31 março 2008

Estes dias que passam 102

Eles estão de volta

Eles tremem mas não caem. Às vezes o escândalo público fá-los vacilar mas eles sabem que isto de jornais é sol de pouca dura, uma notícia abafa a outra e isso conforta-os. Escondem a cabeça por um momento mas apenas para a voltar a erguer logo que a trovoada passa.
Refiro-me, obviamente aos do “eduquês”, aos do Rousseau mal entendido e pior praticado, aos desculpabilizadores, aos “todo o poder ao povo bom e inocente”. Enfim a uma seita que tem desgraçado este pobre país que já não sabe a que santo se votar.
A história, claro, é a da “escola” Carolina Michaelis (pobre senhora, se ela soubesse...). Depois de, por um momento, se terem calado, entupidos, pela bestialidade do filme risível que se viu, eis que voltam com passos de lã.
Um cavalheiro do Público, Pacheco de seu nome, vem opinar que as queixas na Procuradoria da professora agredida fazem o processo entrar numa espiral de violência que poderá ter terríveis consequências. Pacheco, deveria ser obrigado a dar umas aulas, receber os competentes tabefes, as correspondentes humilhações, a acusação gratuita e canalha de poderes públicos, de pais extremosos e de criancinhas apenas um pouco traquinas para saber o que é bom. Mas Pacheco, com uma conselheiral prosa vem dizer que assim também não, que é demais, que as criancinhas... enfim o habitual chorrilho de uma pseudo esquerda de baratas tontas que não percebeu nada, não aprendeu nada e quer perpetuar esse feliz estado de cretinismo agudo no país que a atura.
A senhora directora da DREN esforçou as meninges. Agiu, que remédio, mandando a aluna telefonista para outra escola que vai ter de a aturar. Prometeu rigor, pudera!, e para coroar esse ingente esforço intelectual, mandou que na “escola” (raio de nome!) professores e alunos meditassem no ocorrido entre cinco minutos ou uma inteira hora. Já estou a ver os coleguinhas da criatura agressiva, à semelhança de Pacheco, a entenderem que o mundo está a ser demasiado duro com eles. E os professores a terem de “dialogar” sobre um Estatuto do Aluno que é não apenas aberrante mas imbecil. E criminoso.
Corre, entre os palermas como eu, que ninguém está verdadeiramente interessado em apurar responsabilidades, verificar a razão que nos fez chegar a estes extremos que vêem sendo denunciados há anos.
Há anos!
Alguém daí viu os pais da turbamulta filmadora e gozadora, dizer uma palavra? Por exemplo: “desculpem lá qualquer coisinha?” Viram? Viram os pais da menina agressora a dizer que estão aborrecidos pelo que a filha fez? Que lhe vão tirar o telelé ou deixar de lhe pagar as chamadas e as mensagens e as músicas que descarrega? Alguém viu a inexistente Ministra da Inducação dizer duas a abater à professora? Alguém viu aquela subsecretariante criatura, Valter não sei quê, dizer coisa que se ouvisse e, uma vez sem exemplo, defender a verdadeira parte fraca nesta história de faca e alguidar, perdão de telemóvel e encontrão?
Alguém acredita, visto isto que se vê, e visto sobretudo o que se não vê, porque os professores calam, as escolas escondem, as Direcções de Educação ignoram e o Ministério olímpico não avalia, que as crianças, os adolescentes saem das “escolas” a saber qualquer coisa que valha a pena, que os ajude a ser cidadãos, pais e educadores?
Todos os anos em chegando as tais provas de aferição ou lá como se chamam o discurso é aterrador. Cada vez sabem menos, cada vez as coisas estão piores, cada vez se gasta mais dinheiro e cada vez os resultados são mais tristes.
Quando os jornais publicam as listas de escolas é um ai Jesus! Que as privadas isto, as privadas aquilo. Só se esquecem que as privadas são caras. Sendo caras não estão para brincadeiras. Menino mal comportado sai logo. O pai extremoso que pagou um balúrdio, sente-se onde lhe dói: na carteira! E nesse caso age, é mesmo capaz de enfiar um par de estalos no abencerragem esparvoado. Que obviamente não repete a graça. Esse é o primeiro segredo das escolas privadas. Não estão pelo eduquês, ignoram educadamente o Rousseau traduzido em calão nacional e ministerial, e dão ao demo as digressões alcoólicas por Lloret de Mar.
O caso Carolina Michaelis poderia dar azo a uma discussão fecunda. Poderia... Para isso era preciso pôr em questão um par de tretas inauguradas pelo ministro Veiga Simão, ainda no tempo da outra senhora, valha a verdade. Foi com esse pai da pátria, um homem para todos os regimes, desde Salazar e Caetano a Cavaco e Guterres, que tudo isto de facto começou. Não com este aspecto e muito menos com esta gravidade, está bem de ver. Nem o autoritarismo conservador do Estado Novo lho consentiria. Mas de facto foi com ele que a Educação Nacional foi realmente mudada. A pedra de toque foi o ciclo, o famoso ciclo básico e que daí se seguiu. A destruição das Escolas Comerciais e Industriais que não seriam exemplares mas que garantiam um ensino profissional que hoje não existe. E a dos Liceus que eram “elitistas”- Provavelmente é verdade. Hoje, pelo contrario, elites não se enxergam a menos que se tente ir procurar pelas Escolas privadas.
O que estes pobres espíritos tão radicais e tão igualitários não percebem, coitados, é que a rasoira por baixo condena os filhos dos mais desfavorecidos. Os filhos das classes altas vão aprender em escolas exclusivas, rigorosas, caras. E saem daí para as melhores escolas superiores, seja em Portugal seja no estrangeiro. Esta “escola” condena os filhos dos escassos proletários que subsistem, os da pequena burguesia à vulgaridade permissiva e geradora de ignorância que a actual escola pública fomenta.
O Público há dias traçava o retrato de seis professores no topo da carreira, carregados de louvores e apreciados pelos colegas. Vão embora! Estão pelos cabelos! Não aguentam mais! Sabem que vão perder dinheiro, quer porque, mesmo com os 36 anos de serviço, ainda não têm a idade necessária, quer porque já com mais de 60 anos ainda lhes faltam um, dois ou três anos. Perderão 4,5% por ano em falta. A média daqueles seis professores/as, era, se bem recordo, entre 9 e 13,5% de ordenado a menos. Antes isso que endoidecer, dizia um. Antes isso que apanhar porrada, replicava outro. Antes isso do que viver esta vida merdosa, triste, medrosa ser ainda por cima apontado a dedo, dizia um terceiro. Estes seis professores não estão sós. Há muitos mais na calha, dispostos a arriscar, a perder para ganhar. O movimento é aliás geral em boa parte da administração pública. E são os melhores, os mais capazes que se vão que os outros, os tais que a opinião acusa (e com que razão!...) estão na maior. Não chegarão a titulares, o que lhes evita bastante trabalho. Ninguém os vai despedir porque são “uns gajos porreiros”. Não ensinam mas também não agridem os alunos. Muito menos os paisinhos que só querem da escola um lugar onde ter os filhos a salvo das drogas (boa piada, esta...) e dos restantes vícios e perigos da rua(!!!...)
Um último ponto: parece que há pessoas (e entre elas algumas cuja opinião muito prezo mas que, neste caso lamento dizer que não têm razão) que acham que um telemóvel é um bem de tal modo pessoal que o seu confisco temporário pelo professor é além de uma violência uma atentado aos direitos humanos mais elementares. Mesmo que o tal telefone perturbe a aula que é paga pelos impostos de todos, mesmo que isso perturbe o desejo de aprendizagem de um só aluno entre trinta...
Faço parte de uma associação tonta que fornece material escolar para os cafundós africanos. Uma lousa, algum papel, umas bics, dinheiro para um pobre almoço, mais mandioca que outra coisa, enfim tudo muito rudimentar. Os meninos e as meninas andam quilómetros por picadas infames, sob um sol abrasador, ou uma rara chuva diluviana. Não têm sapatos e as carteiras de dois acolhem três e não chegam para todos. Os resultados são notáveis ao que me informam. As aulas são disciplinadas não só porque ninguém tem dinheiro para telefones mas porque eles sabem que a saída da miséria e do subdesenvolvimento passa por aprender a ler, a escrever, a contar, a pensar, a ser cidadão, a ser responsável, a ser adulto. E sabem que a sua permanência ali e não no campo a cuidar das lavras pobre ou do rebanho magro é um privilégio. E que talvez eles, ou os filhos deles, possam viver um pouco melhor, um pouco mais do que os pais.


O cronista insiste que não é professor nem está ligado a qualquer pessoa com tão extravagante profissão

29 março 2008

Au Bonheur des dames 118












Mais uma de carreirinha...

As escassas leitoras gentis que fazem o favor de me aturar (isto de escassas que, no meu caso, é uma ociosa verdade está a espalhar-se. Para que se saiba uso esta deprimente verdade há uma boa dúzia e meia de anos. Há mesmo um livrinho que cometi em anos mais verdes onde a expressão virá consignada se é que ainda me lembro do que escrevi. Agora leio por aí esta mesma lenga-lenga. Assim não vale. Já tenho tanto que me espremer para aviar meia dúzia de linhas e vem aí um curioso e zás!, mete o mesmo paleio...) sabem, ou desconfiam que eu sou um profundo admirador de Paul Lafargue, o imortal autor do “Direito à Preguiça” (melhor diria ao ócio que é do ócio inexistente naquele tempo que o genro de Marx falava).
De vez em quando ponho-me diante do computador, agora até o levo para a esplanada, e vou debitando nem eu sei bem o quê. De vez em quando aparece alguém, interrompo o que estou a escrever, ponho-lhe um título qualquer, esqueço-me e encontro-o dias mais tarde, gloriosamente inútil porque perdeu oportunidade, porque não consigo repegar no que escrevi, eu nunca consigo, escrevo de carreirinha, detesto corrigir, aliás não corrijo, quando muito umas vírgulas ou alguma palavra repetida. Se algum estilo tenho é este: não o ter. O que saiu, saiu e quem vier atrás que feche a porta.
Nessa torrente de palavras vou deixando constância de algumas angústias, muitas perplexidades e mesmo um par de espantos. O mundo, este mundo, que é o nosso, o meu, pelo menos, não deixa de me surpreender. Uma pessoa pensa que depois dos sessenta já não há novidade que a abale e, pimba!, toma lá que já bebes...
Convenhamos: não me sinto especialmente confortável neste lugar e neste agora. De resto nunca me senti. Se calhar é porque nasci canhoto, canhoto que nem um calhau, só a escola e as diárias palmatoadas, ou a ameaça delas, me levaram a usar a mão direita para escrever. O resultado, durante anos, foi uma letra que variava entre o gatafunho irreconhecível até mesmo por mim e o linear b dos saudosos cretenses. Foi preciso chegar ao fim do liceu para começar a desenhar as letras. Com a prática, aliás adquirida ao copiar integralmente os dois volumes de poesia de Rilke (tradução Paulo Quintela, se fazem o favor, directinha do alemão, rugosa, áspera, genial...) comecei a ganhar este cursivo que agora tenho e que é gabado por conhecidas e amigas. Ou melhor é gabado pelas amigas que me conhecem e que entendem, misericordiosamente, afagar-me o maltratado ego.
Lá me perdi! Estão a ver? Comecei a discorrer sobre a minha ineficiente escrita, atribuí-a à minha desconformidade com o mundo, que atribuí, por sua vez ao facto de ser canhoto e por aí fora.
Claro que, a talho de foice, também poderia acusar a rapariga que está à minha frente, ligeiramente à direita diante de um marmanjolas novo mas careca, bem feito!, feio como uma sexta-feira da paixão, mal embiocado numa vestimenta de mau gosto. E ela a jovem que bem que está! Que bem que é! Se eu fosse um grosseirão como o finado Camilo José Cela, diria que a rapariga era “boa de ver e melhor de apalpar”. Mas não sou, pelo que farão o favor de ignorar o que o Cela diz aí por cima.
A rapariga que está aí à minha frente, apareceu há umas semanas. Como só a vejo em dias úteis presumo que trabalhe em algum dos escritórios aqui do bairro. Será estagiária em algum dos advogados da zona? É que se veste com um cuidado muito clássico e tem a pose de uma menina bem comportada. Dava para estagiária... É bonitinha: um rosto muito sereno, bonitos olhos, cabelo liso e apanhado com fingida despreocupação, enfim não está mal, nada mal.
É claro que daí alguém perguntará porque é que um gajo já tão entrado em anos se mete nestas contemplações. Porque não, reponta o dito cujo. Aliás “a boi velho erva tenra” como dizia o meu inolvidável pai que acrescentava “olhar não tira bocado”. Sempre desconfiei que isto era dito com uma certa tristeza, mas os mortos não têm defeitos. E já agora os vivos, este vivo, mansamente voyeur, também não. Pior seria se me pusesse a admirar os marmanjolas... Meu Deus, o que fui dizer! Esta pode parecer homofóbica... se é que o não é mesmo. Se é, paciência, nasci assim, fui assim educado, já não mudo, nem sequer me apetece mudar.
Deixemos, porém, a jovem ali da frente, sossegada a ouvir o rapaz careca (bem feito! ) mas jovem como ela (grande sacana!) e se calhar simpático e bem disposto. Se calhar, há muitos, muitos anos, um gajo com a idade que agora tenho, olhou para mim a fazer-me ao piso de uma rapariga igualmente boa de ver etc..., e achou que eu tinha ar de parvo. Se calhar tinha, mas quem estava em jogo era eu e não ele, o grande invejoso!...
Já me perdi outra vez, onde é que eu ia, mãe de Jesus, que cabeça a minha, ah já sei, a solidão do escrevente num mundo que lhe parece incompreensível.
Convenhamos: o mundo é sempre incompreensível. Excepto para os cinzentões sem imaginação. Esses fazem ginástica sueca, respeitam os poderes constituídos e a igreja oficial e dão ao demo as inquietações. Provavelmente não são canhotos.


na gravura: Mondrian, uma admiração que já dura há mais de cinquenta anos

27 março 2008

- 1%

O Governo vai reduzir em 1% a taxa de IVA, que passará a ser de 20%, a partir de Julho próximo. Quanto vale esta medida governamental?

A resposta vai depender do posicionamento partidário de cada um. Para Meneses, que já defendeu a baixa de impostos, trata-se de uma medida incoerente, eleitoralista, que vai ser reforçada com nova descida de impostos no próximo ano, a mostrar que o governo apenas segue um calendário eleitoral em vez de governar, o que irá implicar maiores dificuldades no controlo do défice público (mas não têm sido todos assim?).

Paulo Portas já vai dizendo que descer 1% não chega. É preciso descer mais e não só o IVA. Também tem de descer o IRS, o IRC. (mas onde estava Paulo Portas quando o IVA passou dos 19 para os 21%? E qual foi a descida de impostos que ocorreu ao tempo em que foi membro do Governo? Quem é que pode acreditar num Paulo Portas que agora quer dar tudo a todos?

Francisco Louça não diz que é bom nem que é mau, antes pelo contrário. É uma medida que não acrescenta nada nem dá confiança a ninguém. O Governo procura tirar dividendos de uma medida que não tem grande significado para a economia…

O curioso é que apenas o PCP aparece a elogiar a medida como favorável por dar mais poder de compra, ainda que insuficiente, mas a politica tem de seguir nesse sentido, dizem.

Nos próximos dias (meses) vamos assistir a grandes debates, artigos de opinião, entrevistas, tudo a girar em redor da descida de 1% na taxa de IVA, cujo efeito, como bem lembra a DECO, não mexe no preço dos bens essenciais.

A partir de agora, pelo período de dois-três meses (Abril para dissecar a medida aprovada e Junho para preparar a sua entrada em vigor), nada de mais interessante haverá para debater na política nacional. Tudo se vai curvar perante o peso e a importância deste 1%.

26 março 2008

Missanga a pataco 47


Quando me casei pela primeira vez, a minha mulher e eu recusámos qualquer espécie de festa grandiosa um pouco por convicção ideológica e muito porque achávamos uma tolice gastar um balúrdio numa coisa que só a nós dizia respeito.
Mais tarde quando repeti a dose fui ainda mais “forreta”. Um casamento é algo que só interessa a quem se casa e bonda.
Entretanto tenho assistido, surpreendido ou nem isso, a esta febre de casórios onde os desgraçados pais dos noivos se empenham até ás orelhas. Tenho visto, mais enojado que espantado, essas mostras de absoluto mau gosto que consistem no leilão de peças íntimas da noiva. Ainda havemos de chegar à venda de bilhetes para a noite de núpcias ao vivo...
Mesmo assim, parece-me extraordinário que o Estado transfira para o pagode a investigação sobre as contas do casamento para efeitos fiscais. Acaso o Estado subsidia os casamentos? Não? Então que trate de mandar a sua bufaria fiscal à boda e deixe os endividados noivos e mais familiares descansados. Ou também aqui está prestes a haver um convite à valsa das facturas falsas? Relembremos apenas a questão da sisa nas compras de casa e os preços de fantasia que são sistematicamente declarados. Será que esta malta não aprende?
Estou de acordo que se taxem as empresas casamenteiras que ganham balúrdios. Parece-me, todavia, que para isso há outros meios do que esta devassa à contabilidade dos nubentes.
Porém pedir imaginação ao Fisco é o mesmo que pedir a um elefante velho que ponha ovos de Páscoa. Ou de Fabergé como parece ser o caso...

Na gravura: um ovo de Fabergé: custa mais do que um casamento chique!

Missanga a pataco 46


Experiência?

As leitoras gentis não negarão que até agora tenho sido tão silencioso quanto possível no que toca à corrida dos candidatos democratas nos Estados Unidos. Isto não quer dizer que não tenha a minha preferência mas tão só que entendi desinteressante a discussão dos méritos comparados de Hillary Clinton ou Barak Obama.
Melhor dizendo, tenho de há muito uma certa desconfiança do casal Clinton. Detestei, é o termo mais suave, a insistência de Clinton nos bombardeamentos ao Iraque. Acontece que boa parte deles foram perfeitamente injustificados e apenas ocorriam quando o escândalo Lewinsky voltava à cena. Nessas alturas era certo e sabido que lá vinha a ordem fatídica para largar mais umas bombas. E quando as bombas caíam havia sempre um par de vítimas “colaterais”, traduzindo: umas dezenas de mortos civis. Convenhamos que o para esconder os desvarios da braguilha presidencial há outros meios menos imorais.
Também não recordava nenhuma excepcional actividade da senhora Clinton nesse conturbado tempo, ou até depois, quando ela, já senadora, achou por bem apoiar a guerra de Bush (e, ao que parece, do senhor Pacheco Pereira, mas isso é com ele, coitado...).
De Obama recordava apenas um extraordinário discurso na convenção democrata que nomeou Al Gore. Já nessa altura se falava num possível candidato negro (enfim, mulato) às presidenciais próximas. Convenhamos que também não chegava, pese embora um percurso politico surpreendente, brilhante e remetendo para a velha tradição dos Stevenson, Eugene Mc Carthy, H Humphrey, isto é para os grandes mitos da esquerda democrata americana. Vivi os dois últimos, claro, e senti a derrota quase como um americano. Justamente por isso, por esse hábito perdedor, achei melhor cuidar-me e assobiar para o lado. Tinha a ideia de que ao apoiar Obama apoiaria uma vez mais um looser e isso, aos sessentas e tais, já não é ingenuidade, é vício.
Todavia comecei a interessar-me, a tentar perceber, a ir aos discursos, a surpreender-me com a intensa mobilização para as primárias.
Convenhamos que comecei a irritar-me contra alguns golpes baixos do ex presidente Clinton que obviamente pensava que lhe bastaria assobiar para juntar as tropas. Juntou notáveis, é um facto, e as grandes fortunas, mas ficou-se por aí e sobretudo, despertou no campo adversário uma actividade e um entusiasmo que já se não via desde os anos sessenta. Uma vez mais a elite intelectual americana e a as massas jovens mostraram o que se pode fazer com imaginação e entusiasmo. A começar pela recolha de fundos. Pequenas somas mas muitas pequenas somas! Só isso já dá uma ideia de como as primárias foram uma vez mais “democratizadas” pelos pequenos votantes, pelos anónimos, pela gente que está fora do aparelho. E o resultado está à vista. Obama tem o dobro dos Estados, vai à frente em delegados e só perde nos grandes Estados (Califórnia, N Iorque etc...). Com uma segunda mostra de elegância: não fez campanha nos Estados que, como a Florida, entenderam modificar (com que motivos e com que finalidades?) as datas das primárias. Pelo contrario, Hillary, mesmo sabendo disso, entendeu, contra as decisões da direcção do partido democrata, fazer campanha aí o que é, pelo menos, surpreendente, para não usar uma expressão mais forte.
Durante grande parte do debate foi posto em evidência a “experiência” de Hillary contra a inexperiência de Obama. Singular discurso! Sobretudo quando, repentinamente, os adeptos da primeira declaram que Obama seria um excelente vice-presidente! Obama precisaria de mais uns anos para amadurecer!...
O drama de Hillary resume-se num só: tem sessenta anos ou seja é a sua última oportunidade, dizia-me o Onésimo da Silveira. Talvez, mas John McCain tem setenta e cinco e ali está firme como candidato republicano. Será que os republicanos ligam menos à idade do que os democratas?
E agora regressemos à experiência, essa arma incessantemente brandida contra o “jovem” Obama. A senhora Clinton teria tido enormes e importantes conversas com tudo o que era líder mundial durante anos. Teria afrontado as balas malignas dos snipers sérvios numa visita às tropas americanas na ex-Jugoslávia.
Eu mesmo a vi, na televisão descrever, comovida mas determinada, essa gesta do desembarque, a corrida sob as balas, enfim, o desembarque possível na Normandia moderna.
Agora, cai fatal nas redacções um desmentido, ou melhor, uma correcção que aliás também vi: afinal tudo não passou de um lapso da memória. As balas terão sido noutra ocasião não especificada ou nem isso. De facto a senhora Clinton saiu calmamente do avião, acompanhada pela filha, passeou pela pista, recebeu flores de uma menina nativa que estava acompanhada por mais uns tantos civis e quanto a tiros estamos conversados.
Neste momento, à minha frente, um comentador pergunta-se se estas balas inexistentes não serão idênticas ás conversas importantes, aos contactos diplomáticos e a outras provas da experiência multifacetada da senadora por N Iorque.
Nestas discussões eleitorais as regras são poucas mas são draconianas. Os maus passos são punidos e a mentira é para os eleitores algo de insuportável. Nem tudo serve para vencer.
Ou: os fins não justificam os meios.

Na gravura: a Senhora Clinton desembarca na bósnia sob uma chuva de balas e recebe flores envenenadas de uma sniper juvenil...

Na Hora da Despedida

O Prof. Oliveira Marques na sua despedida de Presidente da Comissão Executiva do Metro do Porto fez um rasgado elogio ao trabalho desenvolvido, concluindo que “o balanço positivo superou as minhas expectativas”. Depois culpou o Estado (aquela coisa geral e abstracta) por o resultado final da sua gestão não ser "perfeito". No essencial, a crítica consistiu no facto do Estado não ter disponibilizado os recursos necessários para o investimento realizado, o que obrigou a empresa a recorrer ao crédito bancário. Não disse quem avalizou a dívida e quem vai assumir os correspondentes encargos. É bem provável que seja o mesmo Estado, mas tudo bem.

Pelo menos numa coisa tem o Professor razão. É notável a obra realizada, o cumprimento dos prazos, a qualidade do enquadramento urbano da linha do Metro. Para um projecto que não evoluía ou que evoluía muito devagarinho, acredito que a grande capacidade de liderança, o entusiasmo e rigor com que abraçou o projecto constituam elementos essenciais para o sucesso do empreendimento.

Esperemos que as críticas contundentes que formulou sirvam para o Governo (este e os próximos) passarem a estar mais atentos e interventivos, quer no financiamento equilibrado e atempado, quer no acompanhamento da gestão (creio que era isto que Oliveira Marques criticava).

23 março 2008

sobre o arbítrio

pedra sobre a palavra
tu retrocedes e te calas

eu rio-me porque tenho a faca
encostada à garganta
e só me calo se quiser

eu rio-me porque tenho a vida
a me bater no peito
a tocar-me com todas as palavras
ou me oferecer silêncios e abismos

não fujo da minha verdade
e vou para onde quiser

silvia chueire

21 março 2008

Estes dias que passam 101


A história miserável da professora da “escola” Carolina Michaelis que é praticamente agredida por uma aluna perante a passividade de uma inteira turma de estudantes que filmam a cena e se divertem, diz tudo do estado a que chegou o ensino.
Os professores são meros verbos de encher, uma espécie de criados das famílias para tomar conta dos “meninos” enquanto o papá e a mamã andam na ganhunça para poder ir oito dias para o Algarve, para poder pagar a prestação do segundo carro, para se irem embrutecer de sol em Torremolinos, no nordeste do Brasil, ou na República Dominicana (muito mais fino!!!...). ninguém quer que a Escola funcione, que aí se aprendam os valores mínimos da vida em sociedade, o respeito, a solidariedade e já agora um par de conhecimentos para singrar na vida.
Telemóveis na sala de aula são o pão nosso de todos os dias. Conversas idem. Os meninos não podem ser postos fora da sala porque o processo disciplinar é negativo para o professor, além de que corre o risco (certo, quase garantido) de ser vítima de uma agressão dos meninos, dos pais dos meninos ou das autoridades ministeriais.
Esta professora que teve medo de se queixar, que só se queixou quando viu para sua vergonha a história a correr em filme na internet, tinha muitos anos de ensino. Está no topo da carreira. Os cabelos embranqueceram-se-lhe a ensinar pequenos selvagens, filhos de grandes selvagens, protegidos pelos selvagens ministeriais que só querem ver as estatísticas lá fora a melhorar.
Repararam que um tal Rui Nunes (cito o “Público”) assobiou para o lado e disse que “deve ser a escola a resolver o assunto”?
Repararam que ninguém do tal ministério da Educação disse uma palavrinha amável, solidária á professora? Repararam que a dona Lurdes, acha que (sic) “não há clima de violência generalizada na escola”?
Isto quando se sabe que por queixa directa (e devem faltar as outras as que se não fazem, por medo, por pudor, por vergonha) há um professor agredido por dia.
Alguém aí desse lado do computador pode ainda espantar-se com cem mil professores na rua?
Alguém aí acha que numa escola em que o clima é ameno como se vê, se pode aceitar a tal avaliação quando as reprovações dos meninos podem acarretar consequências bem maiores que um par de encontrões, três dichotes grosseiros e a o rosto na internet?
Alguém por aí, desse lado do computador, pensa que é possível pôr o carro diante dos bois, pedir resultados quando o clima ameno desta escola risonha e franca é o que se vê?
Há por aí alguém que ache mal que a tal ministra do tal ministério poderia sem vergonha pegar na merda do telemóvel e dizer uma palavra à professora agredida?
Ou a tal ministra do tal ministério da tal educação que os pariu está à espera das nossas reacções para amanhã com rádios, jornais e televisões à ilharga, e esse escarro do conselho das Escolas e o outro, o da Federação dos papás que recebe grossa maquia dos cofres ministeriais (para quê?, pergunta-se) vir dar um beijinho repenicado na cara da pobre mulher que daqui a dias vai ter de enfrentar uma turma de pequenos estúpidos que a viram ser humilhada sem um gesto?
Estes pequenos de que falo são grandalhões, tem idade para ter juízo, para apanhar dois bofardos na cara imbecil e cheia de acne, dois bofardos que lhes encolha o sorriso canalha, o gozo miserável de serem vinte e muitos contra uma mulher só e indefesa.
Vamos a uma aposta? Alguém, desse lado do computador, acredita que vai haver um par de expulsões, uma dúzia de suspensões? Quem aposta que, ao fim e ao cabo, tudo passará com uma pseudo-desculpa à professora e um aviso a esta e outras como ela que deixem os telemóveis tocar, que deixem os meninos atender a chamada, mandar uns sms, perguntar a solução do ponto, enfim continuar a bagunça?
Num país civilizado, a ministra já teria sido chamada á ordem, o conselho directivo da escola já se teria demitido, os professores já teriam declarado greve. Greve!
Eu não sou professor, valha-me Deus!, não quero ser professor, mal por mal antes lixeiro que é trabalho mais limpo e menos perigoso. Mas ao ler nos jornais e ao ver na televisão estas vergonhas, sinto vontade de pegar na primeira coisa que tiver à mão e zurzir os costados dos meninos, dos funcionários do ministério, das DREN dos federados paisinhos que obsequiam as ministras e lhes sacam o dinheiro e não é pouco para fazer que andam mas não andam. Esta gente que quer a modernidade, menos Estado e melhor Estado, logo que pode arranja uma organização e vai de mão estendida pedir um subsídio de funcionamento.
Ou seja só são contra o Estado omnipresente e omnipotente quando este não lhes larga uma esmola, não os compra, não os corrompe.
Alguém, desse lado do computador, ao ver isto sente prazer, orgulho, sequer conformidade em ser português?

alguma alma sensível dirá que este texto tresanda a sentimento. Tem razão. Está tal e qual se escreveu sem sequer ter mudado uma vírgula. De vez em quando é necessário deixar falar a indignação mesmo que isso nos traga futuros amargos de boca e ao lê-lo mais tarde verifiquemos que o estilo é pobre. Haja alguém que diga o que se deve dizer logo e sem rede.

20 março 2008

Estes dias que passam 100


Num inglês absolutamente aceitável para espanhol cabeçudo, o senhor Aznar afirmou que “a situação [no Iraque] é muito boa.” Ora toma lá que já bebes! A situação é”muito boa” ainda que, acrescenta Aznar “não é idílica” (sic). Um cristão (ou nem isso, como é o caso do escriba) ouve estas com as pobres e cansadas orelhas que a terra há-de comer e não acredita. Até se persigna, à cautela. Fui de novo pela notícia e era mesmo verdade. Aznar disse isso, exactamente isso. A televisão espanhola confirma-o.
A minha vontade era dizer que Aznar asneia. Mas que culpa têm os asnos das asnices de Aznar?

Ao pé de Aznar, a lusa e pujante criatura socialista e nortenha que dá por Renato Sampaio é uma espécie de sombra. Ao fim e ao cabo, o pobre homem apenas quer proibir os piercings à garotada que adora estar na moda. E nem sequer todos, ao que parece. Só os mais feios, os da língua. Ignoro se a criatura autora de tão robusta ideia se lembrou dos piercings no clítoris (que os há!) nos testículos (idem) e em mais um par de locais recatados. Ter-se-á esquecido? Ou não acredita nisto? Este Sampaio a quem o santo Paio (ou Pelaio, descobridor piedoso do túmulo do apóstolo Tiago) não ensinou a descobrir a pólvora, sequer a água, enfim as ervinhas humildes da rua, andava por aí amargurado ao que presumo. O país e as suas forças vivas a salvar os portugas dos vícios, do tabaco, dos pasteis de bacalhau caseiros, das amêndoas de Portalegre, das bolas de Berlin, enfim, o pais a ficar bom e novo, pronto a correr a meia maratona lado a lado com o conhecido aluno de inglês técnico, e ele Sampaio, sem uma proposta no parlamento, ali sem poder mostrar à pátria o seu génio político... Felizmente há dias felizes: eis que o piercing a percé (esta é forçada mas relembra comovidamente a Entente Cordiale e homenageia o meu camarada Carteiro que se mete – e bem, com humor e talento - com as minhas francesices, saravah camarada!) e Sampaio atinge a imortalidade com a sua proposta ou com a proposta de que ele é primeiro subscritor.
Eu votei neste abencerragem e sinto-me portanto também ligeiramente ungido pela glória imortal que, resplendente, o aureola. É verdade que quando o votei nem sabia da sua existência. A gente aqui vota numa repolhuda molhada de criaturas e conhece, quando conhece, os quatro ou cinco da primeira linha. O resto é um pouco como os brindes do bolo rei. Vêm com o bolo, de graça. Ora aqui está como, em vez de uma fava, me saiu este Sampaio descobridor dos malefícios do piercing maldoso e provavelmente moscovita. Se formos a ver o piercing é causado pelos malandros dos professores que não só não ensinam como também estimulam as criancinhas inocentes e analfabetas ao pecado da auto-laceração.
Uma proposta ao talentoso deputado: para quando um projecto lei contra as cuequinhas fio dental?

O inefável dr. Meneses, esse mesmo, veio candidamente alvitrar que os partidos não deveriam cobrar quotas aos seus militantes. À uma, aquilo são trocos sem expressão que se veja na saúde financeira dos partidos. E depois, o Estado, sempre esse monstro tentacular!, paga e não bufa uma boa maquia às organizações políticas. O dr. Meneses, que noutros momentos é tão contrario a este Estado invasor, acha que isso chega. Com esta desarmante proposta terá pensado que assim tapava a boca aos seus adversários internos. Ou, se não a tapava, punha-os a abrir as beiças de espanto e isso evitaria durante momentos que eles continuassem a conspirar, a criticar, a serrazinar, a chatear, a ofender, a insultar, em suma a ser anti-partido e anti-Meneses.
De facto, tendo em linha de conta que boa parte dos militantes dos partidos do centrão só o são por razões que nada tem a ver com a ideologia do partido (se ela existe...), a ideia luminosa do edil de Gaia tem pés para andar. E até há um outro especial mérito: é que não havendo quotas a pagar deixa de haver aquelas cenas sempre pouco edificantes de cavalheiros pela calada da noite a pagar um fartote de quotizações em atraso, de militantes apinhados em casas minúsculas (lembram-se?) sempre a favor de algum candidato mais generoso mas falho de apoios.
Dizer a Meneses que um pequeno esforço pecuniário dos militantes seria uma prova, pequena mas real, de ideal poderá ser inútil. Provavelmente isso é uma teoria pateta minha, ideias de um velhadas educado nas tolices de 68...

a gravura: eu ia pôr um piercing mas os que encontrei eram ou repelentes ou pornográficos. virei para imagens de lingerie. Excelentes mas "demasiado sugestivas" e ainda me caía em cima a lei anti-vício ou outra repelência descoberta ou a descobrir pelos paios seculares deste portugal acrisolado. Fiquei-me pela que se vê: livre da censura mas tristonho. As do fio dental eram claramente mais interessantes...

19 março 2008

IRAQUE: 5 Anos de Morte


O texto que se segue é constituído por excertos tirados do artigo do Prémio Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, publicado no Diário Económico de ontem, que pode ser lido aqui.

"O custo económico da guerra para os EUA ascenderá aos três biliões de dólares e, para o resto do mundo, outros três biliões

A mentira prevaleceu sempre: da existência de armas de destruição maciça em território iraquiano à suposta ligação de Saddam Hussein à Al-Qaeda. A verdade, porém, é outra: o Iraque só se tornou num “ninho de terroristas” depois de os EUA invadirem o país.

A administração Bush disse que a guerra custaria 50 mil milhões de dólares. É este o montante que os EUA gastam actualmente no Iraque a cada três meses

Terá sido incompetência ou desonestidade? Ambas as coisas, seguramente. O facto de a administração Bush se focalizar nos custos presentes e não nos custos futuros significa, uma vez mais, que vai comprometer as gerações futuras e os cuidados de saúde que deveria prestar aos veteranos de guerra

os feridos totalizaram 15 vezes o número de baixas. Foram diagnosticadas perturbações de ‘stress’ pós-traumático em 52 mil dos veteranos que entretanto regressaram ao país.

Estima-se que os EUA tenham de atribuir pensões de invalidez a 40% dos 1,65 milhões de soldados que já serviram no Iraque. Uma despesa que tende a aumentar à medida que a guerra se arrasta e que hoje se cifra em mais de 600 mil milhões de dólares.

guerra só teve até agora dois vencedores: as petrolíferas e os fornecedores militares. O preço das acções da Halliburton, empresa de serviços petrolíferos presidida por Dick Cheney antes deste assumir o cargo de vice-presidente, dispararam

A incúria nesta guerra obriga a sociedade iraquiana a pagar a maior fatia da factura. Metade dos médicos iraquianos foram mortos ou abandonaram o país, a taxa de desemprego ronda os 25% e, cinco anos depois de a guerra começar, Bagdade continua a ter electricidade menos de oito horas por dia. Dos 28 milhões que constituem a população iraquiana, 4 milhões são deslocados e 2 milhões fugiram do país.

estudos estatísticos sobre a taxa de mortalidade antes e depois da invasão são esclarecedores: das 450 mil mortes nos primeiros 40 meses de guerra (incluindo 150 mil mortes violentas) atingiu-se recentemente as 600 mil.

Os norte-americanos gostam de dizer que “não há almoços grátis”. E eu diria que não há “guerras grátis”. Os EUA – e o mundo – vão pagar a factura nas próximas décadas. "

Estes dias que passam 99


Trágico Aniversário

Foi há cinco anos que um George Bush ignorante e vaidoso resolveu começar a cruzada libertadora do Iraque. Tudo lhe parecia fácil. Uns tiros, a esmagadora superioridade tecnológica do armamento americano, as “armas de destruição maciça” de que ainda estamos à espera, a democracia, o leite e o mel para a Mesopotâmia.
E hoje?
Hoje não há senão uma miragem de país, não se descortina a democracia, os fanatismos religiosos e étnicos atingiram um grau impressionante, vinte por cento da população está refugiada nos países limítrofes (vinte por cento serão por más contas quase quatro milhões de pessoas) os civis mortos depois da queda de Saddam variam entre oitenta e cem mil, os americanos já perderam quatro mil soldados, a que se deve juntar um número várias vezes superior de feridos, algumas cidades estão em escombros e é duvidoso que a entidade política Iraque dure depois da saída das tropas ocupantes. A latere, estão quase a desaparecer os cristãos caldeus (uma das mais antigas comunidades cristãs do mundo, o laicismo indiscutível dos anos BAAS desapareceu e a charia instala-se com o sinistro rigor dos chiitas e a cegueira dos grupos sunitas mais fanatizados.
Ontem Aznar, hoje Bush (espera-se a palavra evangélica de Blair e dispensa-se a de Durão Barroso) dizem o mesmo: valeu a pena. Saddam caiu. A este preço teme-se que até ao fim dos julgamentos (se assim se pode chamar às fantochadas a que temos assistido) que cada um dos seus cúmplices custe mais umas centenas de vidas indefesas.
Bush acha que valeu a pena. Abu Grahib ou Guantanamo dão-lhe uma sinistra razão. No país que inventou a Declaração de Direitos, uma das mais luminosas páginas da história da civilização, isto soa a escárnio e ofende tudo (e é tanto) o que de bom vem dos Estados Unidos: o trompete de Armstrong, a caneta de Mark Twain, o cinema de Ford ou de Allen, a lâmpada de Edison ou o para-raios de Franklin. E a imensa generosidade americana, e os meus amigos de Berlim, de Lisboa, de Estrasburgo e de inumeráveis conversas sobre tudo e nada, o Big John, os Zingareli, o Bob, a Claire e tantos outros espalhados por esse vasto continente.
Em Veneza, no Palácio Ducal, há uma sala com os retratos de todos doges que governaram a Sereníssima. Todos, não. Um retrato está desde sempre tapado de negro para que o futuro não contemple o rosto de um doge indigno. Às vezes penso que o retrato deste Bush não deveria passar para o futuro: apenas pelo crime de ter declarado uma guerra por desejo de passar por estadista, por incompetência, por ignorância, por desprezo pelos seus concidadãos jovens e militares e pelos árabes daquele perdido país. Daquele país perdido...

Boicote docente

A notícia que hoje vem a lume no “JN” (ver aqui e aqui) é reveladora do pensamento autista de muitos professores, que gostariam que o país inteiro não tivesse outra opinião que não fosse a defesa dos seus direitos e dos seus interesses corporativos.

Descontentes com um texto de opinião que Emídio Rangel escreveu no “Correio da Manhã”, que eu não li pelo simples facto de que não tenho por hábito ler aquele matutino e também porque não fiz o mínimo esforço para ir agora à procura das diatribes requentadas de Rangel, há professores que animam um apelo ao boicote à compra do “CM”. Bonito princípio o que esses professores defendem. Se ensinam estes valores aos seus alunos, estamos entendidos…

Perante a situação criada, é evidente que os sindicatos não puderam fazer outra coisa que não fosse demarcarem-se desse apelo ao boicote. E terão toda a legitimidade para avançar para os tribunais contra Rangel, se entenderem que têm razões para tal. É assim que se faz num estado de direito. Agora mover perseguições a jornais por não gostar do que escrevem alguns cronistas, essa não lembraria ao mais pintado. A união (ainda) faz a força?

18 março 2008

Missanga a pataco 45














Tirar o gajo da fotografia

Não me apetecia falar do dr. Augusto Santos Silva, palavra que não. A personagem é baça, envelhecida e, custa dizê-lo, muito aparelhística no pior sentido da palavra.
Mas a verdade é que o dr. Santos Silva, por boas ou más razões, más sobretudo, e cada vez mais frequentes, salta do apagado lugar por onde a prudência lhe aconselhava andar, para as manchetes dos jornais. É o faz-tudo do governo, o rapaz dos foguetes, o que contrata os bombos e os gaiteiros, o que traz as palavras de ordem lá de cima.
Desta feita parece que, de cabecinha perdida, por via de uns dichotes que lhe largaram em Trás-os-Montes entendeu produzir teoria sobre a história política recente. A da liberdade e a da anti-liberdade. Vai daí, inspirado possivelmente nos seus antigos professores do tempo da outra senhora, resolveu dizer quem foi quem no combate ao fascismo. Os doutores Soares e Zenha passaram no apertado crivo do senhor ministro que, todavia, não perdoou a Álvaro Cunhal.
Pessoalmente não gosto de Álvaro Cunhal. Como não gosto de Amália Rodrigues, Paula Rego, ou Agustina. Porém, se me perguntarem, sempre direi que como cantora, pintora ou romancista estas senhoras pedem meças aos melhores. Eu não gosto, mas elas são nas suas respectivas artes do melhor que se encontrou. Como dizia, não vou à missa do dr. Cunhal. No entanto, terei de confessar que durante quarenta anos ele foi o mais esforçado, o mais organizado, o mais eficaz inimigo do regime do Estado Novo. Foi também um dos mais martirizados, com um impressionante número de anos de prisão, alguns deles em completo e duríssimo isolamento. Foi, igualmente, um modelo de resistência aos polícias, aos interrogatórios, à violência.
Para quem frequenta a história do marxismo-leninismo contemporâneo, da Internacional e da Esquerda, Cunhal é, queira-se ou não, um reconhecido estratega, um teórico de alguma envergadura, bem superior aos seus amigos soviéticos ou a quase todos os secretários gerais de PC europeus e latino americanos. (Não falo dos outros por mero desconhecimento...)
Depois do 25 de Abril o dr Cunhal tentou (e falhou..., felizmente) conquistar o poder através da sua bem montada máquina partidária. Foi o dr Soares quem o derrotou. Com ajudas de muita e boa gente. Muitas! E de má gente. Bastantes.
Todavia, convirá dizer que, se em determinados momentos dos anos agitados do PREC, as coisas não se complicaram isso se deve (e muito, quase tudo) ao dr. Cunhal, homem avesso a aventureirismos, como é sabido. E mesmo o 25 de Novembro só não deu a sangueira que poderia ter dado porque o dr. Cunhal estava no seu posto, com a sua autoridade imensa, a refrear entusiasmos e delírios.
Tirá-lo da fotografia da luta pela liberdade, lembra uma velha táctica estalinista: sempre que se queria dar cabo de mais um opositor político, não só se lhe instaurava o respectivo processo inquisitorial mas também se retocavam as fotografias onde ele aparecesse. Assim se juntava o útil ao agradável: eliminava-se fisicamente um opositor que era competentemente fusilado, depois do opróbio de um julgamento miserável e infamante, mas também se fazia desaparecer para o futuro qualquer traço da criatura. Nem pegadas, nem fotografias. À morte civil seguia-se a histórica.
O dr. Santos Silva terá na sua mocidade (se é que o termo se aplica a tão extraordinária criatura) sido vagamente trotskista. Deveria saber que as fotografias do seu guru político-espiritual, enquanto líder revolucionário foram todas retocadas de modo a que para o futuro (que durou pouco mas mais do que durará o do dr. Santos Silva) não restasse dele senão um vazio gritante na película. Aprendeu mal a lição, pelos vistos. É o que acontece a quem pensa como ele.

A propósito: corre com alguma insistência que o dr. Santos Silva terá sido do MES (Movimento de Esquerda Socialista). Até o dr Meneses o veio dizer numa das suas arrebatadas diatribes onde crucificava SS como trotskista e ex-MES. Não o recordo nas nossas magras fileiras. Perguntei a um bom par de antigos camaradas que também o não recordam. Militante não foi, simpatizante, nunca o vimos. Provavelmente era um clandestino... Ou então... como está na moda e fica bem ter sido do MES o dr Santos Silva (ou alguém por ele) resolveu modificar a fotografia, retocando-a e pondo-o também no pequeno grupo de esquerdistas ingénuos que acabámos (quase todos, quase todos...) por ser. Por favor, senhor Ministro, saia da nossa pequena fotografia.

* as fotografias (celebérrimas!) de Lenin com (antes) e sem (depois) Trotsky. Ou de como Stalin era um pequeno génio da 8ª arte.

17 março 2008

Credores do Estado "Listados" e... "Não Listados"

O Estado é mau pagador. Pior, o Estado exige que os cidadãos e as empresas lhe paguem no prazo que estipula, mas ele não paga a tempo e horas e quando paga, o valor que paga já não vale o valor dos bens e serviços que lhe foi prestado pelos seus fornecedores.

Este comportamento, de mau pagador, que o Estado assume, tem um efeito perverso no funcionamento de toda a economia. Pior, este mau comportamento tem contribuído para a asfixia financeira de muitas empresas.

Este é um problema antigo, que tem transitado de governo para governo, de ministro das finanças para Ministro das Finanças, sem que algum o tenha assumido e procurado uma solução, de modo a transformar o Estado numa pessoa de bem. As causas também são conhecidas. O Estado gasta mais do que tem a receber, logo está sempre em dívida, porque se não factura também não pode pagar. Ou seja, o Estado não gasta segundo as suas disponibilidades…

O lançamento do Programa Pagar a Tempo e Horas induzia que, pela mão do actual Ministro das Finanças, o Estado ia, finalmente, criar os mecanismos para cumprir, atempadamente, as suas obrigações. Entretanto, o Decreto-Lei de Execução Orçamental para 2008, definiu o modelo de financiamento do Programa (art.º 31º).

Tudo parecia bem encaminhado… só que o Governo pretende agora publicar a lista dos credores da administração central (sem Regiões e Autarquias), desde que estes apresentem o pedido para tornar público o valor da dívida do Estado para com eles. Ou seja, se a Administração Central dever 500 mil € à firma X, esta pode apresentar um requerimento a pedir que essa dívida passe a constar da lista de credores do Estado.

Será que isto faz algum sentido? Qual o efeito prático dessa lista, feita a pedido? Será que o Estado vai passar a pagar, prioritariamente, aos credores que constem da lista? Mas se o Estado pretende publicitar as suas dívidas, porque não o faz por sua iniciativa? Não sabe ele a quem e quanto deve? Mais, quem garante que não haverá consequências para as empresas que ousarem requerer que o Estado anuncie, publicamente, a divida que ele próprio lhes deve?

A mim, parece-me claro que a anunciada Lista de Credores da Administração Central, pela forma como vai ser elaborada, só pode servir para mascarar o valor real da dívida do Estado aos seus fornecedores, iludindo as boas intenções que se conseguiam vislumbrar no Programa Pagar a Tempo e Horas.

Nota final, a haver lista que a mesma, pelo menos, indique o nome da pessoa que adjudicou ou contratou em representação do Estado, para que o Estado, neste caso, passe a ter algum rosto…

Art. 30º do C. Penal

"O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) deu razão ao Ministério Público e, em dois processos distintos, no espaço de uma semana, recusou manter a condenação de dois arguidos acusados de crimes sexuais na forma continuada, como permite o novo Código Penal devido à alteração do artigo 30.º. Os conselheiros entenderam que ambos os condenados cometeram dois crimes, e não um na forma continuada, pelo que elevaram as respectivas penas. (...)
Apesar de nos dois casos os arguidos serem acusados de crimes sexuais sobre a mesma vítima, situação que, pelo novo Código Penal, configura uma excepção à proibição da aplicação da figura do crime continuado nos crimes contra as pessoas, o STJ acolheu os argumentos do Ministério Público e revogou decisões da primeira instância.


(...) os críticos [da nova redacção do art. 30], que não tiveram dúvidas em afirmar que “beneficia aquele que violar repetidamente a mesma vítima”, exigiram explicações. Rui Pereira explicou, então, que se opôs à alteração que prevaleceu, e também o ministro da Justiça, Alberto Costa, rejeitou responsabilidades, dizendo que a proposta saiu da Unidade de Missão.

O gabinete de Rui Pereira, que coordenou a reforma penal antes de entrar para o Governo, garantiu ao CM que as actas da extinta Unidade de Missão estarão revistas até ao fim do mês para serem publicadas. Isso ajudará a desvendar a paternidade de normas polémicas, como o crime continuado e a proibição da publicação de escutas."

no Correio da Manhã de hoje


Sobre o "jogo do empurra" em que se tornou a paternidade do art. 30º do CP e a publicação das actas da Unidade de Missão:

15 março 2008


Por Teresa Ribeiro

Fiquei muito satisfeita com esta nova proposta de lei do PS que proibe os piercings na língua. De facto, se as pessoas são inconscientes e decidem fazer mal a elas próprias, a atitude responsável de qualquer governo que esteja verdadeiramente empenhado em contribuir para o bem estar da população é proibir esses comportamentos desviantes.
Na minha opinião esta proposta só peca por defeito. Para arrumar de vez com os maus hábitos dos portugueses eu propunha que se fosse até ao fim e interditasse também:

1 – O acesso às praias entre as 11h e as 16h
2 – A venda de chupa-chupas, gomas e rebuçados às crianças
3 – O consumo de álcool
4 – O consumo de fast-food
5 – O consumo de tabaco
Também veria com bons olhos a proibição de noitadas e da venda de sapatos com o salto demasiado alto a senhoras com excesso de peso.


Governo simplifica a língua,
por Ferreira Fernandes, no «DN» de 15 Mar 08

NUM PAÍS em que "a minha pátria é a língua portuguesa" era inevitável o sobressalto patriota. Aconteceu ontem: fica proibido pôr um piercing na pátria.
Comprova-se a vontade em simplificar a língua: depois do acordo ortográfico, tira-se o piercing. A pátria ficou mais coesa: havia portugueses com piercing na língua e portugueses sem piercing na língua - ficou um país de língua única (tirando o mirandês).
Quando a lei sair no Boletim, a língua oficial é sem piercing.
Tudo porque, parece, um piercing pode matar. Por isso o Governo decidiu perder o latim com o assunto: não quer uma língua morta. Legislou-se, pois, para que haja tento com a língua.
Mas se passa a ser proibido, passa a poder ser controlado. Como? Vejo o polícia: "Importa-se de nos mostrar a língua?"
É o tipo de caça à multa sem escapatória. Se um cidadão tem piercing, e mostra, multa-se por infringir a nova lei. Se não tem, multa-se por causa da lei antiga: mostrar a língua à autoridade é desrespeito.


O gosto do ayatolla Sampaio
por Coutinho Ribeiro, no Anónimo

A ideia foi de Renato Sampaio que - pode haver quem não saiba - é deputado e líder do PS do Porto e sintetiza-se assim (segundo o JN): os socialistas querem proibir os menores de 18 anos de fazer tatuagens, colocar piercings e aplicar maquilhagem definitiva. Mas atenção: o projecto-lei propõe-se proibir, para todas as idades, piercings na língua, na boca e noutros locais considerados de maior risco. O que diz Sampaio? Que é tudo por uma questão de saúde, mas também por «uma questão de gosto». Sampaio reconhece que distingue mal brincos de piercings e, por isso, entende que os piercings podem ser usados, desde que nas orelhas, onde são tradicionalmente usados os brincos.

Este cuidado de Renato Sampaio, meu colega de debates, enternece-me. Fico a pensar que se o líder socialista do Porto se tivesse lembrado mais cedo desta ideia, ter-me-ia poupado dois desgostos que a minha filha me deu, quando, um após o outro, colocou dois piercings. Eu não tive hipóteses de impedir. Mas o que não consegui eu, vai conseguir o ayatolla Sampaio, um homem que saiu da sombra para afinar o «gosto» dos portugueses.

Venha daí a burka!

Para reflectir no Fim-de-semana

Recebi por e-mail a pergunta que a seguir coloco para reflexão:
- Se em 2002 um barril de petróleo custava 70 dólares , o que equivalia, grosso modo, a 77 Euros, e actualmente custa 100 dólares - o que equivale, sensivelmente, a 70 Euros - como é que se pode dizer que o petróleo está mais caro?

12 março 2008

Por onde Começar a Mudança?

Pelos Pais!

Em comentário a
este post MCR diz que “O problema da educação está nisto: as famílias demitiram-se de educar, os pais não querem que lhes molestem as criancinhas, as autoridades querem apresentar bons resultados para as estatísticas europeias como se o passar à borla resolve o crescente analfabetismo das novas camadas etárias.”

As consequências do problema enunciado são do conhecimento geral. As causas é que não têm sido assumidas.

O Jornal Público do último dia do ano findo sintetizava, em frases curtas, um conjunto de ideias sobre Portugal. Algumas boas. Muitas a mostrarem “o nosso lado pior”. De entre estas houve uma que me chocou de verdade: “Os jovens Portugueses são os mais alcoolizados da Europa”. Recordo-me que logo a seguir a esta divisa aparecia uma outra a declarar que “Somos os mais pobres da Europa ocidental”.

Então, lembrei-me de ter lido, em tempos, que os jovens portugueses são dos que têm uma mesada mais alta na Europa Comunitária. Contradições? Talvez não. Os pais, mesmo pobres, querem dar do melhor aos filhos.

Acho que tudo isto bate certo e valida o Estudo que a OCDE divulgou no mesmo mês de Dezembro, concluindo que os alunos portugueses de 15 anos estão abaixo da média, entre 57 países, a Ciências, Matemática e Leitura.

O que é que teria de acontecer para que este estado de coisas se alterasse?

Tenho para mim que a causa está, em larga medida, no grande espaço de liberdade que hoje (nos últimos 15-20 anos) os pais dão aos filhos. Liberdade, no pior sentido, que se confunde com falta de regras e mesmo com cobertura à libertinagem.

A mudança deveria começar por alterar estes comportamentos, por fazer com que os filhos adquirissem o sentido do valor do trabalho. Apenas os premiarem em função dos resultados. Por controlarem os seus gastos e os seus percursos. Pô-los a exercer trabalhos domésticos, a apoiarem a família nas suas actividades profissionais, mesmo em tempo de férias escolares. Cortarem as saídas nocturnas, por sistema. Exigirem o cumprimento de regras e disciplina em casa. Transmitir a noção do trabalho e do valor das ideias.

O laxismo, a disponibilidade de dinheiro sem esforço para o obter, o elevado poder de mobilidade que os jovens desfrutam constituem factores que retiram qualquer importância ao trabalho e ao estudo. Tudo lhes vai ter às mãos a custo zero.

Quando os pais forem capazes de agir mais responsavelmente, então, passarão a ter autoridade moral para exigir que a Escola, as autoridades cumpram com a parte restante. Enfim, contribuirão, decisivamente, para por termo aos indicadores miseráveis que, ano após ano, colocam os nossos jovens na cauda da aprendizagem e no topo da degradação social.

O resultado da mudança de atitude dos pais será uma juventude mais responsável, mais sadia e um país com melhores perspectivas de futuro.

Portanto, a pergunta “Por onde começar?”. Só tem uma resposta: “Pelos pais.”

Missanga a pataco 44


A Coragem e a Dignidade

Sou pouco de bispos. Muito pouco mesmo. Digamos nada e estamos quites. Todavia fui amigo de um bispo, o único que conheci, D. Domingos de Pinho Brandão, e que nos (ao Rui Feijó e a mim, na Delegação Regional da antiga Secretaria de Estado da Cultura) visitava.
Era uma pessoa encantadora e um homem de sólida cultura. Um príncipe da Igreja se isso se pode aplicar aos bispos. E bonda.
E bonda, não! A partir de hoje tenho outro grande bispo na mira: D Michele Pennisi, bispo de Piazza Marina, na Sicília. A história é curta como provavelmente poderá ser a sua vida futura: recusou celebrar as exéquias de um famoso chefe mafioso abatido pela polícia. A Igreja, disse, não está aqui para fazer de bandidos mártires.
As ameaças já chovem mas a população apoia-o. Recusou escolta e continua a governar tranquilamente a sua diocese.
A sua bênção D. Michele!

AU Bonheur des Dames 117


Fado corrido
à sombra do
Empire State Building


Eu gosto da América, palavra que gosto. Gosto dos western, do jazz, dos musicais de Times Square, da Declaração de Direitos, de Benjamin Franklin, de Nova Iorque, ai, Jesus, Nova Iorque... Gosto de Poe, de Emily Dikinson, de Faulkner e de Hemingway, de John Ford, de Dashiel Hammet e de Raymond Chandler, enfim gosto de quase tudo excepto do senhor Bush, da KKK, da American Riffle Association e dos mac’donald. Tenho um belo grupo de amigos americanos, alguns dos quais, são exactamente o que se espera deles. Como o Zingarelli. Ah o Zingarelli, de N.I. melhor dizendo de Brooklyn, este Z. era um rapaz que foi meu colega no Goethe Institut em Berlin. Vale a pena conhecê-lo.
Z., quando chegou a altura de escolher uma profissão, foi honradamente a um desses institutos de orientação profissional. Não confiava demasiadamente em si, coisa que, com dezassete anos é compreensível, sobretudo se se nasceu em Brooklyn e se tem manias culturais. O instituto ponderou tudo o que Z disse, escreveu, desenhou em múltiplos testes e entrevistas e ditou uma sentença sóbria e assaz conveniente para quem vive daquele lado do East River: Z., ítalo descendente tinha forte queda para electricista. Algumas manias ligadas à leitura, à especulação teórica e ao ensimesmamento eram meras brotoejas juvenis.
Z., paciente e disciplinado, tirou o respectivo curso de electricista, montou oficina, ou empregou-se numa, disso já não me lembro e, durante seis ou sete anos, compôs fusíveis, montou appliques, cabos, rebobinou peças, enfim o trivial. Entretanto casou-se com uma bonita rapariga, professora de literatura.
Ia Z no sexto ou sétimo ano desta pacata e maçadora existência, quando, recebe uma carta urgente do Instituto de Orientação Profissional a que tinha recorrido. Em poucas palavras mas com um gordo cheque, o instituto lamentava informar que houvera uma troca de fichas e que Z., doravante Zingarelli, afinal tinha era vocação para filosofia e respectivas adjacências. Os fartos dólares que acompanhavam a carta eram uma tentativa de evitar maiores chatices e escândalo.
Zingarelli acolheu a carta e a massa com estóica paciência. Com a mulher fez planos e descobriu que aquele dinheirinho caído do céu de Manhattan dava mesmo para ir passar uns anos à Alemanha, frequentar uma universidade respeitável e teutónica, o mais filosofante possível.
E assim foi: chegaram a um Berlin dividido pelo execrável muro nos idos de 70 e matricularam-se no “Goethe Institut” para aprenderem alemão, depressa e bem. Aí nos encontrámos, partilhámos a sua história e largas cervejas aqui e ali.
Não era obviamente do Z que eu vinha falar mas deu jeito metê-lo ao barulho porque agora trata-se de arriar noutro tipo de “américas”. Falo claro, do actual (se é que ainda não se demitiu) governador de Nova Iorque, um impoluto cruzado que de há anos a esta parte fustigava com inclemência, o vício citadino e estadual. O homem apresentava-se como um poço de virtudes, mais branco que o OMO, um azorrague de infiéis e de lascivos. Tinha esposa amantíssima e três filhas exemplares.
E tinha, algures, um tapete para onde varria pequenos pecadilhos que isto de ser um modelo de virtudes da manhã à noite cansa. Ou seja, o admirável paladino da moral pública, frequentava, via internet e similares um bordel de alto standing, enfim uma casa de putas de luxo, e preços a condizer.
O esquema ao que parece era simples, contratava-se a “pequena” e para evitar algum paparazzo mais expedito, pernoitava-se em Washington, capital do mundo e dos encontros lascivos. Parece que isso, a mudança de Estado, acrescenta ao forte crime da lascívia outro ainda pior cuja exacta definição desconheço. Às tantas é como o rapto, um crime federal. “Man Act” chama-se a lei violada que prevê castigo pesado para o transporte de uma pessoa entre dois estados com o fim de a prostituir.
Esta história parece tirada a papel químico de uma outra em que um senador, arauto da virilidade, da heterossexualidade e dos bons costumes foi apanhado num urinol a deitar o olho desejoso e a mãozinha pecadora aos “genitalia” de um agente da polícia! Horrível!
Voltando ao cruzado Eliot Spitzer parece que pagou a uma certa Kristen 4.300 dólares, quase 3.000 euros, por uma prestação sexual heterodoxa. Que quererá isto dizer desconheço mas que não é barato, não é!
Temos aqui uma das contradições americanas. Podem publicar-se revistas tão explícitas como a “Hustler” (ao pé da qual a “Playboy” é uma piedosa publicação). Podem ter bordeis cotados em bolsa no Nevada. Podem ter a mais florescente industria de cinema hot do mundo mas ali mesmo ao lado, enfim, perto, uma escapadinha fora de casa é cara e dá cadeia. No mesmo país onde qualquer um(a) pode ter um arsenal em casa ( e quando digo arsenal significo mesmo um canhão, uma metralhadora pesada ou qualquer outra arma parecida) o pagar um serviço de natureza sexual, algo bem dentro das melhores normas da “free enterprise”, cai sob a alçada da lei, da condenação pública e arruína uma reputação. Também é verdade que se a dita reputação se fez em nome do combate ao vício não podemos deixar de ver nisto uma deliciosa ironia que, convenhamos, faz sorrir ou mesmo rir a bandeiras despregadas qualquer um.
E, entre nós, europeus, velhos e decadentes? Pois por cá as coisas correm noutra direcção pesem embora alguns esforços do politicamente correcto que, como se espera, vêm no sexo não a origem da vida (Courbet) mas a da desordem. Não há muito, uma primeira ministra francesa (Édith Cresson) acusava os ingleses de mariconsos, coisa que apesar de tudo me parece um pouco excessiva. Não menos verdade é que a França considera como herói, o seu presidente da república Félix Faure, morto aos 41 anos no cumprimento do seu dever. De facto a honorável criatura encontrou-se nesse dia com uma jovem de 30 anos, Marguerite Steinheil, apelidada a partir desse fatídico dia “la pompe funébre” (os leitores mais dentro das francesises apreciarão a finura do “sobriquet”.)
Em Portugal não temos momentos destes. Pelo menos oficialmente. Em matéria de presidentes da república, ressalvando um autor de romances tenuemente licenciosos, Teixeira Gomes, algarvio morto no exílio, desconhecem-se aventuras heróicas entre lençóis de todos os restantes. E no que respeita a presidentes do conselho a coisa foi mesmo aflitiva. E nem falo do Dr Salazar, incorrigível misógino digam o que disserem alguns saudosos que queriam dar dele uma imagem menos austera. Com uma excepção que não citarei, os nossos primeiros ministros são uma espécie de baldes de água fria. Gelada!
E convenhamos que dava jeito, um político dado à coisa. Se festiva, evidentemente. E podia ser mesmo com uma meretriz. De rua ou de hotel de luxo que as há e cada vez mais, basta ler os anúncios dos jornais ou folhear a internet.
É por isso, e só por isso, que o escriba, não querendo abusar da política doméstica se viu forçado a viajar até ao outro lado do mar, terra de vícios privados e públicas virtudes ou vice-versa.

a fotografia foi pilhada em www.fotolog.com Porreirinho!

desrazões

Mário Correia 08
Tenho andado ausente. Da escrita neste blog e de outras coisas mais.
Razões várias, possivelmente apenas desrazões. Algumas, as mais imediatas, encontrei-as elencadas, por mão alheia, aqui ...

Fotografia de Mário Correia, Viena 2008 (MUMOK, Museum Moderner Kunst - "YIWU Survey", instalação de Liu Jianhua)















jasmins


é madrugada, o verão ignora
que o inventamos.

e o inesperado perfume dos jasmins
cola-se às calçadas, às pessoas,
desatando a memória de outras noites.

no sorriso do reencontro
com a cidade, o encantamento.


silvia chueire

11 março 2008

Eles “andem” aí

A novela da liderança de Menezes promete arrastar-se de forma penosa. Anunciam-se processos e audições pelos órgãos disciplinares a dirigentes que vêm dizer o óbvio (ver aqui). A “golpada” preparada pela actual Direcção do PSD visa, única e simplesmente, preparar o terreno ao aparelho e aos sindicatos de voto.

Ressalvo, no entanto, que a minha denúncia seria igual no caso desta deriva acontecer em outros partidos com responsabilidades de poder, como é o caso do PS. As regras de Estado têm de começar por ser praticadas nos sufrágios internos dos partidos políticos. E nós sabemos bem como se toma(va) de assalto o poder dentro das secções partidárias.

10 março 2008

“Os Números Não Enganam”

O Padre Jardim Moreira, Presidente da Rede Europeia Anti-pobreza em Portugal proferiu um conjunto de declarações ao Primeiro de Janeiro que deveriam merecer ampla reflexão e ponderação pelas entidades governativas.

Considera que o grande erro da acção governativa tem passado pela extinção da classe média. É que o poder económico, diz, está concentrado cada vez em menos mãos, bem como a produção. Sucede que a classe média está a desaparecer.

Se há quem considere que a pobreza é a doença do sec.XXI, também encontramos testemunhos que ditam que a pobreza começa a ser vista como uma verdadeira «fonte de rendimentos» para quem quer fazer «nada»!

Lá no centro histórico do Porto os menores de 18 anos masculinos, nas quatro freguesias, são 330. Este é o número dos que recebem mensalmente um subsídio de 180 euros por mês. Não estudam e não trabalham e vivem em casa dos pais. E recebem apenas porque o solicitaram.

“Quanto às raparigas, menores, na mesma situação são 348. Esta é a nossa governação. Os jovens não têm qualquer culpa. Reconhecem-lhes esta possibilidade, dão-lhes o dinheiro e não lhes pedem contrapartidas. Digo então que esta governação é criminosa. Não está a ajudar os jovens. Estão apenas a ser alimentados par o crime e para a marginalidade. Isto é humanamente desonesto”.

“A nível de agregados familiares, no CHP, são actualmente 924 que estão a receber o rendimento mínimo. Posso dizer que só na Freguesia da Vitória, o ano passado apenas 62 pessoas foram acompanhadas. O que quer dizer que a maioria recebe o dinheiro de uma forma inócua e sem qualquer compromisso de responsabilidade. Porque o Estado está a criar uma subsídio-dependência. Esta a criar-se uma sociedade que a curto e médio prazo não vai ter capacidade de se integrar na vida activa. Posso ainda avançar os resultados de um estudo feito de porta-a-porta em São Nicolau, pelo centro social. Os activos são apenas 30 por cento e a freguesia não tem mais de 900 residentes. Os outros vivem do rendimento mínimo, da reforma…e é este o drama”. As causas estão por resolver.

“O flagelo que está a contaminar a sociedade e que como diz o Padre Jardim, está a alimentar esta sociedade que está na “rota do capitalismo selvagem”. Para Jardim Moreira a “situação catastrófica” a que se está a chegar tem responsáveis, e esses têm nomes, e têm que prestar contas do que estão a fazer, “das más políticas” que têm seguido e que estão a colocar Portugal num patamar que «me envergonha como cidadão”.

08 março 2008

Estes dias que passam 98

Insuportável!
Foi a enterrar há momentos, Isaías Carrasco, basco, ex-vereador do PSOE na Câmara Municipal de Mondragón.
Também era sindicalista e jogador amador de futebol. E pai de filhos, marido, irmão, como tantos de nós, por aí.
Carrasco, afastado da vida partidária activa, foi assassinado com quatro tiros pelas costas.
Quatro tiros ! Pelas costas! Como convém à cobardia do assassino, dos seus mandadores, dos seus cúmplices, dos seus simpatizantes em Portugal que os há.
Espera-se com urgência que alguns partidos portugueses se pronunciem sobre isto. Se formos indiferentes ao crime aqui tão perto, seremos indiferentes, ao crime político dentro de portas. E perderemos o respeito que nos devemos enquanto cidadãos e pessoas que se interessam pela "coisa pública".

Au Bonheur des Dames 116


Só um autista, ou uma autista, é capaz de não ver isto. Infelizmente, ao que se ouviu na televisão, o autismo entrou já na fase patética. É assim e não há volta a dar-lhe.
Ontem, o meu amigo, M S P, professor jubilado, cujo nome está numa sala da sua antiga escola (sinal que alguém o achou digno disso) dizia-me que só não ia apoiar os seus colegas porque ia dar uma aula de borla a uma aluna que estava com dificuldades. Hoje, o habitual grupo de antigos professores que partilham a explanada comigo diziam mais ou menos o mesmo. A senhora ministra diz (como Campos dizia três dias antes de ir borda fora) que só tem sentido apoio na sua missão salvadora. É possível. Não pior cego que o que não quer ver.
Isto era para ser um texto sobre o oito de Março e as mulheres. Não todas, lamento dizê-lo porque algumas parece haver que multiplicam a arrogância masculina por dez. É com elas mas depois não se queixem.
Às mulheres portuguesas que desfilaram pelas ruas de Lisboa, uma flor e a minha admiração. E a minha gratidão enquanto cidadão e homem de esquerda.

A fotografia foi roubada à versão internet do "Público"

Diário Político 79

Perplexo?
Nem por isso...


A Colômbia, debate-se desde há dezenas de anos com uma guerrilha persistente e tenaz que nunca conseguiu sair da selva, o que prova a sua escassa popularidade, mas que nunca foi vencida o que prova a escassa popularidade dos governos democráticos, ou nem isso, que se têm sucedido em Bogotá.
Ocorre que, de há muitos anos a esta parte, essa guerrilha larvar foi sendo progressivamente transformada numa milícia que se alimenta do tráfico da droga, do negócio dos raptos e tem perdido (se alguma vez a teve) a ideologia original de exercito popular de inspiração marxista (entenda-se marxista tendência latino-americana, o que permite uns pós de messianismo cristão, algum indigenismo e o que o che alguma vez chamou depreciativamente “romantismo revolucionário”).
Ocorre igualmente que mesmo depois da derrocada do bloco de leste, da modificação de inflexão da República Popular da China, do enfraquecimento notório do castrismo-guevarismo, subsistiram no continente americano, focos político-militares animados por algum anti-americanismo (ele próprio sustentando-se da sanha que os yankees despertam nos espoliados do sul) e da confusa e mal digerida herança da teologia da libertação.
A nova situação internacional não só isolou as guerrilhas remanescentes no cone sul e na zona centro-americana mas também as transformou. A ausência de perspectivas de êxito a curto prazo, privou-as de aparelhos políticos legais, de apoio de massas e ou as isolou ou as obrigou a abandonar a luta armada. Na Colômbia, como antes no Peru, a guerrilha que persistiu passou sem grande mérito a um bando que apenas lutava para sobreviver. No Peru, a prisão do principal líder do Sendero e a repressão violenta levada a cabo pelo governo Fujimori liquidou praticamente este grupo e se restos dele ainda subsistem já não é nem uma força nem um risco.
Na Colômbia, país que conheceu um século XIX com doze guerras oito das quais civis, uma “violência” que quase o destruiu entre 1948 e finais dos anos 50 e que tem a mais antiga guerrilha do mundo a que se atribuem, por baixo, 30.000 mortos, para já não falar nas contra-milicias de direita que fazem o possível por igualar as malfeitorias das FARC, é difícil falar de ordem ou de democracia. Todavia o último quartel do século passado e os primeiros anos deste permitiram pelo menos circunscrever as zonas de combate, acantonar uns milhares de ex-guerrilheiros e levar a cabo eleições que não foram demasiadamente escandalosas. Isso fez com que se começasse a tentar resolver o problema da luta armada não só porque os apoios externos começaram a falhar mas também porque o governo “democrático” do país conseguiu algum isolamento dos guerrilheiros.
É neste contexto que irrompem em cena dois factores destabilizadores: a Venezuela bolivariana e o Equador igualmente presa da fúria revolucionária. A guerrilha colombiana sempre tivera alguma facilidade em passar as fronteiras destes países e estabelecer aí os seus santuários, os seus campos de transito e de descanso. Claro que se isto era mais ou menos conhecido não é menos verdade que tais refúgios eram precários uma vez que as autoridades locais não davam apoio político aos membros das FARC. Não davam mas com o advento de Chavez e a progressiva radicalização deste e com a vitória dos seus émulos e seguidores no Equador as coisas mudaram.
A prova, tardia, foi dada há dias pela destruição de uma acampamento guerrilheiro chefiado pelo numero dois das FARC no Equador, o elo mais frágil do novo revolucionarismo bolivariano.
A indignação do governo equatoriano por este atentado à sua soberania seria cómica se não fosse um exercício de hipocrisia. O Equador era o hospedeiro, a todos os títulos benévolo, de uma organização considerada “terrorista” pelas organizações internacionais a que pertence e onde tem voz e assento. Pior, veio alegar que estava em negociações (secretas?) para a libertação não se sabe de que reféns. Para qualquer pessoa de bom senso, a cobertura a uma guerrilha que destrói paulatinamente um pais vizinho com que se têm relações diplomáticas normais, parece configurar um acto de guerra ou pelo menos um acto preparatório. Se alguém se devia mostrar indignado é o pais vítma dessa guerrilha recebida em festa pelo vizinho.
Não foi esse o entendimento do Equador e muito menos o do tonitruante Chavez que já mandou avançar tropas para a fronteira. Também isso é, á luz do direito internacional, um acto pelo menos inamistoso, tanto mais que não consta que o Equador tenha solicitado o seu auxílio ou que houvesse entre os dois países algum pacto militar de entre-ajuda.
Os países da zona, e a OEA, tentam pôr água na fervura. A Colômbia adoptou um perfil baixo mas obviamente não pode, neste momento, deixar de explorar o sucesso que a execução do vice-comandante das FARC representou e provavelmente o conjunto de informações que terá obtido no ataque ao quartel guerrilheiro e que parece terem-se traduzido já na eliminação de outros dirigentes guerrilheiros.
O escândalo pela incursão no Equador parece ter escondido o outro igualmente grave que consiste no apoio de países terceiros à guerrilha.
Fiquemo-nos por aqui antes que alguém entenda que estamos a apoiar os interesses dos Estados Unidos que é o que normalmente se assaca a quem tenta perceber em que mundo vive.
Cabe ainda uma referência ao governo francês. Ao que parece Paris entende que a acção colombiana no Equador diminui as hipóteses de libertação de Ingrid Bettencourt, cidadã com a dupla nacionalidade colombiana e francesa. Paris parece esquecer que além de Ingrid há mais dois ou três mil reféns da guerrilha e que o enfraquecimento desta é preferível ao seu fortalecimento. Por outras palavras, conviria saber se Paris entende dever salvar a sua cidadã a troco de deixar em paz os raptores que poderão dedicar-se a raptar mulheres só do terceiro mundo. Os direitos humanos, versão Sarkozy e Kouchner, têm destas bizarrias.

07 março 2008

Estes dias que passam 97


A conspiração permanente


Atribui-se, com alguma razão (mas não toda!) ao falecido e nunca suficientemente chorado Lev Davidovitch Bronstein, conhecido no século por Trotsky, a invenção da teoria da “revolução permanente”. Contra ela e a seu tempo, o também nunca assaz chorado Yossip Vissarionovitch Djugatchivilli recorreu ao expeditivo método da picareta ocasional, resolvendo assim com a brutalidade habitual um conflito teórico no seio do movimento comunista internacional.
Em Portugal, pais de brandos costumes e pouca reflexão, usou-se na mesma época uma outra teoria auxiliar de governação, conhecida como a da “conspiração permanente”.
Para o mimoso governo do dr. Oliveira Salazar, a pátria vivia em permanente sobressalto devido à actividade perniciosa e conspirativa de um punhado de energúmenos que tentavam derrubar a harmonia louçã do “torrãozinho de açúcar” recorrendo aos mais diversos expedientes desde o uso de roupa inconveniente e imoral até ao livre pensamento ou, horror dos horrores ao sindicalismo revolucionário e ao bolchevismo.
O Dr. Salazar finou-se há uns bons quarenta anos, a democracia lá apareceu e, por um momento, houve inocentes que pensaram que a conspirata tinha morrido com o seu teorizador.
Erro fatal como já se verá.
Ontem mesmo, na têvê a que temos direito, a senhora Ministra da Educação entendeu dizer entre algumas faltas gramaticais ( até trocou uma terceira pessoa do plural do futuro do verbo progredir (progredirão) por uma mais comezinha mas igualmente terceira e plural, do indicativo (progrediram). A mais não é obrigada e, de facto, a educação com os baldões que vai levando, algum lastro há-de perder quanto mais não seja o da gramática. É o progresso!...) que os professores andam a ser manipulados pela direita (parece que a senhora ministra presume de esquerda!...), que não perceberam que esta avaliação até é melhor do que a do resto da funçanata pública (além de manipulados são uns cretinos catatónicos) além de juntar umas vacuidades sobre o dever de governar e a autoridade do Estado.
Como provavelmente é difícil explicar à resplendente ministra a diferença entre autoridade e autoritarismo, entre democracia e mania, fiquemo-nos pelas acusações de manipulação. A primeira vez que ouvi tal coisa, foi da boca de um tal Saraiva, José Hermano Saraiva, nos idos de 69. A criatura exercia de factotum ministerial-educativo do dr. Salazar e do dr. Caetano. Numa alocução que o tornou célebre entendeu afirmar ex-catedra televisa (os bons hábitos não se perdem) que a estudantada coimbrã era manipulada. E foi o que se viu. Do ministro rapidamente substituído nunca mais se ouviu falar e a malta teve ganho de causa.
Veio a democracia e na pasta da Educação foram-se sucedendo as luminárias que se sabem. Volta e meia a estudantada, secundária ou universitária, saía para a rua e pimba, lá vinha o ferrete: manipulação. E a contra-senha “falta de informação”. Provavelmente esta senhora ministra terá pertencido a uma dessas gerações manipuladas e desinformadas visto ter sido aluna de Manuel Vilaverde Cabral. Ignoro se se lembra dessa época em que nadaria na abjecta ignorância e ao sabor de qualquer maldade internacional (comunismo, liberalismo, conservadorismo, anarquismo, o que se quiser). Provavelmente, não. Ou poderá até dar-se o caso da referida senhora pertencer aquela espécie quimicamente pura, sem gosto, cor ou sabor, como a água destilada e por isso ter passado por esses anos turvos sem dar por nada.
Uma das suas antecessoras, a drª Ferreira Leite disse rigorosamente o mesmo quando confrontada com os descontentes de turno. Os restantes titulares da Educação abundaram no mesmo sentido. A originalidade não é a palavra de ordem do M.E. como se vê. Ou não tiveram essa tentação. Quando não eram os alunos, eram os professores, ou ambos ao mesmo tempo sem falar nos sindicatos sempre comunistas ou sempre de extrema direita. Uma que outra vez eram os funcionários (quase inexistentes) das escolas que davam um arzinho da sua graça. Parece que esses agentes da desordem não gostam de ser maltratados pelos alunos, de ser agredidos, de não ser obedecidos, enfim as habituais balivérnias que lhes servem de pretexto para o protesto e a greve.
A Senhora Ministra disse e eu ouvi com estas duas orelhinhas que a terra há-de comer que desta vez era a direita que andava a manipular. Jesus, Maria, José! Se a direita está assim tão forte, amanhã temos um gauleiter no governo civil do Porto em vez da desconhecida miragem que por lá se deve entreter a fazer renda de bilros ou a jogar snooker. Dou as duas alternativas porque, além de desconhecer o nome da criatura também lhe desconheço o sexo.
Portanto, amanhã por esta hora (são quase oito da noite) a televisão, se não estiver ocupada pelas S.A., dará imagens terríveis dessa “marche aux flambeaux” raivosa e fascista que terá corrido as ruas de Lisboa. Pior que o 28 de Maio, pior do que os comícios convocados pela União Nacional no saudoso tempo em que, como agora, ela condenava professores ao desemprego, à impotência, ao silêncio e ao respeitinho.
Consta que se esgotaram os autocarros, que os restaurantes consultados pelo percurso já não podem assegurar mais refeições (e Deus sabe como comem estas feras docentes...) e que os sindicatos terão recomendado aos manifestantes o porte de um farnel, além, claro, das pistolas, das navalhas, dos tacos de basebol, das bombas que gente desta seguramente transportará.
Não acreditam? Então não sabem que a diligente Polícia de Segurança Pública sempre atenta e serviçal tem andado por escolas, becos, tavernas e mais sítios de má fama a perguntar quem vai e quem não vai? Por mera medida de segurança, claro, dos manifestantes, dos manipulantes, dos tratantes e demais preopinantes. Parece que o dr Pereira, patrão das polícias já declarou que no Ministério ninguém deu ordens (nunca dão) ninguém sabe nada (nunca sabem) e todos condenam veementemente (como sempre). E que já se deram ordens à Inspecção Geral da Administração Interna para levar a cabo o inquérito urgente. Eu adoro estes inquéritos se bem que, se me recordo, nunca vi sair fumo branco. Ou melhor vi sair tanto fumo que não vi nada. Ainda há bem pouco em Castelo Branco ou noutra pitoresca cidade do nosso rectângulo uns cavalheiros da polícia foram a um sindicato por via duma manifestação ou algo do género. Os briosos agentes da ordem também só iam por bem. Queriam apenas assegurar-se que tudo correria bem, e os papeis que recolheram no sindicato dos professores eram apenas para instrução própria ou porque porventura gostavam de ler.
As minhas cansadas leitoras e os meus raros leitores decerto que começam a fartar-se destes relambórios sobre as aventuras do poder. Eu também me vou cansando mas que querem? Não tenho outro meio senão este para ir comentando os tempos que se vivem. E não são tempos interessantes, lá isso não.