiça ou sob a sua tutela e um membro do gabinete do próprio ministro. E o nº4 estabelece que “o coordenador da UMRP pode propor ao Ministro da Justiça que sejam convidados a participar em reuniões do conselho (...) representantes do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados, bem como professores universitários de áreas científicas consideradas relevantes para a reforma penal”.
Ora, está aqui o centro das críticas: a não integração na composição do conselho da UMRP de membros do CSM, do CSMP e da OA, o que vem sendo entendido por alguns como uma forma de marginalizar os profissionais do foro, os que aplicam a lei e melhor conhecem o funcionamento e os problemas do sistema de justiça penal, do debate e concepção das reformas legislativas.
Também assim comecei por pensar, influenciado por algumas atitudes de gratuito afrontamento que o Ministro da Justiça tem adoptado no relacionamento com magistrados, advogados e funcionários de justiça, o que me levou a concluir de imediato: cá está mais uma atitude de afrontamento.
Há, contudo, que tomar em consideração que este governo se demarcou da ideia de Pacto da Justiça defendida pelo anterior, em face da qual fazia todo o sentido a constituição de um colectivo que integrasse o poder político e também os órgãos representativos e de gestão das profissões forenses. E que afirmou assumir a responsabilidade política de apresentação das suas próprias propostas, pelo que faz sentido que constitua um órgão que, sob a dependência do Ministro da Justiça, conceba os “projectos de reforma da legislação penal” que pretende vir a apresentar; assim como faz sentido que tal órgão tenha necessidade de ouvir o CSM, o CSMP, a OA e professores universitários no processo da sua elaboração, sobre aspectos técnico-jurídicos e da sua incidência na prática judiciária.
Este caminho permite, de resto, dois tipos de clarificações: por um lado, clarifica que as opções de política criminal (em sentido lato) não são questões meramente técnicas, mas essencialmente escolhas políticas ideologicamente informadas; por outro lado, clarifica a autoria e a responsabilidade dos projectos, que são inequivocamente do governo.
Elaborados os projectos, então há que haver um debate amplo, no qual o CSM, o CSMP e a OA desempenharão um papel muito importante, que terá de ser necessariamente alargado às associações sindicais do sector, à sociedade civil, a todos os cidadãos. Em que se debaterão as opções político-legislativas, as soluções técnico-jurídicas escolhidas para a sua concretização, o texto concreto dos projectos, e serão apresentados todos os contributos tendo em vista a elaboração da versão final a ser aprovado pelo Governo ou a ser apresentada por este à Assembleia da República.
Nessa fase é que têm de ser exigidas as condições necessárias a uma ampla participação democrática.

25 agosto 2005

Corrupção e faz-de-conta

Hoje, ouvi na rádio uma interessante notícia de que Paulo Morais, Vereador da Câmara do Porto, que não é recandidato, havia afirmado que sofrera pressões de empresários, políticos de diversos quadrantes e ilustres advogados para decidir processos de licenciamento.
Um político está sempre sujeito a pressões. Tem é de saber resistir e ter capacidade de traçar e manter um rumo bem definido. Hoje, os decisores políticos (e não só eles, porque, quer queiramos, quer não, eles representam e retratam quem os elege) não têm ideias definidas, nem projectos concretos. Navegam à vista e ao sabor dos ventos mediáticos. E fazem-no porque é isso que o povo quer e que o povo aprende nas escolas e nas famílias. Ninguém educa, ninguém ensina. Apenas se pretende que haja sucesso! Mesmo o que se aprende nas escolas não é aplicado na vida. Exemplos claros são a queda da Filosofia, da História, da Matemática, ... Apenas interessa o que é útil, dá prazer e permite vender imagem de sucesso.
Mas, voltando atrás, achei curiosa a reacção dos inquiridos sobre as declarações de Paulo Morais. Preocupavam-se em dizer que ele devia denunciar essas pressões e os seus autores. Até o Presidente da Associação Nacional de Municípios declarou que a situação referida era absolutamente estranha, pois nunca tinha ouvido falar dessas questões. Francisco Assis só queria que o Dr. Rui Rio explicasse porque é que Paulo Morais não era recandidato. Triste intervenção! O que esperava dele é que afirmasse publicamente que consigo na Presidência da Câmara haveria um rumo bem claro e definido que não permitiria o sucesso de quaisquer pressões, nem sequer da pequena corrupção. Mas isso ele não disse, porque também corria o risco de não ter financiamento para a campanha e as eleições custam muito caro. E mais caras ficam à sociedade, porque todos os favores se pagam.
Triste sorte as dos tripeiros que não conseguem ter um candidato credível para governar a cidade!

O marketing tem motivações insondáveis

A publicidade televisiva procura surpreender-nos das formas mais estranhas, com estratégias que nos “prendam” à mensagem e ao produto que se pretende comercializar. Isso pode acontecer das mais diversas formas, algumas delas verdadeiramente fabulosas. A criatividade neste domínio, como todos devem concordar, tem progredido imenso.

Ora, para meu espanto, o grupo Unilever – Jerónimo Martins lançou este Verão uma campanha publicitária da sua marca de gelados tendo como “estrela” da promoção o inefável Zezé Camarinha! O que terá passado pela cabeça dos publicitários e dos gestores desse grupo? Não haverá limites para o bom gosto, nem mesmo na publicidade? Pretende-se “entrar” no público consumidor com a imagem do marialva-engatatão? Tudo aquilo é demasiado mau, seja do ponto de vista estético ou dos valores associados à juventude. Mas lendo esta notícia talvez se perceba um pouco melhor o país em que estamos….

Descrédito

«Foi Durão Barroso quem inaugurou em Portugal uma nova tradição política consistente em mentir descaradamente ao eleitorado para lhe apanhar os votos. Até aí, estávamos habituados a que os candidatos dourassem a pílula. Mas não estávamos habituados a que um candidato a primeiro-ministro colocasse no centro da sua campanha promessas que sabia antecipadamente que não poderia cumprir.
Em má hora Sócrates seguiu o exemplo de Barroso.» - Maria de Fatima Bonifácio, no Público de hoje.

toma

toma a minha boca nos teus olhos,
razão radical das minhas palavras,
do desejo que percorre texto e corpo,
riso inesperado,
iluminadas as horas.

toma os meus olhos nas tuas mãos
e terás nelas todas as palavras que não digo,
alegria desmedida
por cada um dos passos dados.

toma a minha pele nos teus lábios,
o passeio inequívoco,
desiderium.
minhas raízes fincadas na terra,
asas voando ao céu.

toma o que quiseres,
tudo.
que não é teu,
nem meu.
mas é nosso,
quando nos olhamos.


silvia chueire

24 agosto 2005

Resquícios de um combate

Em 2001, quando apresentou os seus candidatos num comício junto à Câmara do Marco, AFT tratou mal os seus adversários, especialmente a mim. Tentou visar-me na minha vida privada. Em nome da minha filha - então com 10 anos e que ouviu as palavras do senhor - , dias depois comentei as acusações em O Comércio do Porto. O senhor sentiu-se ofendido - não imagino por quê - e apresentou queixa-crime contra mim por difamação através da imprensa. O MP decidiu avançar com um processo sumaríssimo e propor uma sanção. O juiz entendeu não aceitar a posição do Ministério Público, sustentando que não havia crime e, nos termos da lei, remeteu o assunto para processo comum.
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Agora, um outro juiz decidiu receber a acusação marcar julgamento. É em Novembro. Quatro anos depois. É a vida... Realmente AFT tem razões para se queixar de que a justiça é lenta...

Faleceu o Juiz Conselheiro Armando Sá Coimbra

Morreu hoje o meu amigo, colega e mestre Conselheiro Sá Coimbra, que sempre terei como exemplo de cidadão e magistrado.
Foi mensageiro dessa infausta notícia o comum amigo António Arnaldo Mesquita, na singela mensagem que aqui deixo:

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Armando Sá Coimbra (1919-2005) faleceu hoje no Porto e o funeral realiza-se amanhã, pelas 10h.00, da Igreja de Cedofeita para o cemitério de Barcelos. Escritor e juiz conselheiro, Sá Coimbra publicou quatro romances (“O Sol e a Neve”, “Teia”, Chancela” e “Cor do Ouro”) e duas peças de teatro (“Até à vista” e “O Relógio”). Mas a biografia de Sá Coimbra inclui também sinais de um “magistrado íntegro e radicalmente independente, que se impôs ao respeito de todos os advogados e de todos os que com ele trabalhavam”, garante o conselheiro Artur Costa, numa evocação recente na Revista do Ministério Público.
Desde a adolescência, Sá Coimbra nunca perdeu o ensejo de exprimir a sua capacidade de afirmação e acabaria por ser expulso “por indisciplina” de um seminário, prosseguindo os seus estudos para concluir o curso na Faculdade de Direito de Lisboa, em 1945. Desta fase da sua vida inspirou-se para o seu primeiro romance, “Teia”. Óscar Lopes prefaciou o romance e sintetiza a trama. “É a história de um seminarista que descobriu no seminário não ter sido nunca verdadeiramente inspirado pela vocação sacerdotal e que, depois de vencidas muitas dificuldades, consegue chegar ao fim do curso de Direito”. “O tema de Teia pode resumir-se assim: uma consciência que se busca a si própria por entre o que a vida lhe oferece e lhe nega, e que nesta busca descobriu o seu lugar e o dos outros, no mundo, se transformou, ganhou consciência”, frisa o autor de “O Modo de Ler”.
Nas três décadas seguintes, Sá Coimbra foi magistrado judicial nas três instâncias e da sua passagem pelo Tribunal de Polícia do Porto ficaram ecos de uma perspicácia e ironia ímpares, com que condenava um tempo que gerava homens e mulheres que as agruras da vida encaminhavam para o “banco dos réus”. Nesse tribunal do “pé rapado”, recorda o conselheiro Artur Costa, Sá Coimbra ganhou “uma aura de juiz inconformista e destemido”, que lhe “valeram a marginalização e a perseguição, quer do poder político, quer do poder corporizado nas instituições judiciárias”.
O escritor Armando Sá Coimbra acabaria por retratar o universo judicial anterior a Abril de 1974 num outro romance, ”Chancela”, saído do prelo há quase três décadas e que está há muito esgotado. O prefácio de Maria Glória Padrão começa assim: “Pardo é Prado. Prado é juiz. Pardo é o juiz. Este juiz que se movimenta nesta narração e de que o narrador se serve para questionar uma forma brutal de poder — o poder dos tribunais”.
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Para quem melhor o quiser conhecer que leia a sua obra e estes dois prefácios, na íntegra, são o melhor incentivo. Um é de Óscar Lopes e outro da Maria da Glória Padrão, que é feito de ti, mulher?
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TEIA, Sá Coimbra
Teia é o primeiro romance que Sá Coimbra escreveu, embora só tivesse sido publicado um ano depois de O Sol e a Neve. Como seria de esperar na primeira obra de um romancista, os heróis de Sá Coimbra são em grande medida veículo do muito que há de significativo na vida do autor; quando seminarista, quando estudante de Direito. Contudo, Teia não é um pretensiosismo autobiográfico, e muito menos, uma tentativa adolescente de "escrever um romance". Esta obra é mesmo um romance no sentido de expressão artística que se procura total de realidade social e psicológica do homem. Para isso contribui grandemente uma vasta experiência pessoal de juiz, que compreende o sentido social da justiça e da moralidade que procura e sabe como encontrar os últimos porquês das acções humanas. Esta experiência de Sá Coimbra jorra por toda a sua obra, revigora com realismo os pormenores mais acidentais e deixa ficar no leitor como que uma adesão, uma revelação daquilo que em si já pressentia.
Teia é a história de um seminarista que descobriu no seminário não ter sido nunca verdadeiramente inspirado pela vocação sacerdotal e que, depois de vencidas muitas dificuldades, consegue chegar ao fim do curso de Direito; mas o significado profundo deste romance não se esgota nos acidentes da vida imaginária dos seus heróis. Cada um de nós, seminarista ou não, estudante de Direito ou não, encontra lá um pouco de si próprio. O tema de Teia pode resumir-se assim: uma consciência que se busca a si própria por entre o que a vida lhe oferece e lhe nega, e que nesta busca descobriu o seu lugar e o dos outros, no mundo, se transformou, ganhou consciência.
Óscar Lopes
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A CHANCELA, Sá Coimbra
Pardo é Prado. Prado é juiz. Pardo é o juiz. Este juiz que se movimenta nesta narração e de que o narrador se serve para questionar uma forma brutal de poder — o poder dos tribunais.Pardo é Prado. No universo da relação familiar tipifica a instituição que transporta para o espaço da casa (passado o momento de pitoresco que vive na primeira noite nos Açores) a condição da marca de classe que suporta. É juiz. Pardo é Prado. No universo da relação social é o voluntária e conscientemente arredado dela, num círculo de estreitamento que lhe castra o gesto do dialogo. Restar-lhe-á o rato necessário para o dizer estereotipado do bom dia. Porque para o espaço da relação com o outro, ele transporta a condição da marca de classe que suporta. Ele é juiz.
Pardo é Prado. No universo da relação profissional, em deambulação geográfica, vai sendo promovido. Por tempo.
Mas também por competência, lato é, por assepsia, meticulosamente cumpridor da lei. Porque no espaço da hierarquia de que depende e sobre que impende, ele transporta a condição da marca de classe que suporta. É juiz.
Pardo é Prado. Agora com toda - a força da superlativação.
No universo da relação superstrutural, não se descola da escrupulosa execução da norma jurídica com a consequente deslocação de valores: os códigos são, acima de qualquer suspeita; os processos são, acima de qualquer cidadão.
O prémio é óbvio: o convite para o tribunal político. Produto de um sistema que nunca põe em causa, automatizando-se numa pretensa e cega independência, começa como vítima dele, sistema, e acaba como vítima de si próprio: por não optar, optam-no. É guarda, castrador de si, do outro, até à morte. Linearmente.
Quando a família sai do cemitério, mudara já o pano de fundo: Venceremos, venceremos, / a batalha da terra e do pão!» É o canto atirado para a rua a derrubar a história que pariu a lei que o juiz cumpriu. Canto colectivo de polaridade oposta ao fado que plana desde os Açores: «Tudo lato é fado.» O jogo oposicional de sons é outra simbologia dos dois momentos históricos em que se processa a diegese.
Mas em tempo de fatalismo já Pedras tem a funcionalidade de contrariar o fado desde os mais rotineiros sinais até à questionação mais profunda do espaço normativo em que se movimenta a forma de poder. Por isso, pretendendo servir o homem, manter-se-á com o labéu de perigoso e deixará de ser nomeado no texto depois da data da transformação. Porque a história do poder começará a ser contada de outro modo!
A narração é ainda um lugar de movimentação de peque nos grandes casos ou acidentes humanos, esferas auxiliares que contribuem para a fixação da impessoalidade do juiz Prado que, apesar do sistema e também por causa dele, vive frequentemente uma crise de identidade de que lhe advém um complexo de culpa presente em alguns dos momentos mais humanos deste texto.
Por isso, o título permite a ambiguidade: chancela será metáfora de sistema, de processo, de sujeito. Só numa perspectiva ele é rígido: nunca metáfora de povo em movimento.
Maria da Glória Padrão
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Faz algum tempo que, neste espaço, o Conselheiro Artur Costa exprimiu um sentir de muitos amigos e admiradores, que esta morte inesperada (sempre inesperada) já não permitirá concretizar com o mesmo significado, mas que impõe seja relembrado.

«Li, já lá vão uns dias, uma curta, mas digna nota biobibliográfica de Sá Coimbra, e fiquei com vontade de acrescentar alguma coisa da minha experiência pessoal com essa figura ímpar de magistrado que ele foi. Na verdade, tive o privilégio de conviver com ele e com ele compartilhar alguns projectos, como o da Fronteira. Conheci-o na posição de advogado estagiário, quando o Dr. Sá Coimbra era juiz de um juízo correccional, no Porto. Tive, então, ocasião de observar a sua qualidade de magistrado íntegro e radicalmente independente, que se impôs ao respeito de todos os advogados e de todos os que com ele trabalhavam. Estava-se ainda no fascismo e, por isso, mais sobressaíam tais atributos, que, aliás, lhe valeram a marginalização e a perseguição, quer do poder político, quer do poder corporizado nas instituições judiciárias, estas não sendo mais do que a emanação daquele. O Dr. Sá Coimbra ficou a marcar passo na 1ª instância, até que o regime democrático instituído pelo 25 de Abril lhe fez justiça.Antes da sua colocação nos Correccionais, o Dr. Sá Coimbra tinha estado num tribunal de polícia – o tribunal do «pé rapado» -, onde a sua humanidade, a sua cultura, a sua sensibilidade e a ironia mordaz com que sublinhava muitas situações do quotidiano policial e autoritário, tão opressivo das franjas marginais da sociedade, lhe granjearam uma aura de juiz inconformista e destemido, com honras de destaque na imprensa. Quem quisesse conhecer a natureza do regime que vigorava antes do 25 de Abril tinha nos tribunais de polícia um espelho de eleição. Por isso, muitos jornais, que tinham o terreno barrado pela censura, lhes dedicavam crónicas diárias saborosas, falando habilmente do regime opressivo, e jornalistas houve que, sendo repórteres desse quotidiano judiciário, ficaram célebres. Um deles foi Mário Castrim.
E houve juízes que souberam impor-se como extraordinários exemplos de aprumo cívico e profissional no lidar com a miséria quotidiana de que se compunha essa justiça aparentemente de «rebotalho». Um deles foi Sá Coimbra e outro, mais ou menos da mesma altura, foi o Dr. Quintela, um juiz que também foi pontapeado pelo regime. Não o conheci, mas ainda há feitos seus que ecoam nos nossos ouvidos, pelo menos dos mais velhos. O Dr. Quintela, um dia, condenou uma pobre vendedeira, por questões de negócio na rua, sem licença. Mal acabou de ler a sentença, levantou-se e disse para a assistência: «E agora vamos aqui abrir uma subscrição para pagar a multa à mulher, porque, se não, ela vai para a cadeia; eu sou o primeiro a contribuir». E mergulhou a mão no bolso, de onde extraiu umas moedas. Haverá um gesto de maior «desmistificação» do que este? Para quando uma história dos tribunais de polícia?Conheci então o Dr. Sá Coimbra mais tarde, nos Correccionais, já ele tinha uma aura de juiz singular, isto é, «irregular». Foi o juiz de 1ª instância mais escrupuloso que conheci no apuramento da matéria de facto e na preocupação de fazer justiça. Onde se é juiz a sério é na 1ª instância, e foi com o Dr. Sá Coimbra que eu comecei a ter essa exaltante sensação. Talvez tenha contribuído para diluir a relutância que eu sentia pela magistratura. Tratava todos os profissionais – Ministério Público, advogados – por colegas. «Colega, tem a palavra.» Mas era um tratamento autêntico, não aquela capa de superioridade, disfarçada de condescendência, de que se revestem os mais altamente colocados na hierarquia ou numa posição de autoridade para fingirem uma proximidade fraterna com os que sentem ser-lhes inferiores. Nos intervalos, convocava todos para o seu gabinete, para fumar um cigarro e discretear sobre os mais diversos assuntos.
Não era só escrupuloso, mas corajoso. Quando foi do julgamento de dois polícias da PSP e um da PJ (se não estou em erro), por agressão, nas instalações da PJ do Porto, ao Néné Santos Silva (como nós lhe chamávamos), na sequência dos acontecimentos da crise académica de 1969, demonstrou abundantemente essas suas qualidades. Tanto na condução do julgamento, como na decisão final, em que condenou dois dos arguidos e absolveu o outro, absolvendo também o próprio Dr. Artur Santos Silva, que foi acusado de ter agredido ou injuriado membros da PJ, quando, no mesmo dia, foi às instalações daquela polícia tirar satisfações pela agressão ao filho. Este, portador de uma grave doença cardíaca, não haveria de chegar com vida ao dia do julgamento. Corria o ano 1972. Com pouco mais, estava-se no 25 de Abril. Nessa altura, já eu era magistrado.
Quando, depois de andanças pelo Sul, regressei ao Porto para fazer estágio na magistratura judicial, vim a privar com o Dr. Sá Coimbra e a tornar-me amigo dele. Havia um grupo de magistrados na capital nortenha que se distinguia pelas suas qualidades cívicas, culturais e profissionais. Foi uma plêiade de magistrados que marcou uma época. Entre outros, lembro Roseira de Figueiredo, que foi presidente da Relação do Porto a seguir ao 25 de Abril, Flávio Pinto Ferreira, o autor de Para Uma Abordagem Sociológica Da Magistratura Judicial, que chegou a ser secretário de Estado, Fernando Fabião, Herculano Lima, que ficou à frente da Procuradoria da República no Distrito do Porto nos alvores da democracia e, claro, Sá Coimbra, que, sendo de todos o que tinha mais prestígio intelectual, ficou a presidir à revista Fronteira – uma revista inovadora para discussão de temas constitucionais, a que esses magistrados deram alma e que – ponto muito importante – não estava confinada ao mundo judiciário, abrindo-se a outros sectores. Nessa revista, o Dr. Sá Coimbra escreveu vários artigos de grande relevância para uma outra compreensão do direito, da magistratura, da função de julgar, em que sobressaía a sua preocupação pela abertura do juiz ao mundo «profano», buscando aí tanto a sua legitimação, como a sua «dessacralização». Muitos desses textos, lidos hoje, ainda causariam surpresa pela novidade e ousadia.Foi nesse período que ele deu à luz a Chancela, um romance todo ele enraizado na experiência judiciária e que condensa o seu pensamento e a sua sensibilidade em torno da função de julgar, ao mesmo tempo que constitui um fresco do panorama da justiça em Portugal antes do 25 de Abril. Editado pelo prestigiado Cruz Santos, ao tempo da Editora Inova, apareceu com uma apreciação crítica de Maria da Glória Padrão reproduzida na badana da capa. Mas não é só na Chancela que emerge, embora aí apareça com toda a nitidez, dada a especificidade do tema, o acto de julgar como objecto de efabulação. Também em outros livros, como O Sol e a Neve, aparece a figura do juiz entronizado na sua função, aí num belo episódio, pleno de observação crítica, que poderia figurar numa antologia de textos literários acerca da justiça e que também veio reproduzido num dos números da Revista do Ministério Público, na secção designada de Vária, por sugestão que fiz ao Maia Costa, sendo eu, então, membro do Conselho da Redacção.
Recolhendo em síntese as principais qualidades do Dr. Sá Coimbra, destacaria: o espírito de radical independência, a coragem, a probidade intelectual e funcional, o aprumo cívico, o combate lúcido pela dignificação de julgar numa perspectiva democrática e não corporativa, a solidariedade interprofissional, a abertura à polis, onde o acto de julgar cobra fundamento e justificação. Falei sobretudo do homem e não do escritor, que esse mereceria apreciação autónoma. Quantos de nós, com trinta anos de democracia em cima, nos poderíamos reclamar de um tão rico naipe de qualidades?Pergunto: onde é que estão os políticos da nossa democracia que nunca foram capazes de encontrar, nos meios judiciais, homens como este para lhes atribuírem uma pequena distinção, em nome da comunidade que eles serviram com honra e verdadeiro empenho cívico, quando esbanjam comendas a torto e a direito por uma espécie em voga: os novos ricos da democracia? Onde estão eles, afinal, que, quando se lembram de atribuir honrarias desse tipo a magistrados, vão indagar junto dos presidentes dos conselhos superiores a quem as devem atribuir? Há tempos, um jornalista dos mais brilhantes da cidade do Porto – Germano Silva, da Visão – que foi um dos cronistas, ao serviço do Jornal de Notícias, que reportou, diariamente, os julgamentos do tribunal de polícia, perguntou-me para quando uma homenagem da «classe judicial» (foi assim que ele se exprimiu) ao Dr. Sá Coimbra. Encolhi os ombros envergonhado e culpabilizado. Artur Costa »

O calendário do MJ

Em versão music-hall.

Pia

Confesso que hoje andei afastado das notícias. Mas, depois de jantar, soube que o Dr. António Pinto Pereira, por "razões académicas e profissionais", tinha abandonado a posição de advogado da Casa Pia, para ser substituído pelo Dr. José António Barreiros. Nas redacções, havia muitas dúvidas sobre esta mudanaça. Em sectores do MP, notei grande regozijo. Pela minha parte, está tudo bem desde que o putativos pedófilos sejam condenados, caso sejam culpados. Por aqui, já percebi que o Dr. JAB é uma figura querida - leiam-se os posts dos últimos meses. Eu não conheço nenhum dos dois advogados. Que seja tudo a bem da Nação... Ah, já agora, uma preocupação: com o ritmo do processo Casa Pia, o Dr. JAB não vai ter tempo para tantos blogues...

23 agosto 2005

Postal de S. Pedro de Moel

Há terras pelas quais nos apaixonamos e que se “agarram” a nós como se das nossas próprias raízes se tratasse. É isso que eu sinto relativamente a S. Pedro de Moel, uma pequena localidade situada no litoral da Marinha Grande, a escassos quilómetros de Leiria. As suas gentes, o casario, a praia, o mar, o farol, o pinhal, tudo aquilo me é tão familiar como se sempre aí tivesse vivido.

Descobri S. Pedro de Moel, um pouco por acaso, no Verão de 1988 e desde então volto sempre com a mesma sensação de quem regressa a casa após uma longa viagem. Neste Verão, além da praia, do descanso e das investidas gastronómicas, pude visitar a Casa-Museu Afonso Lopes Vieira.

O edifício, uma prenda de casamento de seu pai, foi a casa-nau do escritor e o local privilegiado de inspiração para a sua obra poética. Aí se reuniram personalidades ilustres do seu tempo, como Aquilino Ribeiro, Vitorino Nemésio e tantos outros que procuravam S. Pedro de Moel para as suas criações pessoais. O prédio foi acrescentado de uma capela, em Agosto de 1929, quando Afonso Lopes Vieira, ateu na juventude, reconheceu o milagre do sol, avistado da varanda da casa, e pretendeu afirmar publicamente a sua fé.

Após a sua morte, em 1946, a casa foi doada à Câmara Municipal da Marinha Grande com o objectivo de albergar uma colónia balnear para os filhos dos operários vidreiros, dos pescadores e dos trabalhadores florestais, o que evidencia bem as preocupações sociais do escritor. Com a abertura da Casa-Museu, a Câmara da Marinha Grande dá a conhecer a vida e a obra de Afonso Lopes Vieira, lado a lado com a agitação peculiar que as crianças da colónia balnear transmitem aos outros espaços da casa. Um bom exemplo de como fazer reviver um edifício secular.

22 agosto 2005

Tomar os desejos por realidades

Talvez movido por este post, Vital Moreira escreve hoje estoutro:

Há quem já veja nos blogues um "quinto" poder -- ou mesmo um "sexto" poder, conforme as contagens ... --, a par dos media tradicionais, funcionando como "watchdog" do poder político, ou mesmo do poder mediático. Mas essa visão sobre o impacto desse novo poder emergente parece manifestamente exagerada, pelo menos por ora, sendo conveniente manter alguma prudência na avaliação do poder dos blogues entre nós.
Descontados os blogues dedicados ao desporto e ao sexo, são muito poucos os blogues com alguma notoriedade; e vários deles devem o seu impacto essencialmente ao conhecimento público dos seus autores fora da blogosfera. E não é a repercussão efémera de abaixo-assinados colectivos, em arremedo de movimento cívico, que vai alterar significativamente as coisas...
A propósito, talvez não seja mau ouvir um pouco de Mahler... Sinfonía nº 5 (1904):

P.S. - Como é possível que, quem gosta de ouvir isto, subscreva isto?

O Mundo das Sombras

O Dr. José António Barreiros continua a surpreender-nos.
Depois da Revolta das Palavras, e para além do blog jurídico Patologia social e da sua participação no Cum grano salis, sustenta os blogues A Janela do Ocaso e Geometria do Abismo.

Recentemente, descobrimos-lhe mais um, O Mundo das Sombras, blog dedicado aos estudos de investigação que tem vindo a fazer sobre as redes estrangeiras de espionagem, contra-espionagem e operações especiais em Portugal, sobretudo durante a segunda guerra mundial.

José António Barreiros, advogado, nascido em 1949, tem-se dedicado nos últimos anos a investigar as redes de espionagem estrangeira em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial.

Sobre o tema já publicou:
(1) «A Lusitânia dos Espiões», uma colectânea de artigos que editara na imprensa sobre o tema;
(2) «O Espião Alemão em Goa-Operação Longshanks», um relato de um incidente ocorrido em 1943 no porto de Mormugão, em que um comando do SOE britânico tentou apresar navios cargueiros do Eixo estacionados naquele porto neutral;
(3) «O Homem das Cartas de Londres - Rogério de Menezes», a biografia de um dactilógrafo da Embaixada portuguesa em Londres, preso em 1943 por espionagem a favor do Eixo e condenado à pena de morte, mas que o autor encontrou vivo em Castelo Branco.

Prepara actualmente um outro livro biográfico sobre a agente duplo «Treasure», Nathalie Sergueiew.

Tem colaboração dispersa em artigos na imprensa e em conferências.

Não resistimos a dar-lhe, daqui, um forte e entusiasmado abraço pelo feito e a desejar-lhe o maior êxito nesta sua outra faceta.

21 agosto 2005

Os “fora-da-lei”

Depois do 25 de Abril é a primeira vez que vamos ter eleições autárquicas com candidatos “fora-dos-partidos” (e não independentes!) por serem acusados de agirem “fora-da-lei”. E o mais paradoxal desta situação é o apoio que tais candidatos recebem das respectivas populações locais, a ponto das sondagens indicarem que podem obter a maioria das intenções de voto.
Uma das causas desta situação é, certamente, a perda de legitimidade dos partidos perante a opinião pública. Prometem e depois não cumprem, perderam o carácter ideológico, não cultivam o respeito por regras e não estimulam uma militância de inserção nos movimentos sociais. Aliás, de uma forma geral, os directórios locais dos partidos estão mais empenhados nos jogos de poder aparelhístico que no apoio aos militantes ou simpatizantes envolvidos em causas sociais. E as denúncias de corrupção e favorecimentos pessoais, que atingem todos os governos, acabam por justificar um pessimista lugar-comum: os partidos só servem para beneficiar alguns e não o povo.
Os partidos, aos olhos dos eleitores, foram-se tornando em meras legendas de reprodução de interesses individuais ou de grupo e, assim, abriram caminho ao populismo que, rapidamente, foi promovendo uma espécie de privatização de mandatos. A acção politica deixa de ser mediada pelos partidos e no quadro do respeito pelas leis para passar a conjugar-se unicamente na primeira pessoa: “eu faço, eu quero, eu mando”. Em nome pessoal, promete-se a resolução de todos os problemas e a vontade do povo passa a ser a única lei. É neste contexto que surge uma nova categoria de independentes: a dos que não são independentes por razões ideológicas, mas porque, sendo suspeitos ou acusados de crimes, os partidos (como é sua obrigação) não apoiam as suas candidaturas a autarquias. São os “fora-de-partido” por serem os “fora-da-lei”. Estes “chico-espertos” servem-se da erosão dos partidos para invocarem a vontade do povo e afirmarem, como Valentim Loureiro, que nada devem ao Partido ou se gabarem, como o senador do CDS, Ferreira Torres, que valem mais do que o Partido.
É urgente fazer reformas que ponham a funcionar as instituições, antes que a proliferação dos “fora-da-lei” acabe com a democracia.

JBM, no JN de hoje

20 agosto 2005

FERNÃO DE MAGALHÃES

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A Igreja diz que a terra é achatada, mas sei que ela é redonda, porque vi a sombra na Lua, e tenho mais fé numa sombra do que na Igreja.

Fernão de Magalhães
(1480? - 1521), único português a ter o seu nome nas estrelas

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A queixa-crime que ninguém quer

No dia 20 de Julho, desloquei-me a um tribunal para uma leitura de uma sentença criminal, que tinha sido adiada do dia 15, por causa da greve dos funcionários. Na véspera, um cliente que eu não conhecia - dessa comarca - pediu para se encontrar comigo para um "caso urgente". Marquei com ele no próprio tribunal.

O senhor em causa andava a ser fustigado com cartas anónimas e ameaçadoras. Temia pela vida dele e dos seus familiares, sobretudo dos netos. A conselho de alguém, tinha decidido não abrir a última carta, para tentar salvaguardar as impressões digitais que eventualmente estivessem no papel interior.

No final da leitura de sentença, pedi para falar com o Procurador-adjunto, com quem trabalhei várias vezes e de quem tenho a melhor das impressões. Expliquei-lhe o sucedido e tentei que ouvisse o meu cliente, doente do coração e receoso das ameaças. Disse-me que não o faria, até porque não estava de turno e só tinha ido ao tribunal por causa da sentença. Presumo que com a sua presença ali, teria acordado com o colega de turno a desnecessidade de se deslocar ao tribunal. Mas deu-me algumas ideias úteis: aconselhou-me a GNR local, para que pedisse a intervenção do NAC competente, com vista a proceder ao exame lofoscópico das eventuais impressões digitais.

No dia seguinte, um colega do escritório, já munido da queixa, deslocou-se ao posto da GNR. Em vão. NAC? Medidas cautelares de preservação de prova? O que é isso? Apenas uma garantia: se a queixa cá ficar, segue de imediato para o tribunal da comarca e faremos o que nos mandarem.

No dia seguinte, uma incursão ao NAC. Quê? Recolher as impressões digitais? Só depois do MP determinar. Telefonamas para aqui, para ali e regresso ao escritório.

Nova tentativa no tribunal competente. O procurador-adjunto de turno ouviu o meu colega. Decidiu perguntar ao funcionário se podia fazer "aquilo"? Aquilo era um mero despacho a ordenar os exames periciais... Que sim, disse o funcionário. O magistrado disse que faria. Eu pensei que tinha feito.

Há dias soube que não fez. Depois disso, já houve outros turnos. Ninguém achou o assunto suficientemente entusiasmante para prolatar o simples despacho? Ora, um mero crime de ameças?!

A queixa lá continua (estivemos até às 11 da noite para a apresentar no dia seguinte...). À espera que alguém lhe dê alguma importância.

Eu não sei se as eventuais impressões digitais se compadecem com a demora. Imaginemos que existem e se vão perder daqui até ao momento em que alguém decidir que deve fazer alguma coisa. Que fazer se tudo se perder?

Entretanto, espero que o meu cliente, doente cardíaco e que já teve um problema na sequência das cartas, resista.

19 agosto 2005

Estranhei

Eu estranhei que nos últimos dois dias não tivesse havido sequência na discussão, aqui no blogue, sobre o diferendo Público-PGR. Chamaram-me a atenção para o facto de o debate se ter transferido para a GLQL. Não fiquei suficientemente motivado para ir ler, apesar de me terem dito que era por lá citado.
Não percebi a mudança de palco. Por isso, pela minha parte, discussão encerrada. Eu não opino na GLQL e, mesmo verificando que o debate voltou, hoje, para aqui, também não se sinto motivado a prosseguir sobre o tema no Inc..

A Justiça que temos ou que não temos!

Um amigo meu apareceu morto há quase dezoito meses. Não se sabem as causas. Foi feita a autópsia. Abriu-se um inquérito. O inquérito aguardava o relatório de autópsia. O relatórito preliminar refere que faltam os exames toxicológicos. Pede-se ao MP uma certidão do relatório de autópsia. O pedido foi recusado porque o processo se encontra em segredo de justiça.

A família desespera. Não tem meios para pagar a prestação da casa. Havia um seguro de vida que podia pagar o empréstimo bancário. A seguradora recusa pagar, enquanto não for apresentada certidão do relatório de autópsia. O Banco vai propor execução da dívida com penhora da casa de habitação.

De quem é a culpa ? De ninguém! Só resta propor uma acção de indemnização contra o Estado que, daqui a 12 anos (com sorte!), poderá ser julgada. No entretanto, uma família ficou sem habitação, sem que se consiga explicar porquê.

Muitas vezes, como advogado, sinto-me incapaz de dar uma resposta eficaz aos problemas que me colocam.

Postal de Fuerteventura

Este Verão fiz a minha segunda incursão às Ilhas Canárias. Depois de Lanzarote, estive em finais de Julho em Fuerteventura, a segunda maior ilha do arquipélago e a que se encontra mais próxima da costa africana – desde “La Punta de la Entallada” até ao “Cabo de Juby” em Marrocos não são mais do que 100 km.
Fuerteventura é a mais antiga das Ilhas Canárias e o seu estranho relevo foi moldado pela última erupção vulcânica, que ocorreu há aproximadamente 7.000 anos. Com uma paisagem interior árida, em que predominam as pedras e as rochas, tem na sua costa leste praias e dunas magníficas. O vento, nalguns sítios bastante forte, atrai muitos praticantes de desportos aquáticos e durante a minha estada decorria aí o Campeonato Mundial de Windsurf.
O turismo começou a desenvolver-se nos últimos anos, mas parece haver algum cuidado com a expansão imobiliária. Os serviços e o turismo recrutaram muitos trabalhadores espanhóis do Norte da Península, sobretudo da Galiza e das Astúrias, e a construção civil requisita …portugueses. Isso mesmo!
No interior ficam as sedes dos pequenos municípios de Pájara, Betancúria, Tuineje, Antigua e La Oliva, com alguns pontos de interesse, e na costa leste fica a capital, Puerto del Rosário, assim como os principais centros turísticos (Corralejo, Caleta de Fustes, Costa Calma, Jandía, Morro Jable).
Como abundam as cabras – antes da expansão turística, dizia-se que a ilha tinha mais cabras do que habitantes – a gastronomia local assenta na carne e no queijo de cabra. Um dado importante e que me "chocou" sobremaneira: a gasolina está sensivelmente a metade do preço de cá. E esta?!

18 agosto 2005

De regresso...

...ao mundo da blogosfera depois de umas retemperadoras férias (não judiciais), estive a pôr a leitura em dia e vi que perdi grandes discussões que por aqui houve durante este período de ausência. Não valerá a pena, contudo, voltar a elas porque outras se sucederão.

Prometo para breve uns despretensiosos postais de férias e, entretanto, recomendo a leitura de um livro e de um artigo que li por estes dias. Que nada têm em comum e que me cativaram por razões diferentes.

O livro é o romance "Rosa Brava", escrito por José Manuel Saraiva, ex-jornalista do "Expresso", que constrói um romance a partir da figura de D. Leonor Teles, uma mulher marcante do Portugal do séc. XIV. Uma escrita fluida, irónica e divertida, bem enquadrada historicamente pelo autor.

O artigo "Lisboa a arder" está no caderno de economia do "Expresso" desta semana e foi escrito por Jorge Fiel. Em poucas palavras, todo um quadro de diferenças entre Porto e Lisboa e a forma como o poder central olha para as duas cidades. Subscrevo por inteiro, caro Fiel.

Esclarecimento do Procurador-Geral da República

Dirigido ao director do Jornal O Público e hoje publicado a págs. 11 deste diário (e sem chamada à 1ª página ... claro!)

"Dirijo-me a V. Exa. na qualidade de presidente do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, e indo ao encontro do deliberado por este órgão, na reunião que teve lugar ontem, dia 16 de Agosto.
Prende-se tal deliberação com a necessidade de esclarecer a notícia vinda a lume na edição de sábado, dia 14 de Agosto, do PÚBLICO, a páginas 19 e assinada pela jornalista Tânia Laranjo, com chamada à primeira página.
O título do artigo, em destaque, é “Procuradoria demorou 16 anos a decidir situação de um inspector da PT” na pág. 1, e “Procuradoria-Geral da República demora mais de 16 anos para qualificar ‘risco agravado’ de polícia, a páginas 19.
Acontece, porém, que, se decorreram 16 anos sobre a ocorrência que originou o pedido de parecer, o decurso de tal lapso de tempo não é minimamente imputável ao conselho Consultivo da PGR, ao contrário do que, para qualquer leitor, decorrerá do modo como a notícia foi titulada.
Na verdade:
- O processo deu pela primeira vez entrada na PGR em 29-5-2002 acompanhado de ofício do Ministério da Justiça.
- Distribuído a 12-6-2002, o parecer entretanto lavrado veio a ser votado na 1ª sessão após férias de Verão, a 26-9-2002. Ou seja, a menos de quatro meses depois. Tal parecer não foi favorável à pretensão de concessão de pensão apenas devido à carênncia de elementos de facto enviados, certo que, como é sabido, o Conselho não detém competências instrutórias.
Em 15-12-2004 o Ministério da Justiça solicitou novo parecer, sobre o mesmo caso, agora juntando os elementos de prova em falta.
O segundo parecer, favorável, foi votado na sessão de 3-2-2005, ou seja, cerca de um mês e meio depois.

Já que o caso mereceu ser noticiado, interessaria que também este esclarecimento fosse do conhecimento público.
Por um lado, prestar-se-á assim melhor informação aos leitores.
Por outro, isentar-se-á a PGR do odioso de uma responsabilidade que lhe não cabe.

José Adriano Machado Souto de Moura
Procurador-Geral da República

17 agosto 2005

No México recorda-se Trotsky

No próximo dia 20 de Agosto faz 65 anos que León Trotsky foi assassinado no México: o revolucionário que foi companheiro de luta de Lenine e que foi perseguido por Estaline morreu, aos 61 anos, às mãos do estalinista espanhol Ramón Mercader (a ler em El País).

León Trotsky e Natalia Sedova (no centro da imagem) à sua chegada ao México, onde foram recebidos pela pintora Frida Kahlo (à direita do casal).

Les dormeuses

Gustave Courbet (1819 - 1877), Les Dormeuses (1866)

POR DETRÁS DE CADA PALAVRA


Por detrás de cada palavra que deixo
escorrer de mim no teclado
existe um beijo um toque de ternura ou
um grito.

Letra a letra com o indicador envolvo
os dedos que me hão-de dar resposta acaricio
os olhos em que releio o sentido
do que escrevi percorro
os lábios cuja voz anseio
poder ouvir no meu écran.

As palavras transmitem-nos
na ausência pressentem-nos
o amor as veias o sangue
a fusão
nossa
em calor côncavo.

QUESTÕES DE FÉ

Tenho andado numa “roda-viva” a tratar dos documentos exigidos para o casamento da minha filha. Ontem tive de ir ao Paço Episcopal. Quando cheguei à Secretaria, deram-me uma senha com o nº15 e mandaram-me esperar numa sala. Para chegar à dita, tive de passar por um corredor e o meu passo –“tóc…, tóc…,tóc…” --- sinalizava a importância do silêncio num paço episcopal. Entrei na sala, onde estavam dois vetustos senhores. Disse “boa tarde” – num tom adequado à circunstância. Percebi que não tinham ouvido e repeti o cumprimento. Então, levantaram o rosto e corresponderam. O vício de tudo problematizar levou-me a interrogar em voz alta: «Sou o número 15, mas só somos três».
Um dos velhinhos, pensando que a minha questão se relacionava com a sua razão de recorrer aos serviços episcopais, respondeu-me: «é para anular o matrimónio».Fiquei a pensar: «o que terá levado um indivíduo, com aquela idade, a recorrer ao Bispo para anular o matrimónio!?.... A infidelidade não serve de razão canónica. Só há a de improficuidade. Mas com aquela idade valeria a pena!?...».
Talvez a resposta estivesse nos insondáveis desígnios de Deus e eu como agnóstico renitente não poderia atingir o mistério. O melhor seria perguntar ao Conselheiro Lopes, homem de tanta fé que até acredita na senhora de Fátima (de Felgueiras) -- pensei com os meus botões.
Entretanto, chegou a minha vez: depois de pagar noventa e tal euros, uma voz num tom docemente abrasileirado (suponho duma Irmã) disse-me que tinha de entregar o processo na igreja onde terão lugar as cerimónias. Perguntei se àquela hora a secretaria ainda estaria aberta. Respondeu-me: «cada paróquia tem a sua realidade». Fiquei esclarecido: as questões de horários dizem respeito às realidades da fé. Pus-me a caminho. Chegado á dita paróquia a secretaria estava fechada. Voltei a aceitar que “as veredas do senhor são insondáveis” e de repente percebi que Pessoa já tinha encontrado uma fórmula que justificava o pedido de divórcio à luz do direito canónico do velhinho que encontrei na sala de espera: é que "tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”. A partir desta luz, a Rua de Cedofeita fez brilhar para mim todas as mulheres bonitas que por ali passavam. Não sei se foi milagre, mas sei que, tal como em outros tempos, naquela Rua onde vivi há trinta e tal anos, os meus pensamentos eram como barcos que nos mastros erguiam velas que tornavam insondáveis as "veredas" de Cedofeita e sempre navegando num mar de felicidade.
Foi uma experiência de fé inolvidável. A fé ergue montanhas.
Bem, montanhas já não será o caso, mas que é preciso fé, é!
COMPADRE ESTEVES (que continua impossibilitado de botar os posts directamente)
17/8/05

Viver sempre perfeitamente feliz.

A nossa alma tem em si mesma esse poder de ficar indiferente perante as coisas indiferentes. Ficará indiferente se considerar cada uma delas analiticamente e em bloco, lembrando-se que nenhuma nos impõe opinião a seu respeito nem nos vem solicitar; os objectos estão aí imóveis e somos nós que formamos os nossos juízos sobre eles e os entalhamos, por dizê-lo assim, em nós mesmos; e está em nosso poder não os gravar e, se eles se insinuam nalgum cantinho da alma, apagá-los de repente.Depois os cuidados que te pungem não duram, bem depressa deixará de viver. E por que tens um penoso sentimento de serem assim as coisas? Se são conformes à natureza aceita-as alegremente e sejam-te propícias. Se vão ao arrepio da natureza, busca o que for conforme à tua natureza, e corre nessa direcção, fosse-te ela menos propícia; merece indulgência quem procura o seu próprio bem.


Marco Aurélio, in 'Pensamentos'
recolhido em -http://citador.weblog.com.pt/

16 agosto 2005

Face Oculta

Com este nome nasceu mais um blog, desta feita com origem na Ilha do Pico, Açores, transporte de crónicas de jornal, em
http://cronicasilhadopico.blogspot.com

Bem vindo, que a viagem seja longa e profícua.

O CEJ e o seu Programa de Actividades

" Acicatado por uma observação do Dr. Rui Carmo em Incursões e aqui transcrita(*), quanto ao programa do Centro de Estudos Judiciários, fui lê-lo. Até porque em tempos tinha manifestado a minha opinião sobre a provável vantagem de o CEJ também poder ser dirigido por alguém estranho às magistraturas."

O interessante post/opinião de ALM, pode ser lido na íntegra no Cum Grabo Salis

(*) nota da redacção: o referenciado post de Rui do Carmo foi originariamente posto no blawg de sua autoria, o Mar Inquieto, em 11/8

Erros e intolerâncias

...
Confirmo: em Portugal há mau jornalismo (nos outros países também). Ainda na semana passada, tive oportunidade de verificar isso, sobre um problema muito concreto que não vem agora ao caso, num jornal de grande expansão. Olhei para "aquilo" e fiquei enojado...
Confirmo também: em Portugal (nos outros países também), os jornalistas e os jornais não gostam de admitir que erraram. Daí a dificuldade com que aceitam coisas tão simples como o exercício do direito de resposta e de rectificação. E, às vezes, era tão simples não complicar...
Confirmo: em Portugal (nos outros países também) há maus aplicadores da justiça. Ainda na semana passada, um tribunal inglês arrasou a justiça portuguesa por causa de uma decisão que envolveu cidadãos britânicos que - disse o tribunal português - eram responsáveis por desmandos durante o Euro 2004.
Confirmo: em Portugal, os magistrados (muitos dos que eu conheço), detestam ter de reconhecer um erro. Já por diversas vezes, informalmente, chamei a atenção de alguns para erros grosseiros que facilmente poderiam ser reparados e ouvi (quase) sempre a mesma resposta, nesse caso invariavelmente arrogante: "Recorra, sr. dr!" E eu recorro. E era desnecessário. E é a justiça que perde.
Não vou ater-me às questões concretas que me levam a escrever este postal, depois de ler a guerra que por aí anda em relação a Tânia Laranjo (nossa leitora e comentadora), e muito menos ao que veio dizer o o António Mesquita que, realmente, não precisava de trazer à liça o que trouxe.
Há uma coisa que eu sei (deixando o AAM de fora): a Tânia Laranjo comete erros como toda a gente. E até pode cometer mais do que qualquer outro, o que é facilmente justificável pelo caudal de informação de que dispõe e que todos os dias escreve. Eu sei o que é isso. Como sei o que é começar a trabalhar num jornal de características diferentes e ter que aprender muitas coisas de novo. Mas há outra coisa que eu sei: a Tânia é uma jornalista corajosa, que gosta de saber o que escreve, que pergunta. E mais: já não lhe basta ter que aguentar a terrível pressão por escrever sobre o que escreve, de ter de ouvir o que ouve por parte dos "maus", e ainda tem que ser crucificada pelos "bons", apenas porque houve alguém que fez um título pouco escorreito?
Já aqui disse muitas vezes que os jornalistas que escrevem sobre justiça não tinham nada a perder se fizessem cursos especializados sobre jornalismo forense. Mas parece-me que há muitos magistrados que não perderiam nada se fizessem um estágio de um mês na redacção de um jornal diário para perceberem como as coisas se passam e para perceberem a angústia dos fechos, o tremor de não se conseguir encontrar uma fonte, o medo de avançar com uma informação que pode não estar completamente filtrada...
A Tânia cometeu um erro? Não vou prender-me a isso. Estou mais preocupado com aquele episódio que relatei aqui há uns tempos, quando fui testemunha num julgamento de abuso de liberdade de imprensa, e verifiquei que estava a falar "chinês", a avaliar pelas perguntas a que fui submetido. Uma situação que também já verifiquei muitas vezes como advogado...
Que tal se nos preocupássemos todos mais com a substância do que com um eventual erro de forma? É que, como jornalista, a Tânia Laranjo andou muitas vezes à frente da justiça em casos concretos. Duvido, aliás, que a justiça tivesse andado se não fossem as notícias dela.
A bem da Nação
(Já agora, vou tentar não esquecer escrever aqui a saga que ando a viver, desde 20 de Julho, de uma queixa-crime que ninguém quer receber, porque é preciso fazer um despacho - simples despacho - para que sejam tomadas providências cautelares de preservação de meios de prova).

14 agosto 2005

PROCURO, MAS NÃO ENCONTRO!?

1. Procuro, há já alguns dias, no sítio da Procuradoria-Geral da República, nomeadamente nas Novidades ou na entrada das Circulares, rasto da propalada “afinação” dos critérios do Ministério Público no que respeita às medidas de coacção a aplicar aos suspeitos de provocar incêndios – mas não encontro!?
Ainda bem, pois os pressupostos de aplicação da prisão preventiva (que é, de resto, da competência do juiz de instrução criminal) são iguais para todos os crimes que a admitem, sendo a criação de uma situação excepcional para certo tipo de crimes inconstitucional e o regresso àquilo que foi a figura dos “crimes incaucionáveis”.
Mas, que não se pense que o tratamento da notícia do crime e dos seus eventuais autores, no caso dos incêndios florestais, não exige uma especial atenção. Acho que exige um especial esforço de informação dos magistrados e de coordenação hierárquica, atendendo ao carácter sazonal do fenómeno e a que a sua ocorrência e a detenção dos suspeitos acontece, quase sempre, no período das férias judiciais do Verão (e continuará a acontecer!), com todas as contingências que daí advêm, como sejam: a ausência do tema, há já alguns anos, dos programas de formação; a não coincidência, em regra, entre o magistrado que acompanha a abertura do inquérito e os primeiros actos urgentes e aquele que será o titular do processo; o maior isolamento de quem tem o primeiro contacto com os factos.

2. Procuro no Público de hoje uma explicação, ou admissão do erro, no que respeita à notícia que ontem, no Cum Grano Salis, L.C. considerou ser “Um caso de grosseira desinformação jornalística” – mas não encontro!?
A autora da notícia costuma espreitar por ali, pelo que a continuação do silêncio será (mais) um exemplo da prepotência de algum jornalismo.

Programa de Actividades do Centro de Estudos Judiciários

Depois da movimentação provocada no ano passado pela nomeação de uma professora universitária para directora do Centro de Estudos Judiciários, a ASJP e o SMMP constituiram-se na obrigação de emitir a sua opinião quanto ao Programa de Actividades para 2005/2006 (já aprovado pelo Conselho de Gestão do CEJ e que pode ser lido em http://www.cej.pt/plactividades.pdf), apresentado como constituindo uma reforma curricular da formação inicial e que é o primeiro elaborado sob a responsabilidade da Prof. Doutora Anabela Rodrigues.

A importância da blogosfera

Uma apologia estrénue, aqui.

Adágio romano

Corruptissima respublica, plurimae leges
(quanto mais a República se corrompe, mais as leis proliferam).

o meu desabafo, a horas tardias

O bloguista perfeito é um solitário. Só um solitário se dá a essa função. E só o bloguista solitário percebe os dramas e a tormenta e é solidário. Esquisito? Talvez. E talvez, também, só o bloguista solitário - mas que não é parvo - seja capaz de perceber os desmandos que alguns - sobranceiros da moral e da supremacia da "raça" - são capazes de fazer. Esquisito? Desiludido? Talvez. Mas não surpreendido. Já ando por aqui há algum tempo. Tempo bastante para perceber que nem sempre estivemos certos nas nossas opiniões, nas amizades. É tremendo sentir isto. Mas isso só me anima para continuar por aqui. A administradora merece. Olá, Kamikaze. Buenas noches.

(e não volte a confundir-me com o Dr. Rui do Carmo, que ele escreve melhor do que eu)

A janela aberta...


J. Gris, La ventana abierta, 1921,
Meyer Collection, Zurich

Respondendo a um "desabafo"

Hoje jantei com o JCP deste blogue e de outras aventuras, que, vindo de férias, estava razoavelmente fora do mundo e que, neste momento, está mais vocacionado para o seu encargo autárquico no Marco. Claro que tive de lhe chamar preguiçoso por fazer a vida dele tão estanque que não lhe permite conjugar as férias com os deveres de bloguista e de outras coisas. Imagine-se que o tipo nem um computador tem em casa! Acho que ele me ouviu e vai resolver essa coisa...

Também estive a queixar-me. Contei-lhe o quanto é difícil esta empreitada de dar corpo a um blogue, sozinho, virado para questões locais, correndo o risco de ser mal entendido, de ser insultado, caluniado. E também lhe contei o quanto é difícil não defraudar as pessoas - como uma leitora que ainda hoje me escreveu a dizer que a primeira e a última coisa que faz todos os dias é ir ver o Marco2005 - que esperam ler o blogue todos os dias actualizado. Não é fácil. Mas é um compromisso.

O que me levou a estabelecer-me por conta própria? A consciência de que não podia fazer no Inc. o que faço no Marco2005. Por todas as razões. O Inc. é um projecto nacional. O Marco2005 é um jornal local. Mas há mais: num blogue essencialmente de magistrados, eu não tinha o direito de escrever aqui sobre o lado criminoso de algumas pessoas. Tive, aliás, o cuidado de dizer isso mesmo a LC muito tempo antes de criar o Marco 2005.

Creio, contudo, que houve deserções que não tiveram nada a ver com as razões que propiciaram a minha. Embora não tivesse uma linha de rumo definida, sempre a meio caminho entre o blogue especializado e o blogue generalista, o Inc. tinha um espaço próprio. Porventura, seria mesmo a sua orientação mesclada que fazia dele um produto interessante. Por isso, talvez não houvesse razões para que os colaboradores de cá fossem criando espaços de discussão que, no fim de contas, também acabam por não ser muito diferentes do que era o Inc. quando todos por aqui andavam.

O "desabafo" tem razão de ser, obviamente. Mas quem aguentou "isto" na fase mais difícil, também aguenta agora. Pela minha parte, tentarei, sempre que possível, dar o meu contributo. E, além do mais, há um ano atrás as coisas não eram muito diferentes por esta altura.

Por isso, minha cara Kamikaze, há que aguentar as correntes adversas.

12 agosto 2005

QUEBRA-LUZ

Desconfio dos poetas
que falam muito de luz, das
manhãs e das árvores
na sua obsessão hospedeira
de frutos aves e
folhas. Desconfio dos que cantam
lareiras e vozes mansas, tentando
apaziguar o poema com a sua
indústria de incensos. Eles
encenam como velhos profetas
tardias formas de beleza
extinta – e fazem do verso
um ritual nado-morto
de pequenos afectos,
indiferentes à faca
incandescente que separa
o corpo das palavras
da substância do mundo.

Inês Lourenço

in Logros Consentidos

& etc - Março 2005

contundente intermitência

Aparentemente de férias intermitentes, o juiz Joel T. R. Pereira regressa à blogoesfera com tres contundentes postais - no Verbo Jurídico blawg, claro.

Destaco as pertinentes questões colocadas no post "SSMJ" (Serviços Sociais do Ministério da justiça).