31 dezembro 2007

Au Bonheur des Dames 105


mcr não tem emenda
e sai do ano assim

Um ano sai, outro entra ou, pelo menos é isso que dizem. Como se os anos, o tempo, soubessem entrar e sair. Nem nós sabemos. Convencionou-se todavia que daqui a um par de horas muda tudo. A esperança, que é a última a morrer, faz-nos acreditar nesta pia mentira que acaba por não ser especialmente grave porque, no fundo, ninguém acredita que as coisas mudem assim de um pé para a mão.
Aliás as pessoas precisam de balizas destas no seu percurso. Bom seria que as usassem com algum discernimento. E nelas incluo-me também, não pensem que me ponho de fora, era o que faltava. Também eu acabo por fazer um balanço a estes últimos trezentos e sessenta e cinco dias, embora, confesso, me tenha esquecido pelo menos de trezentos deles. A nossa memória não é elástica, convém não a sobrecarregar demasiadamente, ninguém viveria com tanta recordação, mesmo que só se tratasse dos últimos trezentos ou quatrocentos dias.
Como me dizia alguém que viveu pouco, muito pouco mesmo, bastam alguns momentos raros de felicidade para iluminar esta monótona sucessão de dias que nos cai em cima.
Por isso, na hora do balanço, que não irei fazer, já bastam os jornais, a televisão, quiçá a rádio, lembrei-me de meia dúzia de coisas que me deram algum prazer, esqueci penas desventuras, uma que outra aflição, ofensas intoleráveis porque pequeninas (e vindas de gente pequenina...) e dei por mim a pensar um amanhã que cantasse.
E já me estampei. Isto de escrever de carreirinha, sem rei nem roque, sem guião, pensando quanto muito a frase seguinte, como quem conversa, à soleira da porta com dois ou três amigos desenfastiados, dá nisto. Nos “amanhãs que cantam”, citação que vem de uma idade das trevas demasiado recente para ser usada sem corar. Os amanhãs não cantaram para ninguém antes se mostraram tal como eram: vazios, feios e desumanizantes. Não que do outro lado as coisas fossem muito melhores, que não foram, mas porque estas promessas incumpridas e incumpríveis esmagaram o melhor de várias gerações de gente tão generosa quanto ingénua.
Quando oiço presidentes, primeiros-ministros e outras criaturas do mesmo jaez a desejarem solenemente boas festas ou bom ano aos paisanos como nós (ou pelo menos como eu) entra-me logo uma fúria demolidora e, se eu tivesse algum poder demoníaco, garanto que o fura-vidas que gargareja na tv votos e promessas caía logo ali fulminado. Ou seja, sou um homicida que se conhece. De ginjeira! Só não malho com os ossos na choça porque a minha raiva morre entre impropérios e palavrões escandalosos que fazem fugir as gatas e alvoroçam os vizinhos de ouvido mais sensível e atento. Cosmopolita por feitio e porque já não vale a pena mudar, murmuro as mesmas ameaças e blasfémias contra os chefões alheios e estrangeiros. Como os velhos anarquistas do século XIX, não tenho deus nem mestre, nem pátria nem rei. Qualquer um serve para o efeito fatal de ser convertido em cadáver vingando assim multidões inteiras de sem voz que penam por este mundo baço e feio. Bakunine e Kropotkine guiam-me a mão justiceira, a bomba artesanal, a pontaria que nunca tive, o revólver que nunca disparei ao som da Internacional. E sob as bandeiras negras e vermelhas que Leo Ferré tão bem cantou. Senhoras e senhores, apresenta-se perante Vexas, e numa única sessão, mcr o último abencerragem da extinta Sociedade do Raio. Ah ça ira, ça ira, ça ira...
Isto vem de uma canção dos tempos da revolução francesa que, obviamente prometia um futuro pouco atraente às classes dirigentes: les pretres on les pendra, les aristocrates a la lanterne e que terminava admiravelmente com
Et quand ont les aura tous pendus
On leur fichera la pelle aux c(uls?)
E o mais engraçado disto tudo, acabo agora de o saber, é que o seu autor se chamava Ladré, nome pobre, claro, e franciú mas que, entre nós, tem ecos de ladrar. Bem lhes ladraram aos pescoços os sans-culottes, enraivecidos. E pensando bem, provavelmente se eu lá estivesse, o meu rico pescocinho também teria marchado que aquilo a certa altura era imparável.
Mas isto descambou para o sanguinário, coisa que, para fim de ano, me parece excessiva, mesmo se dirigida só contra os de cima, os que mandam, os que vão salvar alguns dos mareantes desta nau, do terrível cancro do pulmão por via da proibição do tabaco. Eu que já não fumo há uma boa dúzia de anos, estou para aqui cheio de pena do Carteiro, da Sílvia, do JCP que aviava charutos cubanos do tamanho da Sierra Maestra com guerrilheiros castristas e tudo. A partir de amanhã vão fumar envergonhadamente para a rua, desconhecendo-se ainda se podem levar a xícara do café na mão... eu não me atrevo a dizer que estamos perante uma nova lei seca (que teve as consequências que se sabem e que, nos seus bons tempos, Al Capone agradecia...) mas dadas as características da nossa industria hoteleira, temo bem que das duas uma. Ou ninguém fuma, ou tudo estará como hoje daqui a um par de meses... Já sei que algum leitor me chamará nomes mas eu não consigo perceber porque é que um patrão de café ou de bar não pode ter um estabelecimento só para fumadores. E não me falem dos empregados. Basta que sejam também fumadores. E não me falem de despesas de saúde, sabido como é que no que diz respeito às drogas duras se gastam balúrdios em clínicas de acompanhamento, em salas de chuto e outras bizarrias.
Daqui a pouco, esta sanha higiénico-salvífica desagua na proibição de fumar em casa. Não se riam. Em vários Estados norte-americanos estuda-se essa hipótese. E não se admirem que noutros tantos do mesmo país se proibia até há pouco tempo, e sempre dentro da casa de cada um, actos de sodomia, de cunilingus e outras derivas do mesmo teor. Numa cidadezinha do Massachussets estava mesmo regulamentada a posição do coito: a de missionário. Proibiam-se outras posições sob pena de multa e num caso, de prisão: a que supunha o homem em decúbito dorsal e a mulher por cima de frente para ele. Parece que isto tornava as pilgrim mothers demasiado libertinas.
E por aqui me fico: aproveitem o ano que finda e o que por aí vem enquanto algum governante mais pundonoroso não resolve também ele, legislar sobre o kamasutra lusitano.

As minhas leitoras permitirão que dedique estas prosas bárbaras (bem que o queria!...) a alguns velhos velhíssimos amigos que fazem o favor de me ler: João Vasconcelos Costa, António Pinguel, Manuel Sousa Pereira, A Horta Pinto e mais um luzido grupo que dá por citado. De repente lembrei-me deles e deu-me para a ternura.
A gravura de hoje vem da (agora puritana) Índia, do templo de Lakshman mais precisamente.

Sonhos


“Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de Verão. No fundo, isto não tem muita importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.”
Shakespeare

Que 2008 seja a concretização de muitos sonhos já sonhados e que seja também o início de novos sonhos. É o que desejo a todos os Incursionistas.
Um Bom Ano!

29 dezembro 2007

Fim d’ano

Este final de ano tem sido marcado por vários acontecimentos com grande importância para o país e para o mundo. Fico-me pelos factos a nível nacional para comentar a crise do BCP e concomitantes diatribes de Luís Filipe Menezes.

Quanto ao BCP, as últimas notícias dão conta de que Miguel Cadilhe solicitou o adiamento para domingo da entrega das listas concorrentes aos órgãos sociais. Quando se previa que a lista de Santos Ferreira (ex-presidente da CGD) fosse a única a apresentar-se à Assembleia Geral, merecendo o consenso de alguns dos principais accionistas, parece que Cadilhe vai apresentar uma lista alternativa. Mais do que uma resposta dos sectores afectos ao PSD, vejo aqui a oportunidade de alguns saudosos do BPA procederem ao ajuste de contas com os protagonistas de uma fusão que foram obrigados a aceitar, vencidos mas não convencidos. Lembram-se dessa novela? Esperemos pelos episódios que vêm aí.

No que diz respeito à lista de Santos Ferreira e à indigitação de Armando Vara para vice-presidente do BCP, não posso acreditar que isso resulte de uma intromissão do Governo e do PS. Esse seria um erro demasiado primário em que os governantes e os accionistas não podem incorrer. Para mau, já basta os muitos erros (e crimes?) cometidos pelas anteriores administrações e que fizeram cair sobre o BCP uma avalanche de acontecimentos pouco dignos de uma instituição que tinha marcado pela positiva a evolução da banca em Portugal e que tinha constituído um case-study a nível internacional.

Luís Filipe Menezes não resistiu e veio falar sobre o BCP, trazendo este tema para a arena político-partidária e esquecendo que estava a falar de um banco com accionistas privados nacionais e estrangeiros, cotado nas bolsas de Lisboa e Nova Iorque. Disse Menezes, de forma despudorada, que agora é a hora da CGD ser entregue a gente do PSD (e parece que o Governo até vai nesse sentido…).

A propósito, Menezes disse numa entrevista ao “Expresso” que ia duas vezes por semana à Câmara de Gaia. Fátima Felgueiras, quando estava “ausente” no Brasil, não ia vez nenhuma por semana à Câmara de Felgueiras. Ferreira Torres também tinha longos períodos de ausência quando presidia à autarquia de Marco de Canaveses. Contudo, todos recebem ou receberam o ordenado de autarcas por inteiro. A lei e o legislador não sabem como responder a estes chico-espertos, mas com a revisão da lei eleitoral das autarquias talvez se pudesse corrigir também estes buracos da lei.

Diário político 71

 

Chamaram-lhe “uma morte anunciada” mas, para mim, foi uma surpresa. Claro que sabia que estava ameaçada. Ela e todos os outros candidatos, há que dizê-lo, Musharraf incluído. Aliás terá já escapado a oito atentados, o que é obra.

Mas continuo na minha: foi uma surpresa. Benazir Bhutto deveria estar, mais do que prevenida, protegida. Não pelo actual poder mas pelas suas conhecidas milícias. A tropa, ou a polícia, vem a dar no mesmo, isolou o local do comício de modo eficaz, dizem os jornais. E não foi aí que Benazir foi morta mas já no caminho do regresso. Saiu do parque onde realizou o comício e de um grupo de transeuntes saiu alguém que conseguiu aproximar-se do carro (não blindado!!!) disparar contra ela e suiicidar-se seguidamente accionando uma bomba sob as roupas. Assim, de fácil.

Convenhamos que isto raia o inacreditável. No Paquistão, país que nunca se distinguiu pelos brandos costumes e onde a morte violenta parece fazer parte da cultura popular, tradição antiga de que os colonizadores ingleses sempre se queixaram com sobejos motivos, não passa pela cabeça de ninguém com responsabilidades políticas como as que Benazir tinha, deslocar-se tão “à vontade”.

Benazir, herdeira política de Ali Bhutto, ex-presidente e ex primeiro ministro, derrubado por um golpe militar e posteriormente enforcado, era a dirigente do que só por falta de termo adequado se pode chamar partido, o partido do povo paquistanês e que de facto é mais uma coligação de clientes da poderosa família Bhutto.

Duas vezes primeira-ministra num país muçulmano, Benazir foi afastada do poder por demissão presidencial (da primeira vez) e derrotada nas urnas (na segunda vez) não se podendo dizer que qualquer dos seus mandatos se notabilizasse por especiais medidas em prol da democracia. Da segunda vez, aliás, esteve aliada a um partido extremista e foi o seu governo quem reconheceu o regime dos talibans a quem aliás forneceu armas, mantimentos, apoio logístico e informações.

Todavia isso, não chegava, como se vê, para a desculpar de ser mulher, mulher ocidentalizada, ainda por cima, com ambições políticas num país que concede á mulher um lugar no lar e pouco mais.

É mais ou menos indiferente saber quem a matou. À uma a sua morte vai ser reivindicada por todos os movimentos extremistas, dada a oportuna morte do seu executor. Depois, esta morte vem inserir-se numa campanha infrene de desestabilização do Paquistão, nação já de si instável, que apenas tem servido de peão de brega de interesses vários dada a proximidade com o Afeganistão agora, e com uma União Indiana poderosa e neutral há anos. A China, por um lado e os Estados Unidos por outro apoiaram demasiadas vezes as aventuras dos militares paquistaneses sempre com um fito: controlar, dentro do possível, a Índia e manter um gendarme disponível perto do Irão e do Afeganistão.

O mundo comoveu-se. A morte de Benazir, mulher, licenciada por universidades americanas e inglesas, moderna (pelo menos num quadro tão tradicional como o Paquistão) suficientemente poderosa no seu país dadas as alianças e a fortuna familiares, deixa-lhes de novo o general Musharraf como alternativa possível (ainda o será?) frente à aliança dos descontentes e dos extremistas muçulmanos. Resta todavia saber se o general ainda pode ser o aliado seguro e forte de que os ocidentais necessitam.

Vale a pena olhar para esta família Bhutto e tentar comparar o seu destino com outra família fundadora de pátria, os Gandhi, na União Indiana: morrem de morte violenta pais, filhos, irmãos e os respectivos partidos ficam órfãos. Mais no caso paquistanês do que no indiano porque o Partido do Congresso é mais antigo tem outra cultura de base e não dependeu tanto de Indira ou de Rajiv, pese embora o facto de a viúva deste, Sónia, de origem italiana, ainda ser a personalidade mais importante da organização.  Não deixa entretanto de ser interessante verificar que mesmo em situações tão diversas se verificarem tantas similitudes. O que não é exactamente muito tranquilizador.      

28 dezembro 2007

Estou a Acabar o Ano Confuso

Ouvi há alguns dias o líder do PSD dizer que quando for governo liquida o Estado em seis meses. Exacto, em seis meses. Na altura pensei que o actual Ministro da Saúde ficaria plenamente realizado se viesse a integrar essa fantástica equipa liquidatária do Estado. Entretanto, esqueci o assunto, apesar de mais uns tantos estabelecimentos de saúde terem sido encerrados.

Hoje os
jornais anunciam que o PSD, quando for governo, vai reapreciar o fecho dos estabelecimentos de saúde e que muitos voltarão a abrir.

Mas o que é que isto significa? Será que o líder do PSD já não vai liquidar o Estado? Confesso que esta ideia me agradava. É que acredito que num Estado extinto não serão precisos profissionais da política. Mas também isto deve ser confusão minha.

26 dezembro 2007

Diário Político 70



Alguém tem um problema

 

 

A Drª Esther Mucznik, investigadora em assuntos judaicos, como modestamente se intitula, escreveu na quinta feira passada um artigo (mais um artigo...) sobre a questão israelo-árabe. Desta feita a distinta investigadora resolveu opinar sobre a eventual criação de um Estado palestiniano. Ela acredita pouco (tal como eu) nas hipóteses de se chegar a um acordo em Anapolis. Divergimos todavia na análise da questão concreta e por várias razões.

À uma eu não sou investigador de questões judaicas ou palestinianas mas apenas um cidadão vagamente cosmopolita quer se interroga sobre o estado do mundo.

Depois, não pondo de nenhum modo em causa a existência de Israel mesmo que entenda que o fundamento do regresso à terras dos antepassados encobre uma situação confusa na medida em que tal terra estava ocupada há cerca de dois mil anos por outra gente. Isto se acreditarmos que todos os judeus foram expulsos pelos romanos dando origem à grande diáspora. Porque se, como de resto me parece razoável, lá ficaram alguns, bastantes ou até a maioria, então a questão é mais complicada ainda. Teríamos que essa população de confissão judaica se teria convertido em massa ao islamismo sendo pois ainda menos plausível a teoria do regresso a uma terra esbulhada.

Mas seja lá como for a verdade é que largas centenas de milhares de judeus regressaram à terra de Israel, que em tempos remotos (sempre depois do Egipto) tinham conquistado aos autóctones se é que a Bíblia está certa. E regressaram movidos pela fé, pelo sionismo, pelo imenso terror imposto por Hitler & companhia, pela memória de perseguições milenares, fugindo dos pogroms, da inquisição, dos campos de concentração, dos ghettos e da miséria. As Nações Unidas numa dramática votação em 1948 repartiram a Palestina entre judeus e árabes. Com o voto de toda a gente que mandava ( dos europeus envergonhados e arrependidos pelo seu silêncio quando não pela sua cumplicidade no massacre, dos americanos e da URSS) e com o protesto de todos os países árabes e de um punhado de aliados. Começou no mesmo dia a primeira guerra “oficial” entre árabes e jdeus. E digo oficial porquanto o clima na Palestina era pelo menos desde os anos 30 de guerra civil larvar entre as duas comunidades. E tanto assim era que os judeus constituíram desde cedo grupos armados e de auto-defesa contra a potência ocupante do mandato (a Inglaterra) e contra certos grupos árabes mais exaltados. Constituíram igualmente uns pequenos e amáveis grupos quer alguém, certamente mal intencionado, considerou terroristas (Stern, Irgun) e onde Beguin, para não ir mais longe, fez as suas primeiras armas.

Os países árabes não conformados com a existencia de Israel invadiram o pequeno Estado logo que este se proclamou. Fanfarrões e pouco mobilizados pela defesa da causa palestiniana foram derrotados brilhantemente por Tsahal um exército tipo milícia combatente que lutava pela sobrevivência do que restava do povo judeu.

E logo nesta altura se modificou o mapa de Israel que era aliás aberrante. Fronteiras foram rectificadas, zonas árabes foram incluídas para tornar mais lógico e defensável o território israelita. Ou seja a fanfarronada do mufti de Jerusalém, e dos dirigentes árabes do Líbano, da Síria, da Jordânia e do Egipto, vizinhos directos, teve essa primeira consequência da amputação de pequenos territórios.

A partir desse momento foi o que se conhece: os árabes nunca aceitaram sequer a ideia de um Estado hebraico e por culpa própria ou por caírem na esparrela israelita foram sendo derrotados sempre que foi necessário. O Egipto chegou a ver o todo o seu Sinai ocupado, os montes Golan da Síria estão ocupados, o Líbano foi ocupado parcialmente mais de uma vez até por interpostos generais de um fantasmático Exército de Libertação do Sul do Líbano, armado e pago por Israel (que entretanto denuncia os grupos libaneses armados e pagos pela Síria...) e a Jordânia que tinha ocupado ela própria os territórios transjordanos destinados ao Estado palestiniano viu-se esbulhada de boa parte deles. Com isso (devolvidos que foram o Sinai e o Sul do Líbano) tem Israel alargado, povoando continuamente com colonatos território que nunca foi seu e que só foi ocupado depois da guerra dos seis dias. É nesse território não israelita que, neste momento, está construído um muro vergonhoso, é esse território que Israel se recusa a entregar. Esta é a meridiana verdade por muito que isso custe à ilustre investigadora de questões judaicas (tarefa que suponho, partilha ou acumula com a presidência da comunidade judaica portuguesa, o mesmo é dizer que investiga pró domo sua, em causa própria, com interesse num determinado resultado coisa que não teria nada de mal se a senhora em causa o dissesse abertamente em vez de se refugiar num neutral título de investigadora.

Mas vejamos um pouco o que diz a honorável investigadora. Diz que não acredita num Estado edificado à custa de injecções de dinheiro (como, explicita, tem sido corrente com os palestinianos). Tem toda a razão e também aqui estamos de acordo. Ou estaríamos não fosse dar-se o caso de toda a gente saber que para além dos kibutzes (cada vez menos) e de outtras formas cooperativas de trabalho agrícola ou agro-industrial, Israel sempre ter tido um gigantesco apoio financeiro dos judeus americanos. Note-se e fique claro que tal apoio é legítimo: era o que faltava que não ocorresse. Mas tem sido esse apoio económico um dos pilares fundamentais da sobrevivência de Israel. Mais do que a rega gota a gota do deserto e outras coisas maravilhosas que embevecidamente se mostra ao peregrino ocidental. E mais do que isso deveria falar-se do apoio militar directo em armamento sofisticado, do escudo que Washington lançou e manteve até à data, dos créditos gigantescos concedidos pelo governo americano movido evidentemente pelo forte lobby judaico.

Convenhamos que também aqui parece haver muito e bom indício de Estado (também) construído à força de injecções de dinheiro.

Que os israelitas o tenham utilizado mais judiciosamente do que as sucessivas camarilhas palestinianas e árabes é outra questão que não impede de considerar a investigação da senhora Mucznik um pouco trôpega nesta passo.

A segunda questão levantada no mesmo artigo é a seguinte. Diz a investigadora: “só haverá paz quando os palestinianos aceitarem construir um Estado ao lado de Israel e não em vez de Israel”. Mil vezes de acordo, excelente senhora! Mas já agora conviria perguntar: dentro de que fronteiras? Israel está disposto a levantar todos os acampamentos militares vulgo colonatos instalados em terra palestiniana depois da guerra dos seis dias ou não? Ou quererá a senhora Mucznik um Estado palestiniano semeado de minas e armadilhas e colonatos judaicos militarmente defendidos e fora do seu controlo politico?

É que a ser assim não vale a pena continuar nesta piedosa ficção diplomática de Anapolis, repentinamente nascida alguns meses antes das novas eleições presidenciais americanas.  Estamos todos a perder tempo, a gastar palavras e a adiar a paz.

Shalom, Senhora Mucznik. Salaam, Bom Natal ... 

 

* não se mencionou aqui o facto de ainda hoje haver grupos palestinianos claramente enfeudados ao terrorismo (Hamas ou Hezbolah para não ir mais longe para já não falar em certas milícias em teoria organizadas na Fatah) por se entender que a direcção política dos palestinianos já não está subordinada à sua lógica terrorista e anti-sionista. Aliás se assim não fosse nem os americanos a convidavam nem Israel se sentaria com ela à mesa das negociações.

As gravuras: meninos israelitas e palestinianos sempre atrás de arame farpado. Bela árvore de Natal para uns e outros! Particularmente estou-me nas tintas para os dirigentes de Israel ou da "Palestina" mas o mesmo não se passa com as crianças....

 

         

24 dezembro 2007

Estes dias que passam 88

Es
Xtmas time


Sentimentos diversos, melancolia, nostalgia, exasperação, alguma escondida esperança tudo isto num fundo de ternura que gostaria que não fosse piegas... Ou que o fosse o menos possível...
O Natal bate-nos à porta com demasiada força, demasiado ruído, cores berrantes e uma coorte infindável de mortos. Todos os nossos mortos! Uma lista que cresce como o deserto no coração. E, como dizia o poeta, ai de quem acolhe desertos. Cito de memória, estou fora de casa, longe dos meus livros, na (provavelmente) última casa de minha mãe, prestes a partir para a casa do meu irmão, onde já se amontoam outros familiares, familiares de familiares, algum eventual namorado de uma das raparigas mais novas, que a namorada do Manuel foi para a Figueira para casa dos avós. O dia passei-o a fazer recados, leite para o arroz doce, ovos, esqueceram-se de me pedir ovos, volta mcr ao supermercado por ovos e para uma fila maior do que a légua da Póvoa, carregar as prendas para a casa dos sogros, trazer as prendas de lá, ficam já aqui, que isto pesa e já basta o circo que nos espera em casa do meu irmão.
Já preparei o carregamento dos presentes para a tribo que nos espera mas receio-me que lá mais para a noite, a CG se lembre de um saquinho que ficou sabe-se lá em que recanto desta casa. Se ficou, vem amanhã, repontarei, mas a cara de poucos amigos da CG e a outra mais ansiosa do presenteado vão obrigar-me a sair, meter-me no carro, vir a casa, procurar desesperado por todo o lado, praguejando que nem um carroceiro dos antigos, dos verdadeiros, dos que já não há, nostalgia, nostalgia, e de repente ouvir o telemóvel com ordem de regresso, uma voz embaraçada a dizer-me quer afinal, o embrulho estava atrás de um maple, quieto e calado a ver se escapava da ânsia voluptuosa de dador e de recebedor. Nesse momento penso coisas monstruosas, fico já aqui, não volto, que venham como puderem, o Octávio tem carro que as traga que eu vou mas é ler um livro, ouvir o canal Mezzo, beber um copo de água e preparar-me para a segunda parte das festividades que começará amanhã à hora do primeiro café, cortejos alucinados de viciados à procura de um lugar onde se beba uma bica já não digo boa mas apenas decente, procurar lugar para estacionar o carro, junto de um dos poucos pontos onde há a maldita bebida, ir para outra bicha, desta vez mais pequena, que a maior parte dos fregueses só pede café e uma água fresca de preferência, que ainda estão arrombados pelas rabanadas, pelas filhoses, pelos cremes queimados, o arroz doce, o bolo rei, e sei lá mais quantas coisas que a imaginação portuguesa é neste capítulo de uma assustadora fertilidade...
Juro que só terei comido uma vaga rabanada ou nem isso, eu para doces já dei mas não dou. De todo o modo estarei contagiado pelo ar do tempo e devo ter um ar tão entupido quanto o dos que me rodeiam.
E não há jornais. E se houver, devem ser horrendos, cheios de baboseiras sobre o Natal, de menus, de ideias para prendas, de informações inúteis e erradas sobre a quadra, as tradições e tudo o resto.
E lá mais atrás alguns fantasmas amáveis mas dolorosos olham para nós com doçura e serenidade: o meu pai, a avó Aldina, o avô Manuel, outros avós quand même, o Jorge e a Alcinda que para mim foram muito mais do que sogros para não falar numa longa teoria de parentes mais longínquos mas presentes porque o Natal tem isto de bom e de mau ao mesmo tempo: convoca toda a gente e todos se acotovelam à nossa frente, prevenindo-nos que devemos, apesar de tudo, aproveitar o dia e os vivos porque o nosso tempo é cada vez mais finito.
Isto não está muito alegre mas isto é o que mais se assemelha a uma oração ateia de um escrevinhador de croniquetas que envelhece, se enternece e vos deseja do fundo do coração Boas Festas.



23 dezembro 2007

Com abraços para todos

Amigas e amigos: desejo a todos um Bom Natal e um Ano de 2008 muito bom. Abraços para todos.
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Feliz Natal

Faz hoje precisamente três anos que cheguei a esta casa de escrita. Tem valido bem a pena, pelos conhecimentos e pelas amizades. Ultimamente tenho sido pouco assíduo na escrita, mas gosto muito de ver a barca continuar o seu percurso com as velas bem içadas ao vento.
Aproveito para desejar a todos os amigos incursionistas um Feliz Natal e uma quadra recheada de coisas boas, na companhia insubstituível de familiares e amigos.
À saúde de todos, tchim, tchim!

22 dezembro 2007

O leitor (im)penitente 28



mcr à solta na cidade de mármore e granito...

Pois é. Eu queria muito ver “claramente visto” a nova super livraria. A “Biblos” como calculam. Só por isso já ferrei duas citações em três linhas. Para ser digno de entrar nesse Olimpo. Mesmo que (outra citação) tenha de dizer Dominus non sum dignus...
Ontem, venerável sexta feira, dia mais que santificado para uma das religiões do livro, meti pés ao caminho, ou melhor deixei o carro num parque e enfiei-me no primeiro táxi que vi e nem precisei de dizer grande coisa. O taxista disse-me logo que sim senhor que havia uma livraria nova num prédio novo, ensinou-me o curto caminho que teria de fazer a pé e eu comovido por aquele fervor literário abonei-lhe uma gorjeta choruda. Espírito natalício e entusiasmo de leitor ansioso par ir fazer correr pardaus por terras de bastos livros (esta é forçada mas hoje puxa-me o pé para a chinela...).
Ora bem. Novas das provas como diria o meu querido Zé Quitério leitor abençoado tanto ou mais que gourmet convicto? Pois fraquinhas, desculpem lá.
A Biblos é bonita, tem espaço, muito computador, é fácil de percorrer e percorre-se depressa. Faltam livros, nom de Dieu! Por enquanto aquilo é vulgar, vulgaris de Lineu.Vamos que encontrei o “Verdes e Vermelhos” da Alice Samara que uma fnaquinha me dizia esgotado. Merquei mesmo uma “História do Brasil” do Benassar (que já vi na “Leitura” a quem peço desculpa desta modesta traição) e uma “A ditadura militar portuguesa, 1926-1933” do Douglas Wheeler, edição velhinha das P.E.A.
Uma breve passagem pelas estantes de ficção e poesia não trouxe novidades. Compostinhas e bonda! A literatura em línguas estrangeiras apresentavam-se em dó menor. Coisinha mais fraca, Deus meu! Assim até a FNAC dá cartas, malta.
Claro que isto deve-se à pressa. Abrir de qualquer maneira para aproveitar a época natalícia, é o que é. Daqui a dois, três meses, a coisa deve estar melhor. Pelo menos, espero-o. Já tinha pensado o mesmo da nova “Leitura, books and living” no Porto. Muita pressa e pouca substância.
Estes dois grandes espaços (são os proprietários que insistem no termo...) pedem urgentemente recheio à altura. Por enquanto, a Bertrand do Chiado, a Lello, a Leitura (a clássica) e a Latina dão cartas. Mais livros, melhor escolha, mais aconchego e mais estrangeiros. Curiosamente ouvi dois leitores, diferentes, dizerem o mesmo: um ao telefone que até rematava condescendente, Bem eu também sou um pouco esquisito. Outro dizia para a namorada que trazia dinheiro fresco para gastar e não via jeitos disso.
Frustrado, soltei-me pelos alfarrabistas e foi um ver se te avias. Um belíssimo Larousse de la peinture (2 vol), dois sumptuosos os álbuns de fotografias de Lourenço Marques no ano de 1929,Thibault na Plêiade em belo estado, e mais uma boa dúzia de livros a preços módicos. Na pequena feira dos sábados da rua Anchieta havia um quarteirão de livros mais que apetecíveis. Aconselhei um Lorca (papel Bíblia da Aguilar!!!) a um preopinante que desembolsou 35€ com ar bem disposto. Espírito natalício, claro. E eu já o tinha, obviamente. Por meu lado aviei-me com um belíssimo “El Paris de Kiki” da Tusquets, 250 páginas carregadas de fotografias e fac-similes espectaculares, da grande época 1900-1930. E de passada comprei mais uma série de folhetos incluindo um catálogo da exposição Lorca (Gulbenkian, anos 80) lindíssimo e a 2€. O vendedor devia estar distraído. E o Jorge Silva Melo que por lá andava a fariscar também. Ou então já o tem. Ou eu cheguei primeiro. Enfim um belo dia.
Leitoras e leitores, no sábado próximo (29) há outra vez venda na rua Anchieta, aliás há todos os sábados, deitem-se ao caminho, aquilo é divertido e vale a pena. Até lá, moderem-se na comidinha que o Natal é muito traiçoeiro. Eu ainda ando a tentar perder uns quilos ganhos há anos na casa generosa e fraterna da e do Octávio (minha cunhada e meu irmão) durante o Natal. O problema é que segunda feira lá estarei para outra jornada natalícia. Assim, nunca mais vou ao sítio.

na gravura: dois belos óleos com a modelo Kiki de Montparnasse

missanga a pataco 39

Uma de comentador do Público!!!


Um ilustre advogado entendeu, quinta-feira passada, escrever no “Público” sobre a nova polícia de costumes que, segundo ele, nos ameaça. Queixa-se que os fumadores estão prestes a ir para o ghetto, que os “jaquinzinhos” (na versão simples ou com arroz de tomate) estão quase proibidos, que os “peixinhos da horta” correm o risco de apanhar pela frente com um comissário da União
Europeia que leve muito a sério a sua missão de defensor das crianças, das viúvas e dos órfãos. E por aí fora até chegar ao “copo”, o copito tomado a desoras, já com o pé no estribo prestes a ir para o leitinho, xixi e cama.
Convenhamos que nem sempre a profissão ajuda! Percebe-se pouco e mal que fantasmas pretende combater o dr Nuno Galvão Teles. Sobretudo quando vê o sombra perigosa de Salazar a estender-se baçamente sobre o país traumatizado.
O dr Teles entende, e com alguma razão, que a campanha governamental anti-tabaco atinge foros de cruzada piedosa e impiedosa contra quem puxe de um paivante, o leve à boca mimosa e o acenda mediante isqueiro, amorfo, ou lumes de origem desconhecida. O Dr Campos e o Sr 1º Ministro parecem o dois cavaleiros medievais a bradar “Deus o quer, Deus o quer” enquanto fazem as malas para embarcar para a Terra Santa, com paragem e saque em Constantinopla a herética.
A gente desconfia de tanta boa vontade e solicitude dos governantes, sobretudo quando sabe que se continuam a permitir os cultivos bem pagos de tabaco nos nossos campos...
A gente acha destemperada a campanha da ASAE que, qual nova polícia política, diz com meia cara que não proíbe as bolas de Berlim e com o resto da feia careta edita um monte absurdo de regras que chegam a proibir o já proibido. A ASAE é como as moscas e os antigos inspectores dos isqueiros: desenfreou por esse pais fora e puxa do crachá com o mesmo à-vontade com puxaria do cassetete se a deixassem. E a procissão ainda vai no adro, podem crer. Daqui a pouco proíbem a alheira de Mirandela, a morcela da Beira, o paio não industrial, as sardinhas assadas e os pimentos que não sejam de conserva. Tudo pela nossa saúde, pela nossa rica saúde. É o chamado acosso saudável que vem já a seguir ao sexual e ao espiritual (não sei se repararam que agora nos batem à porta evangelistas de todas as religiões, oferecem Bíblias a baixo custo e mal impressas, orações ao Divino Coração de Cristo, anúncios de dilúvio universal, o que se queira). Parece que ateus, indiferentes e leigos são doentes perigosos a pedir tratamento urgente e/ou camisa de forças.
Todavia não foi exactamente isto que o Dr Teles veio lamentar. Atentemos nesta frase (que não está descontextualizada): “olho e pergunto se posso beber um copo? Não hoje é dia de polícia....” E depois fala de operações stop que, com infame democracia, mandam para “boguinhas” e Jaguars para os condutores soprarem no balão.
Alto e para o baile! Eu não tenho nada contra os advogados que gostam de entornar. Que sejam mesmo um pouco alcoólicos. Que bebam até cair. Que necessitem de ir ao hospital tomar uma coramina. Que morram de delirium tremens, a la riguer. É com eles. Claro que detesto aturar bêbados, violentos ou chorosos, pegajosos ou humildes.
O que me parece espantoso em quem se intitula no pé de página como advogado é esta explícita defesa do copo aliado à condução. Que um bêbado se rebente num talude, não me aquenta nem arrefenta. O que me chateia é que o bêbado ao volante de um instrumento de morte, mate, fira ou sequer assuste alguém. Isso, entrar num carro com um copo a mais é um crime. Contra nós todos que também circulamos mas apenas movidos a água. O Dr Teles pode, querendo, afogar-se numa barrica de vinho tinto ou noutra menos vulgar de “bourbon”. É com ele. Não pode, muito menos deve, vir fazer a apologia do copo a destempo. Do copo que regra geral mata mais inocentes que culpados. Eu desconheço a idade do advogado Teles. Temo que ele nem sequer tenha tido tempo de conhecer bem o Dr Salazar. E temo muito mais que pretenda vir defender à pala do jaquinzinho ou do cigarro a condução sob efeito do álcool para a qual, douto colega, não deveria haver qualquer espécie de tolerância. E chame-me fascista à vontade...

21 dezembro 2007

Aos companheiros de blog


Feliz Natal !
Feliz Ano Novo!




A vocês meu carinho e o meu pensamento, nestes dias.

Beijos,


Silvia

19 dezembro 2007

geografia para todos!


O reino dos Algarves ou a versão mapa de Portugal do Finantial Times.

Não, não é um jornal espanhol, sequer um americano, que publica este mapa do torrãozinho de açúcar.

É um dos principais jornais da nossa mais velha aliada, essa mesma do Tratado de Metween, do duque de Wellington, perdão do Douro, do mapa cor de rosa e de outras igualmente gratas manifestações de fraterno amor.

Afinal não é só por cá que se começam a revelar as potencialidades do "eduquês" aplicado ao ensino da geografia política.

Começa a perceber-se porque é que Gordon Brownchegou atrasado às festividades do tratado. Pensava que era em Albufeira que se devia assinar esse monumento á nova e esplendorosa Europa.




ilustração gentilmente cedida por MSP

missanga a pataco 38




Duas rectificações


Nem sempre escrevemos o que pensamos ou o que queremos. Ou o que sabemos.

Num texto em que me congratulava com o prémio Pessoa atribuído a Irene Flunser Pimentel referia que a notável historiadora não fora empregada pela Universidade. Baseava-me em textos jornalísticos, infelizmente pouco fidedignos. Na contracapa do livro "A História da PIDE" vem bem explícito que a autora é investigadora do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciencias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Suponho que o dito instituto terá o excelente hábito de pagar aos seus investigadores pelo que deixa de ter fundamento a minha acusação à instituição universitária.

No mesmo texto, se não estou em erro, classifiquei de "burrice" a tese dos que defendem a sujeição do Tratado Europeu a referendo. Trata-se de uma desqualificação a pessoas que têm todo o direito de pensar que um documento dessa importância (ou que passa por ter essa importância) deveria ser alvo de um voto expressivamente popular. E que vai além do que penso.
Pessoalmente julgo que vivendo os europeus em regimes parlamentares é ao Parlamento que incumbiria essa tarefa. Para alguma coisa hão-de servir as "Señorias", os "Onorevoli" e as restantes Excelências que abancam nos hemiciclos. O referendo é uma instituição que me não convence justamente porque é dificilmente reductível a consultas simples de resposta clara e rotunda, sim ou não.
Todavia, e porque entre nós foi apregoado o recurso ao referendo por PS e PSD, entendo que tais partidos, se tivessem um mínimo de pudor ou de vergonha, deveriam cumprir as promessas e não refugiar-se em falácias, como aconteceu. Este Tratado não é assim tão diferente da finada "constituição" anterior para merecer tratamento diferente. Estamos perante um grosseiro expediente que, infelizmente, não nos afecta apenas a nós portugueses. Os restantes governos europeus (pelo menos os que anteriormente celebraram referendos...) estão no mesmo barco. Um feio e triste barco. Onde aliás podem embarcar os cavalheiros do Bloco e do PC que, só por oportunismo, cavalgaram a vaga referendária. Trata-se de organizações que graças ao famoso centralismo democrático, seu emblema e estigma de origem, sempre se estiveram nas tintas para o pópulo. A democracia de que se fazem eco passa-lhes logo que têm uma restea de poder.

missanga a pataco 37


Variações sobre a língua que se escreve

De quem é a língua portuguesa? Pois de todos os que a falam, sem distinções. Ou, por outras palavras, de portugueses, de brasileiros de africanos de um punhado de malaios que teimosamente se apegam a um português perdido que, para eles, os distingue.
Dizer que há proprietários maiores e menores da língua releva de uma pobreza intelectual confrangedora. A língua felizmente não tem dono pese embora o facto de num dos lados do Atlântico habitarem cento e muitos milhões de brasileiros. Eles falam uma língua. Não a possuem. Só uma estridente falta de cultura permite avançar neste campo com a lei dos números.
Falam uma língua, usam uma ortografia que razões de vária ordem foram diferenciando daquela que neste canto se usa. Nunca, que se saiba, isso impediu que uns e outros se entendessem, que portugueses se estabelecessem no Brasil e aí fizessem vida como ocorreu até há umas dezenas de anos ou que brasileiros começassem a demandar Portugal como emigrantes, dando uma nova vida e uma nova alegria a estas baças paisagens.
Todavia desde há dez, quinze anos o pais agita-se com uma discussão que não sendo original não tem desde que começou (e começou há cerca de um século) interessado senão uma elite. O povo chão não liga e nunca se preocupou com as pequenas diferenças ortográficas dos dois países. Verdade se diga que não foi isso que impediu as elites de se lerem reciprocamente. E não será a unificação ortográfica que vai pôr o Zé Povinho a ler Graciliano Ramos. Ou Raduan Nassar. Que também não é lido pela minoria ilustrada portuguesa, mas isso é outro falar. Esta é a primeira desonestidade intelectual brandida pelos unificadores: que uma ortografia única faria entrar no Brasil uma falange de pequenos e médios escritores portugueses. Não entraram e não entrarão mesmo que eventualmente ofereçam os seus livros em saldo. E Graciliano ou Drummond serão sempre autores minoritários no país que esgota sucessivas edições de “Equador”.
A segunda falácia é a de que em Portugal se usa uma ortografia difícil. É provável. Também ingleses e franceses têm ortografias estranhas para um não falante (e para muitos falantes indígenas) e isso nunca impediu de se entenderem com os restantes falantes das suas línguas. No caso inglês dá-se até a curiosidade de haver inúmeras palavras que se grafam diferentemente na América, theatre por exemplo. O que não impediu alguns americanos de lerem Defoe e de um punhado de ingleses apreciar Hemingway.
Dizer que a ortografia deve seguir a língua falada releva do mesmo voluntarismo: primeiro porque nesse caso a simples deriva dos sotaques poderia levar a variações bem maiores. Segundo porque a levar o princípio á letra até se poderia ir eliminando algumas letras desnecessárias. Não estou certo se foi Wells quem propôs a eliminação de uma série de letras por inúteis. E de facto se pensarmos bem para que precisamos do ç se já temos o s? E se o s valer sempre S para quê os dois ss? E para que queremos o q quando há o c (em espanhol escreve-se cuando e ninguém que eu saiba se preocupa com o facto de em francês ser quand ou em português quando. Identicamente o x substitui com vantagem o ch, coisa complicada, duas letras para quê se uma basta? Mas há mais: o h, fora o uso que o verbo haver lhe dá (há para não se confundir com à) e a junção ao l para produzir o som lh (que em Espanha se obtém dobrando o l (ll, muito mais lógico aliás) é de uma inutilidade temível. Só chateia e faz as pessoas enganarem-se quando escrevem ipótese sem h que só lá vem no princípio por isso mesmo, para chatear.
A menos que a ortografia seja algo muito diferente, quase imaterial e tenha a ver com o modo de ser de uma determinada comunidade, com os seus mitos, a sua maneira de encarar o mundo, a própria língua.
Ainda há pouco, em França, a supressão do y em meia dúzia de palavras provocou um terramoto e centenas de artigos. Que inclusivamente vinham também das antigas colónias. Mas isso é noutro mundo, como habitualmente.
Finalmente leio com espanto, pouco diga-se, que os novos países de língua oficial portuguesa pedem em alta grita passagem para o W, o Y e o K que entendem fundamental para o seu modo de falar “português”. Dir-se-ia que “kwanza” é mais explícito que cuanza. Ou pelo menos terá um maior valor monetário em relação ao euro, o que me parece duvidoso, dada a pouca sensibilidade das autoridades monetárias internacionais nestas questões terminológicas ou apenas meramente ortográficas.
Pessoalmente trocaria o acordo ortográfico por essa coisa bem mais interessante que seria receber os emigrantes africanos e brasileiros como se da família fossem. E não com os acentos racistas e brejeiros com que se encara um cidadão negro uma mulher brasileira. Mas isso é muita areia para a camioneta das criaturas acordantes.

a gravura: Raduan Nassar um escritor sublime.

17 dezembro 2007

Diário Político 69


Francamente, não queria falar disto...

Está na berra a independência do Kossovo. A julgar pelos jornais trata-se do problema nº 1 da Europa. Convenhamos que problema é, mas nº1? Convenhamos igualmente que o problema foi provocado também pela Europa. Não que a Sérvia, a Albânia e as populações albanesa e sérvia kossovares não tenham dado uma enorme ajuda, que deram, claro. Todavia, indo um pouco mais ao fundo da questão kossovar não seria mau saber, de uma vez por todas, que aquela terra não era só a dos maus sérvios e a das vítimas albanesas. Há vinte e tal anos que a imprensa internacional noticiava, a par de exacções do regime de Belgrado, outras menos visíveis mas igualmente brutais da autoria dos albaneses. Antes mesmo da queda da Jugoslávia. Não foram assim tão poucos os sérvios assassinados, expulsos ou empurrados para fora do Kossovo. Mas dessas miúdas violências falava-se pouco porque as vítimas não eram as politicamente correctas.
Depois, já mais para o nosso tempo, criou-se a segunda grande ilusão: os kossovares estavam a ser massacrados impiedosamente pelos malvados sérvios. A opinião pública europeia que assistira impotente a Srebenica exigiu em alta grita acção e mão dura. E foi o que se viu. Para libertar o Kossovo do exercito de ocupação bombardearam-se as fronteiras da Sérvia com a Hungria. Devia ser por estarem perto... E o Kossovo foi libertado dos soldados de Milosevich. E ocupado pelos gangs que se conhecem. E pelas escassas forças mandadas pela Europa que assistem impotentes ao desastre irremediável dum pequeno território devastado por ódios étnicos, religiosos, pela brutalidade das quadrilhas do tráfico de mulheres e de droga e por uma incomensurável ignorância dos bons samaritanos.
O problema todavia não fica por aqui.
É que a independência do Kossovo pode a breve trecho questionar a situação de outras regiões dentro da antiga Jugoslávia. As minorias albanesas e kossovares na Sérvia propriamente dita, e as que estacionam na Macedónia, por exemplo. Que é que lhes vai suceder? Vão pedir mais autonomia ou vão ser empurradas para o Kossovo independente, sua “pátria natural”? E os sérvios kossovares, 30 ou 40 mil criaturas que ainda restam, menos de cinco por cento dos que até há 15, 10 anos habitavam a região, ficarão lá ou serão deslocados para a Sérvia?
E o que vai suceder a esse molho de bróculos que se chama Bósnia Herzegovina onde mais de metade da população é sérvia ou croata? As regiões onde estes são e sempre foram maioritários (e agora exclusivos habitantes) deixar-se-ão ficar nessa inexistência política ou tenderão a juntar-se (até porque as fronteiras não existem) às duas entidades “cristãs”?
Mas vejamos um pouco mais longe. A Córsega que há anos (desde sempre, quase) se reivindica não francesa não poderá, face a este novo direito internacional, pedir a independência? E o Alto-Adige italiano de costumes e raízes germânicas porque não poderá juntar-se à Áustria? E o “Pais Basco”, com ou sem Navarra? E a Catalunha? E as regiões anexadas pela Roménia? E as que se auto-proclamaram independentes? E as minorias húngaras, não terão direito a constituírem-se como entidades autónomas dentro da Eslováquia, por exemplo e para não ir mais longe? E os Sudetas? Poderão regressar os milhões expulsos pela pulcra Checoslováquia em 45? A Prússia Oriental reverá os seus antiquíssimos habitantes? E a Pomerânia tirada à Alemanha pela nova Polónia que por sua vez perdeu territórios a leste? Acaso os independentistas bretões que Paris sempre tratou como terroristas não terão aqui a sua pequena oportunidade? A Dalmácia que Tito esbulhou e ofereceu à Croácia não terá direito a constituir-se como entidade autónoma?
Dir-se-á que aqui se misturam questões diferentes. É, e não é verdade. A Europa, sobretudo a central, é uma mistura inextricável de populações que, vítimas ou cúmplices dos antigos impérios centrais, se foram lentamente cantonizando (palavra desagradável inventada por uns patuscos que brincaram à geografia política nos últimos vinte anos do século passado), misturando, perseguindo, combatendo, tudo à vez, e de que subsistem línguas vivas e faladas, ódios velhos, irredentismos novos, nacionalismos e fascismos para todos os gostos.
A Europa, tão ciosa –em palavras – da sua diferença face aos Estados Unidos revela-se no Kossovo (que de resto só foi “libertado” graças ao poder aéreo americano) tão indigente de ideias e de princípios quanto os americanos no Iraque. Não sabe o que deve fazer, teme todos os cenários, está provavelmente arrependida do mau passo dado, assiste impotente às palhaçadas de uma série de líderes políticos sérvios e kossovares e vê, ao longe, mas com uma terrível certeza novas longas filas de desgraçados empurrados dos seus lares em direcção a a uma terra estranha. Do Kossovo para a Sérvia, da Sérvia para o Kossovo , da Macedónia para o mesmo destino. Tudo isto ao som do clamor dos irredentes sérvios e croatas nessa mascarada política ingovernável e inexistente de per si que se chama Bósnia Herzegovina.
Não hão-de faltar os que dirão que é dos Balcãs que nos vem as desgraças. Falso: somos nós quem leva a desgraça aos Balcãs.

BRINCAR COM O REVÓLVER DE CAMILO

O Jornal das Artes e das Letras publicou uma interessante nota biográfica, da autoria de F. Ribeiro da Silva, sobre “Camilo Castelo Branco e a Irmandade da Lapa”. O artigo está repleto de factos e de nomes. Também se refere ao legado efectuado à Irmandade de alguns bens pessoais de Camilo, que identifica: “um tinteiro de bronze para duas tintas; um pesa papel de bronze; uma lâmpada de bronze, para escrevaninha; uma tezoura de bronze, um cabo de madrepérola e ouro, para pennas”. Este legado é acompanhado do pedido destes utensílios serem usados pela Meza Administrativa da Irmandade na sala das suas sessões. Àqueles bens juntaram-se outros, “entre os quais o revólver de Camilo, em cujo carregador falta uma bala”. Diz-se que terá sido a bala com que se suicidou.

Contado isto, confesso que na arrecadação, tipo arquivo onde aqueles bens estavam pseudo arrumados, nunca vi uma “lâmpada de bronze” nem o “cabo de madrepérola e ouro”, mas eu, com catorze, quinze anos, que nunca pertenci à Meza Administrativa da Irmandade; que estava na base da pirâmide dos seus trabalhadores; usei o tinteiro de bronze e a penna, brinquei (e muito) com o revólver de Camilo (que não tinha balas), com o qual me devo ter imaginado artista em filme de cowboys. É que eu adorava filmes de cowboys!

Agora que li o artigo do Jornal das Artes, Letras e Ideias fiquei satisfeito por relembrar o meu lugar de refúgio na adolescência e por saber que a Irmandade encontrou um lugar melhor e mais digno para guardar aqueles objectos, carregados de memórias.

15 dezembro 2007

MICRO-SOCIEDADES


Segundo os jornais de hoje o Ministro Rui Pereira afirmou que despachou favoravelmente um pedido da Inspecção-Geral da Administração Interna para ampliar a investigação sobre o eventual envolvimento de polícias em esquemas ilegais de segurança nocturna. O Público titula que o “Ministro da Administração Interna admite que haja polícias a fazer segurança ilegal”.

Fernando Madureira, líder da claque dos Super Dragões disse ao Público que a sua claque é "a maior claque da cidade do Porto e por isso o óbvio é associar a vaga de crimes à claque”. Disse ainda, cito agora o Público de 13/12, que «a "claque é grande" e que engloba diversos "grupos e classes sociais". "Há polícias, há ladrões... não somos mais do que uma micro-sociedade"».

Claro que o único elo entre estas declarações é a violência na noite portuense. Mesmo assim não deixam de ter leituras cruzadas.

Estes dias que passam 87


De prémios, de amigos, da vida


E comecemos pelo prémio. Irene Flunser Pimentel ganha o “Pessoa” no meio de aplausos mais ou menos gerais. Vou a um terço do livro e, até ao momento, com grande gozo. Escrita simples, documentação abundante, um regalo. O livro chegou-me tarde porque achei que seria mais simples pedi-lo via “círculo de leitores”. Não foi mas até amanhã ou depois estará lido que é o que interessa. O prémio dá-me gozo também por uma razão muito cá de casa: a Irene Pimentel foi colaboradora da “Centelha”, editora inconveniente e perseguidíssima que um grupo de compinchas da crise de 69 em Coimbra resolveu fundar para continuar no seu pequeno mas honrado trilho de resistência. Saber que esta senhora também alinhou com a malta é, creiam-me, mais outro motivo de alegria. De alegria disse, não de orgulho, porque a obra é toda dela e nós, para aquilo, se alguma coisa demos foi só personagens secundárias às voltas com a Gestapo portuguesa (para citar um dos seus retratados).
Uma mulher sozinha a dar cartas nesse difícil capítulo da história contemporânea. E nem sequer está ligada à Universidade!!! Dizem-me que é por não ter idade para entrar na funçanata pública. Ora porra! A universidade fica sem uma colaboração que poderia ser valiosa, os estudantes sem uma professora que seguramente lhes agradaria e a Pimentel que se desenrasque à sua custa. Ao mesmo tempo, tenho a certeza absoluta, andam pelos institutos universitários ligados à investigação, muitos gambuzinos a fingir que fazem mas não fazem. Porra, outra vez!
Eu até mandaria daqui um convite ao doutor Gago ou à outra senhora da Inducação mas nem isso. Não vale a pena. Mesmo que eles, agora, num repente arrependido, contratem a premiada. Tarde, chegam tarde. Os anos que já se perderam. É que a Doutora (por extenso) Irene Pimentel já tem obra feita e publicada. E boa! Veremos se o milagre do “Pessoa” transforma em rosas os espinhos que, decerto, ela terá encontrado no seu caminho.

Amigos vários têm aparecido ou dado notícias. Malta que está na brecha, activa e a carburar. Desde o Francisco Bélard que muita falta faz no jornal onde escrevia e que apanhei na inauguração da Leitura “books and living” sempre a fariscar uma novidade (e se ele faz bom uso delas!) e que me pôs a par das últimas lisboetas, até ao João Melchior Gomes colega episódico (fugaz, diz ele) em Coimbra e que descubro meu leitor. E finalmente o perigoso leitor (sempre vi aquele tipo a ler, seja dito de verdade) Horta Pinto, um advogado que trabalha sob a dupla égide de Kafka e do Quixote. Por aqui se vê quanto ele acredita nas histórias de fadas da justiça que temos e que ajudamos a fazer. Curiosamente, ou não, estes três companheiros de longos anos distinguem-se pelo humor com que vão contemplando o mundanal espectáculo lusitano. Um tipo que aqui vai remando gosta de vez em quando de saber que amigos o lêem e lhe perdoam os desvarios que vai pondo no éter. Ao mandar-lhes um abraço, estou a mandar um abraço a todo(a)s que me aturam desejando-lhes que escapem incólumes deste natal e que entrem de cabeça fresca no ano bissexto que se aproxima.

O país despede-se da presidência da União ao som das fanfarras que celebram o alto feito do governo em ter levado ao fim a tarefa. Convenhamos que anda por aqui algum exagero. Fizemos (Eles fizeram) o trabalho de casa, a coisa saiu compostinha, não se armou nenhuma barraca das gordas mas é isso mesmo que se espera das presidências da União. Ou não? Agora, gargarejar com a cimeira dos africanos (e nisto misturo gente sã, com um punhado de sobas do piorio, como o acampado de Oeiras e seus vizinhos magrebinos, gente que nunca deve ter ouvido falar em democracia, direitos humanos, povo e outras ninharias (e nisto meto os Mubarack, os Ben Ali, o sultãozinho, o cavalheiro de Argel, todos sem excepção). No que diz respeito à África “negra” também nem tudo são flores que se cheirem. Desde o eterno presidente angolano (a propósito saiu um livro sobre a mortandade de há 30 anos em Luanda: Purga em Angola, de Dalila e Álvaro Mateus, Asa. Leiam-no primeiro e depois digam-me o que se deve pensar da actual clique governamental angolana) a um largo grupo de criminosos, tudo cá esteve a falar em nome das desgraçadas populações suas vassalas e suas, sobretudo, vítimas. Esta cimeira, desculpem lá, não adianta nem atrasa como em breve se verificará. A terceira corre o risco de se realizar na terra do guia iluminado da Líbia, um cavalheiro que ainda não respondeu por uns aviões explodidos em pleno ar. Nem responderá porque o cheiro intenso dos milhões do petróleo apaga ou sobrepõe-se ao cheiro agoniante do sangue. Andou por aí com a sua tenda circense, as suas guarda-costas e uma universidade portuguesa a ouvi-lo babada dizer dislates. Conviria lembrar à dita universidade que não é Columbia quem quer mas só quem pode. E que entre o totó do Irão e este terrorista não arrependido ainda vai alguma distância.

O tratado ontem assinado é isso mesmo. Ou nem sequer. Não adianta muito mas sempre disfarça a cegada de não haver nada há já uns tempos. Não é Roma nem Maastricht por muito que isso custe ao orgulho nacional. Vai ser pudorosamente ratificado pelos parlamentos porque a populaça, de vez em quando, perde a cabeça. Sempre achei que assim deveria ser feito. Sempre achei que a ideia de um referendo era burra e parola. Mas a verdade é que houve mesmo uns patetas que defendiam o referendo. E, assim sendo, deve manter-se a palavra dada. Agora tergiversar, assobiar para o lado ou vir invocar diferenças abissais entre a triste Constituição falida e "isto", é gozar com o pagode. Chamar-nos parvos a todos. Como de costume.
Todavia lá se assinou o tratado mesmo com Brown atrasado. Aqui para nós: os "bifes", nisto de Europa, atrasam-se e atrasar-se-ão sempre. Está-lhes na massa do sangue. O que eles gostavam era de ser mais uma estrelinha na bandeira dos americanos. E se lá pusessem a rainha que delírio! Ou mesmo a princesa Diana, a do povo... que Blair inventou para gáudio das leitoras da imprensa cor de rosa. Pena estar morta...

O senhor Procurador Geral da República acaba de chamar ao senhor Director Nacional da PJ incompetente. Pelo menos! Já não falo das criaturas do DIAP do Porto porque estas, ao fim e ao cabo, são dependentes do PGR. Os jornais contam com abundância de pormenores os problemas da investigação sobre o OK Corral tripeiro. Afirma-se, e não me repugna acreditar, que a polícia sabe quem deu ao dedo e mandou ad patres um par de cavalheiros que não me merecem sequer uma lágrima. Sabe mas não tem provas. Ou não tem provas suficientemente sólidas para não serem rebentadas por um desses advogados espertalhões, que os há e muitos. A ver vamos se uma senhora procuradora, lá ao longe, consegue fazer o milagre de converter o mutismo siciliano que ora impera no Porto e arrabaldes, em confissões. Por mim, não aposto um tostão dos antigos nesta operação.

E já que estou com a mão na massa, lá vai. Há um novo bastonário na Ordem dos Advogados. Eu não votei, até porque não posso. Se votasse provavelmente não votaria nele. É, para meu gosto, muito tonitruante. E imprudente. Não sei se ele pensa a sério que a profissão vai continuar a ser uma profissão de profissionais isolados ou se, lá no fundo, já se conformou com a ideia de que as sociedades de advogados são o futuro. O que me parece é que não se pode chamar aos profissionais isolados os “proletários” da advocacia. Proletários seriam (seriam...) os advogados empregados das grandes organizações profissionais. E mesmo assim... Em segundo lugar parece-me ridículo e perigoso afirmar que os advogados, por o serem, devem estar proibidos de pertencer ao parlamento. Isso, essa capitis deminutio (se é que o Dr Marinho conhece o termo), é de bradar aos céus. E os médicos? E os enfermeiros? E os engenheiros civis ou os arquitectos? Então o parlamento não legisla sobre saúde, medicamentos, construção civil e sei lá quantas coisas mais? Em França ou em Espanha (ou em qualquer outro país onde exista parlamento, também se proíbe os juristas de dizer de sua justiça enquanto eleitos? Achará o Dr Marinho que leis feitas por não juristas são mais perfeitas do que aquelas em que colaboram profissionais do foro?
O dr Marinho poderia, em vez disso, questionar a carreira judicial ou do ministério público. Poderia, por exemplo, propor que se estudasse o acesso à judicatura ou à magistratura a partir de um determinado número de anos de advocacia. Se calhar ganhávamos todos: juristas e público pagante. Eu mesmo já tive a surpresa de encontrar magistrados judiciais e do ministério público a quem não faria nenhum mal uns anos de pedal na advocacia. Para aprenderem Direito e direitos. E respeito pelos que recorrem à justiça. E pelos que, na barra, os representam com dignidade. E aprenderem que a vida, a vidinha de todos os dias, não se ensina no CEJ.
Entretanto o dr Júdice meteu-se em mais uma guerra. Está zangado com a classe. Porque, queira ele ou não, foi a classe que elegeu Marinho como antes elegera o actual bastonário. A democracia, caro Zé Miguel, é uma chatice. As alternativas são ainda mais chatas.
Parece que Júdice corre o risco de apanhar um processo interno movido nem sei bem por quem. A que título? E interno porquê? Ó senhores da Ordem, aproveitem: processem-no cá fora, às escâncaras, vão a um tribunal comum, que diabo! Ganharíamos todos.

A gravura de hoje reproduz a capa de mais um livro (um grande livro!) ilustrado por Pedro Sousa Pereira (um grande ilustrador).

14 dezembro 2007

Feliz anho novo

Já aqui escrevi uma vez que a nossa vocação incursionista tem muito a ver com umas boas jantaradas, distribuição de postais ao vivo, boa-disposição, conversas cruzadas, conciliação de diferenças, recuperação de memórias, coias mais sérias e outras mais ou menos tontas (esta parte é para mim), charutos e cigarros para quem fuma, vinhos criteriosamente escolhidos. E afectos. Porque é assim, conversei há dias com o JCP sobre a eventualidade de organizarmos um jantar no Marco de Canaveses, terra de onde viemos, com os incursionistas que queiram, para nos debatermos com a candente questão de arrumarmos um anho assado com arroz do forno, coisa em que o JCP é mais especialista do que eu, pois faz parte da confraria do dito, com direito a farda, chapéu e tudo, circunstância que me levou a fugir a sete-pés quando quiseram entronizar-me na coisa. Mas eu gosto do prato. E não tenho sido muito assíduo por uma questão de fusos. Trata-se de uma iguaria que na região se come ao almoço que é coisa que, como se vai sabendo, não frequento, razão pela qual quando como já é vagamente requentada. Mas há formas de dar a volta à questão, com algum engenho e boa-vontade: do JCP, que é confrade, e da minha que tenho ligações familiares à restauração local. Sendo assim, creio ser absolutamente possível organizar uma incursão ao Marco para tratar do assunto, ao jantar, encomendando antecipadamente um anho a preceito. Não se preocupem. Os do Marco pagam, que não fazem mais do que a sua obrigação. Claro que não estou a pensar que trataremos disto nos próximos dias, de tão ocupados que andarão com os jantares de Natal. Mas talvez logo no princípio do ano novo, digestão feita das festas. Que dizem?
.

13 dezembro 2007

O leitor (im)penitente 27


F(ra)nac(a)mente!

Abre hoje uma grande livraria em Lisboa e promete-se uma igual para o Porto. Boas notícias para um leitor empedernido e vicioso como já não se fabrica. Desejo à nova loja muitos leitores como eu, passe a imodéstia. Garanto que não vão à falência...
Até lá, e noticiando a abertura de uma Leitura 2 (ou leitura books and living, para que é que serve o ingliche?) bom espaço, assim se encha de bons e raros livros, comentemos esse armazém de coisas que dá por FNAC.
Comecemos pelo princípio como dizia um imortal professor da Faculdade de Direito de Coimbra: a FNAC portuguesa tem muito pouco a ver com a congénere francesa que aliás tem piorado a olhos vistos. Cá é ainda mais pequena, menos livros, muito menos discos mas prosápia a fartar.
A receita é continuar a frequentar as boas livrarias antigas e ir à FNAC em último recurso. Inclusivamente no capítulo livro estrangeiro estamos conversados: ninharias, sucessos e pouco mais.
Na cidade dos tiros à noite convém manter o saudável hábito de frequentar as três L: Latina, Leitura e Lello (em rigorosa ordem alfabética para não protestarem). Quem aqui não pescar a pérola preciosa, não a pescará em mais nenhum sítio. Estas três livrarias, fruto de muita paixão, do trabalho honrado de grandes livreiros ( O senhor Perdigão e agora o filho, o velho Domingos Lima e esse príncipe renascentista que dá por Fernando Fernandes). E de bons e fieis clientes, digo eu, puxando a brasa à minha sardinha. Que um cliente pode ser um ajudante de primeira ordem. Pelos livros que compra, claro. Pelos que encomenda depois, pelos que descobre sabe-se lá em que secretos escaninhos da imprensa livreira e editorial internacional.
Deixem-me contar duas cenas dos últimos quinze dias para explicar a diferença entre comprar numa livraria ou comprar num supermercado de livros.
Uma senhora historiadora publicou há já alguns anos um curioso e interessante livro sobre Sidónio Pais (“Verdes e Vermelhos, ed. Notícias, 2002). Fui por ele, convicto que um livro de história do século XX ainda andaria pelas prateleiras. Nada! Num momento mal inspirado encomendei-o na FNAC. Quinze dias depois comunicaram-me gentilmente que o livrinho estava esgotado. Um leitor obsessivo e frustrado é, todavia, um leitor perigoso. E teimoso. Passei pela Latina e, fazendo-me parvo, perguntei pelo livro. Dez minutos depois, garantiam-me que o livro ainda estava em circulação. Ao fim de meia hora os livreiros tinham contactado a editora e tinham-se certificado que o livro existia em armazém e que podia ser enviado. Já cá canta! Assim, de fácil, de risonho. Sem cartão de cliente sem nada. Apenas um bom serviço.
A segunda história roça o pornográfico. Uma namorada do meu sobrinho ao saber que eu fazia anos resolveu oferecer-me um livrinho do Grouxo Marx. Claro que eu já o tinha mas dado que vinha da FNAC e ainda trazia a etiqueta (sem o preço) fui trocá-lo.
Trocaram-mo, há que dizê-lo. Mas... descontaram-me 10% do preço fnac. E descontaram porque nos dias 28 e 29 de Novembro houvera umas jornadas do aderente com desconto geral de 10%. Vai daí entenderam que um livro a trocar a 12 de Dezembro poderia ter sido comprado nessas jornadas. Por acaso faço anos a 26! Ou seja, pareceria impossível que a prenda fosse comprada dois ou três dias depois. Ainda estive para fazer voz grossa, chamar um dos inumeráveis responsáveis daquela “cour des miracles” mas depois achei que não valia a pena. Que se lixe a Taça que é de pau! E fui arejar até à Leitura com passagem pela Lello. Respirar um ar menos malsão.
Depois disto, e voltando ao princípio: que seja bemvinda a novel “Biblos”, sobretudo se vier para ser uma Livraria, isto é um lugar de encontro entre leitores, autores e mediadores, parco nome para livreiros.

Vai esta em memória da Livraria A Erva Daninha, aventura de um grupo de amigos que gostavam de livros e de os ler. E do Arnaldo Fleming motor dessa pequena loucura.

A gavura: bela edição do grande Rabelais, autor de cabeceira em francês antigo e tudo.

12 dezembro 2007

missanga a pataco 36


Chicago on Douro River?

Parece que vivo em Chicago. A noite é pontuada por tiroteios, fala-se em gangs organizados, em “protecção”, nos “negócios da noite”. Se a moda anti-tabágica pegar a sério ainda veremos a cidade pejada de speakeasies onde se fuma à fartazana.
Estou já a ver os meus camaradas de blog, que ainda queimam o seu paivante, a meterem-se sigilosos por esquinas e becos da cidade antiga e invicta, até alcançarem um postigo de aspecto vulgar, baterem três vezes e reponderem ao pedido de senha por monossílabos sincopados, identificando-se. E lá dentro, por entre cortinas de fumo, bailarinas ucranianas a contorcer-se num palco minúsculo ao som dum sax qualquer...
A polícia está à rasca, o ministro já disse não sei o quê, também não deve ser importante, o dr Meneses já apontou o dedo castigador ao senhor primeiro ministro que, à cautela, levantou os braços bem alto, não fosse o diabo tecê-las e o dedo do ainda presidente da Câmara de Gaia um pistolão calibre 38, desses que o Billy the Kid usava (mas que não lhe serviu de muito pois não Pat Garrett?).
Uma coisa faz-me espécie: é que o último (ou já é o penúltimo?) morto era conhecido por Alberto Maluco. Não seria mais curial “crazy Al”?
O Porto tem falhado quase tudo nos últimos tempos. Será que com esta nova guerra da noite volta a figurar no roteiro das cidades importantes ou teremos de esperar, como de costume, pelos triunfos da equipa do senhor Pinto da Costa? Mal por mal, antes esses. Fuzilam balizas com os pés, e as bolas mesmo com velocidade e força não matam ninguém... E as únicas viúvas que se conhecem são os senhores presidentes do Sporting e do Benfica, coitados. Deixem lá que para o ano há mais.