29 setembro 2006

Au Bonheur des Dames nº 34

Estreia absoluta de mcr na transferência de fotografias para o blog. Aceitam-se cumprimentos das leitoras embevecidas.
Indo ao que interessa: as leitores (e algum leitor, que diabo!) terão lido os anteriores posts deste vosso criado celebrando com eventual mas compreensível exagero o cinquentenário do seu grupo de teatro estudantil: CITAC.
Ora esses textos chegaram á mão (melhor: ao olho propriamente dito) de um Alexandre Forjaz Sampaio, que há 45 anos se baldou de Portugal para as estranjas por onde ainda está. O dito cujo, comovido, lágrima a espreitar do já acima referido orgão sensitivo, prestamente escreveu a este cronista (carta também postada aí em baixo) pedindo novas e mandados porque in illo tempore também ele (AFS) de dedicara á maléfica arte de Talma, no supramencionado citac. E mais: perguntava-me quem era eu, que não conseguia pôr cara no meu nome (aqui para nós: não se perdia grande coisa!...).
Entretanto a nossa correspondencia tem-se desenvolvido e hoje ele mandou umas velhas fotografias para identificar. Então não é que logo nas duas primeiras apareço eu no explendor dos meus vinte anos, trajado a rigor? As leitoras verificarão que estou de fato macaco e balde de pintura à frente! Efectivamente nesses primeiros anos do citac eu pertencia à equipa de montagem (onde também o Anto debutou) pelo que se percebe o traje.
Algum leitor mai malicioso diria que já nesta época me disfarçava de proletário... Não, leitor José, não, tanto assim que se vê por dentro do fato macaco uma camisa branca e uma gravata desapertada... Todavia em abono da sua tese, sempre direi que nessa época já alinhava pela "sinistra" onde me tenho mantido mais ou menos igual. Menos radical, claro, mas isso é costume. Mas igualmente veemente e teimoso quando é preciso. Eu não sei como é que isto vai ficar no blog... mas, como se dizia nessa Coimbra, onde meninos e moços nos descarregaram, effe erre a e *** (as estrelinhas representam a censura, que hoje em dia cautela e caldos de galinha são sempre poucos e a expressão é pouco elegante.)

28 setembro 2006

Novo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

Acaba de ser eleito Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Juiz Conselheiro Luis Noronha do Nascimento.
Só não participou na eleição um dos juízes, tendo sido o seguinte, o resultado:
53 votos no candidato eleito
2 votos no Conselheiro Duarte Soares (vice-Presidente)
1 voto no Conselheiro Henriques Gaspar (Vive-Presidente)
1 voto no Conselheiro Pereira Girão
1 voto nulo
14 votos brancos
O Conselheiro Noronha Nascimento que presidia à 2.ª Secção (Cível), nasceu em 1943, no Porto e foi nomeado para o STJ a 14 de Setembro de 1998
Foi Delegado do Procurador da República nas Comarcas de Paredes, Pombal e Santo Tirso.
Foi Juiz de Direito em Trancoso, Marco de Canavezes, Vila Nova de Famalicão, Vila Nova de Gaia e Porto.
Foi Juiz-Desembargador no Tribunal da Relação de Lisboa.
Foi Vogal do Conselho Superior da Magistratura (1989/1990) e seu Vice-Presidente (2001/2004).
Também foi membro da Direcção Nacional da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (1984/1988) e seu Presidente (1992/1996).

27 setembro 2006

Estes dias que passam 38

Idomeneo no Iraque ou em Portugal, tanto faz
Sejamos gratos aquele
Que apagou o archote da guerra.
A partir de agora, é certo,
A terra conhecerá repouso
Idomeneo, 1º acto, nº 3 coro, fala de dois cretenses.

O dr. Noronha do Nascimento entende que o presidente do Supremo Tribunal deve passar a fazer parte, como membro nato, do Conselho de Estado! Ora aqui está uma valiosa contribuição para a resolução dos vários problemas da Justiça e mais particularmente da desastrada situação dos senhores juízes. Parece que o dr. Noronha do Nascimento vai ser o próximo presidente do STJ, visto ser candidato único. Ganha de certeza!

Na minha cidade de Berlin, na cidade onde por duas vezes vivi tempos inesquecíveis, a opera de Mozart “Idomeneo” foi desprogramada pela Opera de Berlin. Vi, com estes que a terra há-de comer, uma senhora chamada Kirsten Arms defender o religiosamente correcto. Porque a certa altura, na ópera, se fala contra todas (insisto: todas) as religiões. Ou de como uma intelectual se demite de tudo o que deveria caracterizar a cultura. Mozart deve revolver-se na sua ignorada tumba. Até a chanceler Angela Merkel está espantada. E a grande maioria das organizações muçulmanas idem. Esperemos que o Conselho de Estado alemão passe a poder contar com a Frau Arms.

Em França um filme consegue finalmente mudar a lei. Trocando por miúdos: durante a 2ª Guerra Mundial, o exército francês contou com 350.000 soldados das colónias, desde a Argélia até Madagáscar. Os veteranos, sobreviventes, tinham pensões dez, vinte ou trinta vezes inferiores aos seus camaradas metropolitanos. O filme conseguiu relembrar ao Presidente Chirac esta pequena infâmia racista. Para o ano, antes tarde do que nunca, as pensões dos bicots e dos nègres serão igualadas às dos franceses brancos.
O comentador, que em seu tempo, entendeu que as guerras coloniais eram infames, afirmação que mantém, pergunta-se, entretanto, como português e cidadão, se os soldados africanos que se bateram por Portugal, salvando acaso algumas vidas mais brancas, recebem as pensões de guerra que lhes correspondem.
Antes que me esqueça: o filme em questão chama-se Indigénes e é realizado por Rachid Bouchareb.

Uma agencia oficial americana, do mais respeitável e establishment que há, veio, mais vale tarde do que nunca, reconhecer que a invasão do Iraque, onde não havia Al Qaeda, nem terrorismo de Estado, desatou uma autentica orgia de atentados, de constituição de grupos terroristas, enfim abriu a famigerada caixinha de Pandora. O Presidente Bush, aproveitou o ensejo para dizer: a) que não conhece essa Pandora mas que já encarregou a CIA de a identificar; b) que não sai do Iraque nem a tiro e que se está nas tintas para os relatórios e que enquanto os mortos forem maioritariamente iraquianos tudo irá bem.
Não é possível infelizmente propor Bush para algum State’s Council porque lá não há. Que pena, que pena...

Algumas leitoras e as colegas bloguistas comoveram-se com a edição anterior de “estes dias... “, a que tinha o nº 39, datada da quarta feira passada. Para regozijo delas aqui se informa que a dieta do escriba prossegue com grande coragem, determinação, sentido de Estado – mas não de conselho! – e que uma barreira psicológica foi ultrapassada. O peso desceu, abaixo de um certo número que, por pudor, não se refere. Menos 7 décimas e entrarei no sobre-peso grau 1. Ora toma!

nota final que nada tem a ver... O Conselho de Estado é segundo a Constituição Política da República Portuguesa um órgão eminentemente político, com funções políticas. Perceberm ou é preciso um desenho?

26 setembro 2006

Au bonheur des Dames 33

Bonheur, bonheur
Aqui vos trago sem comentários um mail acabado de chegar (se é que os e-mail chegam…) de Liége, bela cidade de dois rios, onde, em época que se perde no tempo, os meus amigos do CITAC e eu próprio tivemos um dos melhores momentos da nossa vida de teatreiros.
Quem me escreve é, julgo, um tipo que lembro, gordinho, barba frondosa e completa, sócio do CITAC e que na época devia ser aluno do liceu, e dos cábulas pois já teria os seus dezoito ou dezanove anos…
Tinha-lhe perdido o rasto e, pelos vistos, ele a mim pois mesmo com este nome pernóstico, não consegue ver-me a pobre cara. Também é verdade que quarenta e cinco anos de “emigra” são muitos… Mas que é o primeiro que ao nome não responde, é uma verdade que me faz sonhar com uma futura carreira de anónimo antigo estudante de Coimbra.

"Marcelo,
Aonde posso eu comprar o livro?
Recentemente encontrei na minha bagagem de emigra de 45 anos o meu cartão do Citac feito pela Ercília Sampaio co-fundadora e uns negativos que o António Portugal e eu fizemos num ensaio geral do Our town.

Fui assistente do Jacinto Ramos e foi o Pedro que através do TEP me ensinou a luz e sonoplastia que me foram fundamentais na minha vida. O luís de Lima abriu-me a porta para a musica com a sono que fiz para o Professor Tarane e o contacto preciosíssimo com o Marcel Marceau que eu recebi em Genebra na RTS.

Segundo o que li devemos ser do mesmo tempo, ajuda-me a por um rosto no teu nome e também do Oliveira e outros que te passarei por mail depois de ter conseguido restaurar alguns negativos

vou fazer igual pedido sobre o livro o Tó-Rocha meu primo e Senhor D' Aveiro a quem devo um corrector de português a para poder escrever com relativos poucos erros .....mas tenho receio que entretanto se esgote

Preparo qq coisa sobre os meus fantasmas de então : António Pedro, Jacinto Ramos o Andre Acquart que encontrei mais tarde em Avignon
e o meu querido Abraão que me mandou um postal do Avenida e dizia

se a solidão te quer apanhar rapaz, bebe dois copos de tinto dá três porradas no chão e abre a cortina lentamente e vais ver que passa, já lá vão 45 anos que a pratico e dá sempre resultado

Ben hajas pelos 5 minutos que encontraras para me responder

Alexandre forjaz de Sampaio
Liège
alex.forjaz@laposte.net
kontakt@teledisnet.be
***
Horas que fossem, dias inteiros se necessário! Isto de escrever para um blog é o mesmo que lançar uma garrafa ao mar de uma ilha deserta. Tu deves ser aquele temível Forjaz da sonoplastia e dos primeiros anos sessenta. És? Porra, pá que alegria mais f da p... Claro que te vou dar a direcção do CITAC que é esta: citac@portugalmail.com .
Queres mesmo pôr umas trombas no nome marcelo? Olha que nem sei como: entrei para o citac nesses sessenta ou sessenta e um, era de direito, ia ao Mandarim, e que mais posso dizer...moreno, muito mesmo, magro, pouco de praxes ou nada até, esquerdão até vir a mulher da fava rica, amigo do Férrer, Batarda, do Pedro Mendes de Abreu (falo só de malta mesmo de Coimbra) e outros da mesma geração, devia estar na Montagem nesses teus anos citaquianos. Fui casado com uma Maria João linda de morrer. Isto chega, ou queres mais molho?
Apressa-te a mandar um mail à malta do Citac, são uns miúdos porreiros, aliás mais miúdas que miúdos aquilo é um alfobre de raparigas bonitas e com pelo na venta. Imagina que até são presidentes do organismo! A de antes e a actual! Que belo caminho andado, pá, que belo caminho. Faz lá a lista da malta que queres encontrar e eu, se puder, ajudo.
Recebe um abraço sejas tu quem fores: o forjaz gordinho de barba e sonoplasta ou outro forjaz, para mim basta que sejas do citac. Ainda por cima vens-me falar do velho Abraão, isso é mesmo um tiro ao coração, que eu bem que gostava dele.
Bebe aí nessa bela terra, onde tivemos um grandioso triunfo em 67 ou 68 (com a alegria até me engano nas datas...), num Festival Internacional de Teatro, umas Stella Artois á minha saúde e continua em contacto.
m.c.r.

Farmácia de serviço nº 25

Luzes da ribalta

Alguma leitora mais curiosa (que os leitores estão-se marimbando para estas coisas de números de uma botica mais ou menos demodée) virá dizer que em boa verdade esta edição deveria ser a 29ª. Entretanto há três “f s” sem número por razões que não importa pelo que, na expectativa de muito brevemente actualizar (sob a severa tutela de Madame Kamikaze) o ficheiro, entendi desde já aplicar ao escrito aqui perpetrado o número que de facto lhe deve corresponder, o 32º.
E agora, “à barca, à barca que temos gentil maré” como refere o augusto pai do nosso teatro, esse imortal Gil Vicente a quem também querem atribuir a fábrica da grande custódia de Belém. E querem porquê? Porque esta coisa do teatro foi durante séculos muito mal vista. Refiro-me obviamente à época dita cristã, que antes entre gregos e romanos o teatro fazia parte dos usos da cidade e assistir a uma peça era quase um dever sagrado na medida em que ou se referiam os mitos fundadores da polis ou se zurzia sem dó nem piedade nos costumes. Entre Esquilo e Aristófanes é toda uma luminosa civilização que nos é dada conhecer.
Portanto, esta teoria é só minha, claro, de tão deslavada e inconsequente, a Gil Vicente o dramaturgo atribuiu-se também uma função mais nobre qual seja a de ourives para o poder meter sem dano no panteão dos ilustres.
Note-se bem que a mim esta mistura não afecta, antes pelo contrário. Até acho graça que, eventualmente, sem querer, tenham juntado na mesma pessoa duas funções de relevância extraordinária entre os povos primitivos: o artesão de palavras e o que maneja o fogo e os produtos da terra para criar uma obra extraordinária. Em África, para não ir mais longe estas duas profissões, o griot e o ferreiro são alvo de tabus importantes e concedem-se-lhes poderes especiais.
Mas deixemos Mestre Gil em paz, referindo todavia, de passagem, que há dele na Imprensa Nacional Casa da Moeda uma nova e excelente edição completa que fica bem em qualquer estante. E que, em querendo, se lê com grande gozo e contentamento.
Vamos entretanto falar de outros dramaturgos que por uma ou outra razão andam por aí quase clandestinamente. Comecemos por Harold Pinter, flamante Nobel e voz corajosa e critica: a editora Relógio de Água tem um par de peças dele editadas, a bom preço. Alguém se me queixava há dias por não encontrar Pinter em português: aqui fica a dica. E a R-d-A é uma casa simpática.
Também me parece que ninguém tem dado relevância à publicação integral de Brecht em português. Havia as velhas edições da “Portugália editora”, anos sessenta e setenta, seis ou sete volumes, mas esgotadíssimos. E daí para cá era o deserto ou quase. Pois bem, o pequeno e simpático oásis editorial que se chama “cotovia” meteu mãos à obra e tem publicado com notável regularidade a obra. Se tudo correr bem, deve estar já nas bancas o 4º volume.
Gostava, olá se gostava, de referir edições de Beckett mas por mais que espreite nas livrarias não me parece que algo a que deitar o dente. De todo o modo suponho (isto de viver no Porto tem custos) que no D Maria se terá estreado há bem pouco um trabalho de João Lagarto sobre um texto de Beckett (beggining to end). Ao que sei, e sei muito pouco, tratar-se-á de um texto beckettiano elaborado a partir de três narrativas (Molloy, Malone está a morrer e O inominável)- Apenas conheço as duas primeiras e sou, se isso fosse preciso!!!, fiador delas até morrer.
Finalmente – e sempre o simpático passaroco! – a Cotovia lançou-se a publicar Ibsen! Ora toma lá que já almoçaste! Anunciam-se mais de uma dúzia de peças (Lindoooo!!!) e o primeiro volume entretanto saído traz entre outras as famosas João Gabriel Borkmnn e Quando nós os mortos despertarmos. A leitora avisada inscrever-se-á para os três cartapácios porque este cavalheiro, mais norueguês que o bacalhau de saudosa memória é um génio. Simplesmente! E se sobrar cacau, força, força a comprar de Grieg as suites Peer Gynt. Aconselha-se a edição da brilliant classics ( a menos de 9 €) ou ainda a da Naxos.

E já que se fala de discos: já cá canta a Bach edition (brilliant classics). Se a memória me não falha exportulei 90 € mais portes (pedido feito a alapage.com): são 155 cd ou seja sessenta e tal cêntimos por disco! Vem tudo, são belas gravações há um cd com todas as indicações. Relembra-se que na mesma pasmosa editora saiu um Mozart integral (170) discos pelo mesmo preço. Depois queixem-se que os discos estão caros!

Os leitores já terão percebido que esta farmácia tão teatral sai na semana em que se iniciaram as comemorações do cinquentenário do CITAC (circulo de iniciação teatral da academia de Coimbra). Fica muito bem, o velho grupo, ao lado destes rapazes acima citados. Muito bem, mesmo!

25 setembro 2006

Orquestra do Norte em Tongobriga

No passado sábado, ao final da tarde, tive oportunidade de assistir a um concerto da Orquestra do Norte no magnífico cenário da Área Arqueológica do Freixo, em Marco de Canaveses. Projectado inicialmente para decorrer ao ar livre, junto aos importantes vestígios da cidade romana de Tongobriga, que justifica uma visita demorada, o mau tempo fez com que o concerto acabasse por se realizar num novo espaço destinado a restaurante/cafetaria. O que se perdeu em acústica ganhou-se em conforto e foi assim possível assistir a uma bela interpretação da Orquestra do Norte abrigado da impiedosa chuva.

A Orquestra do Norte, que interpretou obras de Mozart, Schumann, Brahms, Dvorák, Bizet e Luís de Freitas Branco, foi criada em 1992 pela Associação Norte Cultural, vencedora do primeiro concurso nacional para a criação de orquestras regionais. Dirigida pelo maestro José Ferreira Lobo, esta orquestra conta com profissionais nacionais e estrangeiros de reconhecido mérito e tem um especial cuidado com a formação dos mais jovens, apostando na realização de concertos de cariz pedagógico.


«Não se acredita que seja assim que o Expresso possa recuperar o seu prestígio e a influência que já teve na sociedade portuguesa. »

24 setembro 2006

Diário político 28

A liberdade passou por aqui...e deixou rasto.

Este diário político, descosido, como já uma vez aqui se escreveu, não se alimenta só de textos mais antigos que os afonsinos, que aliás só se trazem á superfície se, e quando, entre a reflexão de há quinze, vinte ou mais anos e a actua realidade há pontos de semelhança. Por isso hoje, venho falar de um aniversário, melhor, de um cinquentenário que dirá qualquer coisa à tribo dos amantes do teatro. E dos que penaram na “Coimbra de lavados ares”, os anos entediantes da universidade do Estado Novo. Portanto isto dirige-se, prima facie, á comunidade coimbrã dos anos 1956 a 2006, ás sucessivas fornadas de jovens que graças ao CITAC que é dele que se fala, viram teatro, fizeram teatro, discutiram teatro. E como a juventude é, além de impecuniosa, anárquica, pode dizer-se que ao ver, fazer ou discutir teatro eles viram, fizeram e discutiram a sua entrada na sociedade adulta, a sua ritual passagem de classe de idade, e mesmo sem o saber, querer ou imaginar são muito o fruto desses anos de vinho e rosas, de desconcerto e angústia, de alegrias súbitas e amarguras várias.
Ao falar deste cinquentenário de um grupo estudantil sediado na “academia coimbrã” é mister falar dos motivos do seu aparecimento num pais soturno, numa cidade vigiada mais pelos costumes, do que pela polícia, mais pela tradição do que pela censura oficial. E este é o primeiro milagre: naquilo, naquele tanque de águas mais paradas que as dos lagos do Jardim da Sereia, subitamente, sem avisar, num pinote ignorado por Darwin e por todos os seus selectos discípulos, um amável peixinho vermelho surdiu das águas, cheirou o ar quente e decidiu-se a sair dali, transformado em pássaro multicor não se sabe se arara, papagaio ou beija-flor, o que de resto é irrelevante, porquanto os peixes mesmo vermelhos não se põem a surdir da água limosa e parada e muito menos levantam voo. A menos que..., a menos que isso se passe numa sala escura e conspirativa, sob a luz de um spot, por cima das tábuas de um palco.
E este é o segundo milagre: as vozes e as máscaras nesse palco tiveram eco, ecos, ressonâncias nessa gruta escura que é a plateia. E o que parecia uma aventura sem futuro dura há cinquenta anos. Cinquenta anos. Cinquenta anos em que este pequeno grupo soube dar-se ao público e ao mesmo tempo trazer a Coimbra o melhor teatro que se fazia no país em ciclos anuais em que se via o impossível, o inacreditável, para quem ainda ousa passar a porta dum teatro: salas cheias esgotadas de gente entusiasta. E nesse teatro que vinha a Coimbra também nunca faltou a hipótese dada a pequenos desconhecidos grupos que aqui ganharam as suas esporas, sentiram os primeiros aplausos e confusamente perceberam que do lado de lá havia um público comovido, grato e pronto a voltar.
Esta aventura, se aventura foi deve-se também e muito a um inquebrantável apoio da fundação Gulbenkian. E não deixa de ser um sinal de alegria ver hoje na presidência dessa instituição, um ex presidente do CITAC que bem poderá dizer que se algum organismo houve que soube fazer render o apoio económico que recebeu da Fundação foi este pequeno grupo teimosamente independente.
Durante este meio século que de aventuras idênticas não desapareceram. Teatros profissionais, Os Bonecreiros, o Teatro Estúdio de Lisboa, o Teatro Moderno de Lisboa e tantos outros, grupos profissionais, com sólida base que não resistiram à erosão do tempo, dos públicos sei lá a que mais coisas. E mesmo na Universidade portuguesa quantos organismos idênticos, resistem, se mantêm, com esta frescura, esta confiança esta esperança? Terceiro milagre pois, nesta via crucis por um momento gozoza, exaltante, surpreendente.
E foi vê-los os jovens da fornada de 2000, a traço grosso a terceira geração completa porquanto o pequeno grupo de fundadores do CITAC já tem ou poderá ter netos em boa idade de serem inoculados pelo bacilo feliz, fecundo, exaltante do mistério teatral. Desse “mistério” que vem do fundo dos tempos, dos anfiteatros gregos, dos mosteiros hindus, da rua chinesa, do Nô, do kabuki, dos griots da savana africana. Desse toque de fantasia e de máscara que é consubstancial, seja em que língua for, àquilo que chamamos civilização, àquilo que chamamos liberdade, poesia, vida.
Longa vida, pois, longa vida a esse infindável círculo que se chama CITAC, e nisto vai um voto para o círculo amplo das sucessivas gerações que o fizeram. E para o outro, maior ainda, dos espectadores. Porque sem eles não há teatro, não há a quente respiração da noite, não há réplica, não há dialogo. E o teatro é uma longa, longa conversa. Como esta aqui, deste que se expõe, saúda e espera poder continuar vir a este palco virtual para dizer outra vez que a liberdade está a passar por aqui. E daqui para aí ...

Saúde-se nesta evocação, homenagem, carta perdida, em primeiro lugar o Professor Doutor António Arruda Ferrer Correia, Professor, Magnífico Reitor e Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian e Amigo do CITAC . E depois na des(ordem) que quiserem Luis de Lima, António Pedro e Jacinto Ramos (encenadores), Francisco Relógio e Andre Acquart (cenógrafos)

Au Bonheur des Dames 32

Modernos, dizíamos
(a propósito dos cinquenta anos do Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra)

O meu caro amigo António Lopes Dias, companheiro de CITAC e de tantas outras coisas, libertou-me de várias dificuldades. Ao escrever um texto extenso sobre os nossos anos teatrais, o que queríamos, o que vivíamos e, acaso, o que éramos libertou-me de tarefa idêntica e seguramente fastidiosa. É que, vejam, jovens companheiros desta aventura ao cimo das tábuas, nada me espantaria mais, a mim, que seguramente tenho a idade dos pais dos mais velhos dentre vocês, que os actuais “citaqueanos” se nos assemelhassem.
Ou melhor: tenho a impressão que à vista dum palco nu, nos percorre a todos ( a Vocês e a mim) um frémito de alegria, de gula, de excitação temperado por essa estranhíssima sensação a que os franceses chamam “trac”, aquela insidiosa angústia que nos revolve a tripa no exacto momento de entrar em cena. Ora aqui está algo que não muda, Moliére seja louvado! Moliére e essas pancadas que marcavam o ritmo aos rapazes e raparigas que no fim dos anos cinquenta se atreveram a montar uma peça de Torga. Modernos, diziam, queremos fazer um teatro moderno. Gil Vicente e os gregos são óptimos mas nós vamos por outro lado. E vamos sozinhos, ou quase, numa cidade que, legitimamente, prestava há anos homenagem ao TEUC e a Paulo Quintela. Mas não nos enganemos! Sem o TEUC, sem Quintela, o CITAC não existiria. Porque o gosto do teatro apanha-se a ver teatro. E nesses anos era o TEUC que víamos. E ao vê-lo, víamos do melhor, do mais inteligente e do mais rigoroso! E por isso mesmo adivinhávamos que sobre a crua realidade das tábuas poderia haver outra linguagem, outro modo de estar, outros e mais próximos autores.
Eu, disto, lembro-me mal. Andava no liceu D João III, vivia numa “Pensão Alentejana”, ao alto da Lourenço de Almeida Azevedo e tinha a má sorte de ser “bicho” em terra de universitários. Valeu-me o João Cabral de Andrade, que já ia no 5º de Medicina e me protegia nas saídas. O João era do CITAC e foi por isso que consegui ver uns ensaios ( quando o espectáculo subiu à cena, já a família me enfiara num colégio lá para os lados de Braga, para ver se ainda salvava o ano. Salvei mas com que tristeza!).
Os rapazes e raparigas do CITAC além de poucos, navegavam naquela Coimbra a contra-corrente: não eram praxistas, frequentavam a Brasileira, discutiam autores estrangeiros e não usavam capa e batina. Ousaram até, oh sacrilégio, editar uma revista de teatro, obviamente chamada “CITAC, boletim de teatro”. E querem saber mais? Cinquenta anos depois ainda se consegue ler!!! Poupo-vos às criticas que os críticos já instalados na praça, crocitaram.
E afinal onde estava o escândalo? Pois na furiosa afirmação de modernidade que aquele percurso já indiciava. Os do CITAC liam Ionesco, Adamov, Beckett Artaud e alvoraçavam-se com o surrealismo, com o teatro do absurdo e politicamente estavam firmemente á esquerda, uma esquerda onde cabia mais gente do que o costume desde os católicos aos sociais-democratas com passagem por alguma gente do pc e descomprometidos variados.
E também isto, esta alegre confusão era novidade numa cidade onde os sobreviventes do MUD Juvenil afrontavam uma direita monárquica e integrista. E também houve quem tentasse trazer o CITAC para posições “mais correctas” mais “linha geral”, mais “realismo socialista”. Baldado esforço: aquele punhado de jovens mostrava-se irredutível.
E isto, acreditem-me, para um miúdo de 16/17 anos que começava a ler Rilke, os franceses da nova geração (Vaillant e companhia) e os realistas italianos, era o máximo... sobretudo numa Coimbra, muito embiocada em capas e batinas, relentos de garrafão, lares para meninas obrigatoriamente bem comportadas, com uma universidade autoritária num pais autoritário e beato onde até para se usar isqueiro era preciso licença camarária. O CITAC era uma ilha, um espaço de liberdade, anarqueirão ás vezes, mas exigente e rigoroso quando se tratava de pôr de pé um espectáculo.
É claro que uma peça que se monta acaba por ter sempre, sobretudo a vinte, trinta, quarenta anos de distancia, um frustrante aroma que depressa se desvanece: a magia do teatro é o efémero duma noite irrepetível porque nas tábuas, na viva respiração das palavras que se perdem contra o quente escuro duma plateia, nada se repete tudo é novo e diferente.
Isto dura há já cinquenta e tal anos? Chiça que velho estou, que velhos estamos!!! Todavia, pensando bem, quando à pressa escrevo estas linhas, sinto-me absurdamente de novo com os mesmos maravilhados dezoito, vinte, vinte e dois anos a mexer no órgão de luzes, a recitar baixinho e para mim a peça que sei de cor, a peça que estou a viver, ali em frente num palco vestido de esperança, de palavras, de palavras vivas, ou seja o teatro em todo o seu esplendor.
Os próximos cinquenta anos vão ser ainda melhores!
Marcelo Correia Ribeiro

Permitam-me que relembre: João Cabral de Andrade, morto em Angola, João Quintela, Isabel Mota, António Caeiro, Vasco Airão, Helena Aguiar, José Tavares Pinto, Fernando Assis Pacheco, meu compadre, António Mendes de Abreu, meu quase irmão. E o Vítor, o Vítor Garcia, argentino duma figa e encenador de mão cheia. Eles gostariam de estar connosco.

***
Texto que faz parte do livro colectivo Citac 50 anos (esta danada caixa preta só a murro é que funciona). Aqui se traz á freguesia incursionista porque não só se duvida que estejam dispostos a arriscar 25 € num livro líndíssimo mas muito virado para a comunidade coimbro-teatral mas também porque pode ocorrer que o livro esgote antes de aparecer nas livrarias mais à mão. Tiragem modesta, coleccionadores e amigos, enfim o costume. Entendi que sendo eu desta casa com o mesmo entusiasmo e alegria que sou do CITAC e de mais meia duzia de ajuntamentos igualmente não fungíveis aqui o deveria pôr, uma vez publicado.

23 setembro 2006

A POSSE

«O novo juiz do Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios, sr. dr. Cardoso de Figueiredo, esteve ontem, ao fim da tarde, naquele tribunal, a visitar todas as dependências. A posse deste magistrado é conferida no Comando da Polícia, no Ministério do Interior, pelo sr. coronel José Cameira, comandante das P.S.P. e juiz adjunto do referido tribunal. O sr. dr. Cardoso de Figueiredo, que é um magistrado muito conhecido e sabedor, mas dotado de uma grande modéstia, que mais uma vez se revelou, não deseja dar á sua posse grande relevo, para não incomodar os seus amigos e colegas que se propusessem assistir ao acto.»

in: Diário de Lisboa, 6 de Maio de 1943

clique aqui para ver o resto do conteúdo do envelope

22 setembro 2006

Compromissos... comprometidos


"Compromisso"?... Com quem?!...

O Compadre, agora primo, continua atento à política nacional. Vale a pena visitá-lo e ler este seu post.

Considero o Compromisso Portugal um erro de casting. Para eles Portugal é só Administarção Pública. Tudo o mais, desde que esteja sob controlo dos dos privados, funciona bem.

No Telejornal a esta notícia seguiu-se uma outra: a banca portuguesa é a segunda que mais cobra por empréstimos e que pior remunera os depósitos no espaço europeu. Isto fez-me pensar: estes senhores não se preocupam com estes assuntos, sabendo da grande responsabilidade da banca no estrangulamento das pequenas e médias empresas portuguesas?

Ou será que estão preocupados, em exclusivo, em fazer pressão sobre o Governo acerca do sector público?

CPP em debate

Correspondendo a solicitação de divulgação recebida do DizPositivo e dado o manifesto interesse da iniciativa, aqui fica, na íntegra, o "copy-paste":


«Está em curso a preparação de um grande debate sobre a reforma penal, a realizar já no próximo dia 27 de Outubro, pelas 17 h.

Trata-se de uma iniciativa que visa simultaneamente lançar uma nova revista a editar pela ASJP. O debate será moderado por juízes tendo como convidados:

o presidente da Unidade de Missão da Reforma Penal, Dr. Rui Pereira,
o juiz-conselheiro Dr. Laborinho Lúcio
o advogado Dr. José António Barreiros

Estamos a diligenciar para que a discussão possa ser acompanhada, pela Internet, por um universo mais alargado de ouvintes ligados ao mundo da Justiça, os quais poderão também colocar as suas questões durante o próprio debate e, desta forma, participar activamente no mesmo. Para o efeito apenas precisam de dispor de um computador com equipamento de áudio e acesso à Internet e, claro, fazer a prévia inscrição que consiste simplesmente no envio do respectivo “e-mail” e identificação pessoal e profissional (nome, morada profissional, e n.º de inscrição na ASJP, no SMMP ou na OA, no caso dos juízes, procuradores ou advogados; os docentes ou estudantes universitários deverão indicar a respectiva faculdade).
Uma vez que a concretização daquele projecto de acompanhamento do debate pela Internet depende do número de pessoas interessadas em participar por esta via no referido debate, convidamos todos os interessados a fazer a sua inscrição, o que poderá ser feito por simples contacto estabelecido para o endereço electrónico da ASJP de onde conste o envio dos referidos elementos (identificação profissional completa e endereço electrónico escolhido para participar no evento). O endereço electrónico da ASJP é: correio@asjp.pt
A data limite para a inscrição é: 30 de Setembro»

Elementar, caro Watson!

Já agora, à atenção dos resistentes mencionados no post do Dizpositivo acima linkado:


21 setembro 2006

A última carta

Já aqui ando há muito tempo, quase desde o princípio dos Cordoeiros, que deu origem ao Incursões. Desse tempo, já só resta a Kamikase.
Pelo caminho, alguns arrufos. Momentos de suspensão. Coisa pouca.
Durante o tempo todo, senti que foi para mim um privilégio estar nesta companhia. E uma alegria.
Como forma de compensar o privilégio e a alegria, assumi muitas vezes a posição de carregador do piano, ficando por aqui quando os outros não podiam, tentando manter sempre alguma actualidade. O que também era a minha forma de compensar o facto de ser o menos qualificado de todos. O carteiro, afinal…
Não terei muito para dar, mas dei tudo o que pude ao Incursões. Pelo simples prazer de escrever, de comunicar, de polemizar.
Estou certo de que nunca pretendi tirar partido do facto de estar em tão boa companhia. Creio, também, que ninguém poderá acusar-me disso. Mas também estava certo de que nunca poderia ser prejudicado pelo facto de dizer aquilo que pensava. E aí talvez me tivesse enganado. Paciência. Já não há nada a fazer quanto a isso, nem quanto a esta inexplicável ingenuidade, que eu teimo em confundir com generosidade.
Fiz amigos por aqui, estou certo. Inimigos, também, asseguram-me.
Como alguns sabem, eu nunca fui muito de andar por outros blogs. Mas, nos últimos dias dei-me a esse trabalho. E concluí, ao fim de todo este tempo, que poucos são os blogs ingénuos e poucos também os ingénuos dos blogs. Fico estupefacto com as posições extremadas que por aí se vêem. E agora percebo melhor que alguns tivessem visto na minha expressão livre, na forma sempre aberta de polemizar, objectivos que não fossem o de simplesmente participar nas discussões. Nada, contudo, que me leve a retirar uma palavra que seja ao que por aqui escrevi. Saio, por isso, com absoluta tranquilidade.
Quando sai um, outros vêm. Tem sido sempre assim e continuará a ser. Acredito que depois da minha saída, novos contributors virão e com mais valia. Acredito também que os contributors que estão e têm sido menos activos, se sentirão motivados a serem mais colaborantes.
A todos os que aqui me aturaram, ainda que apenas como comentadores ou leitores, um enorme abraço. Não tão grande, claro, como o que deixo aos amigos que aqui conquistei. Mas, quando a estes, ver-nos-emos por aí…

[Esta é uma decisão solitária. Como acontece normalmente com as minhas decisões]

O leitor (im)penitente 7

Longa viagem com Rilke

O prometido é devido. Enfim se a promessa comoveu alguém, caso contrario perdem-se aqui o tempo do leitor inocente e o destoutro, impenitente. Ou por outras palavras o primeiro passa a penitente e o autor desta a chato de serviço. Esperemos que não.
As leitoras que até aqui chegaram hão-de ter lido o belo poema de Rilke aí mesmo em baixo. E se o “postei” (raio de palavra mais mal amanhada, credo!) foi por várias razões. À uma gosto dele. Depois, começa o Outono (em Munique parece que está já começado com a Oktober Fest. Conhecem? Ai não conhecem? Pois não tem nada que saber: a magnifica cidade é invadida por um milhão de bebedores sequiosos que durante um par de dias não farão mais nada senão beber e mijar, ou mijar e beber, como queiram. Milhões de litros da bela cerveja bávara passarão pelo conduto desta gentuça e desaguarão nas ruas, praças e jardins da capital bávara sob a forma pouco atraente de Harn (der Harn). Espectáculo tão fora de sentido quanto essas pífias queimas das fitas que hoje se usam. Os verdadeiros bêbados, que os há, os bêbados elegantes e pundonorosos piram-se para paisagens mais amenas, deixando estes bárbaros à solta.
Lá me perdi. Já é má sina. Estava aqui a falar das razões porque postei o poema do Rilke. Faltava-me uma razão mais sentimental: há muitos, muitos anos, penava eu no sétimo ano do liceu, encafuado num colégio como interno, tive a sorte de passar uns dias de férias em casa da tia Néné, já aqui bastamente celebrada, e do tio Marcos. Ora este tio era homem de qualidades várias, todas de primeira. Era amável. Sabia ensinar (era professor), amava (e nunca uma palavra desta densidade foi tão bem empregada) a poesia e gostava de a dar a conhecer. Vai daí emprestou-me para durante o inverno me servir de viático os “poemas” de Rilke, dois volumes, da Coimbra Editora, tradução maravilhosa de Paulo Quintela. Edição bilingue!
Eu era um rapazola triste e infeliz por ter de aturar aquela fradesca prisão colegial – e só quem andou nesses hediondos sítios sabe o que é um colégio interno. E então naquele tempo de negrume! A verdade é que comecei aplicadamente a ler o Rilke e vai daí resolvi copiar os dois volumes para um caderno, vários cadernos, por entretanto ter sabido que era livro difícil de arranjar pelo menos para o parco bolso de um estudante dos liceus. Copiei linha a linha, poema a poema, todo o Rilke, versão Quintela. Durante anos, soube de cor algumas dezenas de poemas. Graças a este viático a prisão colegial foi menos sentida. E também, graças a este primo amore, fiz amigos em Coimbra, entre eles o Assis e o Alegre também rilkeanos tesos.
Nunca fui capaz, apesar de ter estado por duas vezes na Alemanha, no Goethe Institute, de ler o poeta no original: o alemão que aprendi não dava para cavalarias destas, como sabem todos quantos se atreveram com o estudo do alemão. A malta lá vai falando, consegue ler os jornais populares, percebe o que se diz na televisão, nos filmes e bonda. Para a grande poesia, é preciso mais. Todavia, em conhecendo os poemas, volta e meia consegue-se perceber um diseur alemão que os recite.
Ora, e última razão, foi o que me sucedeu numa belíssima tarde estival na pequena cidade de Wiesloch, onde eu estava a comandar um grupo estúrdio e divertido de artistas do Norte de Portugal acolitados por alguns funcionários da Delegação Regional de Cultura. Convém dizer que os ditos funcionários pagaram a viagem de seu bolso e aproveitaram os dias de férias a que tinham direito (naquele tempo éramos assim: pobres, honrados e, pelos vistos, completamente parvos). Eu não: estava em representação oficial da pátria madrasta o que significava que as ajudas de custo a que tinha direito não davam sequer para pagar o hotel quanto mais a comidinha... Felizmente, os nossos hospedeiros, sabendo ou não, destas vergonhas, ofereceram-nos casa e comida, o que me permitiu inverter a miséria das ajudas em prendas a todos eles.
Ora na casa onde arribei, a casa do presidente do pequeno círculo cultural de Wiesloch, ouvi certa tarde o famoso “Gott es ist Zeit...” com que se inicia este poema. Dei um salto, bradei no melhor alemão possível: porra! é o Rilke!!!, e os meus hospedeiros ignorantes do português vernáculo, ficaram abismados por um bárbaro meridional lhes conhecer o Poeta. De facto a rádio ou a televisão, já não me lembro, debitava, na sala, algo sobre Rilke com poemas à mistura. Nós estávamos no jardim à conversa mas o meu guincho pôs a Frau Bergtolt aos pulos. Que culturrra! Ach, diese Portuguiese... und so weiter... Foi num salto aos discos e por força queria oferecer-me um belo exemplar com poemas de Rilke. Achei que não, o disco pelos vistos estava esgotado mas pedi-lhe o favor de me gravar uma cassete. A senhora, que já me tinha em alta conta, mais espantada ficou porque, segundo ela, um alemão, teria logo aproveitado a sua estouvada liberalidade. Claro que copiou o disco para uma cassete, oferecendo-ma e contando nos poucos dias que ainda lá permaneci, esta gloriosa façanha a todas as pessoas amigas. O meu prestígio saiu reforçado e julgo que o da pátria também.
Mal sabia o tio Marcos (e já não terei tido oportunidade de lhe contar) como o seu cuidado em educar um sobrinho, relapso mas amador de versos, havia de ter tão boas consequências. Menos ainda saberá (lá onde está) que esse livro que me emprestou me salvou da solidão três longos meses. E da tristeza! E da infelicidade!
E dá para esquecer a bebedeira colectiva destes dias. A Alemanha não é só borracheira e nazis, que diabo!
As leitoras e leitores que fizeram o favor de me acompanhar poderão apanhar este Rilke, mais Brecht, Goethe, Hölderlin, Nelly Sachs, Georg Trakl, Nietzsche e outros, muitos outros, duas mil e quinhentas páginas de poemas, na Gulbenkian, Obras Completas de Paulo Quintela, volumes II, III e IV (traduções). Ainda por cima os volumes são baratos. Apressem-se, corram, não deixem os da Gulbenkian desconfiar que estão a vender ao desbarato, grande poesia, grande literatura e muito, muito amor. E alegria, muita, também.

O pavão

Um destes dias, o meu filho, a iniciar-se agora nas lides estudantis, no 1º ano de escolaridade, chegou a casa com um trabalho por acabar, que consistia no desenho colorido de um pavão. Ele não sabia o que era um pavão. Ou melhor, ele não se lembrava do que era um pavão, pois ainda o ano passado viu um diante dos seus olhos, num parque na ilha de Fuerteventura. Expliquei-lhe o melhor que pude como era um pavão.

Tive pena, no entanto, que o meu filho tivesse que deitar-se cedo, pois quando já ele dormia surgiu um pavão ali na televisão. Na SIC Notícias, mais precisamente. O penteado, a camisa desabotoada em bom estilo marialva (?!), o estrambólico corte do fato, a pose falsa e sibilina e o décor néo-chique transformam Paulo Portas num verdadeiro pavão, sem nada para dizer mas com muito para insinuar. Que personagem é aquele?

antecipando um "leitor im(pe)nitente pronto a sair

DIA DE OUTONO
Senhor é tempo. O Verão foi muito longo.
lança a tua sombra sobre os relógios de sol
E solta os ventos sobre as campinas.

Manda que os últimos frutos se arredondem;
dá-lhes inda dois dias mais meridionais,
leva-os à perfeição e faze entrar
a última doçura no vinho pesado.

Quem agora não tem casa, já não vai construí-la.
Quem agora está só, longo tempo o será,

fará vigílias e lerá, escreverá longas cartas
e vagueará, de cá para lá, nas alamedas,
agitado, quando o vento arrasta as folhas.

Rainer Maria Rilke: dia de Outono , in O Livro das Imagens, trad. de Paulo Quintela, in Obras Completas, vol III, ed. Gulbenkian

20 setembro 2006

Estes dias que passam 37

Politicamente correcto e pronto a entrar
num desfile de moda para a terceira idade

Pois é verdade mimosas leitoras que me lêem com displicência, vamos lá a ver o que diz aquele idoso a cair da tripeça, olha o velhadas a babar-se quando passam raparigas novas e claramente anti-anoréxicas!, é a pura verdade: resolvi voltar ao esplendor dos meus quarenta anos e perder um quintal (se é que um quintal é ainda quinze quilos).
Isto de só já me ver por inteiro quando tenho um espelho na frente tem de acabar. O pneu tem de acabar, a curva da felicidade (ou da gravidez) tem de acabar, a bochecha mais rechoncha do que se deve num cavalheiro respeitável tem de acabar, o pescoço tem de voltar ao seu heróico tempo de gargalo apto a usar um lenço decente à volta, as camisas (boas e caras!...) tem de poder conter um conteúdo mais de acordo com a solidariedade com os países pobres do mundo.
Portanto hoje não há política (que ainda por cima não dá de comer a ninguém e até parece blasfémia no tempo Sócrates/Cavaco) ou se a houver será mais inocente do que um autarca modelo deste nosso ridente e maravilhoso país. Hoje falo da fome canina que me assalta, quando oiço tinir copos, talheres ou pratos a estilhaçar-se. Há uns tempos, um amigo meu chamado Eduardo, obrigado a um regime bem mais draconiano do que o meu, dizia-me na voz doce e educada que o caracteriza: eu gosto de chouriço (ele, muito lisboeta quase dizia “chóriço” –e ia nisto um pranto deslavado e antigo), de batatinhas fritas (topem-me este mimo: batatinhas! O que aqui não vai de lascívia gástrica...) de carnes assadas, de doces (e aqui, na secção doceira, a voz dele já era uma catarata do Iguaçu, de Vitória do Niágara de açúcar em ponto, de ovos moles fresquíssimos, de barrigas de freira ao gosto do finado rei D João V, enfim um desatino de sabores e tiros de canhão ao fígado mais robusto), eu gosto de tudo...
E eu, compassivo, ainda longe de pensar que me ia meter na mesma alhada, evocava in imo pectore, um farnel de queijos da Serra e de Serpa, salpicões antigos, uma roda de alheiras feitas em casa, morcelas da Beira, verdadeiras, empadões de lebre, perdizes em confit e mais uma boa dúzia de coisas que convertem um muçulmano fanático num cristão guloso e impudente (tenho de mandar esta ao Vaticano: sempre evita referencias à Jihad e aos maus hábitos do profeta...).
Portanto: dieta: muita salada, vegetais cozidos, muito passeio a pedibus calcantibus, intervalar manhãs e tardes com meia maçã ou outra fruta anoréxica e fome, fominha, fomeca, da antiga, da mediterrânica, que por cá também se teve muito mau passadio, se calhar foi por isso que nos metemos pelo mar fora, fartos de uma terra sáfara e madrasta, a caminho das Índias e do caril (como diria um certo juiz nosso leitor, músico de horas vagas e amante do apimentado).
Não vos digo nem vos conto. Já perdi quatro ou cinco quilos se for verdade o que marca a balança. Preciso de perder no mínimo mais dez para poder de novo olhar por mim abaixo sem necessidade de periscópio. Tudo isto poderia ter por motivo a vinda até nós da querida Sílvia, a nossa bonita brasileirinha que volta e meia nos surpreende com um texto admirável como o de hoje, esses mesmo que tem uma Helineide (livra!) como empregada doméstica. Mas não: ela, que está quase a chegar, ainda vai encontrar um mcr redondo como um tamanco, com uma linha de cintura que desmentirá o seu ar famélico mas determinado.
Apertar o cinto é a palavra de ordem. Apertar o cinto e pouca letra. Correr a maratona (está quieto ó mau!), economizar, ganhar saúde e perder adiposidades que só fazem mal ao coração, ao fígado e a mais não sei quantas vísceras que por cá estarão, queixosas dos tratos de polé que lhes infligimos via carnes gordas e salgadas, produtos com excesso de calorias, álcoois brancos ou não, que nós cá não somos racistas, toda uma parafernália de conselhos para sermos mais saudáveis e, eventualmente (menos) felizes.
O casal Simas Santos, de cada vez que me encontra, inspecciona-me de alto a baixo e compassivamente deixa cair um encorajamento: estás mais magro. Deus vos ouça, Deus vos ouça...
Por isso, leitorinhas esbeltas: esperem pelo fim desta via crucis em que me meti, pelos dez quilos a menos que preciso de perder, aguentem os maus humores que seguramente hão de vir ao de cima nos meus escritos. É a dieta, só a dieta e nada mais que a dieta. Ai que fome: vou beber um copo de água!

Votos ao novo PGR

Faço meus os votos que Eduardo Dâmaso deixa hoje, no DN, ao novo PGR:

«espera-se de Pinto Monteiro que seja capaz de manter um padrão de independência do Ministério Público em relação a todo o tipo de poderes. Souto Moura, apesar dos erros, conseguiu manter esse necessário distanciamento.
Espera-se sobretudo que saiba responder aos desafios que se colocam a esta magistratura para que os seus níveis de eficácia possam ser muito superiores aos actuais. Em particular no combate ao crime económico e à corrupção. Estas matérias, aliás, mereceram-lhe uma declaração recente que se espera venha a ser um verdadeiro programa de acção: "Tudo o que seja corrupção, falta de isenção, falta de ética, deve ser punido severamente." Será pelo ataque a este tipo de crimes que se fará o balanço daqui por seis anos e por ele será julgado o seu mandato. »


Aqui outro Eduardo, o Procurador-geral adjunto Maia Costa, dá conta da surpresa que lhe causou a nomeação e expressa também os seus votos ao novo PGR.

19 setembro 2006

O dono da boca


Helineide chegou atrasada ao serviço hoje. É minha faxineira há anos e raramente se atrasa. Mora na Rocinha que não é longe, em vinte minutos de ônibus está na minha casa. Tive uns probleminhas, me diz sem jeito.
Eu concordei com a cabeça, tudo bem. Não dei importância, o atraso não foi grande e ter problemas não chega a ser novidade.

Dobrei a beirada da toalha de mesa, como se fosse um plissê – hábito herdado da minha mãe – e segui pensando em como ia explicar ao João, o homem da minha vida, que não era possível continuarmos a viver juntos se ele não contribuisse financeiramente para a manutenção do apartamento e outras pequenas mordomias. Com os olhos perdidos na parede de fórmica da cozinha eu pensava em como ia dizer isto ao homem que amo sem parecer que o estava encostando à parede. Fazendo-o perceber que quem estava contra a parede era eu, eramos nós. E como eu amo aquele homem que tem tantos talentos, mas não o de ganhar dinheiro.

Helineide me viu assim, de olhar fixo na fórmica, as mãos trabalhando a fazer e desfazer o plissê-que-não-acabava-mais e parou junto à mesa. Pigarreou e permaneceu parada. Estranho a Helineide me olhando sem dizer nada.
Interrompi o que fazia :
- O que que é há Helineide ?
- É que estou com um probleminha, achei que a senhora que é tão lida e é médica e tudo, talvez pudesse me ajudar.
- Alguém está doente ? perguntei por curiosidade e alguma solidariedade.
( Como é que vou dizer a ele ? pensei. Meu amor, o meu dinheiro só dá para sustentar uma pessoa e olhe lá. Você precisa trabalhar em algo que dê grana, money, massari)
- Não a senhora não está entendendo, queria desabafar, saber a sua opinião , saber o que que eu faço.
- Fala, Helineide, diz. E parei com o plissê (depois eu penso no que direi a ele).

- Bem a senhora sabe que eu tenho duas filhas. Uma de vinte anos que é mãe solteira e uma de dezoito. A de dezoito trabalha fora numa farmácia, a mais velha não trabalha, toma conta da casa e do menino. São bonitinhas, as duas. Novas, mulatinhas jeitosas, de corpo bem feito, e são ainda por cima mais assanhadas do que eu gostaria que fossem.
- Sim e então?
- Pois é, eu estava muito preocupada com a mais nova porque um sujeito que trabalha para o tráfico se engraçou por ela. Bandido não! eu disse. Mas ela deu bola, por vaidade ou porque ele tem algum poder e dinheiro, deu bola.
- E agora? perguntei preocupada por ela.
- Bem, a senhora sabe, no morro o dono da boca ajuda a gente. Quando falta grana ele empresta. Leva para o médico no carro dele se alguém precisa de urgência. Interfere nas brigas de casais e dá conselhos aos filhos que são maus para as mães – no morro há tanto filho sem pai – compra remédios para os que precisam e não têm como comprar, faz muitas coisas para ajudar a comunidade e nunca pede nada em troca. Mas a gente sabe que ele fez um favor. Eu evito sempre pedir.
Porém desta vez era diferente e não tinha outro jeito, a neguinha não me ouvia, de modo que eu resolvi ir falar com o dono da boca, pedir para ele afastar aquele sujeitinho da minha filha que é uma menina direita.

Dito isto Helineide começa a chorar e eu fico sem entender nada.
- Tá chorando por que Helineide? O que houve, ele não fez nada?
- Ah, Dona Sônia, a senhora nem sabe...
- O que, mulher !?
- Agora o dono da boca está a fim da minha menina. O outro não apareceu mais e é só presente chegando lá em casa. Televisão,som, relógio novo, tudo pra ela. A danada da neguinha anda cheia de ares de rainha. E eu morta de preocupação. Dona Sônia, o dono da boca quer a minha filha, já pensou? A quem é que eu vou pedir agora ? Ela não me ouve. Logo o dono da boca... Já rezei, já procurei mãe de santo, já prometi mundos e fundos a todos eles, já fiz mandinga, promessa e nada. Até igreja de crente eu procurei. Continua tudo neste pé, o dono da boca tá interessado nela. E como está! O que é que eu faço ?

Calei-me por uns segundos. Meu problema perto do dela era nada. E depois eu posso apertar mais as finanças enquanto ele não consegue expor os seus quadros e começar a vendê-los. São lindos os quadros, eu sei que ele tem talento.

- Mas logo o dono da boca, Helineide? Que coisa... disse a abraçá-la sabendo que não tinha solução, a menina ia ter que resolver sozinha a questão, isso se quisesse resolver algo.

Porque o dono da boca, no morro, é quase deus, quase diabo.


Silvia Chueire

Novo Procurador-Geral da República

O Presidente da República vai nomear Juiz-Conselheiro Fernando José Pinto Monteiro
para Procurador-Geral da República, estando a tomada de posse marcada para o próximo dia 9 de Outubro.
É a seguinte a nota informativa da Presidência da República relativa à decisão do Presidente Aníbal Cavaco Silva:
"Completando-se em 7 de Outubro próximo os 6 anos do mandato do actual Procurador-Geral da República, o Governo propôs a nomeação, para seu substituto, nos termos do art.º 133, alínea m) da Constituição, do Senhor Juiz-Conselheiro Dr. Fernando José Matos Pinto Monteiro.
A proposta mereceu o acordo do Presidente da República, tendo a posse sido fixada para 9 de Outubro."
19.09.2006

Falando cá com os meus botões...

Desculpem a pergunta que, afinal, deve ser completamente parva, mas já que eu sou sempre contra, acho que posso fazê-la: por que é que o Dr. Souto de Moura não há-de ser o próximo PGR?


(Não precisam de responder. Eu percebo. Este blog cordoeiros/incursões, que tantos mundos deu ao mundo e apesar de ter (ainda) audiências, está letárgico. Já ninguém liga a ninguém. Sobram os amigos. E as incompreensões. A Silvia vem aí e talvez seja a altura de pensarmos em alguma coisas e de pensarmos nas nossas vidinhas)

18 setembro 2006

Sobre
inconstitucionalidades, funçoes do MP e mais, os nossos amigos Jose, Carteiro e Gomez polemizam com vigor aqui.

17 setembro 2006

Estes dias que passam 36

Jornais velhos, desculpas esfarrapadas ou
a vingança do dinamarquês despudorado


Comecemos pelo caso do dia: apareceu um novo jornal: o Sol. Apareceu mais para quarto minguante do que outra coisa. Eu explico: este jornal, feito por boa parte dos ex-colaboradores do Expresso, prometia, dizia-se, mundos e fundos: O Expresso estava acabado, gasto, chato, ronceiro, muito nove horas, sem chama nem cama, enfim um emplastro com o prazo de validade já acabado. Por isso urgia um novo jornal semanário atrevido, inteligente, moderno, mangas arregaçadas, suficientemente audacioso para conquistar o público jovem, suficientemente equilibrado para seduzir o publico mais velho. Ora visto e respigado o primeiro número, nada disto aconteceu. Aquilo é o Expresso para pior, o que é dizer muito. Mudar para aquilo é saltar da sertã para o fogareiro.
Também não admira: estes alvoroçados “novos” já têm barbas e já mostraram a sua incapacidade quando mandavam no Expresso. O Dr Balsemão que, consta, é um unhas de fome, já deve estar a arrancar os poucos cabelos que lhe restam pela despesa que faz publicando o seu jornal e oferecendo uns filmes ao pagode. Não precisava: mudar para esta concorrência é perder tempo.
Eu ainda me recordo (isto de ser “antigo” tem algumas vantagens) da saída do Expresso. Foi um acontecimento, era diferente, era arrojado, era moderno, driblava a censura e a malta corria a comprá-lo. Depois, foi o que se viu: não cresceu, inchou. Perdeu muito com a primeira sangria que acabou por formar o Público. Perdeu em qualidade, digo, não em cacau, porque uma coisa é ser semanário, outra diário. Também é verdade que no segmento semanários só terá tido um concorrente interessante que todavia não resistiu. Falo de “O Jornal” que se resolveu transformar em revista. Os restantes, Semanário e Independente fizeram um grande estardalhaço mas nunca conseguiram usar calças compridas. O êxito vinha-lhes do cheiro a enxofre dos escândalos com que enfeitavam a primeira página mas isso de per si não faz um jornal, nem cria leitores assíduos. Pior, cria muitos inimigos, por vezes carregados de razão. Também já entregaram as duvidosas almas ao criador, e, ao que vou vendo, sem choro público. Os únicos a verter uma lágrima foram os da casa, que coitados, disseram deles o que mais ninguém disse, babados com a sua coragem inicial, que não passava de atrevimento, com a sua irreverência, que era apenas toleima, com a sua criação de público específico que os abandonou em pouco tempo.
Pareceria que com tudo isto, a rapaziada que faz o Sol deveria ter pensado muito antes de arriscar o passo que deram. Eu que os não conheço de lado nenhum, descria um pouco da “novidade”. Então eles andaram este tempo todo a fabricar um jornal chato e convencido, e de repente, iam fazer coisa nova, boa e diferente? Poder-lhes-á ter passado na cabecinha ingénua mas só na deles. E o resultado está à vista. Claro que virá alguém dizer-me que este número esgotou. Pudera! Também o Expresso, pelos vistos. Um porque dá filmes e o outro porque é o primeiro número. Lá para Novembro ou Dezembro já se verá como a espuma assenta.

2 como se costume isto vai longo mas não posso deixar de referir, com um sorriso maroto, a história do discurso de Bento XVI. Das duas uma: ou é inépcia ou uma jogada arriscadíssima. Citar o pobre Paleólogo, que coitado, perdeu em todos os tabuleiros, não lembra ao mafarrico. Também é verdade que por definição o Papa é inimigo do mafarrico, mas...
Se bem me recordo, quando um jornal desconhecido e dinamarquês publicou umas caricaturas (rapidamente transformadas em ofensas a Maomé) toda a bem pensância lhe caiu em cima. Tenho mesmo uma vaga recordação de um vago porta voz da Igreja lamentar a graçola contra símbolos sagrados. Mais lhe valera estar caladinho, já que seria estulto pedir-lhe que defendesse o direito à liberdade de expressão. Agora, a citação, dentro ou fora do contexto, pouco me importa, deu no que deu: a habitual gentuça manifestante, as efígies do Papa a arder por tudo quanto é sítio muçulmano e uns comunicados patéticos a dizer o que dizem, que é exactamente nada e não vai servir para nada. Eu no caso dos dinamarqueses senti-me dinamarquês. Neste, pedindo muita desculpa, tenho de estar de fora porque não me apetece sentir-me católico. Todavia, e para que não restem dúvidas, entendo que o Papa pode achar que quem recorre à espada para expandir a fé não é de confiança. Eu acho o mesmo. Hoje e há quinhentos, setecentos e novecentos anos... A espada, a condenação, o relegar o incréu ao poder secular são armas do diabo nunca de Deus. E já agora: deixem os manifestantes manifestar-se lá nos lúgubres locais onde se manifestam. Deve ser a única oportunidade que têm de exprimir uma opinião. Aquilo passa-lhes.

3 Já agora falemos da terceira religião monoteísta. Não por motivos religiosos que são o menos. Mas por este mais comezinho: quando há um mês, os israelitas bombardearam um posto da ONU matando quatro capacetes azuis, a verdade oficial é que à sombra desse posto havia hezbollahs a disparar. Agora vêm dizer que a culpa foi dos mapas militares onde não constava o posto da ONU. Foi um engano aborrecido, desculpem lá, enganámo-nos... Convenhamos que esta é querer fazer de nós parvos.

16 setembro 2006


(ver também aqui)

Diário Político 27

O lixo do luxo

Um cargueiro grego carregado de lixo tóxico apareceu pela Costa do Marfim, desembarcou a sua carga e ala que se faz tarde. A encomenda foi retirada do porto de Abidjan e rapidamente distribuída por dezassete depósitos de lixo, todos ao que parece na zona da antiga capital deste semi-país (o Norte como se sabe está ocupado pelos rebeldes). Centenas de pessoas sentiram-se mal, sete já morreram, não faz mal são pretos, pretos pobres ainda por cima, num pais que podia ser rico mas é pobre, onde um louco resolveu fazer uma réplica do Vaticano no meio da selva, num sítio chamado Yamoussoukro, promovida a capital, claro, com um Vaticano dentro não podia ser senão a capital.
Seria fácil atribuir ao famigerado neo-colonialismo (expressão hoje fora de moda, mas não fora da realidade) este fait divers que só o não é porque a coisa foi rapidamente denunciada pela sociedade civil (é verdade também lá nesse pais de selvagens também há sociedade civil, uma maçada importada decerto do ocidente ou talvez mesmo do oriente do ocidente, enfim, não vale a pena, procurar muito, existe lá uma sociedade mais ou menos (in)civil que protesta, que se revolta, que morre se for necessário, mas que existe).
A questão que ora se põe é a seguinte: quem permitiu o desembarque dos lixos tóxicos? Quem os enviou, sabendo que podiam ser descarregados? A quem foi o barco fretado? Quanto foi pago, e a quem, para converter este pais já desgraçado por uma longa guerra civil, pela divisão de facto existente e vagamente garantida por tropas francesas, e porquê?
A África dizia René Dumont, numa obra dos anos sessenta com o mesmo nome, começa mal (Publ. D. Quixote). Começa mal com as fronteiras que herdou, com as estruturas políticas que lhes fabricaram antes de uma pomposa transmissão de poderes por altura das independências (entre 56 e 62 parecia uma época de saldos), com os empréstimos feitos, pagos e repagos mas por pagar, com as tarifas das matérias primas cada vez mais em baixo (a Costa do Marfim é o maior produtor de cacau do mundo, o que cada vez lhe serve menos), começa mal com a classe política que tem, com a corrupção quase generalizada, as guerras civis declaradas ou adormecidas, a sombra disforme do sida e das diferentes doenças associadas, e agora isto a emigração de um lado, a desertificação do pais e o lixo, o lixo, à falta de outros luxos, por outro.

15 setembro 2006

A religião não justifica a violência

"Um discurso sobre a fé, razão e violência
A declaração da polémica, proferida na terça-feira na Universidade de Regensburg, no Sul da Alemanha, aborda a questão da fé, razão e violência. O Islão foi invocado em alguns parágrafos, através da citação do imperador bizantino Manuel II Paleólogo (1350-1425), quando este terá falado com um sábio persa muçulmano, algures entre 1394 e 1402.O imperador terá pedido ao sábio persa: “Mostra-me o que Maomé trouxe de novo. Só encontrarás coisas más e desumanas, como o direito a defender pela espada a fé que ele persegue”. Depois, o imperador explica porque é absurdo difundir a fé pela violência. “Uma tal violência é contrária à natureza de Deus e à natureza da alma. Deus não ama o sangue e agir de maneira irracional é contrário à natureza de Deus. A fé é o fruto da alma e não do corpo. Aquele que quiser conduzir outros na fé deve ser capaz de falar bem e pensar de forma justa e não pela violência e ameaça”.
Desde o início do seu pontificado, as palavras de Bento XVI já provocaram alguns incidentes diplomáticos, nomeadamente com Israel. Em Julho de 2005, o Papa omitiu o país da lista de Estados vítimas do terrorismo, o que foi alvo de fortes protestos por parte de Telavive.
Em Maio deste ano, durante a sua peregrinação ao campo de extermínio de Auschwitz, atribuiu o nazismo a um “grupo de criminosos” e pareceu poupar o povo alemão a qualquer responsabilidade.
Líderes muçulmanos da Jordânia, Síria, Turquia, Qatar e da Organização da Conferência Islâmica já vieram a público exigir esclarecimentos e um pedido de desculpas depois das declarações de Bento XVI. Estas poderão ter tornado mais difícil a visita que o Papa tem marcada para a Turquia em Novembro." in Público

A ignorância, a pobreza e a manipulação dos povos atinge níveis alarmantes nos tempos contemporâneos. Haverá hoje liberdade de pensamento? Haverá hoje liberdade de consciência? Haverá hoje direito à verdade e à informação?

Quem ouviu e leu o que o Papa efectivamente disse pode discordar? Tenho dúvidas. Mas já se ouvem manifestações, ameaças, convulsões, intervenções políticas, notícias na Rádio e na TV absolutamente disparatadas. Assim, não é possível obter informação credível. Para que serve o "jornalismo" que hoje se pratica? Honra se faça ao texto supra do "Publico", cujo autor percebeu o que se passou! Haja fé! Mas não resistiu a dar uns palpites!

14 setembro 2006

Au Bonheur des Dames 31

Bonsoir tristesse

Ele há dias assim, em que sem motivo, quase por nada, ainda menos, tudo à nossa volta respira devagar, como se a nostalgia viesse nesta chuva mansa que visita o fim do Verão. Há no ar, um cheiro que mais do que anunciar o Outono, vem recordar-nos que o tempo passa inexorável (gasta imagem) e é tempo de prestar contas. Será?
Hoje dei comigo a trabalhar enquanto vou ouvindo uma série de discos dos anos sessenta, outra antologia mais que vou entremeando com o Dave Brubeck, luminosa descoberta que devo ao Carlos Ferrer Antunes e ao Eduardo Batarda, esse mesmo, esse enorme pintor que vem prosseguindo indiferente a modas, marés, compras, mercado, uma carreira obsessiva, sem baldas, sem compromissos, ou melhor, um só compromisso: com a pintura ela própria.
E dou por mim, tantos anos atrás, caloiro fresquinho, arribado a Coimbra, em casa de um deles, qual?, a ouvir pela primeira vez na vida “Take Five”, Brubeck e Paul Desmond, que dupla, amigos, que dupla e que música. Era o meu segundo encontro com o jazz, o segundo e definitivo encontro e o princípio de um desgosto que me há-de fazer companhia quando já mais nada houver, a impossibilidade, a incapacidade de tocar saxofone, piano, bateria, o que for. Sou, além de outros defeitos, maiores e menores, completamente desafinado, patologicamente desafinado, não há volta a dar-lhe.
O professor Aurísio Pinheiro, topou-me à primeira, na primeira aula de canto coral, naquele pequeníssimo liceu (que se a memória não me falha ousava chamar-se Liceu Municipal Bissaia Barreto. Seria? Quase que o juro, terei mesmo visto uma placa junto do portão por onde os cento e trinta alunos e alunas do primeiro ciclo, o único aliás, entravam). Vem cá menino. Ora canta lá, do re mi. Olha, meu filho estás dispensado do Canto Coral, podes ir brincar para o recreio que a tua simples presença, mesmo que mudo como um bacalhau seco, já me dá cabo da aula.
O professor Aurisio (era assim que se chamava) condenou-me a um exílio horrível que no recreio nem viv’alma e eu para ali perdido a gastar um tempo que parecia longo, a olhar para as paredes do terreiro mudas, também elas, não como bacalhaus secos, simplesmente como paredes cuja mudez é por vezes interrompida como era o caso por palavras escritas a giz, o J ama B. , viva a Naval, viva o Ginásio, estive aqui no dia 11 do 10 de 1950, olha um do ano passado, pensei, podia ser mas não estava assinado, só uma marca, um circulo com um M dentro, a marca amarela do Mundo de Aventuras, os Black e Mortimer.
Nesse tempo eu não sabia que estes heróis da BD continuariam a ser conhecidos e reconhecidos cinco décadas depois, convenhamos que nesse tempo eu não sabia nada e que hoje estou na mesma, ou pior porque menos inocente, mais tristonho, sempre desafinado, não há volta a dar-lhe, anda por aqui tanto amor não correspondido pela música que chego a duvidar se o que oiço, e com que prazer, é o mesmo que os outros ouvem, ou é apenas a versão pobre de uma outra música a que nunca acederei por via desta incapacidade de cantar do re mi sem tropeçar numa semi-fusa ou numa colcheia que é o que sucede aos meninos que nem para uma aula de canto coral, numa terra pequena e perdida entre rio, mar e serra, servem.

25 anos sem guilhotina - Comemoração

O "ACORDO PARA A REFORMA DA JUSTIÇA" (1)

É credível, para um observador minimamente atento da política nacional, que o “Acordo político-parlamentar para a reforma da Justiça” celebrado entre o PS e o PSD constitua apenas a expressão pública de um outro, não público, sobre a nomeação do novo Procurador-Geral da República.
É constatável, para o mesmo observador, que este “Acordo”, que não suscitou grandes entusiasmos mesmo nas áreas políticas dos seus subscritores (o que reforça a ideia da sua natureza instrumental), tem o efeito de asfixiar o debate público e a reflexão alargada sobre a reforma do sistema de justiça e os concretos temas naquele referidos.
Já de há muito que a democracia não se esgota no mero jogo aritmético, e cada dia é mais óbvio que esta maneira de a conceber a empobrece e fragiliza.

ao medo




entrega as tuas mãos ao medo
e não viverás.
há um espaço de arbítrio
- entre acaso, ética,
responsabilidade, dever -
uma fenda para a coragem.

a vida caminha pela terra
passos decididos
entre tudo e nada,
uma brevidade imperceptível
a roçar os nossos rostos.
nada restará
depois que as horas calarem.

entrega tua face ao medo
e não a verás viva.



silvia chueire

13 setembro 2006

Duas notícias – A mesma lição

I
"Agradecemos a resposta das forças de segurança sírias", declarou Rice, obrigada pelas circunstâncias a inflectir o tom impositivo e censório que a Casa Branca tem adoptado em relação ao regime de Assad, suspeito de ingerência no Líbano e de fomentar o terrorismo internacional.

A esta reacção americana, face ao atentado que ocorreu junto à sua embaixada em Damasco, os dirigentes Sírios disseram que "É lamentável que as políticas americanas no Médio Oriente encorajem o extremismo, o terrorismo e o sentimento anti-americano", e que "os EUA deveriam aproveitar para rever as suas políticas no Médio Oriente, começarem a analisar as raízes do terrorismo e negociar uma paz global no Médio Oriente". Era bom, para a América e para todos, que os EUA seguissem por esse caminho, e que procurassem fazer dos países árabes aliados no combate ao terrorismo, em vez de os hostilizar e assim fortalecer o próprio terrorismo.

II

Durante um congresso de sindicalistas, no Sul de Inglaterra, o primeiro-ministro inglês foi fortemente assobiado e vaiado. Quando Blair começou a falar alguns sindicalistas abandonaram o congresso e provocaram a interrupção dos trabalhos.À saída, o líder sindical Bob Crowe disse que a decisão de abandonar a sala e não colocar os protestos directamente ao governante, na sessão de perguntas e respostas, foi "inevitável". "Eles não aceitam perguntas da natureza que queremos fazer", disse Crowe, que acrescentou não ter vontade de falar com quem "gasta milhares de milhões de libras na guerra contra o Iraque e não naquilo que deve. Nós fundámos o Partido Trabalhista e ele tirou-nos de lá".

Perante isto, também Blair se prepara para sair (está a ser empurrado) pela porta pequena. É esta, mais tarde ou mais cedo, a sina dos governantes que não falam verdade ao povo.

Novas Fronteiras

No passado sábado participei no Fórum Novas Fronteiras, uma iniciativa do Partido Socialista para agregar militantes, simpatizantes e sobretudo independentes em torno do seu projecto de governo e que vem funcionando como espaço de reflexão e de escrutínio da acção governativa.

Do discurso de José Sócrates chegaram os ecos habituais através dos media, mas do que ali se foi tratando ao longo da tarde, nos vários painéis temáticos, não houve grande repercussão pública. No debate sobre as opções para o Quadro de Referência Estratégico Nacional 2007/2013, aquele a que assisti, participaram Cristina de Azevedo, vice-presidente da CCDRN, João Nuno Mendes, gestor do Grupo Amorim e ex-secretário de Estado do Planeamento, Joaquim Morão, presidente da Câmara de Castelo Branco, e o geógrafo Rio Fernandes.

No debate ficaram evidentes os diferentes graus de preocupação com a distribuição e a aplicação dos fundos do próximo quadro de apoio, percebendo-se uma visão regional e municipal lado a lado com uma perspectiva mais nacional e racional de afectação de recursos. Obviamente, as prioridades traçadas pelo Governo para o desenvolvimento do país, desde logo do ponto de vista administrativo, serão fulcrais para definir o melhor modelo para a gestão e aplicação do “envelope” comunitário.

A encerrar o fórum, Vital Moreira fez um discurso equilibrado e sensato, certamente bem acolhido pelos muitos ministros presentes, na medida em que, sem deixar de enfatizar a sua postura crítica relativamente a algumas medidas do executivo, acabou por caucionar a governação socialista, elogiando a postura reformista, a coragem e a determinação evidenciadas, procurando ainda desmontar as teses que acusam o actual Governo de fazer uma política de direita.

12 setembro 2006

Os Aliados

O lazer e o dever fizeram com que, nestes últimos dias, passasse mais vezes do que é habitual pela baixa do Porto e concretamente pela vetusta Avenida dos Aliados. Não gosto e acho que nunca irei gostar da intervenção que ali foi feita.

Eu sei que Siza Vieira riscou a praça e que o desenho mereceu a aprovação geral da prestigiada escola de arquitectura portuense, mas, para quem vive a cidade, a nova avenida apresenta-se como um sítio nada acolhedor, avesso ao convívio e à fruição citadina. Como bem escreveu esta semana João Pereira Coutinho, no Expresso, a nova Avenida dos Aliados é um “deserto de cimento por onde se passa mas não se fica”.

expediente 1

Sobre um certo MSP, professor duma cana!


De vez em quando recebo e-mails de leitores deste blogue. Outras vezes é um amigo que me fala do que escrevi, ou amigos que me trazem notícias gratas de leitores que não conheço mas a quem estou desde já muito penhorado. Uma que outra vez a prima Maria Manuel dá um arzinho da sua graça e manda um comentário sempre encimado por “primíssimo” (aqui para nós ela anda entusiasmada com um tema argentino para o próximo romance e deve ter ouvido falar de um facínora local a quem chamavam o “cunhadíssimo” por ser cunhado do Menem..., portanto este primíssimo pode ter alguma conotação menos carinhosa).
Já me estava a perder. O facto é que esses leitores gentilíssimos afagam-me o ego mais do que deviam e eu mereço. Todavia podem continuar! Que eu faço daqui a parte do modesto.
Ora ocorre que, entre ontem e hoje, a querida Isabel Pinto e o não menos querido Manuel Sousa Pereira, deram um ar de sua graça e generosidade para com o escriba que estas vai dificultosamente escrevendo. À Isabel já respondi de viva voz, como soe fazer-se a uma cidadã nada e criada na Nazaré, capaz de distribuir bofetão à sua volta como quem dança o vira. Dela já aqui falamos eu e o d’Oliveira pelo que não vale a pena dizer mais nada. Do segundo preopinante, Manuel Sousa Pereira de seu nome é que é a primeira vez. E é curioso vir ele agora à baila, porquanto quando escrevi o texto “estes dias... 26” era nele que pensava. Nele e no Dr. Ilídio Sardoeira, nos professores doutores Mota Pinto, Orlando de Carvalho, Teixeira Ribeiro e Férrer Correia e no meu tio Marcos Viana. Tudo gente devotada ao ensino, cidadãos de primeira água, gente que deixou um rasto luminoso em milhares de alunos e amigos (ou amigos e alunos porque depois da primeira aula estas categorias confundiam-se). Deixemos para outra núpcias os demais e vamos ao escultor Manuel Sousa Pereira, bailarino emérito, amador do belo sexo mais do que permite a moral vigente, cinéfilo fanático, animador cultural e professor com letra grande, tudo maiúsculas e a néon, estilo Broadway. Ano pós ano, eu e os restantes amigos duma comandita chefiada pelo tão egrégio como volumoso Manuel Simas Santos, víamos, por altura dos exames do secundário, aparecer o MSP com um ar radioso e uma lista na mão. Eram os seus pupilos de Geometria Descritiva que, monótona e alegremente, tinham uma vez mais obtido altíssimas notas. O Manel não se vinha gabar, antes pelo contrario. Chegava ao pé de nós enternecido porque os seus rapazes e raparigas o tinham brindado com notas de fazer inveja a um batalhão de ministros ou ministras da nossa desesperante Deseducação Nacional. A coisa chegou mesmo a pontos de sermos nós a chateá-lo pela época dos exames: e as notas da tua miudagem? E ele: calma que os exames ainda não começaram, E roía mais duas unhas. É claro que o MSP já está reformado. E por sinal que foi bem bonita a sua reforma. Homenagens por todo o lado, os alunos a oferecerem-lhe uma camisola futebolística com o numero do Figo e o nome MSP e, sobretudo uma carta colectiva de fazer chorar as pedrinhas da calçada (e por sinal muito bem escrita) onde a miudagem lhe dizia o que os anjos não dizem ao menino Jesus.
Não vou agora referir os métodos heterodoxos que MSP usava para meter naquelas cabeças adolescentes o raio da Descritiva. Sei que não se ensaiava nada em abanar a orelha a algum rapazola que se armasse em carapau de corrida. Também sei, que aluno dele que tivesse problemas mais depressa ia falar com ele do que um familiar. Sabemos que ele era exigente nas aulas e camarada fora delas. E respeitado! E querido!
Criatura discente que não se comportasse como decente, ia para a rua mais depressa do que o comboio foguete. A bem ou a mal. Aliás, a bem e envergonhada. Perante o espanto indignado de colegas que, uma vez sem exemplo, estavam do lado do professor. Sempre!... Depois, lá vinha, humilde, pedir desculpas ao MSP que, mais comovido do que um peru bêbado em vésperas (fatais) de Natal, lhe perdoava, abraçava e pagava uma bica. E vê lá se cresces ó marmelo atoleimado.
Ora nesta entrada de aulas que se anuncia carregada, este exemplo de um professor que o sabia ser, de um amigo dos alunos e por isso exigente, de um animador cultural na escola, capaz de perder um dia livre para explicar à malta o que era o impressionismo, o teatro de Gil Vicente, ou um velho e bom western, capaz de orientar, de se impor sem levantar a voz, de ser respeitado sem lamber as botas ao ministro, ao Secretario de Estado ou ao Directo Geral, faz falta, muita falta. Para animar a malta se é que percebem o que estou para aqui a dizer.
Este texto está mais descosido do que uma múmia roubada pelos gatunos de túmulos. Mas fica assim mesmo: porque o quero com o cheiro do pão fresco, ou, como é o caso do Manel, do café acabado de moer. Salta uma bica!

Finalmente aqui se inaugura mais uma série a que pus o nome de “Expediente”. É que recordo com ternura, os velhos comícios da oposicrática em que um cavalheiro do tempo dos afonsinos começava a assembleia com a leitura do expediente: cartas, mensagens e telegramas de outros velhos combatentes da democracia que a idade, a gota, a vida, o coração fraquíssimo já não deixavam estar presentes. O expediente lia-se, dava-se o primeiro viva à república e à liberdade e a sessão começava em festa. À saída, se Deus queria (e queria quase sempre) a polícia de chanfalho em riste arreava forte e feio.

Já agora...

Queirámos, ou não, este blog é, ainda, dominado por juristas (no activo). Gostava de saber o que pensam (olhando para a barra lateral): kamikase, Nicodemos, Simas Santos, Mocho Atento, Rui Cardoso, Rui do Carmo, Forte e Contraverso sobre a forma e a substância do pacto da Justiça. Aqui. Talvez os nossos companheiros andem por outros lados a debitar teoria, não sei. Mas, já que são contributors daqui, se não se importarem...

Aventuras de um bloguista (0)

Que engraçado! Eu sou praticamente da fundação de OS CODOEIROS, que deu origem ao Incursões e já não me lembrava disso, antes de ir, esta noite, dar uma volta por aí. Recordo-me: foi o compadre/primo quem me convidou, assim, praticamente, um blog de pessoas do direito, e eu dizia-lhe, Ó camarada, mas eu não sei se tenho muitas coisas para dizer e, além disso, você conhece-me e sabe que eu não sou assim muito escorreito. Que não, dizia o compadre, bem pelo contrário, e eu, sempre na dúvida (blog não era uma palavra muito familiar no meu léxico), acabei por anuir, depois de dizer, Pois, mas então eu mando os textos e quem manda naquilo publica ou não publica, conforme achar.
E foi assim. Quando falei com os impulsionadores - Rato da Costa, que eram dois - expliquei que a minha postura era esta: eu mandava os textos e o critério de publicação era deles. E vi hoje que o meu primeiro texto era contra os magistrados que andavam no futebol. Ora vejam: sou coerente.
Depois, lá consegui começar a colocar postais directamente. Mas a reserva sempre presente, Desculpem, se eu escrever qualquer coisa que extravase, têm toda a liberdade para retirarem. Nunca retiraram. Agradeço. Ainda que esteja convencido que houve quem saísse por causa disso.

(cont - se me apetecer, claro)