31 agosto 2006

Longitude da pista

Nem queria acreditar! Na rádio ouvi hoje a notícia: um recente acidente de aviação nos Estados Unidos deveu-se a falta de longitude da pista! Tal e qual, "longitude"?! Não era comprimento. A pista não era suficientemente longa para permitir que a aeronave ganhasse velocidade para levantar voo em segurança. E eu fiquei a pensar no significado de "longitude"!!!

Notas de fim de férias

I
Paris está fascinante como sempre. Vale a pena nem que seja para ver o cuidado posto no espaço público. E choveu como nunca pensei que chovesse em Agosto.
II
Fui à praia, entre Miramar e Aguda. Há muito tempo que não frequentava uma praia do Norte. O trabalho de Luís Filipe Menezes merece ser elogiado. O espaço estava ordenado, limpo e agradável. Na entrada, havia cinzeiros para os fumadores. Apesar disso, ainda se encontram beatas no areal.
III
Valença e Caminha merecem a visita. Mas nos próximos tempos, não voltarei. Na praça de Caminha houve um ataque de mosquitos. Não é nada agradável ficar com marcas de picadas ds insectos.

Paz à sua alma

O semanário “O Independente” sai amanhã para as bancas pela última vez. Confesso que nunca fui um leitor desse jornal. Nos seus 18 anos de existência, tê-lo-ei comprado duas ou três vezes por circunstâncias excepcionais. Nunca me identifiquei com aquele estilo de jornalismo – sensacionalista, persecutório, panfletário, movido por claros objectivos político-partidários, feito à base de manchetes “assassinas”. Paulo Portas, por exemplo, já assumiu publicamente que a sua estratégia enquanto director do jornal tinha por objectivo proporcionar o aparecimento de um novo partido de direita – aquilo que veio a ser o famigerado PP.

O Indy – como era chique chamar-lhe – foi um jornal de direita que, curiosamente, encantou alguma esquerda, pretensamente jovem e moderna, anti-establishment, que gostava de afrontar o poder, sobretudo na altura do cavaquismo. Sem perceber nunca o desígnio final do jornal.

Reconheça-se, no entanto, que “O Independente” foi uma escola que marcou algumas gerações de jornalistas e colunistas. Foi um jornal produto do seu tempo e que há muito perdeu o seu espaço. Para quem gosta de jornais, como eu, apesar de não ter sido seu leitor, é sempre lamentável ver desaparecer um jornal das bancas.

Desculpas de mau pagador

O Bloco de Esquerda insurge-se hoje nos jornais contra o facto da Câmara do Porto ter removido das ruas da cidade out-doors colocados por aquele partido. Naturalmente, não sei pormenores sobre o caso concreto, mas como já tive uma péssima experiência com o BE, isso faz-me desconfiar dos seus indignados protestos.

Há dois anos atrás, o BE resolveu “plantar” um out-door no jardim do empreendimento onde resido. Um espaço público, mas cujo tratamento é assegurado pelos residentes. Como era um dos co-administradores do condomínio, vi-me obrigado a fazer inúmeros contactos (serviços da autarquia, sede do BE no Porto, deputado do BE pelo Porto) para conseguir que, ao fim de algumas semanas, lá viessem retirar o out-door. Fiquei esclarecido sobre as preocupações do BE relativas à qualidade vida urbana, ao ordenamento das cidades, à preservação dos espaços públicos. Palavras, leva-as o vento…

Pós-graduações e Mestrado em Direito Judiciário

A Escola de Direito da Universidade do Minho oferece, no ano lectivo (2006/07), os 1º e 2º Cursos Avançados de Curta Duração em Direito Judiciário.

A frequência com aproveitamento nestes Cursos permite a equivalência à parte escolar do Curso de Mestrado/Especialização em Direito Judiciário.
Numa iniciativa inovadora de ensino a "quatro mãos", a Comissão Directiva desses cursos é constituída por 3 professores da Universidade do Minho e 2 Magistrados: um juiz e um procurador da República. E os docentes repartem-se igualmente pelos académicos e magistrados entre os quais se incluem 2 membros deste blog.

São destinatários os Licenciados em Direito.
As candidaturas decorrem de 4 a 18 de Setembro de 2006 para o 1.º Curso e de 5 a 19 de Fevereiro de 2007 para o 2º Curso.
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O 1.º Curso compreende as seguinte unidades curriculares:
Teoria da jurisdição e da organização judiciária
Direito processual civil
Direito processual penal
Direito processual constitucional e internacional
Comunicação da justiça

E o 2.º Curso:
Direito processual administrativo e processual comunitário
Direito processual tributário
Direito das crianças e dos jovens
Direito processual do trabalho
Direito das contra-ordenações

Podem ser frequentadas, sem avaliação, uma ou mais unidades curriculares.

O Período Lectivo vai de: 7 de Outubro de 2006 a 10 de Fevereiro de 2007 para o 1º Curso e de 17 de Março a 30 de Junho de 2007 para 2º Curso.

Podem ser prestadas Informações, por:
Dra. Sandra Cerqueira AmorimTelf. 253 604583Fax 253 679078Email: pos-graduacoes@direito.uminho.ptE http://www.direito.uminho.pt/ – link “pós-graduações”

Soares não é impressionável, pronto.

Entrevista DN:

Entrevista a Mário Soares: "Não sou impressionável por um simples desaire".

Mário Soares fala como se, daqui a 5 anos, estivesse apto para a luta. Não está. Por que não reconhece isso? Fique com a sua página na história e pronto.

Novo PGR: magistrado ou não? Mendes fala de Laborinho?

Mais JN de hoje:
"Magistrado, independente, prestigiado e com autoridade". Foi o perfil traçado, ontem, por Marques Mendes para o sucessor de Souto Moura no cargo de procurador-geral da República (PGR), que termina o mandato em Outubro. Ao mesmo tempo, o ministro da Justiça, Alberto Costa, negava que o Governo atribua prioridade à escolha de um magistrado para o lugar (...)

Eu percebi logo na altura... Sou mesmo um tipo inteligente :-)

Notícia JN:
As férias judiciais terminam amanhã e os advogados fazem já um balanço muito claro e consensual da medida do Governo que limitou aquele período apenas ao mês de Agosto "Somos os únicos prejudicados". Vários causídicos contactados pelo JN afirmaram ter reduzido as suas férias pessoais a metade ou mesmo ficado sem hipótese de gozar uns dias de lazer (...).
Lembram-se de eu ter falado nisto logo quando a coisa começou?

30 agosto 2006

As cartas de amor

O Joaquim Fidalgo escreve hoje, no Público, na sua habitual coluna "Crêr para ver", sobre a crise das cartas de amor. O que se retira: as cartas de amor estão em desuso um pouco por todo o mundo. Pois, estão, Joaquim, tens toda a razão. É pena, dizes. É pena, digo também.

Houve um tempo em que fui um especialista de cartas de amor, daquelas cartas longas, que escrevia num bloco e que, mesmo não gastando as folhas todas, enviava assim, folhas em branco e tudo. Nunca percebi por que enviava tudo. Hoje suspeito que era o meu subconsciente a querer sugerir que tão importante como o que ia escrito era aquilo que ficara por escrever, se houvesse tempo e não houvesse a noção das medidas.

A coisa resultava, normalmente. E tanto resultava que foram imensas as cartas que escrevi a rogo, de amigos e amigas para os seus pretendidos. Curiosamente, também resultava. Presumo que em alguns casos nunca tenham descoberto a patranha e ainda hoje leiam e releiam as cartas que eu escrevi para outros.

Tudo tão diferente dos tempos de hoje, em que as cartas de amor foram substituídas por breves e sincopadas mensagens via telemóvel... Tudo tão diferente. Aliás, duvido que alguém, hoje, ainda goste de ler cartas de amor. Ou que seja capaz de ler uma longa carta de amor até ao fim. Todos têm mêdo de parecerem ridículos...

29 agosto 2006

O primeiro dia (III)

Depois de os escrever, estive para os remover: os dois últimos postais, claro. Não interessam a ninguém a não ser a mim. Isto, se não levarmos em linha de conta de que há muitos por aí como eu. Pobre gente! Mas, pouco a pouco, com pés leves, irei esquecendo este livro de registos.

28 agosto 2006

O primeiro dia (II)

Começo a achar que um dos motivos por que o escritório me cansa, é uma necessidade enorme de mudar de sítio. Sinto-me claustrofóbico. Preciso de mais espaço. Preciso de mais "imagem". Sobretudo, preciso de mudar de ritmo. De deixar de ser o advogado solitário. Talvez, no fundo, precise de "armar" mais um bocadinho...

Alguém dizia-me recentemente que eu precisava de ousar mais. Acredito que sim. Eu que durante tantos anos exagerei na ousadia, tornei-me demasiado cauteloso. Piorei. Quando fui ousado, tive mais sucesso do que o sucesso que as cautelas me dão.

Curioso. Estes pensamentos levaram-me a reler nestas férias vários livros de John Grisham, o advogado norte-americano que se tornou escritor (A Firma, O Cliente, O Dossier Pelicano, A Conspiração, entre outros). E pensei que haverá, certamente, um meio termo.

O primeiro dia

Hoje passei o meu primeiro dia no escritório. Sozinho. Quando descia a rua do Bolhão, não senti a agonia que vivi nos últimos tempos antes de férias. Mas confesso que não estava a morrer de saudades. Como estava sozinho, não consegui trabalhar. Fartei-me de atender telefonemas. Nenhum deles importante. Os clientes mais chatos, os mais exigentes e os que pagam pior telefonaram quase todos. Se estou preocupado que eles possam ler estas palavras? Não. Eu digo-lhes isto mesmo na cara. O problema é que eles pensam que eu estou a brincar quando lhes digo. E continua tudo na mesma.

27 agosto 2006

estes dias que passam 34

Pequenas infâmias e grandes (enormes)

1 Às vezes penso que escrevo demais, depressa, sobre o momento dos factos, sem recuo nem rede. E há um pequeno pedaço de mim, às tantas o anjo da guarda dos descrentes, a consciência, a quem o grande Drummond (o poeta brasileiro, claro) chamou o seu anjo torto, que volta e meia, me recomenda calma, e canja de galinha. Mas eu não tenho emenda: com tantos anos e ainda armar-me em cavalo louco (o Crazy Horse índio da minha infância, hoje herói americano, tardio, claro mas mais vale tarde do que nunca). Ora comecemos por aí, pela America:

2 Um grupo de palestinianos (?) anormais, fanaticamente anormais, fanaticamente cretinos, fanaticamente religiosos (???) resolveu raptar há uns dias dois jornalistas de uma televisão americana. Depois deste brilhante feito de armas, entenderam propor a troca dos dois reféns pela libertação de todos os muçulmanos presos nos Estados Unidos. (todos os muçulmanos ou apenas os presos por alegado terrorismo em Guantanamo?). Os americanos nem se deram ao trabalho de responder. O governo palestiniano a contas com uma invasão israelita e com a ruína absoluta do território, sem dinheiro, sem autoridade, sem futuro, fez o que pode ou seja nada. Finalmente os raptores, isolados internacional e nacionalmente, mostraram toda a sua nulidade moral, política e religiosa: libertaram os jornalistas depois destes terem aceitado converter-se ao Islão. Eu até me converteria à Igreja dos últimos dias de Jesus Cristo perante essa escolha entre a vida e a morte.

3 Continuando pela América: choremos uma agradecida lágrima por Maynard Ferguson, trompetista interessante que tocou com alguns dos melhores, fez a consabida volta pela Europa onde deu alento a muito jovem e insatisfeito músico de jazz. Quase oitenta anos de vida e muitas histórias para contar.

4 Mais America, pior América: há um ano o Katrina devastava o berço do jazz. New Orleans, cidade mítica para todos quantos alguma vez vibraram ao som sincopado dum trompete (o de Satchmo, por exemplo). Um ano depois aquilo continua um destroço sobretudo, claro, nos bairros de maioria negra e pobre. Metade da população ainda não voltou. Os que voltaram encomendam as almas e os parcos bens à Guarda Nacional que ainda se vê obrigada a patrulhar a cidade. Isto, meus senhores, passa-se no mais rico e mais poderoso país do mundo!

5 Outra América, desculpem o engano, Israel: no sul do Líbano não é o Katrina mas as bombas de fragmentação que foram usadas contra civis. Continuam a explodir diariamente. Há uma lei internacional contra o uso destas armas. Parece que se forem israelitas a lançá-las e uns árabes miseráveis a apanharem com elas em cima, não há problema. Não?

6 E aqui ao nosso lado? É só incêndios e infanta Leonor? Infelizmente não. A época de caça à mulher, abre todos os anos em 1 de Janeiro e vai até 31 de Dezembro. Sobretudo se esta, a mulher, tiver sido namorada, noiva ou esposa do criminoso. Este ano já lá vão 56. Diz quem sabe que se corre o risco de em 2006 se bater um recorde. A violência de género, aqui radical e definitiva, prospera na Europa civilizada com mais rapidez que no Médio Oriente. E os seus cultores são católicos de lei, ou quase. A moda agora é liquidar a relapsa, as filhas e filhos menores e depois dar um tiro na cabeça. Se me fosse permitida uma sugestão, puramente inocente, não valeria mais começar pelo tiro nos cornos? Vá lá, sejam homens...

Farmácia de serviço nº 24

Ora aqui está a farmácia reaberta. Gerente e pessoal, mailos paroquianos que aqui se alongam em conversas, pelo fim da manhã e pelo fim da tarde, fazendo deste amável espaço de manipulados, elixires, tisanas e outros remédios mais fabricados, uma pequena enfermaria pronta a acolher os que sofrem de males indefinidos, da alma, tristeza, melancolia, saudades do futuro e outras bizarrias. É para isso que a farmácia abre as suas portas e tem três cadeiras e um banco corrido para os seus habitués. Para os habitués, já se disse, e repete-se em voz alta, que aqui não se vendem produtos de beleza e derivados, isso fica para os que querem enricar (como diria a distinta D. Sílvia, médica de pesares, ausências, almas entrecortadas e outras divagações). Aqui pratica-se a pharmacia, com saudades do ph e a boa conversata. Quem quiser botox vá ali ao lado. Ou pergunte aos cavalheiros do Marco de Canavezes que parecem saber tudo sobre tal ingrediente.
E por onde andaram o boticário e ajudantes, perguntaram as leitoras e freguesas mimosas que nos vão lendo e aturando com paciência e meio sorriso (espera-se...). Pois por Espanha, ó gentis, por essa Espanha daqui perto, entre fogos florestais e aflição, à beira mar e à beira-alma, a molhar o pé e recordar outros tempos.
E por isso a ninguém estranhará que hoje a botica mande para o éter uma meia dúzia de títulos espanhóis.
Comecemos desde já pelo Arturo Perez Reverte. É que consta que terão começado a aparecer em português as aventuras do Capitão Alatriste. E se assim for atirem-se a esse mesmo título, o primeiro duma séria que já vai em cinco volumes, prevendo-se ainda mais dois.
A quem não embezerrar o espanhol, recomenda-se a leitura das crónicas magnificas, da escrita poderosa, de APR no xlsemanal (suplemento revista de fim semana do jornal ABC): um regalo. APV arreia forte e feio em tudo o que mexe e que ele não suporta.
E continuemos por um tema fascinante e que aos desta casa toca muito e de perto: a guerra de Espanha. Como todos sabem, esta guerra durou 4 dolorosos anos (36 a 39) teve um gigantesco saldo de vítimas e foi para desgraça dos espanhóis, primeiro e do mundo depois, o campo de treino, a mesa de experiencia de nazis e fascistas. Foi talvez a última guerra ideológica, a que não teve indiferentes, a que mobilizou o melhor e o pior da Europa.
Esta guerra que começou pelo levantamento de meia dúzia de generais traidores contra um governo saído de eleições livres e legítimas, tem no seu activo algumas façanhas infames.
Em primeiro lugar os defensores da republica foram no fim da guerra considerados “rebeldes militares”, julgados por expeditos tribunais militares pelo crime de rebelião (!!!) e condenados à morte ou a longas penas de prisão.
Em segundo lugar, no fim da guerra, as vítimas de direita tiveram honras de sepultura pública e reparação material atribuída às famílias. Ao mesmo tempo os noventa mil fuzilados republicanos no decurso da guerra (sobretudo no primeiro ano) continuaram em fossas comuns anónimas que só agora começam a ser abertas para entregar às famílias os ossos dos seus mortos para enfim serem enterrados novamente nos cemitérios comuns.
Por último, estão a ser analisados e reparados dezenas de milhares de processos posteriores à vitória de Franco para reparar as mais gritantes injustiças então cometidas. Tudo isto ao abrigo de uma lei votada no parlamento espanhol. São cerca de trezentos mil os processos que poderão ser analisados e que terão dado origem a dezenas de milhares de execuções. É que uma boa parte das sentenças foram pura e simplesmente aplicadas sem sequer um julgamento.
A direita espanhola clama agora que a revisâo de processos vem abrir uma dolorosa cicatriz que se teria dado por fechada durante o período de passagem do franquismo à monarquia. Ou seja que havia de continuar a ocultar-se a barbárie e a infâmia que foram apanágio da campanha de 36, sobretudo do avanço das colunas franquistas pela Andaluzia e pela Estremadura.
A este título saíram este ano dezenas senão centenas de livros. Dessa massa gigantesca de publicações seleccionou-se uma meia dúzia de livros:
Na “Biblioteca 70 años”: La Última batalla (derrota de la republica en el Ebro) de Kim Amor; Los barcos del exílio” de Ada Simon e Emílio Calle; “Vitimas de la victoria” de Rafael Torres; “El Canto del Buho” de Alfonso Domingo (sobre a vida dos guerrilheiros antifranquistas que batalharam até 1949).
Na booklet: a terrível historia “Las trece rosas rojas” de Carlos Fonseca sobre as 13 raparigas (sete delas menores) que foram executada a 13 de Agosto de 39: finalmente “La batalla del Ebro” de Jorge Reverte.
Os leitores já têm material que chegue pelo que perdoarão que não se fale de livros portugueses. Na silly season até os editores descansam...

A equipa "farmaceutica" manda muitos cumprimentos ao antigo e distinto frequentador LC rogando-lhe que dê notícias.

Há gente que tem muita "lata"

«EU PESCO a mais. E só não pesco ainda mais quando não posso». António Silva Vieira, o armador português com maior número de barcos de pesca longínqua, não tem por regra respeitar quotas de capturas. Por feitos destes não só entrou na lista negra da UE como lhe chamam «pirata». «Pirata, não! Corsário», afirma em entrevista ao EXPRESSO. Nos seus barcos é «o presidente da República». Tem outro princípio - «Morrer e pagar são para retardar» - que aplica a certas contribuições para o Estado. Tranquilo, procurando a ironia, arranja uma justificação para os seus barcos navegarem com documentos desactualizados: «Não gosto de deitar fora documentação antiga». (Expresso deste Sábado).

Tribunal de Gondomar "chuta" Pinto da Costa

O 2º Juízo Cível do Tribunal de Gondomar recusa julgar uma acção que Pinto de Costa intentou contra o Estado português, reclamando uma indemnização de 50 mil euros pelo danos que alega ter sofrido na sequência da detenção no âmbito do processo "Apito Dourado". O argumento da juíza é que o tribunal cível é incompetente para julgar um facto que decorreu no âmbito de um inquérito criminal e que o foro apropriado é o tribunal administrativo. PInto da Costa vai recorrer da decisão.
(notícia de Nuno Miguel Maia, que faz manchete do JN deste Domingo)

"Super Mário" de volta aos golos

Mário Jardel, o artilheiro que tantas alegrias deu ao FCPorto e ao SportingCP, antes de entrar numa fase da vida em que tudo começou a correr mal, parece estar de volta. Depois de três anos a penar por aí, a engordar e a fazer mais sabe-se lá o quê, regressou a Portugal, pela mão de Augusto Inácio, para jogar no Beira-Mar. Este Sábado o craque brasileiro marcou o seu primeiro golo em jogos oficiais ao serviço da equipa de Aveiro. Logo na primeira jornada. Oxalá se mantenha assim: o homem e o jogador.

Sentido de responsabilidade

Lê-se no JN deste Domingo: "Os enfermeiros dos centros de saúde da Unidade de Saúde de Matosinhos iniciam amanhã uma greve por tempo indeterminado ao uso da farda amarela que lhes foi "imposta unilateralmente", anunciou o sindicato representativo dos profissionais (...)

Eu acho que esta é uma razão de peso para fazer uma greve, não acham? Ainda se fosse côr de rosa...

26 agosto 2006

matisse - mulher em frente à janela

a espera

havia apenas o mar nos olhos, uma vaga aflição e a espera amorosamente tecida nas canções, quando a lâmina tirou-lhe a voz da garganta e o oceano do peito. em um só golpe decepou-lhe a realidade e o sonho.

todas as justificativas para a dor são injustificadas quando o amor é óbvio e olha com olhos de esperança.

recapitulados os dias perfeitos, impecáveis, indescrití­veis dias de fascínio, nada mudou. como se um furacão de acontecimentos não a tivesse surpreendido.
"entre as quatro paredes do meu peito, só eu sei. só eu sei o que espero e o que desespero", foi a única pista rara vez sussurrada a alguém.

no mais, permanece sentada à mesma janela de sempre. diz coisas incompreensíveis vez em quando. lê um livro. ouve música. olha em torno como se acordasse do sono. entoa alguma canção qualquer, vai e volta, sorri, diz às pessoas coisas gentis, prováveis. mas permanece lá, nas noites inquietas, a conversar com ele que já não está .
a espera, o desespero, raramente visíveis.
na sala, no quarto , no corpo, em todo lado os sinais do sonho desfeito, que só ela sabe.


silvia chueire

Pornografia no trabalho - prova ilícita - depedimento ilícito

Notícia El Pais.es (25.08.2006)


La empresa decidió despedir al trabajador porque, entre el 22 de marzo y el 2 de abril de 2004, incurrió en faltas de asistencia y puntualidad, comió pipas durante 50 minutos y utilizó de forma irregular para fines privados el acceso a Internet, lo que fue determinante para rescindir el contrato.

La compañía utilizó un programa de seguimiento para comprobar qué hacía el trabajador en Internet. Por este sistema, averiguó que chateaba, consultaba su correo web personal y visualizaba vídeos pornográficos en horario laboral y durante siete días prácticamente consecutivos.

Un juzgado de lo social de Bilbao dio la razón a la empresa, pero el Tribunal Superior de Justicia (TSJ) del País Vasco se la quitó, por entender que la prueba utilizada para documentar el despido fue obtenida de forma ilícita.

Tras recordar que la empresa permitía la utilización de Internet con carácter particular y que no hizo advertencia alguna al trabajador, el TSJ del País Vasco estableció en su sentencia que la prueba obtenida vulneró el artículo 18 de la Constitución española. Dicho artículo regula el derecho al honor y a la intimidad personal y garantiza el secreto de las comunicaciones.

Ahora, el Tribunal Supremo avala la tesis del TSJ del País Vasco, que condenó a la empresa a readmitir al trabajador en el mismo puesto o a indemnizarle por los daños causados.

Los magistrados del Alto Tribunal recuerdan que en el presente caso existió autorización del empresario para el uso privado de Internet, al no haber una prohibición específica al respecto.

25 agosto 2006

Au bonheur des Dames nº29

Geração

Escreve-me um velho companheiro dos tempos de faculdade que ele não completou graças “à merda da tropa”. Felizmente, digo-lhe depois de o saber em confortável situação, rodeado de filhos (cinco!!!) e farta dose de netos. Mas o Zé Carlos, não era de filhos nem de netos que me escrevia. Em primeiro dizia-me, com a completa cegueira de uma velha amizade, que me lia e que me apreciava a prosa que vou extraindo das cansadas meninges. E a mulher também me lê mais duas filhas que os rapazes estão pouco para tais cavalgadas bloguistas.
E que recado me dava esse inesquecível companheiro duma Coimbra irrequieta e pouco respeitosa (lembras-te pá, diz-me ele, da bruta confusão de 69?, o que a malta se divertiu, acrescenta com o agrément da mulher, caloira e grevista assanhada, nessa altura)?
Oh lá se me lembro, companheiro, se me lembro. E não me puxes muito pela memória que ainda aqui sai uma daquelas tuas aventuras libertinas, o quartinho que alugaste na baixa e o uso que lhe davas.
Mas não era destas pequenas liberdades (tão grandes, enormes naquela altura) que o Zé Carlos me falava mas doutra coisa que resolve encomendar-me para o blogue. Fala da nossa geração pá, dos anos sessenta em Coimbra, penico das Beiras (esta é da minha lavra, mcr), que só tinha vantagem da malta estar a milhas da família, à vontade e sem horas de entrada em casa.
E dizia-me que lera o artigo do Vasco Pulido Valente, que gostara, que ficara espantado e não sei que mais. Pois também eu li, mano, li e reli. Eu, de vez em quando, dou uma bicada no VPV mas confesso aqui muito à puridade que faço parte do numeroso grupo de fãs daquela escrita luminosa, daquele estilo falsamente simples, inteligentemente simples, daquela argúcia rápida, daquele português que o torna provavelmente no melhor cronista destes últimos anos. Fosse eu de invejas e o VPV estava morto. O raio do homem de vez em quando irrita-me mas, mesmo nesses momentos, reconheço-lhe a coerência interna e a qualidade literária. Por mim o texto dele, na aparente secura, na sua brevidade já terá dito tudo o que havia a dizer. Mas o Zé Carlos conjura-me em nome de um par de vezes em que me emprestou o quartinho milagroso na Baixa, que diga de minha justiça. E a mulher, em post-scriptum telegráfico secunda-o.
Pois aí vai. E começa-se já pelo p.s. da Julinha. A nossa geração, ó caloirinha de 68/69, teve esse primeiro privilégio, assistiu e participou na libertação da mulher, na assumpção de uma nova maneira de estar na faculdade, no amor, na tomada de decisões. E por vezes com coisas tão inocentes como essa agora inimaginável: foi nos anos 60 que as raparigas universitárias puderam começar a usar calças!
E recordo a esse respeito uma anedota do mais verdadeiro que há. Uma rapariga entrou na Faculdade de Letras de calças. O egrégio director, avisado por um contínuo diligente, apanhou a prevaricadora portadora de calças e disse-lhe que assim não podia entrar. Ao que ela respondeu: se for caso disso tiro-as já! O Pimpão (esse mesmo) corou, esbracejou, olhou a turba multa que se ia juntando, engoliu a prosápia e foi para o gabinete. E as raparigas de Letras passaram a usar calças...
Já antes se tinham habituado a ir às Assembleias Magnas, aos cafés (cafés, digo, e não pastelarias) sozinhas ou com uma amiga. Isto a que ninguém hoje dará importância é anos sessenta. E iam ao cinema sem o viático dum chaperon. Claro que ainda havia montes de lares de freiras onde as meninas se recolhiam a salvo do macho latino estudante e coimbrão. Mas começava a haver raparigas que alugavam um apartamento ou uma casa para viverem autónomas. Isto é anos sessenta. Como é anos sessenta (e bem que eu o disse a uma senhora jornalista que inutilmente me entrevistou e gravou horas de conversa) a espantosa participação nas lutas estudantis, onde as vimos corajosas, combativas, solidárias, leais, ao lado (e não atrás) dos colegas, dos namorados, dos amigos.
Poderia dizer, porque é verdade, que essa foi uma década dourada na música portuguesa (o Zeca, o Zé Mário, o Sérgio, o Adriano fazem todos parte dessa época mesmo que se deva dizer que o Zeca é bastante mais velho; só que foi nos anos sessenta que ele se tornou no arauto da nova geração) e anglo-saxónica (ai meu Em Órbita) e que também por aí os novos tempos (Times they are a changin’ do Dylan) entravam nas nossas vidas com um ímpeto hoje insuspeitado. Good vibrations, mano e camarada, good vibrations!
Continuando a falar de quotidianos menos conhecidos, é provável que já ninguém recorde que foi (entre nós) no inicio da década que começaram a aparecer os snack-bares e pouco depois os self-services que vem modificar hábitos de consumo. E que, noticiava um jornal, uma mulher, num café do Porto, rapou dum cigarro e, pimba!, acendeu-o! E foi posta fora pelo imbecil do gerente. E a freguesia, indignada, fez greve ao café! Como em Coimbra a malta fez greve ao cinema até obter bilhetes mais baratos mediante apresentação do cartão da AAC. E assim se ia criando a ideia de uma força, da força da solidariedade, ou seja, sem o saber deitavamos a primeira pedra da tal “geração”. E começávamos a conhecer a malta do Porto e de Lisboa, a sair daquele espaço fechado, mesmo se de “lavados ares” que era Coimbra. A polícia ministerial e o policial ministério da Educação deu uma ajuda ao expulsar estudantes e fazê-los circular pelas diferentes universidades. Ah dias do Estudante em Lisboa, continuamente proibidos, os autocarros parados à entrada das cidades universitárias e a malta a pé um bom par de quilómetros (lembras-te Manuel Sousa Pereira da maior caminhada da tua vida, terminada entre vivas e effe erre ás na Praça da Republica? Lembras-te Emanuel Nunes, flor e honra da actual grande música portuguesa, da tua estreia em Coimbra, lisboeta perdido numa cidade desconhecida mas solidária que logo te recebeu com dois copos e uma festarola na “Pra-kis-tão” onde foste eleito “cabide” honorário?). Onde estarão as minhas amabilíssimas hospedeiras lisboetas, que me receberam e acolheram num apartamento sei lá eu onde quando fugia da polícia e receava ser identificado pela capa e batina, burrice supina para quem ia tratar de coisas sérias. E a roupa que me arranjaram para poder sair ir até à Cantina (nova na altura, hoje velha, onde até joguei brídege com um animoso grupo de grevistas, devidamente autorizados pelo Eurico de Figueiredo e o Jorge Sampaio!!! Depois de andar vestido de espantalho estou por tudo.
E a Casa dos Estudantes do Império, o Clube Universitário de Jazz, o Cineclube, as múltiplas manhas para nos reunirmos, juntarmos, para discutir e poder começar a pensar?
Não posso falar se não pelo que sei, pelo que vivi, mas não tenho rebuço em declarar que esses anos foram de formação me abriram imensas portas, algumas delas em falso mas isso é outra música, e os meus actuais gostos desde o jazz ao cinema, do teatro à poesia, nasceram ou cresceram todos nessa época em fartas doses de discos emprestados, de programas geniais de música que nos mantinham acordados pela noite fora, dos ciclos de teatro do CITAC, em Coimbra onde se via um concentrado do melhor que se fazia em Lisboa e no Porto, os concertos da Juventude Musical Portuguesa, a literatura cineclubista (literatura digo e repito em homenagem a Orlando de Carvalho que anos a fio escreveu sobre filmes com um gosto, uma finura e uma argúcia exemplares), as grandes revistas (Seara Nova, Vértice Tempo e o Modo, Almanaque) que se aguentavam apenas á base de vendas e assinaturas, perseguidas mas nunca vencidas (haviam de morrer quase todas já depois de 74, quando a possibilidade de fazer outras coisas mais imediatas destruiu quase completamente esse imenso associativismo cultural e cívico de círculos musicais, cineclubes, associações teatrais, teia robusta e imensa (vista hoje) que unificava gentes e terras e onde se aprendia a difícil tarefa da democracia e se experimentava a conviver em liberdade.
Acho, Zé C., que tivemos uma sorte do caraças. Apanhámos o boom do primeiro turismo, o fim do salazarismo, graças a uma cadeira que merecia ser beatifica pelos descrentes que ainda por aí andam. A guerra com todo o seu corteja de horrores e infâmias, permitiu a muito amigo e colega perceber coisas que nunca teria percebido não fosse o medo, a morte, “máfrica” (lembras-te?) e o a necessidade de entender aquilo. Também a prisão, o exílio, permitiram a tantos outros tentar perceber (olha aí está um título de um livro do Vasco). Eu declaro aqui uma dívida de gratidão ao senhor ministro que nos encomendou uma estadia em Caxias em 62. Aquilo foi uma segunda universidade, um treino para épocas piores, um relâmpago.
Eu não sei se concordas, mas estou em crer que foi nesses anos de vinho e rosas, de chumbo e ameaça, que paulatinamente substituímos o você pelo tu, que trocámos a gravata pela camisola de gola alta, a calça engomada pelos jeans, ou como o António Barreto gosta de dizer pudemos começar a usar calças de bombazina, que conforto!
Apetecia-me agora escrever um inteiro parágrafo com títulos de canções que nos iluminaram noites de insónia e de dança, mas receio cair na pieguice. Todavia a tua carta, relembra-me pelo menos esta que poderia ser um aviso, um slogan, um sinal. É que, ao escrever apressadamente este postal, fiquei com a ideia que, mesmo jarretas, mesmo avós, mesmo com mais barriga do que cabelo, estamos “on the road again”. Ou estaremos, se for preciso. Estão avisados!
PS: estava a pôr isto no blog e na TVapareceu um gajo a dizer que a ofensiva do Tet foi uma grande vitória americana e que as baixas vietcong foram dez vezes superiores às americanas: Valente besta! então este cretino não percebeu ainda, tantos anos depois que há vitórias que são derrotas? E não percebeu que, perdendo, os viets ganharam nesse dia, graças às televisões de todo o mundo, um claro mito de invencibilidade, de controlo do terreno, de heroísmo que aterrou a América? Estás a ver, Zé C. o que é ser geração 60? É não ser como aquele desgraçado comentador que ainda não percebeu nada de nada e que reduz tudo a números.

24 agosto 2006

Questões de nome

Fontes bem informadas garantem-me que Churchill continua na mira dos fundamentalistas antitabaco. Para além de já terem roubado o charuto ao homem, preparam-se agora para mais uma investida: ou ele muda de nome a título póstumo, ou é sumariamente riscado da história. É que consideram que, sendo Winston uma marca de cigarros, a simples referência ao ex-primeiro ministro britânico pode ser entendida como uma subtil publicidade à marca e um incentivo aos fumadores.

Lula de botox

Quem diria? O operário-presidente do Brasil, Lula da Silva, a pensar nas próximas eleições, já se esticou com três aplicações de botox. E eu que pensava que isso era só coisa de Castelos Brancos... A imprensa brasileira questiona agora quem paga as viagens e os tratamentos de Lula, de cada vez que se desloca a São Paulo.

Vieira’s show

Não sei se Luís Filipe Vieira vai ou não ser constituído arguido no processo da transferência de Mantorras (“deixem jogar o Mantorras!”, dizia Vieira nos tempos áureos do angolano) do Alverca – de que Vieira era presidente – para o Benfica – de que Vieira passou a ser presidente. Parece que desapareceu um milhão de contos no decurso do negócio. Coisa pouca para quem parece ter ganho muito dinheiro no comércio de pneus…

Como não leio o “24 Horas”, não sei o que lá vem. Só sei do estardalhaço que Vieira fez hoje perante a bajuladora comunicação social. A culminar as suas diatribes, Vieira foi recebido na redacção do “24 Horas” pelo director e pelo presidente da empresa proprietária do jornal, o omnipresente (no mundo da bola) Joaquim Oliveira. Será que lhe pediram desculpa? Recordo que Vieira chegou a irromper, ainda não há muito tempo, por um programa da SIC Notícias para se insurgir contra o que estava a ser dito pelos participantes habituais do programa.

Tanta subserviência e tanta promiscuidade até metem dó.

Os cartões clonados

A propósito dos casos vindos a público nos últimos dias sobre clonagem de cartões Multibanco, partilho com os leitores uma experiência vivida por mim no mês passado.

Fui contactado telefonicamente pelo meu banco, logo ao início da manhã, solicitando-me a entrega de um dos cartões de débito/crédito associados à conta, uma vez que esse cartão tinha sido identificado como possível alvo de cópia ou falsificação. Embora no balcão da agência não soubessem dar os esclarecimentos completos, porque isso só no “departamento de cartões” (!), tudo leva a crer que uma máquina ATM em que o cartão fora usado ao final da tarde do dia anterior – uma máquina isolada instalada num supermercado – tenha sido identificada como alvo de uma acção criminosa, pelo que o banco decidiu recolher de imediato os cartões utilizados nessa máquina ATM, evitando males maiores.

Embora não tenha havido qualquer tentativa de levantamento na minha conta, fiquei reconhecido ao meu banco pela prontidão da resposta face à situação verificada. De todo o modo, convém que nos mantenhamos alerta e tomemos os cuidados devidos. Sempre é o nosso dinheirinho…

Estes dias que passam 33

A ver se nos entendemos
(Grass, política á portuguesa, um epitáfio )

Em 1932, o “Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSSAP) chegou ao poder depois de ter obtido uma confortável maioria parlamentar. Nesse mesmo ano, um menino chamado Günter Grass celebrava o seu quinto aniversário.
Por outras palavras; até 1944, o jovem Grass não conheceu outro regime político que não fosse o regime nazi. Foi nele educado, nele cresceu até, naturalmente, e com 15 anos, se oferecer para fazer a guerra nos submarinos. Por razões que não interessam não foi aceite tendo aos 17 anos sido arregimentado numa divisão das Waffen SS, onde permaneceu escassíssimos meses senão só semanas até ser feito prisioneiro pelos americanos. Permaneceu preso até 1946. A partir de meados dos anos cinquenta começa a sua excepcional carreira literária.
Em 2006, a propósito do lançamento da sua autobiografia, Grass torna pública a sua participação nas Waffen SS. Convém todavia nunca esquecer que nunca tal participação fora negada e que era inclusivamente conhecida em restritos meios que nunca lhe deram qualquer importância pelo simples facto de efectivamente não poder entender-se que aos dezassete anos alguém possa ser considerado responsável pelas suas opções políticas. À uma porque é cedo demais para as ter, depois porque seria praticamente inconcebível que um jovem alemão nascido em Dantzig (a do corredor) e actual Gdansk polaca pudesse ser outra coisa do que um ardente patriota alemão de calções. Tanto mais que, como toda a gente sabe, ou deveria saber, a juventude alemã foi cuidadosamente enquadrada pelo regime, não constando que este último desse lugar e espaço à dúvida.
Tudo isto vem a propósito da reacção excessiva, imbecil, descabida e com claros desígnios políticos e literários, de atacar Grass pelo que pensaria e teria feito com uns miseráveis dezassete anos ainda a cheirar a cueiros, numa Alemanha em perdição, destruída, submetida ao inacreditável e paroxístico sistema de propaganda nazi.
Anda por aí muito embusteiro a arguir desculpas para a Leni Riefenstahl, para o Heidegger ou para o Furtwangler (que eram já claramente adultos quando Hitler chegou ao poder) pela sua descarada e declarada simpatia pelo Führer. Anda por aí muito patarata que ignora o filo-nazismo do ex rei de Inglaterra, Eduardo de Windsor ou do papá dos Kennedy, em tempos embaixador na Alemanha. Ou de um cavalheiro que, não sendo filo-nazi, não teve a coragem de abertamente o desafiar. Refiro-me ao Papa Pio XII, claro, já por mim aqui referido aquando de um estúpido ataque de um senhor judeu de que já não recordo o nome. A inteligentsia bem pensante e politicamente correcta, esquece o pacto germano-soviético, a posição dos partidos comunistas até à invasão da União Soviética, o cretinismo pacifista de franceses e ingleses em Munique.
Mas agora, que Grass fala dos seus tontos dezassete aninhos, ai meus Deus que vêm aí os maus! Fosse Grass um escritor de terceira, não tivesse ele andado a mijar fora do penico com o terrível e admirável “A passo de Caranguejo” e nada desta detestável polémica se levantaria. Agora até o centro Simon Wiesenthal, resolve dar um toque policial à sua actividade e vem pedir explicações e informações. Os chefes de brigada nunca morrem apenas se transformam.

2 Reina a indignação no petit monde político-jornalístico português: o senhor Presidente da Câmara de Setúbal, militante de longa data do PCP (conhecedor pois não só da história do seu partido mas também dos seus processos, da sua organização interna e das suas normas disciplinares que, ao que se saiba nunca terá contestado) foi alvo de uma decisão do seu partido. E a decisão traduz-se na perda de confiança política para continuar na presidência da câmara. O senhor sai, triste mas resignado. E mantém-se no partido em que milita. Triste mas resignado, novamente. De súbito uma onda de simpatia envolve o enérgico bolchevista que já levava 26 anos de dedicação á política autárquica e à política geral, à linha geral, do PCP. Fala-se já em estalinismo. Bem se vê que não sabem bem o que era o estalinismo. Chamar estalinismo a isto é chamar pneumonia a um ataque de tosse.
Todavia, pratiquemos um pouco mais sobre este caso. Ou melhor sobre as regras que num pais com um sistema de partidos, que só a estes concede a possibilidade de apresentar candidatos para a maioria dos cargos electivos (mas não para as Câmaras, há que dizê-lo, não vá alguém sair-me ao caminho). Eu tenho por mim, e em desacordo teórico com o meu caro confrade Carteiro, cuja opinião, respeitável, não partilho, que se alguém é eleito numa lista alargada em nome de um partido, não pode em consciência manter-se no cargo se entra em conflito claro com o mesmo partido. Lamento muito mas é assim que penso. E que vou agindo. Nas vezes em que entrei em conflito com alguém de quem dependia por razões de confiança política, saí pela esquerda baixa. O mesmo de resto fiz, enquanto alto funcionário público, sempre que entrei em colisão com a tutela. Continuo a pensar que a razão me pertencia, que a confiança política em mim depositada vinha –como de resto os meus superiores afirmavam – da minha competência técnica. Mesmo assim, ala que se faz tarde. E saí com notório prejuízo da minha vida profissional, do meu orgulho, do que eu pensava ser o meu bom nome junto de conhecidos e desconhecidos (que isto de uma pessoa se demitir traz sempre a ideia de que não há fumo sem fogo). Demiti-me e expliquei onde pude e com todos os pobres meios ao meu alcance, as minhas razões.
Aliás veja-se o caso, p.e., de uma lista de deputados. Por exemplo a de Lisboa. Será que o votante num determinado partido os conhece a todos? Será que, sobretudo, conhece os que irão de facto ser eleitos e permanecer no parlamento tendo em linha de conta outros eventuais mandatos, tarefas partidárias e políticas? Alguém que tenha votado o senhor engenheiro Sócrates, credo! (eu votei mas peço desculpa), esperava que ele fosse continuar quatro anos na Assembleia? Ou o dr Marques Mendes (credo!)? Ou os senhores Sousa e o patusco do CDS, de que me não lembra o nome, ou os inenarráveis bloquistas?
As listas por partido têm essa incómoda característica. Vem tudo no mesmo saco. É por essas e por outras que prefiro, enquanto votante, os círculos unipessoais, mesmo com o risco do caciquismo. Mas enquanto vivermos sob este regime há que dar-lhe todo o seu espaço e não estar continuamente a abrir excepções que o desfiguram e abastardam. Os jornais hoje trazem alguns exemplos colhidos, como não podia deixar de ser no PCP (já é mania!...) E sobretudo a diferença de sensibilidade mostrada pelo meu amigo Zé Barros Moura e por um doutor José Magalhães. O primeiro, saiu do partido e do rentável parlamento europeu. O segundo optou por ser independente, ainda que por pouco tempo pois logo a seguir apareceu sob as cores do PS.
Só para não perder o fio à meada, recordemos, um presidente imbatível de Mirandela que mudou de partido para ser candidato (felizmente) derrotado em Coimbra. Ou um rapaz muito ppd de Esposende que, desapossado do lugar de presidente substituto da Câmara, se passou, sem êxito para o PS local, que não teve vergonha em acolhê-lo e candidatá-lo.
E podia citar-se todo um rosário de casos idênticos, de atitudes, que só desanimam os poucos que ainda acreditam na honra de votar e na ainda maior honra de ser votado. Em Espanha, este fenómeno de transfuguismo político tem tido exemplos espantosos com consequências infamantes. Recordo um deputado de direita galego que provocou uma efémera derrota do seu partido na Galiza e uma tremenda vitória posterior do partido traído e abandonado. O mesmo ocorreu na eleição para a Junta de Castela onde dois trânsfugas socialistas pinguemente pagos deram a vitória à direita. Ou os casos emblemáticos de Marbella onde com pagamentos (altos, altíssimos, diga-se em abono da verdade mas não em defesa dos vendidos) se chegou a uma situação de banditismo capaz de fazer empalidecer os mafiosos sicilianos.
Eu percebo que esta minha opinião possa não ser partilhada, e não o é por pessoas que estimo e cuja trajectória política está acima de toda a suspeita como é o caso do confrade Carteiro que resolveu não alinhar com a atitude contemporizadora do seu partido no Marco de Canavezes. Mas, caro Carteiro, V. foi a excepção e não a regra, como muito bem Brecht observa na peça homónima. Na generalidade as passagens a independente trazem outra água no bico. E não é benta.

3 Morreu Vasco de Carvalho, episódico secretário geral do PCP num dos piores momentos da sua história. Expulso pelas más razões, nunca foi reabilitado como deveria ser. Que se saiba, portou-se honrosamente na prisão, sem trair nem denunciar. Também não renunciou às suas convicções políticas. Viveu do seu trabalho digna e pobremente. Não se queixou do destino ou da má sorte. Poderá haver melhor epitáfio do que este?
Haja um(a) leitor(a) que me acompanhe nesta pequeníssima homenagem a um homem trucidado pela história. Obrigado.

A não perder

Aconselho os perigosos reaccionários que nos lêem a visitar o www.tomarpartido.weblog.com.pt para dar uma olhada ao excelente texto de Jorge Ferreira: "Carta Aberta ao Camarada Vladimir".

23 agosto 2006

Israel, Israel...

Sei que ao escrever as linhas que se seguem haverá alguém a apontar-me um dedo vingador e definitivo e a votar-me às gemónias habituais que circulam com grande facilidade em meios politicamente correctos: anti sionista, anti semita e mais umas quantas qualificações de idêntico teor.
Paciência! Não vale sequer a pena desmentir porque os desmentidos deste género caem em saco roto e em orelhas moucas. Vamos pois direitos a questão.
A Amnistia Internacional acusou hoje o Estado de Israel de crimes contra a humanidade e de ter levado a cabo no Líbano uma guerra suja contra a população civil. E vá de referir (como eu próprio já aqui fiz ( cfr. Estes dias... 34; p.q.p. a guerra; antes de ir para férias; postais editados em Julho) os ataques a portos, a ponte no Norte, a estradas, a depósitos de petróleo, a carros manifestamente civis etc... Tudo isto, passe o desplante, me tinha parecido como algo de inconcebível como um claro e premeditado ataque à população civil, porventura com a estúpida ideia de que se esta sofresse muito, se viraria contra o Hezbollah! Pelos vistos o tiro saiu pela culatra e o Hezbollah conseguiu angariar ainda mais simpatias. Simpatias que se multiplicarão se este movimento conseguir reconstruir os edifícios, socorrer as famílias dos mortos e feridos e repor a normalidade nas zonas onde tem influência. Coisa que pelos vistos está a acontecer se é que os noticiários da TVE, TV5, Arte e RAI 1 são fidedignos.
Os leitores notarão que eu não falo de “reacção desproporcionada” de Israel na medida em que me parece um conceito muito pouco operacional e de difícil medição no terreno. Estou sim a falar de um crime claro contra civis, mesmo que estes sirvam de camuflagem aos guerrilheiros. Este conceito de responsabilidade dos civis foi muito bem trabalhado por um cavalheiro hoje em declínio, Mao Zedong, num celebre panfleto sobre a guerra revolucionária. O guerrilheiro dizia ele (na altura chamavam-lhe Mao Tse Tung) circula no meio do povo como um peixe na água. E Mao avisava que o risco da anti-guerrilha era exactamente tornar as massas um aliado objectivo do guerrilheiro.
Ora os cavalheiros israelitas parece que não lêem Mao e que já se esqueceram dos tempos em que praticavam alegremente o terrorismo na Palestina sob mandato inglês. Vai daí foram à bruta. Como, curiosa associação, os alemães em Lídice na Checoslováquia, ou em Oradour sur Glane em França, para vingar a morte de um patife no primeiro caso e de um par de soldados no segundo.
A segunda estação deste rosário de tristeza é a notícia fartamente glosada em vários meios de comunicação, mormente os grandes jornais americanos, de que esta campanha estava a ser preparada há meses, com beneplácito americano e que o rapto dos dois soldados foi apenas um (feliz) pretexto para desencadear a invasão. Aqui entramos em algo ainda mais desagradável e sinistro. Ou seja: a Real Politik, à modo do Médio Oriente. Temperada com um desprezo racista que ultrapassa os limites da má fé mesmo em Estados não democráticos.
A guerra que se travou resultou, para a opinião pública israelita e para a opinião dos soldados (e dos generais...) regressados da frente numa falsa vitória se é que não numa derrota. Nenhum dos objectivos políticos e militares de Israel foi alcançado: não enfraqueceu o Hezbollah, bem pelo contrario, não o afastou do resto da população libanesa, antes pelo contrário, não recuperou os seus soldados; não atemorizou o mundo árabe, piorou as suas relações com o Egipto e com A Jordânia, criou nos meios árabes a ideia (perigosíssima) que há que apoiar o Irão na sua política nuclear; irritou a Europa dos 25 e finalmente provou que Tsahal não é invencível e que os guerrilheiros se bateram taco a taco com os soldados israelitas que não só eram em maior número mas sobretudo dispunham de meios e armamento infinitamente superior. Esta última consequência é do ponto de vista estratégico um altíssimo risco para Israel cuja força militar era temida até agora.
Claro que a frente interna israelita também não está em bons lençóis: o governo acusado de ter lançado uma campanha sem objectivos claros, sem finalidade precisa, sem meios adequados como se viu sem conhecimento (por onde andará o Mossad, em tempos uma agência exemplar?) do espírito popular libanês, da posição dos cidadãos quanto ao Hezbollah, debate-se agora com acusações de corrupção, negociatas com acções no dia anterior ao ataque, assedio sexual – até o presidente da república! – além de má condução da guerra.
Como se tudo isto não bastasse um considerável número de organizações ecologistas vem agora acusar Israel de crime ecológico. E o caso não é para menos: as costas do Líbano e da síria foram atingidas pela maré negra que provavelmente também não poupará o sul da Turquia.
Entretanto que é que vamos lendo na imprensa nacional atacada até ao tutano pelo síndroma da silly season? Pois que uma senhora depois de ter lido um livro sobre o holocausto está de alma e coração com Israel. Não refiro por caridade o nome desta alma boa e por absoluta piedade (as férias dão-nos estômago para tudo) o único artigo que li da drª Muznick. Deprimente!
Como nota pessoal gostaria de acrescentar algo a que já teria feito referencia: uma das burrices dos alemães consistiu em pensar que todos os judeus porque “inferiores e sub-humanos”, não seriam capazes de lhes fazer frente. Foram e de que maneira! No ghetto de Varsóvia primeiro, nos campos e bosques da Lituânia e dos restantes países bálticos onde houve uma forte e estruturada guerrilha judaica, nas revoltas levadas a cabo no fim da guerra em vários campos de concentração onde esqueletos vivos e cadáveres adiados conseguiram tomar o controle e libertar o campo.
Ora os actuais israelitas também terão pensado que tudo o que é árabe é de terceira e que bastava mostrar dois tanques para semear o Líbano de botas de soldados em fuga. Chama-se a isto racismo, claro. E como de costume dá mau resultado. Como se viu!
Deixo aos meus leitores esta pequena (enorme) interrogação: o Ocidente, isto é nós, a quem o mundo muçulmano associa Israel, ganhou algo com esta guerra?

Um mundo de anjos


(imagem do velho Winston, ao que se supõe a lançar o charuto fora ,quando pressentiu que o mundo iria ser assim)

O mundo está entregue a idiotas. Primeiro, foi na Escócia. Mel Smith, na peça Allegiance: Winston Churchill e Michael Collins, onde interpreta o papel do antigo primeiro-ministro britânico, foi proibido de aparecer em cena com o chartuto que era a sua imagem de marca. Agora, um qualquer iluminado britânico, queixou-se à entidade reguladora, indignado pelo facto de haver cenas de Tom e Jerry em que estes aparecem a fumar. Coitadinhos dos meninos que, por isso, se sentiriam incentivados a fumar, sustenta aquela mente brilhante, que já levou a Turner, proprietária do canal, a eliminar as cenas criminosas de Tom e Jerry, antes que a entidade reguladora decidisse. Por este caminho, importantes cenas de grandes filmes que fazem a história do cinema serão igualmente amputadas. Basta que cheirem a tabaco. E, por este caminho, nas transmissões de jogos de futebol, serão cortadas as cenas com faltas mais graves, não vão os meninos sentirem-se incentivados à violência pelas atitudes dos seus ídolos. O que querem: um mundo de anjos? Bem. Sempre será melhor do que um mundo de idiotas.

Tiro nos pés

A Judite conta, no seu blog Tangerina Doce como foi, ontem à noite, na SIC-N: "Eduardo Cintra Torres estava a ser entrevistado pelo Mário Crespo a respeito do processo judicial que a RTP moveu contra o crítico de televisão. Eis senão quando, Luís Marinho, director da estação televisiva, pede para entrar em linha e conversar directamente com o entrevistado. Cintra Torres acede ao pedido de Crespo e segue-se um lavar de roupa suja, quase tão embaraçoso como o 'Fiel ou Infiel' (...)».

Não tenho acompanhado de perto a troca de acusações entre ECT e LM a propósito da cobertura que a RTP fez dos incêndios, mas parece que ainda vou a tempo de perceber, uma vez que a coisa promete ir parar aos tribunais. Mas há uma conclusão a retirar: leio nos vários blogs que o momento foi dos melhores que a TV mostrou nos últimos tempos. E, aqui, já Marinho começou a perder. Como é que o director de informação da RTP ofereceu à concorrência um tão bom momento de televisão?

Os controleiros no seu melhor

Carlos Sousa conquistou a Câmara de Setúbal para a CDU em 2001, depois de liderar durante alguns mandatos a vizinha autarquia de Palmela. Os analistas diziam na altura que o prestígio pela obra realizada em Palmela contribuiu para retirar a Câmara ao PS, fragilizado pelos últimos anos da gestão de Mata Cáceres, que tinha conduzido o município de Setúbal para uma situação de ruptura financeira. Aliás, Setúbal e Marco de Canaveses são as duas autarquias do país que chegaram a uma tal situação financeira que tiveram que recorrer a um plano de reequilíbrio financeiro tutelado pelo Governo.

Nas eleições de 2005, há menos de um ano, Carlos Sousa foi reeleito como presidente da Câmara, embora sem conseguir repetir a maioria absoluta que conquistara quatro anos antes. Agora, de forma estranhíssima, o PCP sobrepõe-se à vontade e ao interesse dos eleitores de Setúbal, que deram a vitória a Carlos Sousa em Outubro do ano passado, e obriga-o a resignar, acompanhado de um outro vereador, entregando o poder a outro membro da vereação (ver aqui).

Carlos Sousa meteu o pé na poça? Prevaricou? Cometeu alguma ilegalidade? Como o PCP já garantiu que a decisão nada tem a ver com a investigação desencadeada pela IGATS às reformas compulsivas na autarquia, fica-se com a sensação, se nada de relevante for revelado, que Carlos Sousa, vítima dos controleiros do partido, desobedeceu aos ditames dos sectores mais ortodoxos e isso terá sido suficiente para que o obrigassem a afastar-se, como se o aparelho do partido se pudesse sobrepor ao escrutínio legítimo feito pela população setubalense.

E se a moda pega?

22 agosto 2006

Férias para que te quero 5

(memória da praia antiga, dos filmes [com um recado ao MSP], da tendência necrológica da C.G., do “pobre B.B. vindo das negras florestas”
e da chuva abençoada, chuva simples de Verão)


Domingo

A casa que alugamos está, como eventualmente terei dito, a dois metros do mar quando a maré enche. O nosso pequeno pátio dá para uns rochedos que surpreendentemente atraem montes de pessoas. Hoje é um ruidoso grupo de rapazes, já por cima dos vinte anos, que gracejam e bebem cerveja misturada com laranjada. As cervejas repousam ainda fechadas num saco de plástico que está mergulhado. Falam alto, riem muito e lembram irresistivelmente “I Vitteloni” (“Os inúteis” entre nós, se não erro) um filme, dos mais antigos, mas tão bom como os restantes, do Fellini. Bem, lembrar irresistivelmente é, porventura, um exagero. Mas não sei porquê, ao fim de duas horas bem contadas de os ouvir, é o filme de Fellini que me vem à ideia. O já lembrado leitor Manuel Sousa Pereira apreciará esta referência ele que há dias me escrevia um e-mail (sobre um texto aqui publicado) falando em cinema para maiores de 60 anos! E de que quase só ele e eu gostaríamos. Falso, Manecas, falso. O bom cinema é para todos. O caso é que uma política f.d.p. de distribuição cinematográfica deixou há muito de passar cinema europeu. Só isso, companheiro. A questão é conseguir que seja passado. Ao menos na televisão, que diabo!

Segunda feira

As férias galegas estão a acabar. Hoje mesmo, começámos a despedir-nos das pessoas que, à força de as encontrar, ano após ano, na praia e na explanada da “Postiña”, já nos cumprimentamos, conversamos e prometemos encontro no Porto ou em Madrid. Desta vez foi dos Ortegas que nos despedimos. Eles porventura não sabem mas a Crazy Grazy lembrava-se deles por via de um netinho que vimos de colo se é que o não teremos adivinhado na barriga da mãe. Como nota curiosa, logo no primeiro dia, vimos o pequenino, os pais e o avô. Logo a C.G., sempre optimista, como se verá, aventou a morte da pobre Isabel Ortega. Felizmente, e como eu anunciara, a excelente senhora ressuscitou ao terceiro dia. Ressuscitaram igualmente alguns outros habitués da Postiña que também já tinham a o necrológio feito pela C.G. É claro que nisto de mortes ela acabará ganhando pois não consta que entre os nossos conhecidos de veraneio haja imortais... Púnhamos que a CG lhes antecipa o passamento com demasiado exagero e pressa.
Faz hoje, 14 de Agosto, 50 anos que Brecht morreu. Nunca o seu teatro esteve tão vivo, e a sua poesia tão certeira. A Alemanha oriental que ele conheceu e que o desesperava (há poemas terríveis sobre isso) já não existe e ainda bem, que aquilo era intolerável. Em contrapartida tenho ideia de que se Brecht pudesse ver Berlim agora, gostaria dessa cidade renascida, efervescente e ao mesmo tempo tão variada como no seu tempo.
Os incêndios vão sendo vencidos. Para lá de todas as teorias que se levantaram quanto à sua origem, uma há que parece tola e a destempo. Alguém com responsabilidades políticas na Xunta, ou no Governo central, resolveu acusar “elementos dos corpos de bombeiros” que não tendo este ano sido contratados, se deram ao gosto de incendiar. A história não só não parece consistente como até será contraproducente. Efectivamente, o actual poder político regional terá exigido dos candidatos a bombeiro a obrigatoriedade de falar galego. Ora aqui está como o delírio nacionalista pode ser imbecil. Que peçam aos bombeiros competência contra o fogo percebe-se. Que façam dos seus conhecimentos linguísticos (numa terra absolutamente bilingue) o elemento essencial do contrato é que é pasmoso. E caro, como se viu!
E acabam as férias galegas. Para o ano há mais. Anunciam-se chuvas que nunca tão bem-vindas serão.

Voltou a chuva.
Não volta do céu
ou do oeste
Volta da minha infância
A noite abriu-se, um trovão
comoveu-a, o som
varreu as solidões,
e então
chegou a chuva
da minha infância,
Primeiro
numa rajada
colérica,
depois
como a cauda
molhada
de um planeta
......
um espaçoso golpe
de pétalas escuras
na noite
...
um manto tempestuoso
caindo
no silêncio,
a chuva
mar de cima
rosa fresca
nua
voz do céu,
violino negro,
formosura,
amo-te
desde menino,
não porque sejas boa,
mas tão só pela tua beleza.
.....

Pablo Neruda: excerto de Oda a la lluvia, in Odas Elementales, Losada, Buenos Aires,1958 (tradução de mcr)





A guerra que tu já ganhaste, rapaz.


Claro, rapaz, que tu já ganhaste a guerra que tens comigo. Começaste a ganhá-la precisamente no 11 de Setembro, quando as Torres Gémeas foram arrasadas pelos aviões que os teus irmãos sinistramente conduziam, num imenso desprezo pela vida, pela vida deles e pela minha e pela de todos aqueles que gostamos de viver.

Recordo-me que o meu filho estava comigo nesse dia, que acordou mais cedo do que eu, que me foi acordar na sua perplexidade pelo terror, siderado à frente da televisão. Pequeno ainda, ele não sabia bem se aquilo era uma cena real, ou se era o Rambo a desoras, e eu, crescido mas ainda pouco afeito ao terror que via, também fiquei uns minutos mal acordado a tentar perceber se aquilo era notícia ou uma reprise actualizada de Orson Welles. Era verdade, rapaz, e, aí, percebi que estavamos em guerra e que tu conseguiste ganhá-la.

Não sei se algum dia iremos encontrar-nos. Espero que não. Mas eu sei que tu andas por aí. Talvez eu te veja por aí e não saiba quem és. Mas tu conheces-me. E conheces muitos outros. Para ti, somos todos iguais, inimigos na igualdade, inimigos apenas porque não te percebemos, nem louvamos a tua vocação de mártir, nem partilhamos contigo as mesmas crenças, nem queremos que tu as estabeleças entre nós. Crês num Deus? Eu também. E muitos outros também. Eu não tenho a pretensão de que o meu Deus seja melhor do que o teu. Mas concede-me o direito de não ser obrigado, à lei da bomba, a ter de aceitar que o teu Deus é melhor do que o meu. Fiquemos assim: tu ficas com o teu Deus. Eu fico com o meu. Eu respeito o teu. Tu respeitas o meu. E deixemos as bombas fora disto, porque eu não acredito que o teu Deus ou o meu gostem de bombas.

Olha, rapaz. Eu juro que nunca assinei um qualquer documento a protestar contra as atrocidades que vocês, em nome do vosso Deus, praticam contra as mulheres muçulmanas, contra os pequenos ladrões muçulmanos, contra os direitos básicos do teu povo. Sou contra, claro, mas acho que não devo meter-me nas vossas crenças. Quem costuma assinar essas coisas, é a esquerda, a mesma esquerda que é tão tolerante com aquilo que tu fazes em nome de um Deus em que ela acredita ainda menos do que eu. E posso até garantir-te que, se um dia, por um qualquer motivo, tivesse de ir viver para o teu país ou para um qualquer outro do género, eu seria um seguidor das regras que, não sendo minhas, teria de aceitar como minhas. Posso dizer-te mais: eu não vivo satisfeito com este caminho de "infiéis", onde tantas vezes me sinto pouco à vontade. Não gosto deste mundo de famílias desfeitas, de crianças largadas ao mundo, de leviandades sem nome, deste mundo corrupto que não sei onde nos leva. Mas é o meu mundo. E é um mundo onde tu podes viver, se quiseres, se te adaptares, se aceitares as regras. Não tens é o direito de querer mudá-lo, contra a vontade dos que cá estão. Ou melhor: até podes ajudar a mudá-lo, desde que não seja à força das bombas e desde que não seja para regressar ao tempo da barbárie.

Por tua causa, rapaz, por causa das bombas que alegremente trazes coladas ao corpo, prontas para rebentarem a qualquer momento no teu desejo de martírio e de agradares ao teu Deus que provavelmente chora com o que fazes, a minha vida já não é o que era. Tu fazes-me medo a toda a hora, sobretudo quando estou num sítio onde há muitas pessoas. Por tua causa, evito andar de avião. Por tua causa, tenho pesadelos por causa dos meus filhos, e dos meus pais, e dos meus amigos, e dos que não conheço mas que não têm culpa de nada. Por tudo isto, rapaz, é que eu acho que já ganhaste a guerra. Só não sei é como tudo isto vai acabar.

(olha, se isto te faz contente, a casa onde vivo foi comprada a um iraniano que gostava de mármores e em quem confiei)

PGR: PS não quer consenso com o PSD

NOTÍCIA DN, esta terça-feira

O Partido Socialista não está disponível para chegar a qualquer consenso com o PSD em torno do nome ou do perfil do próximo procurador-geral da República. Ao DN, Vitalino Canas diz que "o Governo e o Presidente da República farão aquilo que a Constituição diz. O PR nomeia, sob proposta do Governo".O deputado e porta-voz do PS fecha assim a porta à proposta lançada por Eduardo Azevedo Soares, vice-presidente do PSD, na Festa do Pontal. Ao pedido laranja, Vitalino Canas reage: "É pena que o PSD só se lembre dos consensos agora". Para o deputado, a ideia não faz sentido, apesar de no passado a escolha já ter sido alvo de acordos entre os dois maiores partidos do sistema político, aqueles que podem, só por si, rever a Constituição (...)
(Já agora, convém ler o Editorial de Eduardo Dâmaso, também no DN, sobre esta matéria)

21 agosto 2006

As férias…que já se foram!

Regressado de férias há alguns dias, e depois de ter lido o que se foi escrevendo por cá neste entretanto (como gostava de ter ido com o MCR e mais uns amigos por umas tapas e uns pescados à Galiza!), deixo aqui as minhas referências aos in’s e out’s (pretensiosismo bacoco) das minhas três semanas e meio de descanso, divididas entre o Algarve, o Marco de Canaveses e o Porto:

In

Férias em finais de Julho – menos gente, mais espaço e mais tranquilidade

A companhia dos amigos (além da família, claro está)

As praias e as esplanadas – o pôr-do-sol com uma cerveja na mesa torna-se ainda mais deslumbrante

A gastronomia algarvia – da serra e dos mares

O jantar do “Conselho de Administração do Incursões”, com mais uns assistentes como convivas, num restaurante da Ilha de Faro debruçado sobre a ria Formosa

A grata investida em praias do litoral norte – Moledo (sem convite para o picnic do MCR) e Pedras do Corgo, em Lavra – Matosinhos (há quantos anos não me acercava da cervejaria Paradise!)

A exposição de fotografia sobre o rio Ovelha, em Marco de Canaveses – mais uma iniciativa da associação ambientalista que luta pela preservação e valorização daquele afluente do Tâmega

Out

O péssimo acesso à magnífica praia do Barranco das Belharucas, ao lado de Olhos de Água – ali começa a longa praia que se estende até Vilamoura. O mau acesso é para castigar quem? O mais elevado magistrado?

O desencanto com alguns restaurantes no Algarve – no La Cigalle, em Olhos de Água, quase fomos corridos da sala para fora e no restaurante de Querença faltou o serviço de outros tempos para acompanhar os pratos da serra algarvia

A “tia” Cinha Jardim – os botox’s e as plásticas já não escondem o essencial, não é carteiro amigo?

Diário Político 25

Da má fé, do mau gosto na boca depois de uma borracheira, da traição, da cobardia e de outras coisas igualmente detestáveis

Anda por aí uma polémica entre dois cavalheiros que terão passado por distintos grupos maoístas. A causa acidental terá sido a edição de um livreco onde um dos contrincantes narra a sua história da carochinha.
A criatura terá entrado num pequeno grupo maoísta ainda em tempos do Estado Novo. Terá sido presa. Terá sofrido maus tratos da polícia política (coisa obviamente a requerer prova efectiva dos factos...). Terá em função disso “falado”. Ou como se diz na tropa: borregou. E borregou ao que parece, forte e feio. Não fez apenas confirmações quanto à sua actividade, coisa aborrecida mas, enfim, desculpável em quem provavelmente teria escassa formação política e ideológica. Parece que denunciou camaradas. Que terão, ou não, sido presos, o que pouco importa, tanto mais que a polícia nem sempre ia atrás dos recém identificados.
Posteriormente passou a ser “confidente” da polícia política, “informador”, quiçá provocador até. Desconheço, porque me recuso a sujar o olho no seu patético livro, se era pago pela tarefa de espiar outros jovens como ele tinha sido.
Em chegado o 25 de Abril, terá sido descoberto e preso. Que maldade! Prenderem um “bufo” por denunciar, espiar, camaradas e amigos! Já não há justiça!
Entretanto a criatura, ou lá o que é, parece sentir à sua volta um toque de reprovação social.
Logo ela, a criatura, que na cadeia ou até antes, teve, como os pastorinhos a revelação do mal execrável que era o comunismo, o maoísmo, o stalinismo, o bolchevismo, e mais uns tantos ou quantos ismos que os leitores quiserem acrescentar. Mal execrável esse que parece justificar a traição, o jogo do esconde e aponta, o amancebamento com a PIDE & similares!
Indo por pontos:
Quem não sabe não se estabelece. Trocando em miúdos: quem acha que a acção política clandestina tem riscos graves (a prisão, a tortura, a morte até) toca viola em casa, faz renda de bilros ou assobia para o lado.
Quando esse alguém é um estudante universitário, com o mínimo de cultura que na época era suposto ter a coisa ainda piora porquanto não se desconheciam os riscos da acção política legal ou ilegal. Eram conhecidos! Havia livros e manuais, lembremos apenas o “Se fores preso, camarada” ou as descrições maoísantes da gesta prisional dos seus principais dirigentes então em Peniche. Era conhecida a luta destes contra os “rachados”. A rapaziada “m-l”, então, andava sempre com isso na boca para arrear forte e feio nos “revisas” do PCP. A cultura de esquerda em Portugal (até em Portugal...) mamava nos romances heróicos de Aragon (Les Communistes) de Jorge Amado (Os subterrâneos da liberdade) nos portugueses que copiavam o neo-realismo italiano e que eles também faziam a apologia do heroísmo frente à polícia e a condenação da delação.
Enfim e para não se gastar mais papel com tão ruim defunto, quem estas traça teve o azar de conhecer a prisão por mais de uma vez, de lá dentro ter sido confrontado com declarações que o implicavam, com declarações que até o implicavam em coisas jamais feitas. Teve também o azar de, numa salinha esconsa do último andar da Rª António Maria Cardoso, sob o olhar atento e benevolente da matilha policial, passar alguns dias sem dormir e sem se sentar ou deitar. Por sorte, por convicção, por respeito e por vergonha futura, não prestou declarações. Não confirmou acusações e muito menos delatou quem quer que fosse. Teve sorte, muita sorte. Se calhar mais um dia ou dois e pimba!, toma lá nomes, datas, pseudónimos, e tudo o resto. Todavia para além da sorte (inegável) sabia duas coisas:
à polícia e aos costumes diz-se nada.
O respeito por nós impede-nos de ser, como dizia Antero, um esgoto moral.
E tinha obviamente a sensação, exaltante e esmagadora, de ter lá fora gente que amava, que o estimava, que o respeitava, que confiava nele e que sofria por ele.
Quem estas escreve passou pelos alvores do maoísmo português. Meteu-se nessa guerra, foi “controlado”, controlou outros camaradas, viu caírem companheiros, camaradas e amigos e teve sempre a certeza que não o delatariam. Recebeu festiva, terna e comovidamente muitos que vinham das prisões. Nunca lhe passou pela cabeça que, fosse qual fosse, o seu comportamento diante da polícia, eles sequer pensassem em espiar por conta daquela, por dinheiro ou por fé recentemente adquirida, pelo sindroma de Estocolmo ou por outra coisa parecida.
Saiu do maoísmo discretamente depois de saber um par de coisas desagradáveis ocorridas durante a “grande revolução cultural e proletária”. Continuou o combate político mais só, mais triste, mais desenganado mas com a mesma determinação. É que de um lado estavam as vítimas e de outro os carrascos. Não havia escolha possível.
Um famoso revolucionário russo, um dos primeiros membros do CC do partido comunista (b) da Rússia, foi como quase todos os seus camaradas acusado pela clique de Stalin de ser um traidor. Como tinha origens proletárias, um passado heróico, deram-lhe a hipótese de se retratar e assim evitar a condenação num dos famosos processos de Moscovo. A sua resposta, simples e exemplar foi esta: Digam ao camarada Stalin que tenho sessenta anos de idade e quarenta e cinco de revolucionário. Não me parece ser esta a boa ocasião para estragar a minha biografia.
Foi julgado, condenado e executado.
Em Caxias em 1971, tinha essa frase na cabeça, no coração e nas restantes vísceras transidas de medo. Mas maior, como no poema de Fernando Pessoa, era “a vontade que me atava ao leme”. E a porra da biografia que eu queria estimada e sem nódoas.
E o que agora digo, aconteceu à imensa maioria dos que se viram nestes mesmos e negregados trabalhos. Ou seja: nem sequer tive o privilégio de ser excepção à regra. E é isso a nossa honra. A nossa pequena, humilde, reconfortante vitória.

...e mais que o mostrengo que me a alma teme
e roda nas trevas do fim do mundo
manda a vontade que me ata ao leme
de el-rei D João segundo.


...Trairei amanhã, hoje não,
amanhã.
É preciso uma noite para me resolver,
....
para renegar, para abjurar, para trair.
Para renegar os meus amigos,
Para abjurar o pão e o vinho,
Para trair a vida,
Para morrer.
....”



o segundo excerto pertence ao último poema de Marianne Cohn, fusilada aos 23 anos (in Vértice, nº 40-42, Vol III, Dezembro de 1946

Ora continuem lá a dizer que eu sou contra o MP...

Lê-se no PD. Caso para dizer: bora lá arranjar alguém que não incomode!

"A justiça portuguesa precisa de "tranquilidade" e é necessário "bom-senso entre o Governo e a oposição" na escolha do próximo procurador-geral da República (PGR). Este apelo lançado, na noite de sábado junto à praia de Quarteira, pelo vice-presidente do PSD Azevedo Soares acabou por marcar o jantar da Festa do Pontal, que este ano se transferiu para esta cidade do concelho de Loulé."

Aturem-me lá um bocadinho...

Sinto que alguma coisa estranha está a acontecer. Coisas da idade, suponho. Mas, esta noite, noite baça, prelúdio do dia quente que os meteorologistas anunciam, senti-me cansado da cidade, incomodam-me as luzes tristemente desfocadas sobre o rio, com a noção exacta do autómato urbano em que me transformei à custa de rotinas desmazeladas.

Presumo que seja coisa passageira. Uma espécie de luto pelo fim, hoje mesmo, do sítio onde janto habitualmente, no Arrábida Shoping, aquela imensa passerelle à frente do cinema, que me ajudava a simular que estava sempre no centro do mundo. Eu não consegui pôr fim à rotina, mas o eng. Belmiro fez as coisas por mim. Ponto final. O homem mandou arrasar a parede, alargou o shoping, acabou com os restaurantes naquela zona e, no último dia do mês, quem quiser jantar vai para a zona nova, assim mesmo, uma despersonalizada praça da alimentação onde ao que parece terei de andar com o tabuleiro na mão à procura de um sítio onde me possa sentar. E comer. E ler os jornais. E fumar. E ver as miúdas.

Não sei se aguento. Atentemos no facto: depois de muitos anos a viver na cidade, apenas consegui perder o sotaque. As raízes ficaram. As raízes do provinciano que nunca quis deixar de o ser. Plantei a minha vida sobre o facto. E o facto tramou-me, num mundo que não se compadece com provincianos. Confesso: sempre gostei de alguma luzes. De alguma ribalta. De ter palco. Mas, também é verdade, sempre achei que todas essas coisas só fazem sentido quando são merecidas, quando se faz alguma coisa por isso. Não me apetece o palco só porque existo, ou porque escondo as raízes e pinto a cara com cores que não são as minhas. Sintetizando: ser conhecido nunca foi o meu objectivo - prefiro ser reconhecido. O que torna tudo mais difícil. Muito mais difícil.

Mas voltemos à noite de hoje. Pensei várias coisas. Uma delas, é que preciso de trocar de carro. Outra: preciso de tornar a minha casa mais acolhedora. Ok. Nada de novo. O que verdadeiramente me impressionou, é que tive uma vontade incontornável de comprar uma casinha pequena num sítio pequeno, numa aldeia inexplorada de fins-de-semana pacatos. Um sítio onde, apesar de tudo, possa comprar o jornal e onde haja um café que me garanta comidas simples e onde não tenha de andar com o tabuleiro na mão.

O assunto é grave. Esta repentina vontade de sossego só pode significar que o tempo tem passado (ou será que desisti?). Mas isso é uma coisa a que ninguém pode fugir, pois não?

Estes dias que passam 32

Antes que me esqueça

Parece que o dr. Marcelo Caetano nasceu há cem anos. É uma efeméride que talvez me não suscitasse grande vontade de escrever não fora dar-se o caso de a RTP ter resolvido fazer uma longa reportagem sobre o último e malogrado Presidente do Conselho do Estado Novo. Não vale a pena estar aqui a indicar as asneiras factuais (eu aqui no blog já me enganei um bom par de vezes quando conto alguma história com foros de verdade nua e crua. Porém um blog é um blog e não a principal televisão pública do país…). Realço apenas uma espantosa e que me toca: o ano de 69! O annus horribilis de Caetano. Ora a querida RTP fala, en passant, dum crise académica de 69 em Lisboa sem sequer, ao menos, lhe juntar Coimbra onde de facto houve uma crise.
A crise de 69 (em Coimbra) foi a única em que uma greve aos exames resultou, que acabou com um ministro (Hermano Saraiva) obrigado a demitir-se, foi a única que fez o poder recuar libertando estudantes presos e reenviando para Coimbra todos (suponho) os estudantes incorporados á força no exército como castigo pela sua actividade politica e associativa. Foi também a única greve que levou à demissão de um reitor e à sua substituição por um professor prestigiado, que obteve o beneplácito dos estudantes (caso único ao que sei em greves estudantis portuguesas).
Marcelo Caetano foi, e ninguém o nega, um excelente especialista de direito Administrativo e um reitor da Universidade de Lisboa que teve a ousadia de se demitir por discordar da politica repressiva levada a cabo pelo governo da altura.
Como politico foi sempre medíocre, quer seja como Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa, onde não ousou sequer organizá-la convenientemente, quer como Ministro da Presidência de Salazar onde foi insignificante. Quando finalmente foi chamado a desempenhar o cargo de Primeiro Ministro foi pobremente cinzento. Despertou alguma curiosidade, pouquíssimas esperanças (logo desvanecidas) e mesmo o famoso programa económico do seu consulado ficou aquém do que poderia e deveria ter feito. Nesse ponto não teve o arrojo da Opus Dei espanhola chegada ao poder no pais vizinho em 62 (seis anos antes de Caetano!!!). Hoje em dia parece que os comentadores benévolos de Caetano esqueceram o ambiente económico da Europa nessa época. Talvez assim percebessem melhor as razões da politica desenvolvimentista (!!??) de Caetano.
O último ponto que cumpre assinalar no panegírico de Caetano é o da sua propensão a usar a televisão (as chatíssimas “conversas em família”). Caetano seguiu o exemplo, entre outros, de De Gaule que sabia (e de que maneira!) usar a televisão. Não inovou, portanto, e foi sempre baço nessa tarefa. Via-se à légua que estava a ler um texto sem chama nem entusiasmo. Nem vontade de convencer os espectadores…
Tem pouco a pouco vindo a afirmar-se, neste país, a ideia peregrina de valorizar o desastre de quarenta e muitos anos de chumbo, quer mantendo a ideia de que o regime republicano arruinara o país (como se os dois últimos decénios da monarquia não tivessem sido o que foram…), quer tentando usar o argumento da falta de autoridade, de civismo, de segurança que ora se cola aos tempos que correm. Como se o civismo tivesse sido moeda corrente no regime anterior! Quanto á autoridade e segurança têm toda a razão: havia muita e muito forte. Um outro ponto que já vi também brandido pelos saudosos órfãos de Salazar é o da corrupção. Segundo estas alminhas inocentes isso era chão que não dava uvas nos quarenta, cinquenta e sessenta. Dava, estejam descansados, havia corrupção á fartazana. Com uma diferença: não vinha nos jornais. Como também não vinha mais nada, nem sequer as (poucas) viagens do Dr. Oliveira Salazar pelo pais. Não só não eram publicitadas como também só depois de efectuadas é que o pagode sabia que Sª. Ex.ª tinha estado em Alguidares de Baixo. Era até por isso que chamavam ao homem o “Esteves” (de esteve, estão a ver?). Os ditadores, na versão lusitana e cavernícola, temiam os atentados e não poupavam nas cautelas.

P.S. que não tem nada a ver: o ditador Stroessner, trinta e cinco anos de impunidade criminosa, morreu tranquilamente na sua cama em Brasília, com noventa e tal anos. O Paraguai, em tempos próspero, continua na miséria.

20 agosto 2006

Será que os advogados mandam alguma coisa?

Diz o CORREIO DA MANHÃ, hoje, domingo:

Os juízes admitem que os processos estiveram parados em Julho, os funcionários judiciais confirmam e os advogados não têm dúvidas de que foram os mais prejudicados com a nova lei que reduziu as férias judiciais de Verão ao mês de Agosto.

Diz o SINE DIA (Maia Costa), um destes dias:

Aliás, uma análise objectiva da "produtividade" da redução das férias nunca poderá ser feita por uma das partes "interessadas", não é verdade?
E não me enganarei muito se predisser que esta "importante alteração legislativa" ainda vai ser revista por pressão... dos advogados.

19 agosto 2006

Férias para que te quero 4

(de bandeiras, de picnics, do trisavô e de meninos
(dos que fomos e dos que estão a chegar))
Quinta feira

Os incêndios estão para durar segundo diz o jornal. Todavia a praia estava menos sombria, havia mesmo sol, avistavam-se a margem sul e Portonovo, pelo que espero que as pessoas comecem a ganhar esta batalha temível. Pelo menos, e isso é um bonito gesto, apareceu pela região autonómica o primeiro ministro declarando que vinha assumir todas as responsabilidades. Eu, que não sou um fã incondicional de Zapatero, tenho que lhe louvar a dignidade. E também não sendo um patriotaço como já por várias vezes aqui declarei, devo dizer que me tocou e orgulhou a presença de bombeiros portugueses chegados para ajudar. E gostei de ver a bandeira nos autotanques e nos restantes equipamentos. Esta bandeira vale cem golos, perdoarão a insistência.

Sexta-feira
Os incêndios não acabaram. Mudaram apenas de sítio mas isso explica que a cinza já não apareça tanto, e que o ar que se respira seja menos pesado. De todo o modo há pelo menos duas cidades importantes com o fogo a chegar às casas: Ourense e Santiago. As coisas são de tal modo que começo a pensar se nisto não andará mão organizada. Com que fins é difícil sabê-lo, e é isso que me contém as convicções. Mas que estes fogos começam sempre da mesma maneira, nas zonas mais inacessíveis para abrir caminho até povoações disso já não restam dúvidas. E de todo o modo os fogos são ajudados por dois factores: o vento de nordeste que de dia quase se não sente e à noite aumenta de intensidade, e a desbragada plantação de eucaliptos cujas copas ardem violentamente propagando assim com extraordinária rapidez as chamas vorazes. Se o primeiro factor não pode ser controlado (no Verão e nas zonas costeiras ocidentais da península o vento sopra geralmente do quadrante norte, a “nortada rija” que me recorda a Figueira natal...) já o segundo é única e exclusivamente obra do homem. Além de secarem tudo à sua volta os eucaliptos precisam de fogo para crescer e renovar-se. É claro que a plantação selvagem e desregrada deles e o abate das espécies indígenas tem consequências temíveis e que já se conhecem.
Todavia deixemos este tema, e passemos, a outros mais amáveis: por exemplo a praia e as multidões que agora, num frenesi desesperado, percorrem a beira mar a marchas quase forçadas. Alguém terá dito às criaturas que andar pelo areal faz bem. Vai daí isto parece a olimpíada da terceira idade. Não param! Avançam em pequenos grupos, em passo estugado, ar concentrado, como se só assim gozassem a praia. Como se com um par de quilómetros na areia fossem a absolvição de onze meses de falta de movimento. Como se o stress urbano, o ir para todo o lado de carro, pudessem ser compensados com duas semanas de passeios matutinos à beira mar. Tanto mais que não são passeios, mas marchas determinadas e forçadas a meio trote. Isto para já não falar nos solitários que percorrem o areal raivosamente, sozinhos, com auscultadores nos ouvidos. Para eles nem sequer o existe o barulho da rebentação, os gritos da miudagem, só uma meta longínqua, o fim da praia, a meia volta e o recomeço desse jogging desigual sob o sol inclemente do Verão.

sábado
Contra todos os hábitos de cavalheiro civilizado que, ao ver-se chegado a uma idade respeitável, já não dispensa as suas pequenas comodidades, transigi em participar de um picnic que os meus velhos amigos (e amigas, pois claro!) veraneantes da praia de Moledo, a que me ligam tão boas, e tão exaltantes, recordações, todos os anos organizam. Também eles acusam o peso dos anos e o gosto pelo conforto. O picnic ocorreu na casa da Isabel e do Manel “electricista”, havia cadeiras, muito comida (e boa!) e a excelente conversa do costume. E uma excelente piscina para um mergulho pela tardinha para abrir um apetite entorpecido pelos, como já se disse, muitos e excelentes pitéus. Como dizia o António Martins, outro dos convivas, chegámos demasiado depressa à idade do desperdício. Tendo comido como abades, a mesa continuava cheia de coisas boas que davam para mais dois encontros destes. Como as minhas pacientíssimas leitoras terão adivinhado isto passa-se com um grupo de pessoas de esquerda que, apesar de tudo, lá vai tentando manter viva a chama de há vinte, trinta ou mais anos, quando corríamos à frente da polícia, como bem lembrou uma ex-cliente minha surgida do nebuloso ano de 1972 ou 73 quando ela estava acusada de distúrbios na universidade e eu advogadinho fresco e com o sangue na guelra a defendia e a mais umas dezenas de colegas. Foi bom ver-te, ó caloira ignorante mas insurrecta, mais indignada que revolucionária, foi bom ver-vos amici miei (faltaram o Carlos Brandão e o Manuel Sousa Pereira, mas enfim, não se pode ter tudo). Foi bom ver o João Simas babado com a hipótese breve de um rebento, foi bom ver a Rosa Lu, última descendente (até ao momento!) dos Azinheiras, oito meses feitos, nada e criada no meu Berlim, no Berlim do trisavô Ernst Richard Heinzelmann. Rosa Lu (ou Lou?) que nome tão prometedor! Em tempos que também já passaram, o Manuel Simas, o Anto e este que estas traça, com muitos outros, fundaram uma editora que se estreou publicando a “Praça da Canção” do Alegre e o famoso “Partido, massas e sindicatos” da Rosa Luxemburgo. Fã que sou de Nietzsche e de Rilke se este Lu da azinheirinha for Lou lá está uma bela homenagem a Lou Andreas Salomé. E vai tudo dar ao mesmo!

...los niños.

Sus ojos como absortos
Qye nos miran, envuelven.
La tremenda confianza en nosotros!

Los niños increíbles
Que ahí están, como nada,
Y nos miran, nos miran...
...pensemos en los niños.
Un silêncio espectante
Reluce en esos quietos ojos interrogantes.

Gabriel Celaya: excerto de “los niños miran de frente” in “Cantos Iberos” 1954