30 setembro 2005

Será gente?

Ouvi hoje na rádio que advogados de defesa do Processo Casa Pia vão encetar, caso o Ministério Público não o faça, um processo contra o jovem, principal testemunha de acusação deste caso, por este, na última vez que fez o transporte e a entrega crianças para fins sexuais já ter 16 anos.
Pois é. Julgava eu que quem se considera inocente usava argumentos decentes para o provar. Todavia, o que se vê, é que aos artifícios processuais para atrasar o processo, soma agora uma tentativa sórdida para desacreditar e intimidar o jovem, que também terá sido vítima. A este já basta tudo o que passou e ainda o que está a passar por ser testemunha neste caso.
È inacreditável!
Depois queixam-se do julgamento público…

Interessante

"Seria interessante se os Juízes cortassem as linhas de passe ao sr ministro da propaganda.
A JUSTIÇA tem problemas tão sérios que não se podem esconder atrás da poeira demagógica das férias e serviços de saúde.
Os Juízes não devem discutir as férias judiciais: devem exigir o fim das férias judiciais como um direito e não aceitar a existência das ditas como um privilégio (qual a vantagem de serem acantonados no Verão? quem são os 'demais' que com isso beneficiam e que estão calados, embora se movimentem atarefados ?).
Os Juízes não devem defender os SSMJ nem aceitar a ADSE: não podem ser um "peso" nas despesas da saúde; devem exigir o dinheiro que mensalmente lhes é retirado para a ADSE e com ele organizar um sistema privado de saúde, podendo a ASJP obter muito melhores condições negociando com entidades privadas.
Afastadas estas e outras bandeiras da demagogia, talvez seja possível sonhar com um diálogo sério ... entre pessoas!"

excertos de comentário subscrito por Jeronimu - «António (Juiz de Direito cansado de trabalhar e de ser caluniado)» - ao postal "Persistência na Arrogância", publicado hoje no Verbo Jurídico

Greve dos funcionários judiciais: reagendamento

"O Sindicato dos Funcionários Judiciais desconvocou esta sexta-feira a greve de segunda e terça-feira e agendou-a para dia 26, para coincidir com as paralisações convocadas pela Associação Sindical dos Juízes e pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
Esta era a primeira de três paralisações de operadores judiciários, uma vez que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público marcou uma greve para 25 e 26 de Outubro e a Associação Sindical dos Juízes Portugueses agendou outra greve para 26 e 27 do mesmo mês.
O Governo decretou quinta-feira a requisição civil dos funcionários judiciais para os obrigar a cumprir os serviços mínimos, alegando que os «tribunais não podem ficar parados».(*)
Na quinta-feira dezenas de tribunais ficaram fechados porque os funcionários judiciais se recusaram a cumprir os serviços mínimos impostos pelo Executivo.
O SFJ adiantou na manhã de quinta-feira que mais de 85% dos trabalhadores aderiram à greve, enquanto o Ministério da Justiça anunciou que a adesão à paralisação se ficou pelos 72%.

excertos de notícia do Diário Digital de hoje

(*) ilustrando a alegação com "um exemplo que cheira mal"

João de Matos Antunes Varela

A propósito deste comentário de Delfim Lourenço Mendes no Incursões, escreveu o José, na GLQL, este postal , que se transcreve, aproveitando para assinalar, ainda que com indesculpável atraso, a morte do ilustre professor.

"Pouca gente, fora dos círculos concêntricos das profissões jurídicas, saberá quem foi João de Matos Antunes Varela, personagem notabilíssimo que ontem [28 de Setembro]faleceu.
Alguns de fora desse círculo, contudo, ainda têm a memória condicionada pelos reflexos das prisões da Pide e não perdoam o facto de ter sido ministro da Justiça de um dos governos de Salazar. Precisamente em meados dos anos cinquenta, de acontecimentos importantes para a história pátria e mundial. Durante o seu consulado no ministério, Álvaro Cunhal encontrava-se preso em Peniche, de onde fugiu em 1960. Em 1953 tinha morrido Estaline, o "pai dos povos"; em 1955 foi criado o Pacto de Varsóvia; em 1957, apareceu a CEE com o tratado de Roma e por cá, ilegaliza-se o MUD, e também as associações de estudantes, com assentimento provável do ministro A. Varela.
Essa faceta de político nunca mais deixará de ser o ferrete para o marcar pela vida fora, obliterando-se de caminho todo um percurso notabilíssimo nas ciências do direito que forjaram um currículo único e de importância fundamental para quem alguma vez pegou num código civil, depois de 1966 ou estudou direito de obrigações e se debruçou sobre a problemática dos contratos.
Isto, como é notório, é assunto menor para os media portugueses. Como notícia relevante, sobre assuntos judiciários, o Público não encontrou melhor notícias para hoje do que mencionar alguns fait-divers.E assim se vai obliterando a memória colectiva e de caminho se abrem alas amplas para a maior mediocridade que só pode desaguar em mais e melhores reality shows! O último, como vimos, assentou arraiais em Felgueiras. "

recado


a face interna das minhas coxas

manda-te dizer que não te esquece.

minha boca, toda ela,
língua , lábios, palavras,
vertigem e respiração entrecortada,
que conhece cada toque teu
manda-te dizer que não pode viver sem ti.

cada centímetro da pele,
esquadrinhado pela memória
das tuas mãos levíssimas,
manda-te dizer que faltas-lhes.

todas as palavras ditas
na hora mais secreta da noite
mandam-te dizer que o são por ti.



silvia chueire

29 setembro 2005

Revista do CEJ, nº2

Ao fim de quase um ano saiu finalmente o nº2 da semestral Revista do CEJ. Escreve-se na capa: 1º semestre de 2005.
A Revista aparenta estar um bocadinho descaída. O Incursões é totalmente alheio ao facto.

Image hosted by Photobucket.com

Image hosted by Photobucket.com




28 setembro 2005

Diário político 1

Vale tudo? Antes valesse!...
(melancólicas reflexões pelas autárquicas de 97)

1. Um insofrido mas sábio presidente de câmara justificou assim a sua transferência para uma lista do partido socialista: quem está com o poder come, quem não está cheira.
Comoveram-se os jornais, alguma opinião pública e o partido que o convidara num alarde de virtude eleitoral e democrática tão sacrista quanto ostentatório.
Os jornais que se pelam por histórias destas ( isto é que é para eles notícia) voltaram a cara e enxurraram os desgraçados leitores com um sermão de pascoela mais bacoco que tartufiano.
A "alguma" opinião pública, que passa a vida a espreitar para o decote da Cláudia Fischer, gargarejou indignações tardias e hipócritas como se não se tivesse calado perante anos e anos de escandaleira eleitoral.
Finalmente o partido socialista que cometeu a feia acção de o ir desinquietar ao seu partido de origem para tentar ganhar uma câmara que de outro modo não ganharia ficou ofendido com a frase e retirou o convite.

Vejamos por partes: mentiu o impudente autarca ao afirmar as virtualidades de se pertencer ao partido de quem governa? Ignoram os próceres do ps (locais, regionais ou nacionais) que mesmo sem cometer escândalo sempre são mais bem vistos os "nossos" que os "outros"? Porventura os jornais conhecem algum exemplo do contrário? Será que a opinião ilustrada não vê e muito menos ouve o bramido formidável dos autarcas ps a pedir a teta orçamental?

2. Em Esposende tem ultimamente governado o psd e tudo leva sa crer que não será desta que a roda da fortuna desande. É esse, pelo menos, o meu voto. De facto não só parece pacífica a opinião de que o actual presidente é competente como, sobretudo, do candidato ps apenas se sabe um par de coisas pouco abonatórias: para começar o jovem advogado dr. Tito Evangelista foi durante anos o benjamin do senhor presidente da câmara, bastando este estalar o dedo para aquele acorrer pressuroso. Também consta que o doutorzinho apenas suspendeu a militância no seu partido de sempre que, aliás, o levara ao regaço do presidente da câmara e à vereação. Se depois de auto suspenso se excluiu pouco importa até porque tal abandono apenas terá por origem o facto do psd ter preferido o adversário. Mas conte-se a história toda, ainda que de dedo no nariz. Mais ou menos a meio do mandato o actual presidente da câmara resolveu suspender funções e deixou no seu lugar, como há muito estava combinado, o diligente dr. Evangelista. Que condições haveria para consolidar a sucessão, que promessas foram feitas é coisa que só os tribunais (pois parece que a guerra familiar já aí chegou) nos esclarecerão. Se o conseguirem... De verdadeiro apenas sabemos que poucos meses passados sobre a substituição estalou a disputa entre o presidente da câmara e o seu jovem substituto. O primeiro entendeu regressar e o segundo tempos depois via-se, enquanto vereador, despojado de pelouros e reduzido a mero figurante camarário. Terá sido nesse momento que, desatendidas as suas razões pelo partido, Evangelista se suspendeu ou desfiliou. E começou a travessia do que parecia um longo deserto mas que se revelou como um prometedor caminho de Damasco.

Neste momento, e perante a eminência de eleições, algum iluminado dirigente do ps local terá bradado: até agora cheirámos já é hora de comer. E toca de aproveitar a boleia do apressado e auto suspenso Dr. Evangelista. A pouca vergonha gananciosa do ps foi prontamente correspondida por idêntica dose de pudor do até há pouco nº 2 da câmara e do psd local. E eis que ungido pela concelhia ps passou o dr. Tito a pregar uma nova e revolucionária verdade eleitoral.

Em Roma, consta, não se pagava a traidores. Esperemos que também em Esposende o desnorte tenha o mesmo e merecido prémio.

3. Em Vila Verde o senhor presidente da câmara não tem os ciganos no coração: são, ao que parece, feios, porcos e maus. Por isso e porque havia a suspeita de tráfico de drogas eis que autarca e populares entenderam despejar a ciganagem, derrubando-lhes barracas e proibindo-os de viver na terra. Tudo isto à má fila sem respeitar sequer a propriedade dos despojados que tinham pago bom dinheiro pelos terrenos onde precariamente se instalavam.

Um par de cidadãos de esquerda e o governador civil de Braga entenderam que Vila Verde se dava ares de xenófoba se é que tão extravagante palavra recobre bem os tratos de polé dados (e mais ainda: prometidos! ) aos ciganos. Ai Jesus, Maria, José, o que se foi dizer: multidões regougantes invadiram o espaço jornalístico e televisivo afrontadas com a desfeita ao bom nome da terra.

Nesta luta pela dignidade vila verdense distinguiu-se um senhor deputado de nome Martinho e candidato “socialista” a presidente da Câmara Municipal: brandia contra o governador civil, seu camarada de partido, um argumento de peso: o Sr. governador desconheceria que a boa e pacífica gente de Vila Verde só perseguia delinquentes por sinal sempre ciganos. Mais: que ninguém tinha culpa de todos os ciganos moradores no concelho serem traficantes de droga. S.ª Ex.ª não passava de um exaltado movido por indisfarçáveis e condenáveis resquícios de esquerdice.

O candidato apoia o presidente em exercício na sua cruzada purificadora enquanto este promete apoio nas próximas eleições. Tudo em nome de Vila Verde, do socialismo democrático, do bom nome da terreola e da democracia musculada.

Os próceres regionais do ps mais preocupados com o score eleitoral do que com as velhas raízes da esquerda igualitária não só brindaram o governador civil com o mais sórdido silêncio como, e para fazer medida, foram em peregrinação festiva à apresentação da lista candidata a representar o povo (devidamente expurgado de criminosos) de Vila Verde.

Espera-se que esta lista que ganha em sanha étnica ao CDS PP tenha o resultado que merece...

4. E já que se referiu o CDS PP que dizer da transferência de um dos seus autarcas (o senhor presidente da cm da Batalha) para as listas do partido socialista na corrida à câmara de Leiria?

Parece que o referido candidato terá, como certas filhas família do antigamente, reconstruído a sua virgindade política: nunca foi do pp mas antes sempre se afirmou como independente devotado ao bem da terra natal ou de qualquer outra que lhe acene com uma presidencial cadeira.

O ps sempre romântico e optimista foi buscar este modelo de autarca todo o terreno e pô-lo a pilotar as suas ambições leirienses.

Aqui assiste-se a mais um grau na escalada das transferências: não só se foi buscar candidato de outra cor mas também de outra terra. Para a próxima talvez se consiga um estrangeiro com experiência na alta competição autárquica.

5. Comovido com estas movimentações eis que o ppd psd resolveu pagar com a mesma moeda: em Coimbra apresenta o Dr. José Gama, ex presidente de Mirandela que, aliás, fora recrutado dentre os primitivos autarcas CDS. Aqui consubstancia-se na mesma pessoa um pequeno e terrenal mistério da trindade: a transferência é de partido, distrito e região. A favor do candidato registe-se a arroubada declaração de amor à cidade do Mondego feita pelo candidato que, além disso, averba a seu favor o facto de nesta ter frequentado a universidade. O argumento é sólido mas tem um ligeiro senão: é que a partir de agora haverá mais de cem mil excelentes candidatos ex estudantes de Coimbra. Aconselha-se para efeito de escolha a classificação destes por número de anos de frequência dos Gerais ganhando obviamente os “veteranos” mais antigos. Aliás poder-se-ia até consagrar no “código da praxe” da Academia (que já não se guia pelo “Palito Métrico” por não haver quem domine o latim macarrónico) este novo direito estudantil: não só não há que pagar propinas mas, além disso, podem os alunos com mais uma matrícula do que as que o currículo prevê, candidatar-se ao honroso cargo de edil.

Terminemos esta pungente “via crucis” com esse homem fatal que dá por Santana Lopes. Escorraçado de Lisboa e seu termo por Pacheco Pereira eis que, qual novo Wellington, desembarca na pacífica Figueira da Foz a convite do ppd local. Vem como o inglês façanhudo escorraçar da “praia da claridade” a onda vermelha que aí se instalou desde o 25 de Abril. Vem para ganhar graças a três trunfos de peso:
1 Com ele a Figueira entra no difícil mapa da crónica de sociedade augurando-se que, se tudo correr a preceito, ultrapassará Marbella.
2 O partido socialista local está em estado comatoso. No período eleitoral ninguém leva a mal. Não nos espantemos com a hospitalidade com que a Figueira, desde sempre com vocação turística, recebe e naturaliza os estranhos que a ela chegam.

Ponhamos que aqui não será Santana que ganha mas o ps que perde por falta de comparência. Dir-me-ão que se assim é não se podem assacar culpas ao ps. Errado meu caro Watson, absoluta e definitivamente errado. O ps tem, a nível autárquico, cultivado uma absurda e letal teoria: enquanto o pau vai e vem folgam as costas. Traduzindo: temos no poleiro uma besta baptizada mas como até à data ganhou eleições não vale a pena reconduzi-la à estrebaria a que pertence e donde só devia sair para ir ao ferrador.

Assim se perdeu, in illo tempore, Gondomar, assim se vai perder a Figueira e assim se corre o risco de perder Gaia.

Cabe dizer que a democracia só ganha com o expurgo das mediocridades sejam elas de esquerda ou de direita. Convirá, porém, acrescentar que a coisa só vale se alguém aprender a lição. E nem sempre isso acontecerá como se vê com Gondomar. O ps terá reflectido no seu anterior desaire eleitoral nesta circunscrição e com a pesada subtileza que caracteriza a comissão política distrital do Porto entendeu que para bater um “Joãozinho das perdizes” que no século dá por Valentim Loureiro, não haveria melhor que soltar-lhe às goelas um rapazola vagamente arruaceiro com carregada pronúncia nortenha e descaramento q.b. que chegou ao ps e ao parlamento por interposta “Plataforma de Esquerda”. Como se sabe, no Porto não havia plataformistas que chegassem para encher um táxi pelo que quando foi necessário recrutar não estiveram com chichis nem com cócós: tudo o que veio à rede era peixe. Só assim se explica que o tonitruante dr. Pedro Baptista, ex-expoente do “Grito do Povo” (O. C. m-l. P.) aparecesse junto aos seus antigos arqui-inimigos “revisas” e “social-fascistas”.

Além de cometer uns artigos vagamente regional-futebolísticos no periódico “O Jogo” o dr. Baptista mete no mesmo saco os seus inimigos de estimação e os do Sr. Pinto da Costa, distinto presidente do Futebol Clube do Porto. Um golo deste é, para o vociferante parlamentar, sempre uma vitória da classe operária ou, hoje em dia, do interclassismo anémico que se revê no ps.

Em mau momento o escolheram pois à vista desarmada logo se verifica que, frente ao lobo mau Valentim, o “jovem” Baptista faz, quanto muito, o papel do mais novo dos três porquinhos se é que os meus paroquianos já leram essa bonita historinha. Noutros termos: não chega sequer às canelas do matreiro Valentim quanto mais, como se queria, às goelas.

No próximo dia 14 se verá que razão assiste a quem estas melancolicamente traça. Espera-se todavia que o vale tudo que se descreveu não seja premiado em atenção à quadra natalícia que começa. Est modus in rebus!...

8.12.97
(transcrito tal e qual se escreveu, valham a verdade e as qualidades proféticas do A.)

d’Oliveira

Com licença de Vossas Senhorias

Quem chega há-de por força dizer ao que vem, que é essa uma boa regra entre gens du monde. Por isso, permitirão que me apresente: d'Oliveira. d'Oliveira como a árvore milenária e sofrida, mãe desse azeite antiquíssimo que nos distingue, mediterrânicos, dos homens do norte, sérios e convictos do valor da manteiga e similares. Hão-de vossas Senhorias reparar que a fronteira da oliveira é quase a mesma da vide e corresponde na europa à mancha romana e romanizada.
Dessa herança me reclamo, mesmo sem desdenhar da cerveja, bebida de pobres no Império dos césares. A verdade é que em havendo dinheiro os sequiosos mediterrânicos nem hesitavam: venha vinho para os nossos copos, como diz a canção.
d'Oliveira é ainda uma modesta e sentida homenagem ao Cavaleiro de Oliveira, Francisco Xavier de seu nome, nado em Lisboa em 1702, filho do contador dos contos José de Oliveira e Sousa. Aliás FX sucede ao pai nesse pingue cargo como dirá a uma dama (ah as damas e FX...) "na minha pátria era contador dos Contos, aqui estou às ordens de V.M. como contador de histórias".
O Cavaleiro, pois era detentor desse grau na Ordem de Cristo, cedo se expatriou e faz parte desse pequeno grupo de ilustres emigrados que deixou mais nome e influência nas cortes europeias de Viena a S. Petersburgo do que na pátria madrasta. Conhecem-se dele livros indigestos e deliciosas cartas, em seu tempo publicadas e prefaciadas por Aquilino Ribeiro que lhe também escreveu exaltada biografia.
Para terminar convém dizer que referindo-se o Cavaleiro ao facto de ter sido queimado em efígie, em pleno reinado de D. José, disse: Nunca senti tanto frio na minha vida como naquele dia.
Como norma de vida deixou esta sentença que bem merece ser recordada: há que dar força à razão para que o acaso não governe as nossas vidas.
Voltaire não diria melhor.
Em segundo lugar, permitam-me que me sinta igualmente afilhado de Carlos de Oliveira, com quem brevemente privei e que tenho por um dos grandes autores da 2ª metade do nosso século XX. Atribui-se-lhe a bela canção heróica musicada por Lopes Graça - Terra pátria serás nossa:

Terra pátria serás nossa
mailo sol que nos cobre
terra pátria serás nossa
mãe pobre de gente pobre

Terra pátria serás nossa
mailos vinhedos e os milhos
Terra pátria serás nossa
mãe que não esquece os filhos
.................................................
E se a loucura da sorte
assim nos quiser perder
abre-nos teus braços de morte
e deixa-nos adormecer.

Tudo isto para ir publicando excertos de um diário escrito nos últimos 10/12 anos sobre este amor impossível e infeliz que se chama Portugal, feito mais de lágrimas do que de mar, naufragado entre índias imaginárias e ásperas europas. Para bilhete de identidade, creio que basta.

A paz em Belfast

As notícias (ver aqui, aqui e aqui) que nos chegaram estes dias da Irlanda do Norte são muito encorajadoras para o futuro próximo. Pese embora as desconfianças já avançadas pelo reverendo Ian Paisley, líder dos radicais do Partido Unionista Democrático, o desmantelamento do arsenal do Exército Republicano Irlandês, comprovado pelo general canadiano John de Chastelain, chefe da Comissão Internacional Independente para o Desarmamento, abre francas hipóteses de êxito para a reabertura do processo de paz com vista a uma solução política para o Ulster.
Oxalá este exemplo irlandês possa ser seguido também no País Basco, assim o queiram os responsáveis políticos e os dirigentes da ETA e das organizações que lhe dão suporte. A Europa deveria empenhar-se com toda a sua força na resolução destes (e de outros) conflitos que já provocaram milhares de vítimas.

CEJ:

Direcção Geral ou Centro de Formação de Magistrados?

Com um nick cheio de significados e significantes, eis o primeiro contributo para o Incursões de um leitor assíduo que espero passe a colaborar com regularidade.

"O Sr. Ministro da Justiça foi ao CEJ, no passado dia 26 de Setembro, anunciar medidas do Governo para a área da Justiça.
Era de esperar que, desta feita com razão, a Associação Sindical dos Juízes e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público viessem a campo protestar pelo local escolhido e pelo conteúdo de algumas afirmações.
Pelo local escolhido porque o CEJ não é (não devia ser…) uma direcção-geral do ministério da Justiça onde o Ministro vai, quando quer, fazer propaganda do Governo. Há locais no Ministério da Justiça para o fazer e o CEJ não tem essa tradição nem passado. Porém, a vontade de agradar desta direcção do CEJ é tanta… que até se esquece que o princípio da separação de poderes lá devia começar…
Igualmente notável é o facto do Sr. Ministro ir anunciar ao CEJ que “a partir de agora os juízes deixavam de ser aplicadores literais da lei”. Para além da notável distracção de 30 anos (pelo menos desde o 25 de Abril que essa noção desapareceu), o Sr. Ministro foi ao CEJ insultar todos os anteriores Directores e docentes daquela casa que supostamente acolheram e ensinaram essa leitura, de acordo provavelmente com a ideia da Sra. Directora do CEJ que apresenta como "reforma curricular" um conjunto de coisas velhas e de coisas novas mais do que questionáveis. "

Casamayor

Navegando na Blawgoesfera

1.
Em postal de 14/9 dei conta, aqui no Incursões, da criação do blog Câmara Corporativa, que se propunha "denunciar privilégios (injustificados por natureza) e apoiar, tanto quanto um blogue recente o pode fazer, as propostas que visem romper os liames que asfixiam o país."
Fiz então "votos de que os previsíveis debates sejam profícuos e de que, caso da discussão se colham novos elementos esclarecedores, tal tenha o devido reflexo nos postais."
Infelizmente, as suspeitas (desde logo expressas nos comentários ao referido post) de que o objectivo do Câmara Corporativa não era propriamente dar a informação que permitisse lançar as bases de um debate sério, mas sim lançar uma caça às bruxas, com meros propósitos de propaganda governamental, confirmaram-se sem magem para dúvida.
Disso é prova não só a total falta de eco, nos postais do CC, dos esclarecimentos factuais que, a propósito de vários temas abordados no "dossier magistrados", foram sendo prestados, mormente pelos incansáveis José, em comentários, pelo juiz JTRP, em posts no Verbo Jurídico e pelo nóvel blogger Excêntrico, mas também a manifesta sanha que escorre de diversos posts e comentários . Mesmo hoje temos disso um claro exemplo: veja-se este post do CC (2 linhas), que faz eco de notícia do Público e confronte-se com a informação prestada a propósito neste post do Verbo Jurídico...
Acresce que, parafraseando o José, a caixa de comentários do CC é uma autêntica "escarradeira virtual", razão pela qual este já desistiu de dar para aquele peditório.
Em suma: aquilo que poderia ter sido um verdadeiro serviço público mais não é, nem pretende ser, que uma lugar de escárnio e maldizer.

2.
Notável o trabalho de esclarecimento, sempre bem fundamentado, desde logo na lei e nos factos, e também em conhecimento de causa, de JTRP no blawg Verbo Jurídico, no que respeita, mormente, à denúncia da acção de propaganda em curso para desprestigiar (ainda mais) e domesticar as magistraturas e os tribunais. É certo que, embora no que à interpretação daqueles respeita, nem sempre estejamos de acordo (designadamente no que concerne ao tipo de reacção a doptar por aquelas), a informação rigorosa que disponibiliza permite, mesmo a quem não está familiarizado com estas temáticas e suas minudências, formar um juízo próprio esclarecido.
Disponibilizando, também, regularmente, súmulas das mais relevantes notícias relacionadas com a justiça e o judiciário e textos de opinião com sugestões para a melhoria do sistema de justiça, o blawg Verbo Jurídico é realmente de consulta diária "obrigatória" para quem se interessa por estes temas.

3.
Também a acompanhar, pela seriedade da reflexão sobre as referidas temáticas, o nóvel blawg Excêntrico, uma carta "fora do baralho".

4.
Na Grande Loja do Queijo Limiano, com temáticas bem mais diversificadas, voltou a valer a pena vasculhar por entre a torrente diária de postais. Ainda nos temas em referência, destaco os postais do Manuel, designadamente o dossier "Justiça - uma história portuguesa", com vários capítulos (link aqui para o preâmbulo; para aceder aos capítulos seguintes basta clicar em "continua") e os postais do José. Deste, um dos últimos merece-me especial referência, por abordar a recorrente questão da forma manipulativa/desinformativa como estes temas são, muitas vezes, tratados na comunicação social - trata-se deste postal sobre a notícia do Público titulada "Souto Moura decide que decisão do Apito só sai depois das eleições".

(uma curiosidade à margem: sobre este tema pronunciou-se e despronunciou-se, misteriosamente, um dos colaboradores do também recomendável blawg Cum Grano Salis, por sinal um ex-militante da blawgoesfera)

5.
A esta temática também não fica alheio Rui do Carmo, como o demonstra mais este postal no seu blog Mar Inquieto (há muito RC vem dando uma especial atenção às relações entre justiça e comunicação social, tendo sido, aliás, o "teórico" e o executor do 1º curso que sobre o tema foi realizado pelo CEJ (em parceria com a Escola Superior de Comunicação Social) , mas os seus "recados", mormente para as cúpulas do MP, continuam a cair em saco roto.
Ao estilo página pessoal, no seu blog RC alia apontamentos e citações mais intimistas a uma constante e aprofundada reflexão sobre temas relativos ao funcionamento do sistema de justiça e outras temáticas de intervenção cívica, sem se alhear, muitas vezes com saborosa ironia, dos pequeno fait-divers. Um reparo apenas: por falta de links, por vezes a informação torna-se um tanto "cifrada"...
Mais um blawg a visitar regularmente, portanto!

6.
De rigor de análise jurídica, sentido de oportunidade, acutilância e ironia mordaz se fazem os postais no Patologia Social, onde José António Barreiros entremeia a análise jurídica "pura e dura" com referências a temas mais "mediáticos", na área da justiça e do judiciário, que no seu reaparecido A Revolta das Palavras abarcam outros temas recorrentes na nosssa sociedade e que, a tantos, começam a fazer crer, tal como ao autor, que não resta caminho senão o "da desilusão à insurreição geral".
No Patologia Social escreveu JAB, em 24.9.05, este curto e incisivo postal, sobre um facto de enorme gravidade que, estranhamente, parece ter passado "ao lado" dos sempre atentos blawgers. Como nestas matérias a regra é deixar andar, preparemo-nos, pois, para (mais) "um crime ainda maior".

7.
Verdadeiro serviço à comunidade também o prestado pela Grande Loja do Queijo Limiano, ao disponibilizar o texto integral do artigo do jornalista do Público António Cerejo, sobre aquilo a que eu chamaria "Vitorino, Lamego e ABC - As aventuras dos três da vida airada" - capítulo Eurominas", uma boa amostra do que para certos políticos é a ética democrática e do que faz mover, efectivamente, este nosso sistema político, e que pode ser lido aqui.

27 setembro 2005

LOW COST
ou
O AEROPORTO DOS OTÁRIOS

Uma Campanha Alegre

e uma amostra aqui


Rafael Bordalo Pinheiro - "Maxixe na Política"

25 setembro 2005

Ainda o Forum do MP

A intervenção de Rui do Carmo no Forum do Ministério Público, que teve lugar no passado dia 23, já pode ser lida aqui on line.
Fazem-se votos de que muito em breve sejam também disponibilizadas, on line, as demais intervenções.

Actualização em 27/9

Já se encontra disponível no site da PGR a intervenção proferida no Forum pelo Procurador Geral da República.

E, no site do SMMP, a intervenção do seu presidente, António Cluny, que se desdobra nos seguintes pontos: 1. A razão do Forum; 2. Justiça bem comum e interesse público; 3. Estatuto sócio profissional, corporativismo e bem comum; 4. Estado de direito, valor de lei e privilégios; 5. MP bem comum e interesse público; 6. MP, estatuto, interesse geral e interesses dos indivíduos; 7. A definição da política criminal e o MP; 8. Política criminal de proximidade e o MP; O CSMP e um código de conduta do MP; 10. Efectividade da Justiça, eficácia e mapa judiciário; 11. O CSMP, a eficácia e uma outra cultura de governo e acção do MP; 12. Conclusões

No mesmo site está também já disponível o documento apresentado no Forum relativo às
LINHAS DIRECTRIZES EUROPEIAS SOBRE A ÉTICA E A CONDUTA DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

24 setembro 2005

Admirações

...

As duas pessoas que eu conheço que mais admiro, são aquelas por quem tenho menos consideração. A primeira, não vem aqui ao caso. A segunda, é o autarca do "amaramarante.com", o mesmo que "deixouomarco.comido", o homem sempre em pé, um bafejado por Deus, Ele que quer a toda a força que ele seja o Salvador. Mas, nos últimos dias, esta minha tabela de admirações sofreu um forte abalo: admiro muito "fátimafelgueiras.sempre.presente.com.ligeiras.estadas.fora.sem". Não sei até que ponto a considero. Não a conheço a não ser do que leio e do bom aspecto que vejo, depois de uma "alegada" estada no Brasil. "Alegada", ok?

O caso do Américo

.

«Esta semana o Tribunal da Boa Hora mandou em liberdade um homem que há seis anos fugia à justiça. Juízes garantem que a situação é frequente e muitas vezes compreensível. Mas Fátima divide os magistrados: uns garantem que «ridicularizou a justiça» outros que o tribunal fez o que devia.»

Notícia do Portugal Diário

Comentando

Caro Américo (fictício nome do homem da notícia): lamento profundamente que, por causa das confusões de calendário, naturais em quem anda fugido, não tenha conseguido chegar a tempo de se apresentar como candidato a uma autarquia, por certo vitoriosa. Mas não se preocupe, porque, tanto quanto li por aí, se o PS levar uma "banhada" nas autárquicas, logo virá o tempo de uma remodelação governamental que, seguramente, não se esquecerá de si, desde logo pela sua simpática atitude de se apresentar de livre vontade a uma justiça que, obviamente, quando pretendeu a sua prisão preventiva, agiu com excesso de zelo. Daí ao paraíso, será uma questão de tempo: basta contratar um bom assessor de imprensa que passe para os jornais supostas malfeitorias no exercício do cargo e, não tarda, será remodelado com a garantia de um lugar num conselho de administração de uma boa empresa, daquelas que pagam bem ao fim do mês, que dão boas reformas e boas indemnizações em caso de substituição.

Com os melhores cumprimentos deste seu admirador.

23 setembro 2005

Au Bonheur des Dames nº 9

a angústia, o nojo, a cólera

1. O 11 de Setembro já lá vai mas convém não esquecer que, se esse dia significa a infâmia das Torres Gémeas de Nova Iorque, foi também a 11 de Setembro de 1973 que um exército miserável comandado por um bando de assassinos se revoltou contra o poder legítimo e depois de matar Salvador Allende e centenas de pessoas que o tentavam defender estendeu sobre o Chile um espesso manto de ignomínia, tortura, morte e terror que se traduziu num impressionante número de mortos, desaparecidos e exilados.

2. Uma criatura de nome Fátima Felgueiras terá cometido varios delitos. Fugiu para o Brasil quando ia ser presa. Alguém, um magistrado?, tê-la-á avisado da detenção iminente. A populaça de Felgueiras celebrou-lhe a esperteza e troçou dos poucos que ousaram respeitar a ordem do tribunal e melhorar a degraçada imagem da concelhia local do PS. Está na memória de todos o calvário de Francisco de Assis, percorrendo corajoso, agredido e insultado as ruas daquela espécie de terra mafiosa.
Agora a prófuga criatura regressa e uma senhora juiza entende, no seu alto critério, que a uma fugitiva que desafia os mais elementares princípios da democracia e da liberdade (para já não falar no respeito às leis) que basta que a senhora fique proibida de sair do país. A populaça regouga de contentamento pelo regresso da sua recauchutada "presidenta".
O MP ameaça recorrer: façam o favor mas não se esqueçam que quem foge uma vez foge duas...

3. O senhor primeiro ministro entende que deve, em plenário parlamentar, dirigir-se ao senhor chefe da oposição numa berrata excitada e avinhada, solicitando-lhe "uma ideia, uma ideiazinha..." Sexa que praticamente não foi ao parlamento nunca como chefe da oposição esquece duas pequenas coisas: a primeira é que o chefe da oposição não é obrigado a dar-lhe ideias, ideiazinhas ou outras baldas para o seu balofo plano; a segunda é que virando o discurso para o tom arruaceiro e de tasca não dignifica o parlamento, não dignifica o adversário e muito menos se dignifica a si próprio.
Sexa no meio disto esqueceu-se de ser educado. Não tomou chá em pequeno e agora, se calhar, já é tarde.

4. O senhor primeiro ministro, também disse que as actuais "reformas" são prova de grande coragem política tanto mais que há eleições á porta. Para quem atacou tanto Ferro Rodrigues que por acaso salvou o PS de uma derrota memorável numas legislativas, venceu umas europeias brilhantemente com o melhor resultado de sempre e deixou o PS já em clara vantagem nas sondagens quando se demitiu, convem agora lembrar que tem de mostrar alguma coisa nestas autárquicas. Pelo menos nas grandes e médias cidades onde o voto é mais político do que local. Caso a coisa dê para o torto seria bom que se lembrasse do exemplo de Guterres. Ou seja: quem perde eleições vai dar umas volta ao bilhar grande. Para quem não percebe a expressão isto quer dizer: demite-se. Estas autárquicas são cruciais como prova de fogo política.

5. Os boys ( ou bois?) vão-se instalando tumultuosamente nos lugares públicos. Assim se lhes paga o vivório eleitoral de há meses. A obediencia cega, pingue prebenda. A coisa já não espanta, e dificilmente indigna mais que uma dúzia de paroquianos. O signatário já escaldado por anteriores andanças do mesmo teor apenas pediria que a manada de boys (ou bois?) tivesse a decência de ser já não digo modestos mas apenas comedidos nas suas relações com a paisanagem. Não são. A nóvel importancia de que estão revestidos sobe-lhes ao crânio num arroto e zás! Aí vai disto.
Cada vez que me lembro que enquanto eles assobiavam para o lado, eu andava fugido ou estava preso até me dá vómitos...

6. Fernando Fernandes, um dos grandes livreiros que este país conheceu e de que o Porto e arredores desfrutaram durante quase 50 anos na "Divulgação" e depois na "Leitura", retirou-se definitivamente das lides. Hoje a minha "leitura", a minha "divulgação" vício de quarenta e sete anos e quinze mil livros nas estantes cá de casa, está mais pobre, A saída do Fernando é uma metáfora do país, se isto ainda merece esse qualificativo...

7. a Santa Casa de Misericórdia de Paços de Ferreira já tem uma comissão administrativa nomeada pelo bispo da diocese que, entretanto, num decreto, removeu a anterior mesa suspensa pelo Tribunal e que até hoje estava substituida por este vosso criado. Ou seja já posso voltar ao convívio dos meus amigos bloguistas. Que bom!

«A afirmação recorrente de que o Ministério Público tem excesso de poder é apenas uma forma eufemística de manifestar a incomodidade pelo exercício integral e cabal das funções que lhe estão confiadas, que se traduzem essencialmente em poderes de iniciativa que são objecto de um controlo multifacetado: político, judicial e pelos cidadãos. Só pode significar medo da afirmação da legalidade democrática e da afirmação prática do princípio constitucional segundo o qual “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.»

Escrito aqui por Rui do Carmo, um dos oradores no Forum

(uma gripe outonal não me permite, infelizmente, estar presente em corpus, mas apenas em spiritu, nesta iniciativa do SMMP, que aplaudo)

incontestável

vaga a noite vaga,
não descansa.
umas asas se desfraldam
luminosas,
palavras e esperança.

nas pontas dos pés eu bailarina
toco de leve a corda sobre o abismo.
equilibrista,
os músculos retesos
atenta a cada gesto ínfimo .
que não me atire,
não me mate,
não me incida
íntimo e amargo.

voam meus olhos a olhar
esta viagem sem retorno.
nas asas do desejo,
no tênue tecido destes versos
deitam-se pensamentos,
imagens, memória , canções.

breve, cuidadosa dos meus passos,
no peito o sonho
irresistível ,
na alma o sonho
incontestável,
toco a sapatilha nesta corda.



silvia chueire

22 setembro 2005

Recuperar a Dignidade

"(...) não é apenas ao legislador, sistema político, que podem e devem ser imputadas as causas das decadência, os diferentes agentes judiciais têem muitas culpas no cartório. Em primeiro lugar, por via de um corporativismo bacoco são incapazes, estruturalmente incapazes, de reconhecer as suas próprias falhas e deficiências, assim como as do sistema, esquecendo que, em nome e na defesa, da sua própria autonomia, muitos dos problemas e 'equivocos' gerados poderiam e deveriam ser resolvidos internamente, pelos respectivos conselhos superiores, esgotando assim, à nascença, muitos dos pretextos de intervenções externas e 'militaristas' que legitimamente podem ser consideradas como lesivas e cerceadoras da independência judicial, fundamental num estado de direito democrático."

Excerto deste post na GLQL

(...) Se as magistraturas querem ser respeitadas, e devem sê-lo, tem também que respeitar a inteligência de todos os restantes cidadãos. Não se podem resignar, muito pragmaticamente, face a tudo e mais alguma coisa, e só berrar desalmadamente quando lhes entram nas regalias. Devem, em suma, recuperar uma parte da dignidade que, por única e exclusiva culpa, tem vindo a perder...

Excerto deste post na GLQL

AS PALAVRAS PERDEM ESPESSURA

O azul vai invadindo a escrita
como se uma anemia fosse
corroendo a tinta e a leitura
deixasse de ter hálito.


As palavras perdem espessura
já não nos alongam puídas

nem os olhos as reflectem
nem nos conduzem os gestos.
Como cerzi-las antes
que me esfiape com elas?

NESTA PARADOXAL ESQUIZOFRENIA DE SER CIDADÃO E MAGISTRADO, O DEVER DE RESERVA FAZ-ME AZIA!

Rui do Carmo, in Mar Inquieto

É essencial que, na relação do sistema de justiça com os cidadãos, se opere a substituição de uma relação autoritária com cidadãos desconfiados por uma relação democrática com cidadãos esclarecidos.

idem

Da aplicação e alteração das Medidas de Coacção

A propósito do penúltimo post - "Aterrou para a Liberdade"

Título II do Código do Processo Penal - "Das Medidas de Coacção"
Cap. I - "Das medidas admissíveis"


Termo de identidade e residência (art. 196), caução (art. 197), (obrigação de apresentação periódica), suspensão do exercício de funções, de profissões e de direitos (art. 199), proibição de permanência, de ausência e de contactos (art. 200), obrigação de permanência na habitação (art. 201) e prisão preventiva (art. 202).

Art. 202 - "Prisão preventiva"
1. Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:
a) Houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos; ou
b) (...)
2. (...)

Cap. II - "Das condições de aplicação das medidas"
art. 204º - Requisitos gerais
Nenhuma medida de coacção prevista no capítulo anterior, à excepção da que se contém no art. 196º, pode ser aplicada se em concreto não se verificar:
a) Fuga ou perigo de fuga
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.

Cap. III - Da revogação, alteração e extinção das medidas
art. 212º - revogação e substituição das medidas
1. As medidas de coacção são imediatamente revogadas por despacho do juiz sempre que se verificar:
a) (...)
b) Terem deixado de se verificar as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.
2. (...)
3. Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução.
4. A revogação e a substituição previstas neste artigo têm lugar oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido (...)
************

Segundo o Correio da Manhã:
Ao contrário do que se previa, a defesa de Fátima, a cargo do advogado Artur Marques, apenas a fez apresentar à Justiça e não requereu a aplicação da imunidade eleitoral, porque para o causídico tal solicitação, mesmo legal, “seria uma situação imoral”.

Segundo o DN:
A procuradora adjunta do Tribunal de Felgueiras Adriana Faria defendeu a manutenção da prisão preventiva para Fátima Felgueiras, contrariando orientações da hierarquia do Ministério Público (MP) do Porto. Ao que o DN apurou, a procuradora justificou a promoção, argumentando com o perigo de perturbação do processo. Um argumento que não colheu junto da juíza Ana Gabriela Freitas que, ontem, interrogou Fátima Felgueiras, decretando como medidas de coacção o termo de identidade e residência (TIR) e a proibição de se ausentar do País.
Segundo informações recolhidas pelo DN, Ana Gabriela Freitas justificou a sua decisão em, essencialmente, dois motivos a "iniciativa de regresso" da ex-autarca às autoridades (afastanto o perigo de fuga), a recente suspensão do mandato como presidente da câmara (afastando o perigo de continuação da actividade criminosa) e o facto de o processo estar a entrar na fase de julgamento, sendo que não existe perigo de perturbação do mesmo ou perigo para a aquisição de prova.
A promoção da procuradora do MP não foi bem aceite junto da hierarquia. As orientações, segundo o DN apurou, passavam pela promoção de uma medida de coacção mais leve (como a obrigação de permanência na habitação), já que o novo procurador-geral distrital, Alípio Ribeiro, tem entendido a prisão preventiva como uma medida extrema. Ora, para a hierarquia do MP, no actual contexto do processo, a aplicação de tal medida de coacção não se justificava.

Já estou por tudo...

...
Que Deus me proteja e que nenhum magistrado excessivamente zeloso se lembre de me mandar deter por alegado atentado contra o Estado de Direito Democrático. Mas já não consigo calar mais o que penso. E o que penso não é bom: dia após dia, vou-me sentindo cada vez menos democrata, vou sentindo que esta democracia conquistada acaba por ser uma fraude.

Eu sei quem faz as leis. E também sei quem as aplica. E sei que há maus fazedores de leis. E maus aplicadores de leis. E sei que entre uns e outros há um muro que os separa, mas que não passa de um tabique que cai ao primeiro encontrão.

Já estou por tudo. Já não quero saber se Fátima Felgueiras vai ser a próxima presidente da Câmara de Felgueiras ou se Avelino FT vai ser o próximo presidente da Câmara de Amarante. Se forem, paciência, é a democracia a funcionar. Foi para isso que se fez o 25 de Abril, não foi?, para se respeitar a vontade da maioria. A maioria marcha ao contrário? Não!! Eu é que marcho ao contrário, segundo a democracia.

Há muitos meses atrás, eu escrevi por aqui que confiava no que considerava serem os pilares fundamentais da democracia. Falava dos juízes e até dos militares (destes por gratidão, em nome do 25 de Abril). Agora já não sei em quem confie, sobretudo a partir do momento em que neste país todos acham que é melhor serem funcionários públicos privilegiados, do que titulares de órgão de soberania com responsabilidades.

Fátima Felgueiras clamou, do Brasil, que Portugal tem uma justiça do 3º mundo. Sabe, certamente, do que fala. A partir de Portugal, Avelino FT goza com a justiça, diz que as prisões não são para ele, que os seus recursos serão resolvidos lá para as calendas. E sabe, certamente, do que fala.

Hoje, são as câmaras municipais. Amanhã, será a presidência da República. Por este caminho, tudo é possível. Pelo menos, enquanto os pilares do regime andarem preocupados com as questões sindicais em detrimento do que interessa ao país. Rebelem-se, meus caros, mas por coisas que os portugueses percebam e achem bem. Assumam as suas responsabilidades e ficarão, por certo, menos vulneráveis.

PS: agradeço que não me mandem deter até ao princípio da próxima semana, porque tenho coisas importantes para fazer daqui até lá. Se não puder ser, agradeço que alguém bem colocado me telefone a tempo de poder comprar bilhete de avião para o Brasil ou para me internar numa qualquer clínica.

21 setembro 2005

Aterrou para a liberdade

Eis que chegamos ao fundo dos fundos!
Há pouco ouvi na rádio que Fátima Felgueiras aguardava, no Tribunal, as oito horas para que a sua libertação fosse em directo, via televisão. Não acreditei. Nem que ela fosse libertada e muito menos que no tribunal a deixasse tranquilamente aguardar pela hora televisiva. Mas foi o que aconteceu.
Eu que não percebo de leis, pergunto: que lei é essa que permite que alguém fugido da justiça durante dois anos, aterre para a liberdade neste país. Não me venham com as histórias do tipo: “ela não era foragida, apenas se ausentou” “ ela não tomou conhecimento do mandado de prisão preventiva”, etc. Claro que não. Fugiu antes!
Aquilo que me parece é que o facto de ter fugido deveria funcionar como agravante da pena anteriormente aplicada e não o contrário, como se está a ver.
Que mensagem, que ideia de justiça se passa com esta decisão?
A moral que se tira desta história é que as leis são como a estatística: cada um tira as conclusões que quer da mesma informação.
Assim sendo, ficamos a sós com a qualidade das decisões dos juízes.

Gostava que tivesse sido em Portugal o caso do gestor da Tyco que foi condenado por gestão danosa e que vai apanhar entre oito a 25 anos de prisão.
Mas não foi cá. Cá apenas temos a libertação da Fátima Felgueiras…

20 setembro 2005

Fardas

...
Tenho acompanhado, com atenção distante, a saga da vontade dos militares em manifestar-se contra a redução dos seus direitos. Ponderadas as coisas - o princípio do famoso artº 31 da Lei e o do artº 18º da CRP - chego à conclusão que deviam autorizar as manifestações, ainda que fosse todos os dias. É que eu temo que, contrariando os senhores das fardas, eles decidam fazer greve. Já imaginaram o que isso seria para o país?

A luta das corporações - um caso exemplar

Não tenho a capacidade de fazer julgamentos preclaros e definitivos sobre a acção do Governo de José Sócrates, e particularmente sobre a sua atitude perante determinadas corporações, tal como o fazem Vasco Pulido Valente, João Baptista Magalhães e Manuel António Pina em crónicas citadas neste blogue. Talvez porque não pertenço a nenhuma dessas corporações.
O que sei é que notícias como a do "Público" de hoje, intitulada "Recurso de Ferreira Torres muda de mãos após 16 meses", parcialmente transcrita num comentário anterior, contribuem mais para o descrédito das instituições e do país do que o corte de alguns direitos e regalias a interesses (bem) instalados.
Não sou apologista de confundir a política com a justiça, mas na qualidade de ex-autarca e candidato às próximas eleições em Marco de Canaveses, sinto-me profundamente revoltado com este "arrastar" de um processo que poderia ter conduzido a uma condenação exemplar.

Uma homenagem merecida

PGR- nota para a comunicação social


in: http://www.pgr.pt

19 de Setembro de 2005


"Conforme é do conhecimento público, no próximo dia 23, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público leva a cabo um Fórum Nacional em que o Procurador-Geral da República participará, juntamente com outros intervenientes, assim dando o seu contributo para a reflexão crítica que aquela iniciativa se propõe levar a cabo. Importa esclarecer, justificado pela actual conjuntura, que o Procurador-Geral não assumiu nem assumirá posição quanto a eventuais paralisações no sector da justiça, cabendo às instâncias sindicais e só a elas pronunciarem-se sobre a matéria. Escusado será referir que a disponibilidade e vontade do Procurador-Geral continua a ser total no que toca à ultrapassagem das dificuldades que emergem no sector. "
**********

Manifesto e Programa do Forum - ver aqui.

O Gabinete de Política Legislativa e Planeamento (GPLP) apresentou publicamente, no dia 17 de Maio de 2005, o relatório de avaliação do sistema de recursos em Processo Civil e Processo Penal - as intervenções efectuadas nesta conferência pelo Professor Lebre de Freitas e pelos Drs. Miguel Galvão Teles, Carlos Lopes do Rego, Armindo Ribeiro Mendes, Manuel Aguiar Pereira e Rui Patrício, bem como o programa do 2º colóquio que se realizou no dia 7 de Julho, na Escola de Direito da Universidade do Minho, podem ser consultados a partir daqui.

No próximo dia 22 de Setembro, com início às 14h15, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade do Porto,
terá lugar a próxima conferência
(entrada livre)

Veja o Programa (temas e conferencistas) aqui.

Duas opções

Francisco Bruto da Costa, no Ciberjus
(excerto final do post de 19/9)

"As atitudes públicas do Governo para com os Juízes demonstram que aquele está empenhado em erigir os Juízes como inimigo principal a ser combatido com base no apoio da opinião pública à acção governativa, uma atitude populista e demagógica que tenta pôr todos contra todos, designadamente opinião pública contra Juízes e contra os profissionais de Direito em geral – o princípio “dividir para reinar” levado a extremos invulgares (e perigosos) desde que Portugal é uma democracia política.
É pois de todo o interesse dos inimigos da magistratura que esta se deixe enredar numa complicada e inexplicável sucessão de acontecimentos que a deslustrem aos olhos da opinião pública – como o é uma greve mal explicada, que as pessoas não entendem.
Os Juízes só têm uma de duas opções, se não quiserem sair muito chamuscados de todos estes acontecimentos: ou arranjam forma de explicar até à exaustão as razões profundas do seu descontentamento à opinião pública, ou pura e simplesmente deverão desistir desta greve que só irá prejudicar (ainda mais) a sua já depauperada imagem.
São essas as razões que me fazem encarar a anunciada greve com a maior das reservas e discordâncias.
Mas decerto que respeitarei sempre a vontade dos meus Colegas democraticamente expressa e colectivamente assumida. "

19 setembro 2005

Pôr a cabeça a jeito

...
Notícia do DN de hoje, 2ª feira, por Carlos Lima. Eu acho que Horácio Costa tem razão. Já não me admira que tenha retirado a queixa por difamação contra Faty e que chegue ao julgamento e fique calado.
....

  • Denunciante do saco azul critica o Ministério Público

Um dos principais denunciantes do alegado "saco azul" da Câmara de Felgueiras vai colocar em causa o papel do Ministério Público no processo. Horácio Costa, que só no final da fase de inquérito foi constituído arguido, disse ao DN que a Polícia Judiciária (PJ) lhe garantiu que era testemunha, mas no final do inquérito o MP constituiu-o arguido e acusou-o. Isto sem o ouvir como tal e sem ter sido presente a um juiz de instrução. As críticas ao MP (...) prendem-se sobretudo com a constituição de arguido, ao fim de meses a prestar declarações como testemunha. Ainda por cima, o antigo colaborador de Fátima Felgueiras estranha porque é que o MP o acusou de difamação aos magistrados do MP e à PGR, após umas declarações públicas suas, em 2002, em que falou de "magistrados metidos nisto", numa alusão ao processo do "saco azul". Ora, o próprio MP de Felgueiras tinha em sua posse escutas telefónicas entre Fátima Felgueiras e o juiz conselheiro Joaquim Almeida Lopes feitas em 2001, que valeram a abertura de um inquérito por favorecimento pessoal, mas que acabou arquivado. "Considero completamente anormal a forma como foi conduzido o processo de difamação contra mim." As críticas do antigo colaborador da autarca estendem-se, depois, à constituição como arguido no processo do "saco azul". "Nunca compreendi a constituição de arguido logo após a conclusão do processo. E muito menos o despacho do procurador António Carvalho, quando sempre me disseram na PJ que eu era testemunha e todos os depoimentos que fiz foi nessa qualidade." Esta questão está, aliás, em apreciação na Relação de Guimarães, após um recurso de Artur Marques, advogado de Fátima Felgueiras, que requereu a nulidade das escutas telefónicas e das declarações de Horácio Costa e Joaquim Freitas. O advogado alega que as declarações deviam ser nulas, uma vez que não foram respeitados princípios de garantias de defesa, já que no final do inquérito os dois ex-colaboradores acabaram por ser constituídos arguidos e acusados pelo MP.

Fórum Nacional do Ministério Público

Vai ter lugar, no próximo dia 23 de Setembro corrente, no Forum Roma, em Lisboa, o Forum Nacional do Ministério Público. O prazo de inscrição termina hoje (19) e já está assegurada a dispensa de serviço aos magistrados do MP que queiram participar.

Veja aqui o Manifesto e aqui o Programa e Ficha de Inscrição.

Sindicalismo Judiciário: e amanhã?

À atenção dos Drs. Alexandre Batista Coelho e António Cluny

Convenhamos que a tentação mais imediata de reagir às medidas (avulsas, incoerentes, populistas e demagógicas) do governo para a área da justiça é a forma de luta da greve. Nada de mais perigoso e errado.

Atrevo-me a chamar a atenção dos directórios sindicais das magistraturas e dos seus membros que essa é a última das tentações em que, neste momento, se deve cair.

Atrevo-me a alertar os magistrados para o embuste magistralmente concebido pelo governo – do qual parece não se terem dado conta – no sentido de desacreditar as instituições e operadores judiciários, pretendendo criar um verdadeiro clima de grau zero da credibilidade e confiança, inevitavelmente conducente à domesticação e menorização constitucional e estatutária das magistraturas e dos Tribunais.

Contudo, os Governos passam e os Tribunais ficam. Bem como os seus titulares.

As justíssimas reivindicações quanto à demagogia das redução das Férias Judiciais, quanto à eliminação do sistema de protecção social (SSMJ, existente desde 1966), a reacção à prepotência e sobranceria anti-negocial desta equipa governativa, entre outras questões, não podem desviar a atenção do essencial (não que essas questões sejam acessórias ou secundárias).

O que parece ser crucial será o esforço de informação e esclarecimento objectivo e documentado sobre as medidas que o governo anuncia como indo aliviar os tribunais e os efeitos (pré)visíveis e concretos das mesmas. Precisa-se de um esforço de denúncia e esclarecimento sérios dos cidadãos, informando-os das verdadeiras razões da ofensiva punitiva contra as magistraturas, sobre os efeitos da falência da reforma da acção executiva (concebida por um dos secretários de estado actuais), sobre a iminente ruptura de muitos quadros de secretarias judiciais, sobre as verdadeiras razões dos atrasos processuais, sobre a incoerência relativa à matéria de documentação da prova de julgamento, sobre a perversão do actual regime de recursos, sobre o inconcebível sistema de apoio judiciário vigente, sobre os montantes fabulosos de pagamentos de transcrições (e inerentes negócios), etc. etc. etc…

Sem esse esforço de informação e esclarecimento, estarão os magistrados a ser arrastados, inexoravelmente, para uma armadilha (maquiavelicamente bem concebida – há que reconhecê-lo – pelo Vital inspirador, qual Mullah Omar das basófias do pseudo virtuosismo republicano fundamentalista) montada pelo governo. Não caiam nessa tentação, de esgrimir armas (desiguais) no campo escolhido pelo governo. Saiam rapidamente desse beco e retomem a iniciativa: de denunciar, informar, esclarecer os cidadãos sobre os motivos dos bloqueios do sistema judiciário.

Neste momento sensível – em que o ministro da Justiça já encarou com «normalidade» a possibilidade uma greve (denunciando desajeitadamente os seu verdadeiros intuitos) – a grande arma – a grande medida e a grande notícia – seria mesmo a NÃO GREVE. Seguida, claro, de um amplo esforço de esclarecimento da opinião pública (nem que para isso tenham que se divulgar, taco-a-taco, contra-informações e esclarecimentos públicos, quer das estruturas sindicais, quer dos magistrados individualmente considerados).

A arma da greve – sobretudo de uma greve de magistrados – não pode banalizar-se.
E, a verdade é que, apesar da gravidade objectiva e inaudita de muitas das medidas anunciadas pela governação socialista, os magistrados não podem fazer passar a ideia que lutam pela manutenção de privilégios e regalias (QUE O NÃO SÃO). A verdade é que é muito provável que precisem de voltar a ponderar o recurso à greve mais cedo do que pensam.

Os magistrados devem sair desta cilada como titulares de um órgão de soberania. Já que o governo não se comporta como tal.

mangadalpaca © , na GLQL, onde se segue a opinião e sugestões sobre formas alternativas de luta, pelo José (e outros comentários).
***
no Incursões, no mesmo sentido essencial, a opinião de Rui do Carmo - aqui.

E se um dia

Um princípio elementar da economia é o de que os rendimentos que escapam de uns bolsos entram sempre noutros Por isso tranquilizem-se os portugueses por cada novo pobre há algures um saldo bancário que cresce um pouco. Porque as épocas de crise operam sempre transformações mais ou menos dramáticas na distribuição da riqueza e do rendimento; é preciso é estar do lado certo…

A redução do défice público tem sido o objectivo apontado para as medidas restritivas (pelos vistos, até das liberdades) anunciadas todos os dias; e nesta matéria todos estamos, ou deveríamos estar, do lado errado (porque também aqui há, afinal, uns mais iguais que outros).

Não parece avisado, pois, que tanta gente esteja entusiasmada com as desgraças que têm caído sobre os vizinhos. E ocorre-me, correcto e aumentado, o poema de Brecht: "Primeiro despediram os funcionários públicos,/ mas eu não me importei, / não sou funcionário público.// Depois proibiram a greve dos professores,/ mas eu não sou professor.// Depois proibiram a manifestação dos militares,/ mas eu não sou militar.// Depois foram os juízes, os polícias, os enfermeiros,/ mas eu não sou juiz, nem polícia, nem enfermeiro…// Agora estão a bater-me à porta, / mas já é tarde..."

Manuel António Pina, no JN de 16-9-2005

18 setembro 2005

No Público de hoje

«Sócrates com certeza não percebe, mas para existirem e cumprirem o seu papel, militares, juízes, procuradores, guardas, polícias precisam de uma ética própria, de espírito de corpo e de um certo grau de separação da sociedade que lhes compete defender, vigiar e, quando em quando, reprimir. Não é por acaso que usam farda ou toga ou gozam de alguns direitos de excepção. Da diferença depende a sua identidade e a sua eficácia. Sem ela, ficam desprotegidos. Daí que "equiparar" um oficial a um professor, um juiz a um contabilista, ou um polícia a um escriturário seja para eles, muito justamente, inaceitável.
Não se trata aqui do dinheiro, ou só do dinheiro, do que se trata é da sua condição como membros de instituições de uma natureza particular, a que o Estado e os portugueses confiam a sua segurança. Se o governo a põe em causa, põe em causa o essencial.»


Vasco Pulido Valente

Nocturno


James McNeill Whistler
Nocturne in Blue and Silver – Cremorne Lights (1872)
National Gallery of Art, Washington


NOCTURNE, em Mi bemol maior, op.9 n.2,
de Chopin (1810-1849),
interpretado por Sergio Calligaris

Educação e cidadania

A importância do diálogo

Pelo nosso compadre JBM
crónica de domingo no JN de 18/09/2005

A democracia é o regime do direito ao exercício da palavra. Górgias, que viveu a primeira forma de democracia na Grécia antiga, escreveu no “Elogio de Helena”: «com as palavras se fundam as cidades, se fazem portos, se comanda exércitos e se governa o Estado». No seu entender, o exercício da palavra justifica-se pela necessidade de agir e construir o progresso. Mas porque não se pode pensar a democracia sem ter em conta os diferentes pontos de vista (não há democracia sem cidadania), Aristóteles, na Política, definiu cidadão como aquele “a quem é concedido o direito a tomar a palavra nas deliberações.” Isto é, o cidadão tem o direito de manifestar as suas exigências de justiça e de aspirar, pela partilha de ideias, a desempenhar um papel relevante na construção de um pais melhor. A partilha das palavras tem duas funções: permitir a refutação, servindo de profilaxia contra erros, e desenvolver a energia participativa que compromete os cidadãos com o sentido de um destino comum.
A responsabilidade democrática reside precisamente na disposição para aceitar erros e corrigi-los, em vez de os encobrir. E é esta forma de estar na política que manifesta uma ética pública.
Esperava-se que este Governo tivesse como horizonte da gestão pública esta postura, demarcando-se, assim, dos anteriores governos; esperava-se que este Governo fizesse acompanhar as necessárias reformas com a preocupação de envolver os diferentes sectores profissionais no sentido das mesmas, promovendo um capital de confiança nas instituições e de esperança no futuro. Mas todas estas iniciativas vão sendo frustradas. O diálogo com regras e gerador de um “pathos” de confiança está perdido e a confusão despudorada entre o que é do Estado e o que deve ser dos partidos vai acentuando a ideia de que, no governo, todos os diferentes se tornam iguais. O regresso à lógica dos “jobs for the boys” é, claramente, o sintoma do desinvestimento na tão apregoada ética republicana e só serve para criar um “cinturão de protecção” à incompetência, falta de rigor e sentido de Estado. A retórica governativa já gera uma fadiga insuportável e, nesta circunstância, não será de espantar que o PS apanhe um “banho” nas próximas eleições.

JBM

Excêntrico

É o nome de um novo blawg, nascido a 7 de Setembro 05 e assinado por xavier ieri, onde a reflexão e o debate sério e profícuo já se destacam.

Um regresso

A Revolta das Palavras e a intervenção cívica de José António Barreiros aí estão, de novo.
Um regresso oportuno e bem vindo.

O elogio da diferença

Vasco Pulido Valente, no Público de hoje
(destaques nossos)


"Como se chegou aqui?"

“Até meados de Outubro, vamos ter acções de rua ou greves de militares, de juízes, de magistrados do Ministério Público, de funcionários judiciais, da PJ, da GNR, da PSP, do SEF, da Polícia Marítima e da Administração Pública.
Por outras palavras, parece que o estado declarou guerra ao Governo.
Se não fosse a Europa, nada impediria estas meritórias forças de se insurreccionarem, de prenderem o governo, de o julgarem e de o meterem na cadeia, desde que, evidentemente, os guardas prisionais, por espírito de solidariedade, resolvessem desistir da sua greve, que também por aí se prepara.
Como se chegou aqui?
Primeiro, pelo desprestígio geral do regime. Houve Guterres, Barroso, Santana e agora Sócrates, que arrasaram qualquer espécie de respeito pelo poder com o seu diletantismo e a sua irresponsabilidade. Todos mentiram. Todos permitiram e promoveram a corrupção dos partidos. Dois fugiram. Um acabou abjectamente escorraçado. E Sócrates sobrevive por inércia, desprezado e nulo.
Além disso, que já não é pouco, não há dinheiro. Pior ainda: o dinheiro que hoje falta, não falta no bolso, sempre vazio, do bom povo português, falta no bolso da classe média inchada e artificial que se criou em 30 anos de ilusões e, nomeadamente, no bolso do capitão e do juiz, do inspector e do funcionário, do polícia e do GNR.
Como se irá convencer hoje esta gente, a autoridade, que vive em grande parte do seu estatuto social, que deve de repente empobrecer e perder privilégios num mundo em que se prospera pelo compadrio, pela influência e pela fraude e o caos político se tornou manifesto?
Sócrates com certeza não percebe, mas para existirem e cumprirem o seu papel, militares, juízes, procuradores, guardas, polícias precisam de uma ética própria, de espírito de corpo e de um certo grau de separação da sociedade que lhes compete defender, vigiar e, quando em quando, reprimir.
Não é por acaso que usam farda ou toga ou gozam de alguns direitos de excepção. Da diferença depende a sua identidade e a sua eficácia. Sem ela, ficam desprotegidos.
Daí que “equiparar” um oficial a um professor, um juiz a um contabilista, ou um polícia a um escriturário seja para eles, muito justamente, inaceitável. Não se trata aqui do dinheiro, ou só do dinheiro, o que se trata é a da sua condição como membros de instituições de uma natureza particular, a que o Estado e os portugueses confiam a sua segurança.
Se o governo a põe em causa põe em causa o essencial.

Uma questão de prioridades

Diz Rui do Carmo, no seu Mar Inquieto (excertos; destaques nossos)

"O Regulamento Interno do CEJ, posterior à Lei 16/98, ainda hoje estabelece, no artº 56º, que “junto do gabinete de estudos jurídico-sociais... funcionará um grupo de análise e de avaliação da actividade formativa do Centro, integrado, designadamente, por docentes e personalidades convidadas pelo director do Centro, com conhecimentos científicos e experiência no domínio da formação de magistrados”. Nunca foi constituído: de início, com o argumento de que era preciso deixar passar algum tempo de aplicação da nova lei; depois, quando acabou por ser aprovada a sua constituição, com uma forte componente externa, porque não foi dado nenhum passo para a execução da deliberação."
O Plano de Actividades para o ano 2005/2006 promete a “criação, desenvolvimento e aplicação, tanto quanto possível numa perspectiva diacrónica, de instrumentos de monitorização do percurso de formação dos auditores de justiça, como instrumentos privilegiados de apoio à direcção, em matéria de planeamento e desenvolvimento da actividade formativa, e divulgação comentada dos resultados obtidos”. Vamos ver o que isto é!
A verdade é que os Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público conhecem muito mal como se desenvolve a actividade do CEJ e este não tem qualquer feed-back do impacto do seu trabalho sobre o sistema de justiça. E esta situação é, de há muito tempo, insustentável."

*********
Numa atitude típica dos nossos governantes (ou será dos portugueses?), sem que se tenha sequer tentado operacionalizar o sistema avaliativo previsto nos instrumentos legislativos existentes nos quais, como seria aconselhável, a componente externa era importante, eis que se anunciam já novos sistemas avaliativos (da formação prestada no CEJ) e, seguramente pour épater les bourgeois, por nada menos que... entidade(s) internacionais(s)!
Sabendo-se, por exemplo, que no CEJ, que perdeu a sua autonomia financeira, a carência de pessoal administrativo é gritante, pela eterna alegação de falta de dinheiro, ou que projectadas obras de reorganização do espaço, com vista a dotar o CEJ de um adequado anfiteatro e de uma biblioteca em condições mínimamente operativas, foram preteridas a favor de obras remendatórias e que até nos aspectos organizativo-logísticos de ações de formação permanente e complementar foram recentemente dados passos atrás, pelas mesmas alegadas razões, é caso para concluir que só não há dinheiro para o que não se considera importante - in casu, um melhor funcionamento da escola de formação de magistrados. Seria interessante, ainda que improvável, que as tais entidades internacionais viessem a concluir isso mesmo...

************

Como diz JAB no seu Patologia Social:

Magistrados: tesos mas cosmopolitas

O ministro da Justiça diz que a formação de magistrados vai passar a ter «avaliação internacional». A frase tem recorte terceiro-mundista. É a confissão tristonha de uma incapacidade própria, a rendição nacional ao estrangeiro. Além disso, num país em que nem dinheiro havia na Procuradoria-Geral para pagar traduções, estas paródias pseudo-cosmopolitas são de esbarrigar a rir. É como nos países onde se passa fome: há sempre consultores da FAO para calcular o índice de subnutrição.

O velho truque da bandeira


É dos livros que todos os demagogos que arruinam as “repúblicas” cobrem as suas trampolinices com a máscara do patriotismo, do seu acrisolado amor à Pátria, cuja desgraçam até mais não poder de todas as maneiras e feitios. Pensei nisso quando topei no alto do Parque Eduardo VII, local fatíditico para muitos feitos, com um gigantesco estandarte do nosso Portugal, batido pelo vento, entre as colunas imperiais do Keil e o monumento fálico do Cutileiro.
Como, por coincidência, havia para ali uma manifestação qualquer de extrema-direita ainda julguei que tinha a ver com isso, mas não. Fora o Santana que antes de se ir embora da câmara presenteou a cidade com a bandeirona, paga por uma das empresas municipais, sustentadas pelo pessoal. O tamanho descomunal da bandeira é desproporcionado em relação ao local, remetendo para um imaginário arquitectónico paranóico, tipo Ceacescu e quejandos.
No momento em que Portugal cai em todos os índices, que definem um país aceitável, é mesmo destas pantominices que se precisa. Esta história vem detrás, do tal Euro, esse dinheirinho bem aplicado, como é público e notório, primeira grande obra do Sócrates, se estão lembrados. Arribou por então aí um senhor devoto da Sr.ª da Aparecida, um patriota fervoroso, admirador do Pinochet, que lançou a campanha da bandeira. Pôs a bandeira quem quis e ninguém tem nada com isso. Só que isto da Pátria tem que se lhe diga. E vai daí o presidente da república, certamente com medo que o acusassem de défice de patriotismo, vá de espetar uma enorme bandeira no palácio de Belém. Fez mal. Se a ideia tivesse sido dele, era má, mas enfim, agora um presidente da república ir atrás de um macumbeiro é forte. Além disso, haja um mínimo de respeito pelos monumentos. O palácio não é dele, é um belo edifício de origem setecentista, tem a sua traça própria e não suporta uma coisa daquelas. É piroso, denotando a mais elementar falta de sentido estético.
Caramba, se querem mostrar que são patriotas, porque é que não vão dar sangue, apagar fogos, limpar os matagais. É que, se a moda pega, em breve não haverá autarca rapinante que não vá por aí semear bandeiras gigantes e daqui a pouco não se pode: uma na torre de Belém, outra na dos Clérigos, no mosteiro da Batalha, no castelo de S. Jorge e assim por diante. Fica aqui um apelo, oh vós que mandais! O vosso patriotismo é bem conhecido, não precisa de mais demonstrações, por isso deixem-nos ao menos contemplar, como deve ser, os monumentos e as belas paisagens, também é só por um bocadinho, enquanto não forem engolidas pelo betão.

17 setembro 2005

Tarde demais

Há pouco quis ir lá cima para ver como estavas; se
ainda tinhas dores, ou febre – ou medo (porque já
estava a escurecer); se querias que te lesse o que vem
no jornal sobre as feridas do mundo (mesmo sabendo
que esse mundo já não vai ser o teu) ou que te levasse
para junto da janela, onde ao cair da noite o vento
deixa as dunas desgrenhadas e as aves são como lenços
rasgados sobre o mar. A meio da escada o olhar órfão

da cadela e as flores secas no vaso lembraram-me
que era tarde demais para tudo isso: nesta casa,
a partir de agora, os degraus só se podem descer.

Maria do Rosário Pedreira,
in O Canto do Vento nos Ciprestes

16 setembro 2005

Sociedade Portuguesa de Criminologia

Constituída em 24-3-2005, foram hoje eleitos os órgão sociais da S.P.C. - Sociedade Portuguesa de Criminologia, com sede na Escola de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
A Sociedade tem por objecto a realização de investigação fundamental e aplicada, tendo em vista a produção de conhecimento interdisciplinar sobre o fenómeno criminal, e a divulgação de informação e realização de acções de formação para os profissionais que trabalham no domínio que constitui objecto da investigação.
Preside à direcção o Prof. Doutor Cândido da Agra, à assembleia geral o Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias e ao conselho fiscal o juiz conselheiro Dr. Simas Santos.
Fica assim preenchida uma lacuna desde há muito sentida na sociedade portuguesa.

Um postal desajeitado para a Liliana

Quem me conhece bem, sabe que sempre tive uma relação difícil com a morte. Mesmo com a doença. Não se trata bem de mim, mas das pessoas que amo. Nos últimos tempos, morerram na minha família mais pessoas do que seria normal, até porque alguns morreram antes do tempo, se é que há um tempo para morrer.

Naquilo que alguns podem até não compreender - os que interessam compreendem -, evitei o mais que pude ir visitar aqueles que amava, já doentes. No meu egoísmo, sentia que não era capaz de os ver assim, tão longe da vitalidade a que estava habituado, vê-los diminuídos, sentir que eles sabiam que os via diminuídos. Chorei-os na morte e choro-os na ausência, mesmo quando, como há dias, fui capaz de rir, em família, lembrando as maluqueiras que vivemos quando todos tínhamos todos os sonhos do mundo.
.
O meu pai, que há cerca de dois meses teve uma perigosa crise cardíaca, foi internado de urgência. Fui vistá-lo ao hospital o mais que pude e menos do que devia. Passos doridos pelos corredores do hospital, passos que às vezes vacilavam e, se não fosse a certeza de que ele se sentia melhor quando lá ia, talvez tivesse ido menos vezes do que as que fui.
.
Levei-o a Coimbra num dia em que era suposto que fosse atendido pelo professor para saber quando era operado. Um dia perdido, porque o professor teve emergências, e voltamos embora, o meu filho também estava (fui mostrar-lhe a Universidade enquanto esperava), e senti que tudo estava a ser adiado. Sou um grande condutor, diz o meu pai, e é verdade, ele que há já muito tempo que não viajava comigo.
.
O meu pai foi operado. Voltei a Coimbra, dias depois da operação, sozinho, num dia em que só eu podia ir. Foi no dia em que desceu dos cuidados intensivos para o piso 2. Entrei na enfermaria. Parei à porta. A televisão estava ligada e eu olhei para a cama onde estava o meu pai. Magro como eu nunca o vira. Inerte. Os olhos entreabertos e revirados (eu pensava que só eu dormia assim). Tive uma visão de morte. E de desnorte. Cambaleei até à cama. Escutei: o meu pai ressonava. Estava vivo. A dormir. Tentei acordá-lo devagarinho. Não acordou. Mas estava vivo. Fiquei ali sentado, quase até ao fim da visita, incapaz de o acordar e não teria acordado se não tivesse chegado a enfermeira para medir as tensões. Acordado, a enfermeira disse-lhe que tinha visitas. O meu pai olhou para mim e não me reconheceu. "Pai, sou eu, o Quim Manel...". Reviveu. Pareceu-me mais vivo.
.
Se eu pudesse, morria antes de ver morrer aqueles que mais amo. Por egoísmo, para não ter de sofrer com a sua morte. Mas sei que, se morresse antes de alguns que verdadeiramente amo, talvez também eles não vivessem muito mais. Por isso, que a vida e a morte sigam o seu curso natural.
.
Um grande abraço, Liliana.

15 setembro 2005

E a poeira continua…

Diz Vital Moreira que não se pode negar o privilégio referido neste post, argumentando que hoje as derramas municipais só podem incidir sobre o IRC, que por definição exclui as pessoas singulares. Reconhecendo que assim é, de facto, não deixa de salientar que é igualmente verdade que durante muito tempo, até à criação da contribuição (predial) autárquica, as derramas podiam incidir também sobre rendimentos de pessoas singulares (contribuição predial rústica e urbana). Portanto, conclui, a referida isenção não é uma invenção, tendo ela entretanto deixado de existir, não por ter sido revogada, mas sim por ter desaparecido o seu objecto. E remata dizendo que a norma ainda se mantém no Estatuto do MP (não se dê o caso de as tais derramas voltarem...).
Confesso que nunca me interessei por conhecer muito bem como funciona essa coisa das derramas, nem a razão de ser da isenção do seu pagamento (só para os magistrados?). Sei é que dela jamais beneficiei e, por isso, sinto-me à vontade para este desabafo.
Seria bom que Vital Moreira explicasse por que só agora se insurge contra esse pretenso “privilégio” (que não o é de facto e que se impõe seja removido, o mais rapidamente possível, do Estatuto do MP, para tranquilidade de algumas consciências). Desde os tempos em que o dito já constava, salvo erro, do antigo Estatuto Judiciário, até ao actual EMP, passando pela LOMP, por que não ergueu a sua voz contra a sua instauração e perpetuação? Sobretudo no período em que foi deputado à Assembleia da República ou também quando foi juiz do Tribunal Constitucional, altura em que não enjeitou, que se saiba, esse e outros “privilégios” bem mais chorudos. É que, de outro modo, fica-se com a impressão de que a sua sanha contra o Ministério Público e os magistrados em geral tem mais a ver com recentes razões conjunturais do que com verdadeiras razões de fundo.
Vital Moreira sabe melhor do que ninguém que o desempenho de certas funções e o exercício de determinados cargos implicam, em todo o mundo e desde sempre, a fruição de determinadas prerrogativas que têm a ver com a dignificação e o exercício desses cargos e funções. Os seus amigos ministros e acompanhantes que o digam.
É, por isso, estranho que Vital Moreira, que me habituei a respeitar pela coragem e lucidez intelectual demonstradas, sobretudo, na fase comunista, surja agora, ao lado de alguns invejosos frustrados que por aí pululam, como um dos mais acérrimos detractores de uma profissão que, queira ou não, tem um papel fulcral no estado de direito democrático que ele próprio ajudou a erigir e que importa dignificar. Porquê este resvalar para um facciosismo cada vez mais cego? Não haverá outros “privilégios”, bem mais actuais e significativos, de que beneficiam muitos dos seus novos “amigos”, que mereçam a sua atenção? Porquê tanto achincalhamento e rebaixamento? Ou não achará que qualquer reforma judiciária que se preze não passará pela adesão dos que trabalham no sector?
O interesse das instituições democráticas merecia melhor.

A NOSSA SOLIDARIEDADE, KAMIKAZE

E de súbito desata o silêncio.
É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.


Só nas minhas mãos
oiço a música das tuas.

Eugénio de Andrade

Credibilidade e responsabilidade

PÚBLICO QUINTA-FEIRA. 15 SET 2005

Com o título:
Responsabilidade, credibilidade e confiança

Começa Pacheco Pereira uma crónica, assim:

"Os políticos costumam ser responsabilizados por todas as coisas, muitas vezes Injustamente. Há porém uma coisa pela qual são quase que inteiramente responsáveis: a existência de um clima de credibilidade das Instituições que gere factores de confiança. É certo que, mesmo quando cumprem plenamente as suas obrigações, têm que defrontar uma permanente cultura de cinismo da comunicação social, o “ninho de víboras” como lhe chamava há anos uma das mais prestigiadas revistas americanas que estuda o jornalismo, e isso cria dificuldades cada vez maiores, às vezes mais aos bons políticos do que aos maus. A comunicação social pode criticá-los e diminui-los todos os dias, mas “gosta” de Ferreira Torres ou Valentim Loureiro, porque eles produzem espectáculo.
A credibilidade das Instituições é também responsabilidade dos grandes corpos do Esta do, tão politizados como os políticos, cada vez mais produzindo um ruído de descrédito público, que se soma à crise das instituições, como infelizmente acontece com a justiça, com corpos de segurança como os bombeiros, com sectores das forças armadas e do funcionalismo público.
Tudo isto conta, mas, mesmo assim, como numa democracia quem legisla para as forças armadas, a justiça, as forças de segurança, são os políticos, é deles a responsabilidade última se esses corpos do Estado entram em disfunção. (…)"

UMA OPINIÃO

1. A actividade normal dos tribunais reinicia-se num ambiente de grande crispação entre o executivo, de um lado, e os magistrados, os advogados e os funcionários judiciais, do outro;
2. Esta crispação tem sido provocada por uma campanha populista contra a administração pública em geral e em particular contra os que exercem funções nos tribunais, que atinge a sua dignidade profissional e aspectos importantes do seu estatuto sócio-profissional, sem que lhes seja garantido o direito ao diálogo;
3. A atitude que o executivo tem tido para com os profissionais da justiça (por vezes mais o modo de apresentação e imposição das medidas do que o seu conteúdo final), a quem é atribuída, face à opinião pública, a parte de leão da responsabilidade pelo mau funcionamento do sistema, tem contribuído, objectivamente, para a erosão do capital de confiança que os cidadãos ainda depositam nos Tribunais (relativamente aos quais distinguem o prestígio “funcional-institucional” dos problemas de funcionamento, como tem sido constatado em estudos sociológicos recentes realizados em Portugal);
4. Sendo este capital de confiança geralmente apontado como um elemento essencial que confere ao sistema de justiça o espaço necessário à definição e execução de um processo reflectido de superação das disfuncionalidades e dos erros, e de introdução das alterações que se imponham – desbaratá-lo sem que, apesar da cortina de fumo populista, existam sinais de medidas que contribuam de forma séria para superar os factores que geram insatisfação (como sejam os problemas do acesso à justiça, a lentidão, a complexidade e a dificuldade no tratamento das novas realidades), significa enfraquecer de forma não responsável um dos pilares do estado de direito democrático;
5. É um facto consensual que os tribunais são uma estrutura organizativa anquilosada, que a sua chamada modernização tem consistido na introdução de tecnologia que faz a mesma (e às vezes reproduz) burocracia com um aspecto melhor; em que não faz sentido falar genericamente de trabalhar quantitativamente mais, mas de trabalhar melhor; que só não é mais lenta e mais ineficaz pelo empenho, responsabilidade e dedicação profissional da grande maioria dos que lá exercem funções;
6. No que respeita especificamente aos magistrados, sejam juízes ou procuradores, a degradação das suas condições sócio-profissionais e o aprofundamento do seu estatuto de funcionários andam em regra, na história, associados ao perfil de uma magistratura que se pretende submissa e sem opinião e que pratique o culto acrítico da lei;
7. Os magistrados são funcionários do Estado e, simultaneamente, titulares do órgão de soberania Tribunais, pelo que têm todo o direito, e devem, lutar por um estatuto sócio-profissional que, salvaguardado o princípio da solidariedade nacional, corresponda à dignidade das funções que desempenham e que contribua para a eficácia de tal desempenho;
8. Mas porque são os titulares do órgão de soberania Tribunais, têm ainda a responsabilidade de tomar a iniciativa de fazer o diagnóstico dos males de que padece o sistema de justiça e de propor as terapêuticas adequadas para a sua erradicação, colocando o restante poder político perante a responsabilidade de, no que deste dependa, garantir as condições para o seu adequado funcionamento; e, ao mesmo tempo, agirem com rigor e autocrítica no que respeita ao cabal cumprimento das suas funções próprias;
9. As medidas e propostas do executivo não podem induzir respostas que sublinhem o estatuto de funcionário dos magistrados, ou que não tenham em conta o sentido e os seus efeitos sobre a opinião pública. Por isso, as medidas tomadas em Assembleias Gerais das associações sindicais dos magistrados, que se realizaram em Junho, mereceram-me, já então, sérias reservas porque incidindo os seus efeitos sobre os cidadãos que recorrem aos tribunais não foi a estes prestado qualquer esclarecimento que os levasse a compreendê-las, o que poderá, portanto, ter potenciado a sua permeabilidade ao discurso do poder executivo;
10. Quando hoje se fala de greve, apontada como a forma de luta mais radical, estamos como estávamos em Junho no que respeita ao esclarecimento dos cidadãos sobre as nossas razões e sobre as nossas propostas para a melhoria do sistema de justiça, pelo que entendo que se deve reflectir sobre a previsão dos seus resultados antes de tornar a sua convocação definitiva, sobre o depois;
11. Continuo a considerar essencial a realização de uma consistente acção de informação pública, de resto na linha da moção aprovada na AG do SMMP, quando aí se fala em:
“- exigir, porque a preocupação dos magistrados do MP é o cumprimento pelo sistema de justiça das suas funções constitucionais, que sejam tomadas as medidas necessárias a um melhor e mais eficaz funcionamento do sistema de justiça, ao nível da organização judiciária, da formação, da gestão de quadros e da modernização, que dependem exclusivamente do poder legislativo e executivo e sobre as quais não se conhece qualquer iniciativa” ;
12. Claro que se for decidido, tudo ponderado, convocar uma greve, não hesitarei sobre o campo a escolher.