31 março 2006


Última hora

Numa alocução acabada de fazer nas rádios e televisões francesas, o Presidente da República, Jacques Chirac, acaba de afirmar a sua intenção de promulgar a lei sobre o CPE com duas importantes alterações encomendadas ap governo: diminuir de 2 para 1 ano o período probatório e obrigar o empregador que despeça um jovem a indicar, a pedido deste, as razões desse despedimento.
Cumprimento os bloggers que aqui, e noutros, locais criticaram a lei e se solidarizaram com os estudantes franceses. Os meus sentidos pêsames ao senhor director do jornal "Público" que com inusitada rapidez, própria de quem pensa menos e se entusiasma mais com tudo o que lhe cheire a neo-liberalismo a outrance, por este desmentido que Chirac lhe proporciona.
Ce n'est qu'un debut...

Preparar o futuro

O governo está a avançar com medidas de desconcentração dos serviços da administração, começando a formatar a presença do Estado de acordo com as cinco regiões-plano, delimitadas administrativamente há uns bons 30 anos. Dizem os adeptos da macrocefalia que o governo está a preparar o terreno para avançar com o referendo à regionalização na primeira oportunidade, isto é, na próxima legislatura.

Se é esse o propósito do governo, só posso aplaudir. O país precisa de um rumo, de estratégias consistentes, de maior coesão e de desenvolvimento harmonioso. Mas cada espaço territorial não pode deixar de afirmar as suas potencialidades intrínsecas, consolidando as valências e os recursos aí existentes.

O caminho não é fácil, mas Portugal inteiro deve encarar a próxima década como a última oportunidade para convergir com a União Europeia nos principais índices de desenvolvimento. O Quadro de Referência Estratégico Nacional, que vai guiar a aplicação no nosso país dos fundos estruturais entre 2007 e 2013, é por isso um instrumento decisivo para o futuro e deve merecer o envolvimento de todos – governo, autarquias, associações de municípios, universidades, instituições da sociedade civil – para que seja garantida uma correcta aplicação dos fundos disponíveis.

Magistrado constituído arguido


Raul Bairros, magistrado do Ministério Público, foi constituído arguido por suspeita de ter feito ameaças de morte a duas juízas do colectivo do Tribunal da Boa Hora, que julga o caso da fraude contra o Serviço Nacional de Saúde (SNS).


De acordo com a SIC, no decurso da investigação os telefones das juízas foram colocados sob escuta, tendo a Polícia Judiciária identificado que o autor das ameaças era procurador-adjunto do Ministério Público, ex-companheiro de uma das juízas em questão. O processo-crime corre no Tribunal da Relação de Lisboa”.

( fonte: Expresso on-line e Canal Sic ontem à noite).


Acrescente-se que este magistrado foi director da polícia judiciária!


O destino tem destas coisas: quem faz mal aos outros, mais cedo ou mais tarde, tem o retorno...

30 março 2006

As quotas

Estou triste, pois. Anda um homem toda uma vida a pensar que é medianamente inteligente, para chegar aos 45 anos e concluir que, afinal, é burro como uma porta. Falo de mim, claro, e passo a explicar: por muito que alguns se esforcem - e esforçam - para me convencerem das vantagens da coisa, eu ainda não consegui perceber por que motivo o PS e o BE aprovaram hoje aquela lei que impõe que pelo menos 1/3 de candidatos em listas políticas sejam mulheres.

Que diabo! Que eu saiba, não foi por uma qualquer imposição de quotas que as mulheres são maioritárias no ensino superior e que, cada vez mais, ganham espaço na advocacia, na medicina, nas magistraturas e por aí. E não, não é uma atitude machista, a minha. Comprovo: tenhos três estagiários. Todos mulheres. Não discriminei, como se vê.

O que vai acontecer a partir de agora? Se - coisa improvável - eu for ao Parlamento nos próximos tempos, de cada vez que encontrar uma deputada não resistirei a perguntar-lhe, Olhe, desculpe, está cá por mérito ou pela quota? Bem, se for a Joana Amaral Dias ainda arrisco uma terceira hipótese: ou está cá porque é gira?

A única coisa boa da lei, é que, por causa do cheiro das tintas, prevê que as quotas também se aplicam aos homens. Isto é: não pode haver lista que não contenha pelo menos 1/3 de homens. Sim, eu sei que isto é uma irrelevância. Agora. Mas, por este caminho não tarda que venha a ser muito útil para os homens. Se, entretanto, as mulheres, já em maioria, não decidirem revogar a lei.
E por falar nisso: não acham que o Fórum Mulher da TSF devia ser obrigado a permitir que pelos menos 1/3 dos participantes fossem homens?

As ameaças da PJ... Parte II

Afinal, o Governo adiou a decisão sobre as futuras competências da Polícia Judiciária e sobre a possibilidade de os contactos com a Europol e Interpol passarem para a alçada do Gabinete Coordenador de Segurança, ou seja, da tutela do Ministério da Justiça para o Ministério da Administração Interna.

Conclusão: não tecendo aqui considerações sobre a bondade da medida, a nível de política criminal e da possível “promiscuidade” entre o poder político e a investigação criminal, o certo é que, neste País, quem tem poder negocial ou possibilidade de exercer uma qualquer chantagem sobre o poder instituído, é que vence.

Desgraçadamente, bate-se sempre nos mais fracos, nos mais desprotegidos.

Naqueles que não oferecem “perigo” de uma qualquer retaliação.

Por que será?

Por que razão vemos e ouvimos os agricultores manifestantes que enchem há vários dias as nossas televisões e não acreditamos (eu não acredito...) em nada daquilo?

Tudo soa a falso. Aqueles senhores de bigode farfalhudo, óculos escuros, boné casual, roupa de marca, olhar marialva e jipes topo de gama escondidos lá longe mostram-se muito revoltados com o estado da agricultura e não se cansam de exigir a saída do ministro. Propostas? Estratégias? Alternativas? Nãã...apenas mais dinheiro para um reduzidíssimo número de proprietários. Sempre os mesmos.

E o que dizer da presença nessas manifestações dos pobres assalariados agricolas, verdadeiros voluntários à força nas mãos dos seus senhores? Sem estes assalariados qual seria a expressão de tais manifestações? Não há um sindicato que se insurja contra esta utilização abusiva de trabalhadores? Ou o lobby chega para todos?

Pobre país...

As ameaças da PJ...Parte I


Segundo o “DN” de hoje, a “Polícia Judiciária, liderada por Santos Cabral, não aceita a reorganização que está a ser preparada pelo Governo, no âmbito do Programa de Reorganização da Administração Central e do Estado (PRACE)”.

Mais “Os directores da Polícia Judiciária (PJ) ameaçam demitir-se em bloco se o Governo insistir em retirar da alçada desta força policial a actividade da Interpol e da Europol”.



Bolas, coitados! ... ainda correm o risco de ficar na "bolsa dos disponíveis" !


(Espero que o Governo não ceda a este grupo, este sim bem corporativo: um verdadeiro “Estado dentro do Estado”).

Entre as letras e as ciências

Presumo que leram: todos os jornais portugueses generalistas estão a vender menos. Há várias teses sobre o assunto, já ouvi várias, desde a menor qualidade do jornalismo português até ao preço dos jornais, desde a iliteracia dos portugueses até ao advento das edições electrónicas.

Todas estas teses são válidas. Mas há um elemento que não pode ser descurado: Portugal sempre foi um país onde se lê pouco. Jornais e livros. Por exemplo: uma das coisas que me angustia é chegar a um tribunal e ver que o jornal que o magistrado traz debaixo do braço é um jornal desportivo. E apenas esse. Angustia-me que imensos advogados que eu conheço não leiam um jornal diariamente e fiquem com ar interrogativo quando alguém fala na notícia do dia. Tritura-me a história que me contaram este fim de semana de uma professora de português que confessou que o último livro que leu foi "Os Maias", já lá vão alguns anos.

Maus sinais, penso, que sei pouco destas coisas.

Creio que foi hoje que ouvi o nosso primeiro-ministro dizer que o combate de Portugal terá de ser nas ciências. Talvez. Debitou números que nos colocam muito atrás dos outros países em questões de investigação científica. Acredito. E noutras coisas relacionadas com a ciência. Ok. O homem está para ali virado: para o choque tecnológico. Está bem. Aceita-se. Parece-me, contudo, que não haverá choque tecnológico que nos valha enquanto não ganharmos hábitos de leitura. De jornais e de livros.

E tudo isto leva-nos a outra questão: quando não se gosta de ler, não se pode aprender a escrever. E há outra questão: a maioria das pessoas que escreve na net, fá-lo, não porque gosta de escrever, não porque tem alguma coisa a dizer, mas porque gosta de computadores. Da tecnologia. Será que Sócrates está enganado quando estimula os computadores em vez das letras?

29 março 2006

Au Bonheur des Dames nº 21

2 textos 2 para o dia do teatro


1- Estou farto desta gente teimosa!


Pedem-me, os do Teatro, que testemunhe sobre eles, como se uma história longa de trabalho nas tábuas, de amor pelo palco, de paixão pela máscara, pudesse ser aquilatada por quem, para usar a expressão de O' Neil, está reduzido a "este modo funcionário de viver".

Ah, como foi possível que o jovem que se estreou com Luís de Lima e que acabou com Victor Garcia e Ricardo Salvat e que jurava por Brecht e Artaud, esteja agora, doido de inveja, a ver outros sobre as tábuas no quotidiano milagre de respirar juntamente e em consonância com o público.

Estou farto desta gente! Eles divertem-se como cabindas, passam as do Algarve, insistem, caem, levantam-se, insistem outra vez e o palco, todo luz, todo deles.

Estou farto: eles arriscam-se, eles vivem a aventura, transportam os sacos às costas, "mudam mais vezes de lugar do que de casaco" como os exilados de Brecht, e eu aquí feito "revólver de trazer por casa".

Oh gente teimosa: há anos que o dinheiro escasseia ou nem se lhe vê a cor?
Cerra os dentes, aperta o cinto, toca para a frente e o público, essa massa inexplicável, lá vem, bate palmas e volta, diz aos amigos, e aos amigos dos amigos. E essa gente teimosa, que se arroga de vital, mistura-se a essa, outra, anónima corrente subterrânea que se chama público, respira com ele e continua. E continua...

O teatro é isto. Saber confusamente o que queremos. Teimar como respirar. Querer como comer. Andar como correr. À boca de cena, lá mais atrás, carpinteirar um cenário, passar umas cordas, vender ao desbarato o talento e o cansaço e continuar.

Estou farto desta gente teimosa. Farto de lhes agradecer. Farto de os ver cair e levantar. Farto de os ver receber pouco e dar muito. E tão farto estou, tão fora de mim, que, desta vez, não há homenagem para ninguém, mas só exigências. Trabalhem, trabalhem muito e recebam pouco e deixem, aos que depois de nós vierem, essa trémula luz no palco e essa respiração sustida e o Teatro vosso e meu.


2- O teatro é isto


O teatro é isto: um espaço habitado pelos nossos sonhos. A vida imaginada à luz crua de um projector e uma voz que se ergue diante da escuridão onde se adivinha uma plateia.


Por um mágico momento o actor é o porta voz, o arauto de uma comunidade que nega o poeta: não é o mundo que é um palco, é o palco que é todo o mundo.


Em 12 dias, 12 companhias vêm mostrar o seu trabalho que, genericamente, tem sido classificado de Teatro Amador por oposição ao Teatro Profissional.


Que as palavras não nos enganem: amador é o que ama e, no dizer de Camões, o que se transforma na coisa amada.


E é disso que se trata. No espaço de uma noite, o homem que se expõe, transforma-se na personagem, nas personagens, em nós.

O Teatro é isto: a palavra viva sobre as tábuas.


O dia do teatro passou e eu a pensar que o meu texto tinha seguido para o éter. Mas não. Na blogoesfera além de fadas madrinhas (Sílvia, o meu olhar, Kamikaze) há umas bruxas horrendas assexuadas que perseguem os inocentes canhotos como este vosso criado. E os textos andam por aí perdidos nos espaços siderais, nalgum buraco negro, sei lá onde. Os dois textos que ora saem da clandestinidade vêm dos anos oitenta princípios de noventa. Será a antiguidade a sua única virtude. mas que querem? No pidam peras al olmo, como dizem os nossos irmãos iberos.
Vão estes textos dedicados a Maria Helena Aguiar, José Tavares Pinto, Luis de Lima e Victor Garcia (eles não morreram; foi só o pano que caiu)



Paulo Ramos de Faria (que deixa no limbo o seu projecto Sílaba Tónica), Fátima Mata Mouros e outros juizes criaram um blawg de reflexão jurídica, o dizpositivo.

Saúda-se a iniciativa e fazem-se votos de profícua intervenção na blawgoesfera!
***

NOTA:
aproveitei a "ocasião" para actualizar o índice de blawgs e de blogs, num formato agora mais minimalista. Sugestões são bem vindas, como sempre, aliás...

Contraditório

Postal do Dr. Eduardo Maia Costa no Sine Die

Separação de poderes

A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da AR hesitou, hesitou, mas acabou por aceitar o pedido dos jornalistas do 24 Horas para serem ouvidos nessa comissão sobre a sua versão relativamente à busca judicial realizada na redacção daquele jornal. A única dúvida da comissão é se a audição é à porta aberta ou à porta fechada. Apenas um problema de portas, mas que será ultrapassado, mais porta, menos porta.
Trata-se portanto de um inquérito informal sobre um inquérito criminal a decorrer. Não me lembro de uma intromissão assim, em trinta anos de regime constitucional, do poder legislativo no poder judicial. Parece que aquela comissão tem uma concepção expansiva dos poderes parlamentares, ignorando frontalmente o princípio da separação de poderes, que é um pilar do Estado de direito e vem enunciado no art. 2º da nossa Constituição. Numa Comissão de Assuntos Constitucionais é elementar o conhecimento da Constituição.

Bem. Sobre a questão de fundo não me pronuncio. Mas, tanto quanto me lembro, o PGR também lá foi e, bem vistas as coisas, mais coisa menos coisa, mais porta menos porta, o assunto era o mesmo... Logo, o princípio do contraditório.

CONGRESSO INTERNACIONAL DE PSICOLOGIA FORENSE


6 e 7 de ABRIL
BRAGA
UNIVERSIDADE DO MINHO


Ver mais informações aqui.

28 março 2006

CANADÁ: Dura lex sed lex


Aceitando o repto do meu amigo, Dr. Coutinho Ribeiro, aqui coloco umas (poucas) linhas, acerca dos acontecimentos recentes no Canadá, envolvendo imigrantes (ilegais) portugueses.

Segundo o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Freitas do Amaral, o fenómeno da expulsão de emigrantes ilegais no Canadá não é novo, existindo há já vários anos com nacionais de Portugal, Espanha, Polónia e Grécia.

Contudo, a eleição recente de um novo Governo, de tendência conservadora, implicou uma mudança de atitude em relação à imigração ilegal. Em consequência, vários imigrantes ilegais têm recebido nas últimas semanas ordem para deixar o Canadá.

Ainda segundo Freitas do Amaral, “não se prevê uma alteração na lei existente mas sim uma maior firmeza e rigor na sua aplicação”.

No Canadá residem cerca de meio milhão de portugueses, concentrando-se a grande maioria na área de Toronto, onde se estima que existam 15 mil indocumentados. Serão estes os visados.

Ao que apurei, parece que este grupo terá alegado perseguição religiosa em Portugal, a fim de serem recebidos no Canadá.

Ora, perseguição religiosa, passe o costumeiro cacetismo ainda sobrevivente da I República, é coisa que não existe na nossa terra, por muito que isso custe a alguns republicanos e laicos de velha cepa.
Assim, e uma vez descoberto o logro, não subsistem condições (legais) para aqueles imigrantes permanecerem no Canadá.

O outro lado da questão, e não falando do Direito aplicável, tem a ver com a liberdade que cada pessoa deveria possuir para viver no local onde desejasse. Sem peias. Sem medos. Sem ordens de expulsão.

Mas este é o mundo, dito democrático, que o Iluminismo criou. Um mundo supostamente mais esclarecido, mais livre, mais racional.

Vivemos, afinal, num imenso logro.

O Homem vai sendo, à medida que o Tempo passa, menos livre.

O BEIJO MISTERIOSO




O Presidente dos CTT, Luís Nazaré, quer mudar algumas regras dos contratos dos seus trabalhadores, considerando necessário haver flexibilidade no local de trabalho e também de horário de trabalho.

Aquele entende que a empresa deve ter a possibilidade de fazer deslocações geográficas de pessoas e gerir de forma diferente os horários de trabalho, defendendo para tal a negociação de um novo contrato colectivo de trabalho.

Os sindicatos, claro, estão contra.

Mas o que me intriga são aquelas imagens que acompanham a notícia de tais medidas, e que têm passado na TV, tiradas aquando da tomada de posse do rapaz, em que uma misteriosa dama, por sinal muito bela, o beija mas…hum…como direi… assim, assim como, na medida em que…não obstante…hum… um beijo bem profundo, não sei se me entendem…nunca vi tal coisa numa cerimónia pública de tomada de posse! Se a moda pega!...as tomadas de posse vão parecer um filme de “hard core”…ou pelo menos de “soft core”…penso eu...que sou ingénuo...

A Modernização do (nosso) Estado


O Governo lançou um plano de simplificação administrativa e legislativa, pensado para combater a burocracia e para permitir uma maior agilização da Administração Pública, na sua resposta aos cidadãos e às empresas.

E José Sócrates afirmou, no encerramento das jornadas parlamentares do PS, que pretende um Estado “social mas moderno”. De acordo.

Porém, disse ainda que, neste contexto, não pretende discutir as funções do Estado.

Aqui, discordo. Considero que, precisamente neste ponto, deveria ser discutida a problemática das funções do Estado, para uma maior clarificação das mesmas, e do rumo a seguir no futuro.

Afinal, tudo passa pelo papel que pretendemos que o Estado desempenhe na sociedade. E, para averiguarmos desse mesmo papel, há que interrogarmo-nos que Estado afinal queremos para nós e para os vindouros.

Com a certeza que, para o bem e para o mal, se “mexermos” na estrutura do Estado, algo mudará sem possibilidade de retorno, nesta sociedade tão volátil.

Será desejável que não exista qualquer deriva, por influência do poder económico mais insaciável e dos “nossos” neoliberais, no sentido de uma orientação desregulamentadora e privatizadora dos serviços públicos, que tão maus resultados deram já na Europa (aquela para lá dos Pirinéus…).

Mas confiemos na sensatez da “equipa”. Temos aliás de confiar, caso contrário ficaremos todos deprimidos, desesperados da vinda de uma salvação para o País.
Todavia, o Governo deveria assumir um discurso mais galvanizador sobre o futuro de Portugal, sobre o nosso próprio sucesso e viabilidade enquanto sociedade.

De qualquer forma, este movimento das “Novas Fronteiras” quebrou, de certo modo, com algum imobilismo. Esta Convenção, que pôs muita gente a pensar, coisa que já estava em desuso no mundo da política, reuniu no dia 12 de Março, e começou com uma intervenção de José Sócrates, numa espécie de “prestação de contas”, tendo-se seguido debates sectoriais em torno de três temas: o relançamento económico em Portugal; a qualificação dos trabalhadores portugueses e, aquele que me é muito caro, a modernização do Estado e a descentralização administrativa.

Gostaria de ter participado. Convites não faltaram. Mas…faltou-me a oportunidade. Para criticar, pois com certeza, alguns pontos de vista com que não concordo. Mas criticar construtivamente, oferecendo soluções alternativas. Ficará para a próxima. Espero...

É caso para citar Victor Hugo: “Les peuples ne doivent jamais désespérer. Aucune société n'est irrémédiable, aucun moyen âge n'est définitif. Si épaisse que soit la nuit, on aperçoit toujours une lumière.”

(Victor Hugo, "Choses vues" )

Canadá

Se um brasileiro ou um cidadão de um antigo país ultramarino (se fosse um muçulmano, nem falo...), tivesse sido repatriado, porque clandestino, à chegada a um aeroporto português, certamente o tema teria sido assinalado por aqui. Há milhares de portugueses que estão a ser deportados do Canadá, porque ilegais, apesar de trabalhadores lá há muito tempo, e não ouço nada por aqui...

www.solidariedade.com...

Quando, já lá vai algum tempo, li que José Miguel Júdice (JMJ) disse que o Estado deveria contactar as três maiores empresas de advogados (como a dele) para prestar serviços ao Estado, achei que era uma posição absurda. Tão absurda como se eu viesse dizer que o Estado devia consultar três advogados do Porto cujo nome profissional têm as iniciais CR. Aproveito para esclarecer: não conheço José Miguel Júdice, não penso dele bem ou mal, nem estou preocupado com a "fábrica" de José Miguel Júdice.
Mas há outras coisas que eu acho: não acho bem que a Ordem dos Advogados tenha movido um processo disciplinar contra Júdice porque ele disse o que disse. Ele disse, firmou a sua opinião, mas nada mais do que isso. Não vejo qualquer inconveniente. Grave seria se o Estado tivesse seguido a sugestão.
O que acho mal, ainda? Acho mal que circule por aí um abaixo-assinado electrónico de desgravo a JMJ que, a avaliar pelas notícias dos últimos dias, "está a ser perseguido". Como acho mal que, recentemente, tenha sido publicada uma revista com as maiores "fábricas" de advocacia do país. As maiores, note-se. E o espaço que a revista dava a cada uma nem sequer tinha a ver com a dimensão da "fábrica". Teria a ver com a dimensão do patrocínio?
Lá vem processo, presumo. Não há problema. www.solidariedade.com.o.cr.aceita-se.solidariedade.
A malta adere.

27 março 2006

Pedradas no charco

"(...) há um tempo que se esgotou. Temos de renovar-nos e procurar quaisquer outras soluções. Temos que nos situar na sociedade."


"O Ministério Público faz e tem feito ao longo de todos estes anos um discurso dos meios. Não vale a pena fazer este discurso redundante e perigosamente desculpabilizante. Devia fazer-se um discurso da afirmação dos fins. Com os meios que se tem, quais os fins que posso atingir? Quantos processos foram suspensos, no Porto, durante o ano passado? 46, num universo que ronda os 30 mil. Isto diz-nos algo sobre a nossa inércia.
O problema é que a estrutura judiciária é muito pesada e sem maleabilidade. É uma estrutura de ritos – ‘eu faço assim, porque sempre fiz assim’. Somos [Ministério Público] uma magistratura de iniciativa, mas não temos tido essa capacidade de, afirmando os fins, termos a iniciativa. Somos «vítimas» da rotina."

Alipio Ribeiro, Procurador Distrital do Porto, em entrevista ao suplemento Justiça e Cidadania de O Primeiro de Janeiro, 27 .3.06

Mais, muitas mais pedradas no charco ao longo da entrevista, a ler aqui.

Diário Político 16

Alto e pára o baile

O Dr. Eduardo Prado Coelho é um homem inteligente, um cronista eventualmente interessante e regra geral uma pessoa cordata. De vez em quando, para provar que toda a regra admite excepções, descarrila e diz uma asneira. Ou dá uma carga de pau num quiddam que disse umas burrices, o chateou ou até (é sempre possível) o ofendeu. É o caso desta segunda feira, dia aziago para todos e que já foi alvo de uma extraordinária critica por parte de Jacques Prévert. Convenhamos, a segunda é para a maioria das pessoas um dia de ressaca em sentido próprio ou figurado. Cada vez mais em sentido figurado, diga-se, que já há não bêbado sério que se enfrasque a um domingo. A menos, claro, que esteja triste ou que traga a borracheira dos dias anteriores. Nos tempos em que frequentava alguns sólidos bebedores a quem angelicamente muitas vezes levei a casa, havia mesmo um princípio: as pessoas de bem embebedavam-se à semana, deixando o fim da dita para os amadores. Em Coimbra os alcoólicos menos anónimos e mais contumazes emigravam para a Figueira durante a “Queima” para não assistirem às tristes cenas das cardinas encomendadas a frio pelos rapazolas que punham fita, grelo ou cartola. Outros tempos. Aliás, por acaso, numa dessas fugas para a praia da claridade (pobre Figueira que apodos lhe deram!...) dois conhecidos elementos da boémia coimbrã foram vistos a lavar a cara na igreja matriz na pia de água benta. Consta que foram perseguidos até à doca pelo padre, pelo sacristão e por duas devotas senhoras que possuíam uma loja debaixo do adro, com o extraordinário nome de Tulmar (livraria Tulmar, artigos religiosos e livros de devoção e formação para a mocidade... Foi nessa livraria que alguém, provavelmente o nosso amigo dr. MCR, terá visto em lugar de honra na montra, entre Bíblias e vidas de Santos, “La Semaine Sainte” de Aragon! ).
Mas deixemos estes prolegómenos e passemos à vaca fria. A propósito de uma festa jantarante participada, e por causa, por malta da geração de sessenta, EPC refere “ o por vezes pitoresco José Luís Nunes (a quem se atribuía a famosa frase: não me venhas com o argumento reaccionário de que é preciso ver um filme para falar dele)”.
Ora então pratiquemos: Conheci muito bem (fui mesmo amigo dele) o José Luís Nunes. Em Coimbra logo na primeira Assembleia Magna a que assisti no Outono de 1960. Era um excelente orador, um leitor prodigioso e culto, um cinéfilo avisado e um homem de coragem. Curiosamente apesar de ter um real dom de palavra, era um tribuno que tentava usar argumentos fortes mais do que chavões pseudo–revolucionários. Aliás, num tempo em que a esquerda estudantil tinha alguma dificuldade em conhecer os clássicos do marxismo o José Luís Nunes importava, sabe-se lá de onde, algumas das melhores e mais sérias obras dos “clássicos” e dos marxólogos mais interessantes de França (claro!). Em 1962, acompanhei-o num ataque à Torre da Universidade, cuja porta foi arrombada, para se poder ir tocar a “cabra” a rebate. Claro que o Zé, conhecido como era, foi rapidamente expulso para Lisboa enquanto eu, milagrosamente desaparecido da circulação (estava a banhos em Caxias, com mais umas dezenas de companheiros...) passei incólume se é que uma estadia por conta do Estado naquelas termas pode ser considerada benevolamente. O Zé acabou por se formar em Lisboa, depois de lá ter sido um dos tenores da oposição na faculdade. Durante o seu tempo lisboeta, no resto do curso e mesmo depois, o Zé fez parte de uma rede de “passagem” de clandestinos pela fronteira e de falsificação de passaportes. Um dos seus companheiros foi o Acácio Barata Lima, um dos primeiros militantes da FAP e do Comité Marxista Leninista Português, posteriormente preso e condenado a longos anos de Peniche. Era na casa que eles partilhavam, suponho que á Estrela, que se procedia á falsificação.
O José Luis Nunes regressou ao Porto e começou a advogar com inegável êxito. Todavia nunca deixou que a advocacia de sucesso lhe retirasse margem para a defesa de presos políticos (fomos colegas de barra em vários processos, nomeadamente de estudantes) ou para a intervenção política. Foi um dos fundadores do Partido socialista, participou em todas as listas da CEUD e interveio em todas as “frentes” culturais que a cidade oferecia: TEP, Cine-Clube, cooperativa Árvore etc... O resto do seu percurso é conhecido: deputado durante duas ou três legislaturas pelo PS, e depois um regresso à advocacia até morrer subitamente com um cancro, por volta dos sessenta anos.
Eu sei que haverá quem diga que “pitoresco” não é exactamente desprimoroso e que uma atribuição de uma frase imbecil não é uma acusação. De facto a frase na boca de um cinéfilo como o Zé ou é uma blague ou uma calúnia e muito invejoso havia capaz de a inventar e pôr na boca do Zé. Toda a gente sabe que o este fazia imensos esgares e coçava o nariz fazendo autênticas acrobacias. Claro que qualquer pessoa pode ser ridicularizada por características deste género, o Zé também arreganhava os erres (meu carrro amigo...) era vaidoso, ia para a praia de roupão etc... Provavelmente haverá quem seja capaz de me imitar, de ridicularizar modos, frases ou hábitos meus. O mesmo de certeza se passará com o Doutor Prado Coelho, seguramente. Alguma característica terá que, bem explorada, poderá ser alvo de brincadeira. Não sei se lhe chamarão pitoresco ou qualquer outra coisa.
Claro que estou para aqui a defender o Zé Luís do mau humor do Doutor Coelho quando provavelmente este terá sido suscitado por uma critica de um jornalista chamado José Júdice que terá comentado desfavoravelmente uma crónica de EPC onde este referia a ida ao aeroporto para ir buscar membros do governo como um grave trabalho dos senhores conselheiros culturais. EPC ao escrever aquilo decerto que disse a verdade mas terá de concordar que tal tarefa fez sorrir muito boa gente que, porém, não esquece que ele terá sido um esforçado membro da nossa embaixada em Paris. Mesmo tendo de ser, algumas vezes sem exemplo, um escort-boy.

A propósito: sempre que leio alguém a falar da geração de sessenta, vejo sem grande espanto que a reduzem aos estudantes de Lisboa. Eu que nunca fui bairrista ou “provincianista” anti lisboeta, anti elitista, sulista e liberal, gostaria de lembrar aos proprietários dos anos sessenta que no resto do pais também havia gente, a cantar as mesmas cantigas ou outras melhores, a sofrer na pele a repressão, a indignar-se, a fazer greves estudantis, a escrever, a arriscar-se. Às vezes mais do que muito actual referente dessa geração...

Vai esta para os amigos ainda vivos do Zé Luís Nunes que nunca o acharam pitoresco mas apenas um homem de bem, de cultura e de coragem (muita!)

d'Oliveira

RECTIFICAÇÃO NECESSÁRIA

Disse mais abaixo que ia à Casa da Música ver o concerto da Maria João e do Laginho. Mas tenho de acrescentar: e da Orquestra Clássica de Espinho, dirigida pela Maestro Cesário Costa. Que magníficos arranjos, execução e entendimento com a voz. Para quando o registo discográfica deste feliz encontro?

26 março 2006

Dá que pensar, não?

Notícia PD: Cristão escapa à morte por «incapacidade mental» - Supremo Tribunal afegão interrompeu processo do muçulmano convertido ao cristianismo



O Supremo Tribunal afegão decidiu interromper o processo do muçulmano convertido ao cristianismo, que se arrisca a ser condenado à morte por isso, levantando-se agora a hipótese do arguido ser libertado por «incapacidade mental».
«Os parentes dizem que Abdul Rahman não tem todas as suas capacidades mentais, que ele é louco. Ele próprio diz ouvir "vozes estranhas na cabeça". Remetemos o processo para o procurador-geral para uma investigação aprofundada», disse o porta-voz do Supremo Tribunal, Wakil Omari.
Abdul Rahman, 41 anos, foi detido há três semanas em Cabul por, há 16 anos, quando trabalhava no Paquistão, ter abandonado o Islão e adoptado o cristianismo, um acto passível da pena de morte, segundo a «charia», a lei islâmica em vigor no Afeganistão.
(...)
O caso tem suscitado intervenções ocidentais pedindo clemência para o arguido. O Papa Bento XVI pediu, sábado, ao presidente Karzai que agracie Abdul Rahman e, hoje, ao rezar o Angelus, no Vaticano, manifestou «solidariedade» com os cristãos «perseguidos pela sua fé», bem como com aqueles que vivem em países onde «a liberdade religiosa não existe».

Juízes: Martins bate Coelho

António Martins é o novo líder da Associação Sindical dos Juízes. Baptista Coelho perdeu. (Fonte Sine Die)

Lista A (liderada por António Martins) - 541 votos
Lista B (liderada por Baptista Coelho) - 525
Regional Norte
Lista B - 149
Lista A -147
Regional Centro
Lista A - 91
Lista B - 83
Regional Sul (a repetir)
Lista A - 290
Lista B - 290

Horas trocadas, poesia italiana e os anos da Ju

Nesta Sexta à noite achei que devia tentar adormecer cedo e tentar dormir tantas horas quantas pudesse, desde que acordasse a tempo de comer qualquer coisa e ler o Expresso à pressa e conseguisse estar às 6.30 horas da tarde na Fundação Eugénio de Andrade para ouvir a Maria Bochicchio (foto de O Primeiro de Janeiro), namorada do primo, numa dissertação sobre as perspectivas actuais da poesia italiana.
Adormeci. Acordei em sobressalto, por mim. A luz verde do relógio ali estava, cruel: 6.25 Horas! Lembrei-me da conferência da Maria. Raio! Lá se vai a fama da minha lendária pontualidade quase neurótica. Levantei-me de um salto, escorreguei no tapete e fui ao chão, meti-me sob o chuveiro para um duche rápido, como é que é possível ter dormido tantas horas seguidas, meu Deus, devo andar pior do que julgo e estou mesmo nos limites. Esfrego-me na toalha com vigor, abro a janela, o tempo não está muito mau mas já começa a ficar escuro, vá lá que não há muito trânsito, ponho-me na Foz num instante. Volto a olhar para o relógio de números verdes. 6.35! 6.35? Um fogacho de lucidez diz-me que alguma coisa não está bem, a começar por mim, que tenho sono e costumo ser pontual. Olho outra vez: 6.36! Sento-me na cama, olhar de esguelha para o relógio. 6.36? Que parvo, pá, são 6.36 mas da manhã. A conferência é só às 6.30 da tarde e são 6.36 da manhã, percebes? Daahh!
Volto a vestir o pijama. Um olho no sono e outro ainda desconfiado no relógio de números verdes. Adormeci. Dormi mal o resto do tempo, mas adormeci.
E às 6.30 da tarde, com os jornais já meios lidos, a pontualidade em pessoa estava na Fundação. A palestra correu bem. A Maria com o seu português adocicado (quatro anos em Portugal por um doutoramento em curso), levou-nos por uma interressante viagem por Eugenio Montale, Pasolini, Edoardo Sanguineti, Attilio Bertolucci, Gianfranco Ciabatti, Patrizia Valduga, Marco Berisso, Andrea Zanzotto, Giampero Neri, Amelia Rosselli, Giovanni Raboni, Alda Merini (uma história de vida alucinante entre a lucidez e a loucura) Fabio Pusterla, Antonella Anedda, Valerio Magrelli, Dome Bulfaro, Stefano Raimondi, e por aí.
Jantamos a seguir. No Oporto, ali ao lado. O melhor restaurante do Porto, diz o João, que andava há meses a ameaçar uma incursão. Bem. O melhor não digo. Mas certamente um dos mais bonitos e um sítio de pessoas bonitas. Já não pude seguir com eles o resto da noite, que tinha de passar ainda por casa da Ju que fazia anos. Não vim tarde para casa. Por falar nisso: que horas são? Ah, da noite, pois...

25 março 2006

HOJE É SÁBADO

Fiquei no Aeroporto não segui para S.Paulo. Com mais pena ainda depois de ter sabido da inauguração esta semana de um inexistente noutro qualquer sítio Museu da Língua Portuguesa pus-me a caminho da cidade a hora em que se cruzam os que se vão deitar e os que de lá vêm. Já andei nos dois sentidos mas hoje não ia nem vinha continuava. Pela aldeia que o tempo sequestrou entre o Chiado e a Assembleia da República onde havia de ir à procura d´O Poder da Arte que veio de Serralves fui vendo acordar os que ali encontram protegidas entradas de lojas sem seguranças que os enxotem mas que nesta aldeia não saúdam os passantes. Um pão ainda morno porque o caminho fez-me fome e um café numa locanda que fazia a agulha entre quem ia e quem vinha ajudou-me a fazer horas que estes locais do poder abrem tarde as portas. A Vanessa perseguia-me com o olhar trocista confortavelmente sentada dentro de um cartaz da dove o que este gajo faz por aqui.
Bom dia disse a menina ao grupo a que me juntei mas para mim já era mais boa tarde em frente a Barricades Improvisées de João Tabarra um objecto-vídeo que era uma seca mas a menina era bonito logo. Lá fomos atrás dela pelo Thomas Schüte pelo José Pedro Croft pelo Bruce Nauman pelo Gilberto Zorio pela Fátima Rego pelo Pedro Cabrita Reis pelo José de Guimarães pelo Gilberto Zorio pelo Pomar afinal por meia dúzia das cinquenta e sete obras que por ali estariam só percebi no fim ao ver o catálogo. Ora bolas se é obrigatória a visita guiada quem guia podia falar um bocadinho menos e levar os guiados a ver mais peças porque mesmo calada juro era uma boa companhia.
Felizmente encontrei no final daquilo tudo a Jacinta-day-dream e a Marisa-Monte-Universo-Ao-Meu-Redor a quem dei com todo o gosto boleia até Coimbra. Gostei de as ouvir lá falaram de coisas delas não interferi na conversa mas achei piada quando a Marisa se virou para a Jacinta e disse “quem foi que disse que é impossível ser feliz sozinho” e esta levantou a voz eu avisei-o “tens fome ou não te apetece mais/ meu amigo decide lá/ não sabes se odeias ou tens paixão/ um duche ou um banho de imersão/ mas diz-me se tenho ou não razão/ meu amigo decide lá”.
Vou convidá-las para irem comigo amanhã ouvir a Maria João e o Laginha à Casa da Música. Não sei se se conhecem.

estes dias que passam 20

Estarão a acabar os anos de chumbo, sangue e morte? A Espanha toda está suspensa de uma declaração de trégua permanente proclamada por três figuras encapuçadas com uma machada e uma serpente nela enrolada por trás. Ao fim de quase quarenta anos e mais de oitocentos mortos (na maioria absolutamente irrelevantes política, social e militarmente...) a ETA ou o que dela resta anuncia que vai parar. Não anuncia a sua dissolução, não anuncia o fim absoluto dos atentados e muito menos a suspensão da kale borroka mas apenas que para já não vai matar. O que já é muito. Muitíssimo. Mesmo que já tenhamos assistido ao mesmo filme. E assistimos, claro.
Vejamos se agora há uma situação diferente que nos permita olhar com mais optimismo esta declaração. Manda a verdade que se diga sim. Não só os tempos são outros mas é outra a sociedade basca, primeira vítima de cerco, ameaças, exacções e perseguições traduzidas num sobressalto de ruas pasto de desordem, de bombas em fábricas e empresas, de fuga de capitais, de milhares de pessoas obrigadas a viver numa perpétua prisão domiciliária, rodeados de guarda costas, para não falar em milhares de exilados bascos sobretudo intelectuais (e por todos Savater, Imanol Uribe ou o grande Agustin Ibarrola) obrigados a viver longe da sua terra que eles sobremaneira honraram.
Nos dois últimos anos a ETA perdeu, por prisão duzentos e setenta militantes, cada vez mais jovens, mais inexperientes, menos preparados politicamente. Este terá sido o motivo maior desta declaração. A ETA cada vez recrutava menos e recrutava pior. Em vez de políticos, pistoleiros. Nas prisões onde se agrupam os presos bascos desde há muito que se sabia que a fé abria brechas e o coração já se não alvoroçava à simples menção de Euskal Herria.
Nenhum agrupamento político clandestino com uma frente guerrilheira pode sofrer uma tal sangria de quadros ou um isolamento político tão forte como o que desde há muito pendia sobre a ETA sem que isso se reflicta na diminuição da sua base de apoio. E, de facto, quer a sociedade basca, quer os apoios internacionais desde há muito davam sinais de esgotamento. Politicamente a ETA não saía do gueto em que Batasuna estava. As organizações para-legais foram metodicamente dissolvidas pelos tribunais. Legalmente. O “santuário” francês deixou de o ser. Ainda há dois dias foi encontrado um importante arsenal. Meia dúzia de dias antes dois comandos clandestinos eram interceptados pela polícia francesa e rendiam-se sem usar as armas que traziam. E cada vez que caía uma célula independentista sucediam-se as confissões (impreparação ideológica) e descobriam-se redes internas e externas. E pior: descobria-se a constelação “legal” da ETA, tornando-a vulnerável primeiro e inoperante depois.
Tudo isto era previsível desde o momento em que a ETA se dividiu e, posteriormente, perdeu a sua fracção marxista. De facto com a dissolução da ETA politico-militar (os poli-milis) e a pacífica reintegração dos seus membros na sociedade civil espanhola, caiu o mais importante apoio de esquerda da ETA. O agrupamento era apenas um grupo ultra-nacionalista, reaccionário até dizer basta, alimentado pelas teorias obnóxias de Sabino Arana e seguidores, um pot-pourri de dislates xenófobos que só convencia ignorantes. É também aqui que residirá o lento declínio da organização no seu principal santuário, o pais basco francês.
Ultimamente era pacífico o entendimento de que a ETA subsistia para organizar atentados e cobrar um imposto revolucionário que por sua vez já só conseguia alimentar aquela actividade. Ou por outras palavras: estrategicamente a ETA estava (e está) condenada. Daqui até chegar á trégua ia um passo. Finalmente dado.

Uma segunda novidade agradável é o pedido do presidente da Argentina para que seja legalmente retirada a imunidade a cerca de quinhentos oficiais do exército argentino. Ora aqui está o que se pode chamar o princípio do fim de outra infâmia.

Diário Político 15



De troca-tintas está o mundo cheio


Justify Full

O Dr. Rebelo de Sousa entendeu brindar o país e o mundo com mais uma frase tão tonitruante quanto impensada. "Temos um Estado a apodrecer e um governo a levitar" terá dito o fogoso líder partidário referindo-se ao fecho "escandaloso" do parlamento durante a campanha do referendo.

O "Público" de 22 de Outubro resolveu pedir a um repolhudo grupo de individualidades um depoimento sobre tão terrível afirmação. Foi um fartote. Vejamos: os senhores drs Carlos Carvalhas e Octávio Teixeira recusaram-se a responder provavelmente por entenderem que o estado burguês é sempre podre ou o contrário, nunca se sabe. Claro que poderíamos supor que não respondem por julgar a questão ociosa mas se assim é não se percebe a razão de 99% das suas respostas aos jornais.

Dos que responderam faça-se um distinguo. De um lado há os adeptos do putativo levitante governo que entendem que o governo tem peso e gravidade suficientes para continuar a sua caminhada e do outro há os que aplaudem a severa condenação marcelista. No 1º grupo estão os Srs. drs Alberto Martins e Francisco de Assis e no 2º os drs Marques Mendes e Carlos Encarnação. Como nota original cite-se Assis que acha que é a liderança do PSD que está degradada mesmo que lhe repugne a ele Assis usar tal palavra que não obstante usa, e Martins para quem a frase de Marcelo tem laivos de tremendismo tanto mais que considera que "as perversões e corrupções na democracia vivem na clandestinidade..."

Martins ainda vai ter de me explicar como é que as perversões haviam de viver repimpadamente à crua luz do dia sem serem incomodadas sequer por um cabo de esquadra. E, já agora, porque raio está sempre a dizer tremendismo?

Os argumentos pro Marcello não melhoram a citação pelo que se não referem por mera economia.

Há ainda mais três preopinantes de diferente postura. O dr. Queiró acha que o Estado está a crescer demais mas esquece-se de nos informar se tal inflamação é ou não sinal de apodrecimento... O dr. Costa Andrade, "jurista", acha a frase hiperbólica e deixa um reparo ao dr. Rebelo de Sousa ao afirmar que se este a tivesse dito a sério deveria desde logo cortar o mal pela raiz usando o bisturi de que dispõe. Trocando por miúdos: Marcello nem as pensa!

Para o fim fica o melhor naco. O sociólogo José Luís Garcia (que gasta cerca de um terço do espaço reservado a todos...) diz:
a) os portugueses acham que a política é porca e
b) esperam que os políticos lhes dêem o céu na terra
c) assim mostrando que amam os ditadores como Cavaco (Silva)
d) 0 estado está tão podre quanto estava o italiano
e) Marcelo está contaminado por Portas e este, encurralado, diz mal do PSD
todavia
f) a lucidez (que já atingiu a cabeça de Sampaio) há-de surgir, que as elites já começaram a dar sinais de querer alterar a situação o que é natural visto que temos 24 anos de democracia e 17% de analfabetos e somos quem menos jornais lê na Europa (§ 4º do depoimento quase ipsis verbis)

Finalmente e dando mostras da sua vasta cultura política diz Garcia que com uma "procuradoria geral actuante e um jornalismo independente por cá aconteceria qualquer coisa" (como na Itália) por exemplo: a revelação de casos, como o de Giulio Andreotti líder do PSI que teve que sair do país".

Faço parte do grupo que entende que o direito à asneira deve ser mantido e tolerado desde que do seu uso, ou mesmo abuso, não resultem prejuízos para a comunidade. As opiniões penosamente redigidas por Garcia poderão revelar as debilidades dos ensinos da gramática e da sociologia ou só do seu autor mas isso apenas nos permite não as ter em conta.

Agora vir dizer que um conhecido dirigente da falecida Democracia Cristã Italiana foi líder do também sepultado Partido Socialista Italiano é que já é grave. Mas há pior: Andreotti vive em Itália e lá tem respondido a um par de processos que pretendem apurar se ele teve alguma ligação à onoratta societá e à execução de um jornalista de escândalos.

Quem está já condenado e, por isso fugido à justiça italiana é outro cavalheiro de nome Bettino Craxi, esse sim ex-secretário geral do PSI e ex-governante de Itália.

Parvoejadas como a comparação torpe entre Fidel e Cavaco fazem com que um anti cavaquista como eu se arrepele. Tontices pseudo-culturais sobre a visão estereotipada da política avocada (?) por alguns portugueses temperada com uma referência ao Sul e ao Mediterrâneo fazem um ateu começar a rezar para que o Espírito Santo desça e ilumine a cabecinha do senhor Dr. Garcia.

Roga-se em consequência ao "Público" que faça justiça a esse robusto talento e o transfira para a secção de anedotas.


Outubro de 98

nota: eu tinha prometido ao Dr. Coutinho Ribeiro um texto a propósito do dr Luis Filipe Meneses mas ainda ando à procura dele nos arcanos do meu computador. De vez em quando (ontem, por exemplo) vejo-o vivo e de saúde mas quando vou por ele o malandro esconde-se. Mas eu encontro-o se Deus quiser.

UMA SUGESTÃO MUITO AGRADÁVEL E DESPRETENSIOSA











Nota: e baratinha (6E, na Fnac).

Desenho


Desenho o teu nome de cor

com o lábios.

Escapa-me da boca
quando não espero.

Desenho palavras com a pena

- a mesma que inscreveu
meu percurso em ti -
à sombra de árvores antiqüíssimas,
feito chama a escrever um caminho
veloz

na ravina que arde.

Tudo que faço é desenhar o sonho.
Tu não sabes.

Silvia Chueire

24 março 2006

Factos

Factos são factos e neste caso são tristes: segundo as últimas notícias, desde há sete anos que Portugal tem vindo a afastar-se da média europeia. Estamos em 18º lugar na lista dos 25 da UE. Alguma coisa falhou. Eu falhei, vocês falharam, mas alguma coisa me diz que a culpa não é sobretudo nossa. E, uma de duas: ou estamos atrofiados por um qualquer destino, ou estamos a ser enganados por quem tem o dever de nos governar. Não falo do actual governo. Falo de todos os governos que, nos últimos anos, teimaram em atirar-nos para a cauda da Europa. De uma Europa que, por sua vez, se arrisca a cair para a cauda do mundo.

Dizem as notícias: um imenso de arsenal de armas foi apreendido. Armas de guerra pelo meio. Polícias pelo meio. Não, claro que Portugal já não é um país de brandos costumes. A criminalidade violenta cresce a olhos vistos. Os gangues violentos crescem como cogumelos. Instalou-se a insegurança e atirar aos polícias tornou-se uma coisa banal. Para onde vamos? Há dias, um amigo magistrado dizia-me que gostava mais do crime, mas que está melhor na família. Por uma questão de segurança. Percebo-o melhor, agora. Por este caminho, não tarda que os próprios magistrados passem a ser alvos dos criminosos.


A baixa do Porto está inundada de estrangeiros. Vá lá, não me chamem xenófobo. Não, não é cosmopolitismo. O que se passa, é que são estrangeiros que se plantam à entrada dos prédios, garrafas de vinho na mão, insistentes a pedir dinheiro e cigarros, ar ameaçador e a fazer sabe-se lá o quê, atraindo indígenas da mesma estirpe para o grupo. A polícia? Sim, do lado de lá da rua preocupada com multas de estacionamento.


Não ando muito satisfeito com isto, é verdade.

“Novas Fronteiras do Direito"

Seminário Temático - ISCTE
Avenida das Forças Armadas, Lisboa (Sala 325 - Ala Autónoma)

Coordenação: Profa. Doutora Maria Eduarda Gonçalves, Prof. Doutor Pierre Guibentif

O Seminário Temático realiza-se no âmbito do Mestrado “Novas Fronteiras do Direito” do ISCTE. Dirigido para os alunos do mestrado, o Seminário é aberto à participação de outros interessados.
***
18.00 h
***

29 de Março

"Categorias políticas de Antigo Regime. Um ensaio de antropologia do imaginário jurídico", por António Manuel Hespanha, Faculdade de Direito da UNL

5 de Abril
“O Tribunal Penal Internacional como precursor do novo direito internacional"
, por Paula Escarameia, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas; Membro da Comissão de Direito Internacional da ONU

3 de Maio
“Que justiça para o século XXI?”
, por Conceição Gomes, Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, Centro de Estudos Sociais, Coimbra

10 de Maio
“O sistema prisional em Portugal”, por Conceição Gomes e Madalena Duarte, Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, Centro de Estudos Sociais, Coimbra

17 de Maio
“Observatório permanente de legislação portuguesa: balanço de uma primeira etapa do seu desenvolvimento”
, por João Caupers, Marta Tavares de Almeida e Pierre Guibentif

24 de Maio

"O segredo da desigualdade social: a tolerância societal às desigualdades?", por Manuel Villaverde Cabral, Instituto de Ciências Sociais, UL

31 de Maio
“Justiça e eficiência como fundamentos dos Julgados de Paz”
, pela equipa do ISCTE/DINÂMIA que realizou, para o Ministério da Justiça, um estudo sobre o alargamento da rede de julgados de paz em Portugal

Teclado

Gosto de te ouvir, tu debruçada sobre o piano num vai-vem suave e dos teus esgares cheios de graça a cada movimento e eu mais ou menos parvo, indeciso sobre o que tocas, que eu sei pouco disso e de quase todas as coisas, mas gosto de te ouvir, sentado no meu silêncio a dois passos, nada menos que dois passos, para não perturbar o suave correr dos dedos pelo teclado. Branco e preto. É assim que são os pianos, isso eu sei, já sabia antes de ti, que eu nasci antes, antes de mais, tanto mais que não ouso. Às vezes perco a música sem me perder na música e prendo-me nos teus dedos, os teus dedos longos, dedos que nunca beijei, eu que só um beijador militante de dedos, porque gosto de dedos, dedos longos, sim, como os teus.
Às vezes deixas correr os dedos e olhas para o meu silêncio sentado. Um olhar breve que me parece distraído, e eu sorrio um sorriso pouco menos que parvo, e olho a chuva que cai e imagino os teus dedos longos, esta noite, um a um, num princípio sem fim.

Contra Legem



Quando nasceu Portugal?

Quando Afonso Henriques foi proclamado rei, a seguir à batalha de Ourique em 1139?

Ou aquando da Conferência de Zamora em 1143, através do acordo com o Rei de Leão, de quem Afonso Henriques seria vassalo, que reconheceu a independência de Portugal?

Ou ainda através do reconhecimento pela Santa Sé, em 1179?

Independentemente da resposta, Portugal já “vivia” desde os fins do século IX.

Tem, pois, uma longa História. Bem como as suas Instituições. Como as Comarcas. As Comarcas que, por via de uma ideia peregrina, estão em risco de acabar no nosso País, sendo substituídas por uma (maravilhosa) “unidade de referência”, a qual terá um maior âmbito territorial.

Permitam-me que discorde. É tão só mais uma medida que vai contribuir para a crescente desertificação do interior do nosso País. As localidades que “são” Comarca, deixando de o ser, perderão importância, gente, movimento. O fluxo económico e demográfico diminuirá. Contribuirá tal medida para um declínio mais acelerado daquelas que serão atingidas.

Para além desta figura ser uma referência na nossa História. Estou a lembrar-me do cuidado que com elas teve o nosso Rei Dom Dinis.

Veja-se também a figura do Corregedor, antigo magistrado representante do Rei, com o cargo de administração local, que tinha jurisdição numa circunscrição judicial do País ou Comarca, “competindo-lhe essencialmente fiscalizar a aplicação da justiça e corrigir os abusos das autoridades judiciárias”...

No período do governo pessoal de D. Maria I, de 1777 a 1792, é dada ordem para ser realizada uma nova demarcação das comarcas do Reino. Uma nova demarcação, não a sua extinção!

As Instituições devem ser preservadas sob pena de, amanhã, sermos uma Nação vazia de conteúdo e sem Memória.

A própria Magistratura rejeita esta ideia.

A Associação Sindical dos Juízes já veio contestar esta reorganização, bem como a deslocalização dos Magistrados, argumentando que não podem ser considerados como “caixeiros-viajantes”.

Mas nada mais nos pode deixar perplexos. Se em Portugal estamos todos mais tristes, mais pobres, mais indefesos, mais humilhados…


Nota: foto do Tribunal de Bragança

RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO:

proposta de lei 56/X

Criminalidade Urbana e Violência

«O Departamento de Investigação e Acção Penal vai contar ainda este mês com uma nova unidade especial para combater a grande criminalidade na comarca de Lisboa, anunciou Teresa Almeida, procuradora da República naquele organismo, durante a Jornada de Reflexão sobre Criminalidade Urbana e Violência, organizada pela directoria de Lisboa da Polícia Judiciária.
“A unidade possui uma vocação distrital, tendo em conta os fenómenos que têm uma expansão territorial”, disse Teresa Almeida. O objectivo da nova unidade, que ainda não tem designação, é dar uma “resposta imediata e uniforme, sem disseminação de processos” para aumentar a qualidade de resposta.
Durante a intervenção no encontro, a procuradora apontou como “falhas” a “fragmentação da informação em círculos autónomos de que ninguém tem o conhecimento global e cruzado”.
“O tratamento burocrático do crime” foi outro dos “erros” apontados por Teresa Almeida, que considera existir “um uso excessivo de métodos invasivos de obtenção de prova e deficiente tempo de resposta”.»

Ler muito mais sobre o tema em titulo aqui.

23 março 2006

O dia do Crispim

Tomei cafés a mais ontem e a noite não foi boa, que o café já não me tira o sono mas enrola-se-me no estômago como uma bomba e faz-me doer e, para além disso, tinha um novelo no escritório para resolver sem saber muito bem como. Mas, pronto, está resolvido e agora seja o que Deus quiser.

A meio da manhã, na área de serviço aqui ao lado, um ice tea gelado (não gosto de ice tea, mas parece-me menos mau do que as coca-colas depois de noites azedas), uma sanduiche mista e um café, claro. O Público lido a correr no balcão e eu a reparar que o rapaz ao lado olhava, olhava... E eu lia. E ele, com ar sério: Você é o Crispim, não é?. Olhei. Eu, o Crispim? Não, desculpe, está a fazer confusão... Hum, Você é o Crispim! Fixei o rapaz, com ar divertido, o que lhe aumentou ainda mais a certeza e, Não, não sou o Crispim. Sou o Quim, até há quem diga que sou o Quing da Afurada, se quiser mostro-lhe o Bilhete de Identidade... Ora, está a gozar-me, eu sei que você é o Crispim., ele, seguro.

(O empregado da área de serviço, que até sabe o meu nome, ria perdidamente atrás da registadora)

Meu caro, por muito que queira, eu não sou o Crispim. Acredite que lamento. Mas não sou. Olhe, vou andando, bom dia, fique bem. E ele: Oh, eu bem sei que é o Crispim, está a gozar-me...

Presumo que o empregado lhe terá explicado que eu não sou o Crispim.

(E foi por isso, doçura, que hoje não te vi. Depois do episódio do Crispim, havia que desbobinar o novelo no escritório e eu precisava de tomar chás e estava com um mau aspecto tremendo. Aspecto de Crispim, pelos vistos.)


Fotografias

Desde que a Kami me ensinou a colocar fotografias, eu coloco fotografias, porque acho que fica bonito, o blog, fica bonito, mas há coisas que escrevo, que prefiro assim, sem imagens. Deixem-me pensar que as palavras valem mais do que mil fotografias.

O gesto longo de um beijo

Não, não vale a pena olhares-me nos olhos, que os olhos estão baços, inexpressivos, como os gestos, comedidos, e nem o sorriso me trai, aprendi a torná-lo inútil, que ele era traiçoeiro e tantas vezes me traíu. Talvez só as mãos me denunciem, porque ficam a mais no teatro e os bolsos são curtos e estão sempre cheios de papéis e eu tenho de colocar as mãos sobre a mesa, para que não vejas que tremem. E tu pensas que tremem por causa daquilo que exorbito, mas não é, não, não é, é por ti. É por ti.
Claro que ando preocupado. Tu sabes que sim, que eu digo as coisas, com um mimo de menino que não esconde o mimo. Preocupado, cansado e farto. Sobretudo pensativo. Sobretudo cansado. E farto. Já mostrei tantas vezes a ideia de que me apetece mudar de vida, mas sei que já não tenho vida para mudar, que o tempo é outro e eu já não tenho coragem e a minha vida é esta, esta, de aguentar os que querem que eu faça milagres que eu não faço. Nem sei (será que ainda quero?) fazer milagres.
Não. Nenhum desses milagres poderá salvar-me. O que poderia salvar-me era o gesto longo de um beijo, assim, como se fosse acaso o que nunca é acaso, e a tua voz calma a dizer-me que eu tenho lábios de bébé - quem me disse isto, que já não sei?
Vejo-te. De costas voltadas, no teu teclar silencioso. Como se fosse aqui, enquanto escrevo.

22 março 2006

A propósito da chuva…

Está a chover. Os meteorologistas anunciam que o tempo vai piorar. Ventos fortes, muita chuva para tranquilizar os governantes e o povo, que não precisará de fazer a respectiva dança nem de ir a Fátima pedir a dita.

O tempo está como a política. Com a diferença que o tempo vai melhorar. É seguro que vai melhorar. Enquanto que a política dá pouca esperança de isso acontecer.

Alguns jornais de hoje publicam grandes fotos do encontro de Sócrates com a vidente Fátima Felgueiras. Sócrates cumprimenta (beijo) Fátima Felgueiras, num gesto de cumplicidade antiga, dizem.

Pois é! Tudo se junta num compromisso infernal, medonho. Quem foi que pediu uma espécie de operação “mãos limpas”? Seremos gente para isso? Tornámo-nos mestres na arte de ludibriar, de contornar as normas.

Em Portugal uma operação “mãos limpas” acabaria certamente com os acusados a pedir indemnizações ao Estado. E o Estado acabaria por ter que as pagar, sem apelo nem agravo, até porque há sempre a ameaça do tribunal europeu.

É que, não se sabe porquê, neste País, os defensores dos acusados são sempre mais inteligentes que os defensores do Estado ou do interesse público. Ou então é a própria lei que está feita para desproteger o interesse público.

Recordam-se do célebre caso da vírgula? Dura há muito tempo a nossa formação na arte de bem construir o descrédito das instituições. Viramos especialistas no engodo. A maior parte das vezes, não importam as competências, o que conta é estar do lado certo, o que ganha.

E tudo isto a propósito da chuva, do tempo que faz. Amanhã outros encontros se darão, outros sinais mostrarão o sentido da queda. E assim será até que novas gerações decidam iniciar um novo ciclo, um pouco mais acima, talvez.

estes dias que passam 19

Boas notícias de Matosinhos
Pois é queridos bloggers, vocês que ficaram cheios de pena por não ter ido à Póvoa às "correntes de escritas" podem agora vingar-se. Em Matosinhos, aqui mesmo à beirinha, terra de peixe sumptuoso, aparecem estas primeiras jornadas de literatura e viagens, coisa que se pretende também anual. Ora toma!
O organizador é o incontornável Francisco Guedes, claro, o mesmo cavalheiro que há anos que dá o litro nas "correntes..."
Se isto for como nas ditas cujas há tempo para tudo desde copos a má língua.
Depois não venham dizer que não foram avisados.

PROGRAMA (Provisório)
Sábado — 22/04/06
11h — Sessão de Abertura — Salão Nobre Câmara Municipal de Matosinhos

15,30h — 1ª Mesa — “Adeus a Terminus :as fronteiras geográficas e as fronteiras da escrita”
Moderador: João Rodrigues
Ana Paula Tavares (Angola)
António Sarabia (México)
Jacinto Rego de Almeida


18h — 2ª Mesa — “Que faço eu aqui?” (Rimbaud)
Moderador: José Carlos de Vasconcelos
Richard Zimler (EUA)
Xavier Queipo (Galiza)
José Eduardo Agualusa (Angola)


Domingo — 23/04/06

15,30h — 3ª Mesa — “Da Ilha do Tesouro à Peregrinação
Moderador: Manuel Alberto Valente
Fernando António Almeida
Ramiro Fonte (Espanha)
Santiago Gamboa (Colômbia)

18h — 4ª Mesa —“As viagens formam a juventude
Moderador: Ana Isabel Mineiro
Álvaro Siza
Francisco José Viegas
José Manuel Fajardo (Espanha)

2ª feira — 24/04/06
15,30h — 5ª Mesa — “Viagem em volta de um livro
Moderador: José Manuel Dias da Fonseca
Patrick Deville (França)
Manuel Jorge Marmelo
Vergílio Alberto Vieira

18h — 6ª Mesa — “Porque deambulam os homens em vez de estarem quietos?”
Moderador: Marcelo Correia Ribeiro
Olivier Rolin (França)
Ondjaki (Angola)
Alexandre Quintanilha
Mia Couto (Moçambique)


Como vêm este vosso criado também terá que dar ao pedal no dia 24 de Abril. Há muitos anos, também estava como vai estar: um nervoso miudinho, uma tresloucada esperança (será desta...) e um sólido apetite (sabe-se lá se isto não dá tudo em nada e ainda vai um gajo dentro com a barriga a dar horas...).
Permitam-me uma historieta mais verdadeira do que o costume.
Há ainda mais anos, ou seja em Maio de 1962, um grupo de rapazolas (onde se incluia o próprio e o fatal Anto) ocuparam as instalações da Associação académica de Coimbra no decurso de mais um protesto gerado na crise académica de 62. Foram obviamente presos e levados para um quartel da Guarda Republicana onde foram identificados.
Depois comecaram a ser chamados alguns deles para seguir para destino desconhecido mas seguramentre poucoi agradável. quem estas escreve, com a argúcia que o caracteriza, o fatalismo que sempre o acompanha. e a pouca sorte que nestas coisas sempre lhe caiu em cima, resolveu dar uma volta á sala de tal modo que quando foi chamado demorou um pouco a chegar até á triste fila dos futuros presos.
Depois foi ese grupo (quarenta estudantes) levado para o forte de Caxias onde passariam um pequeno período de reflexão obrigada e obrigatória a expensas do Estado Novo.
Uma vez chegados a essa sinistra cadeia, um agente da PIDE notório e provocador, de nome Figueiredo, chegou-se a este vosso amigo e disse-lhe sibilino: você aqui vai ter muito por onde passear.
Claro que era mentira. Tempo tive bastante mas oportunidade nicles. Fomos metidos numas celas e por lá vegetámos todo o tempo da nossa penitência. Como veem o mote da mesa que vou moderar não podia ser mais certeiro.

Dos Neo-Liberais: Públicas "Virtudes" - Vícios Privados.



Vem relatada, no suplemento de Economia do “DN” e no “Jornal de Negócios,” a prescrição de uma (colossal) dívida fiscal respeitante a rendimentos auferidos por António Carrapatoso em 2000, a qual teria de ser notificada ao mesmo até 31 de Dezembro de 2004. Mas a liquidação só foi feita em 2005, portanto, fora do prazo legal.

Face a esta liquidação fora de tempo, o Presidente da Vodafone limitou-se a apresentar uma reclamação “graciosa,” sustentando, a título principal, a caducidade do direito à liquidação por parte da Administração Fiscal.

E, à face da Lei, até tem razão!

Mas trago aqui à colação o facto deste senhor, membro da associação “Compromisso Portugal,” que se reivindica de constituir uma “iniciativa da sociedade civil virada para o debate de um novo modelo económico para o País”, e de ser constituída por uma geração auto-intitulada de “neo-liberal”, que culpa o Estado de todos os males que assolam o tecido social, ter afirmado, entre muitas coisas, que “Nós, empresários, gestores, temos mais condições à partida para pressionar a sociedade para a mudança. Não só o governo, mas toda a sociedade”.

Eu diria que até têm capacidade para pressionar o Estado... a não agir contra eles claro!

O caso tem contornos algo rocambolescos, que configuram um certo “zigue-zague” (também gosto de eufemismos...) aos deveres fiscais.
É esta falta de solidariedade que critico e que me choca.

Se os membros da nossa sociedade não contribuírem, com seriedade, para o bem-comum, é óbvio que o Estado não poderá redistribuir a riqueza pelos mais carenciados.
E depois venham dizer que a Segurança Social está falida. Pudera! Com “ajudas” destas...

Image hosting by PhotobucketPor algum motivo se diz que a Justiça é cega, pois que não vê o seu próprio descrédito.

impressão digital

Ah, se eu pudesse ter a tua tranquilidade, tocá-la quando acordo, rafeiro, tu ali enrolada ao meu lado, enrolada em mim, os olhos semi-abertos, os teus e os meus, perguiçosos, esquecidos ambos do que é impossível, e, a seguir, despertos, ambos despertos na perguiça quente e sonolenta, e eu pudesse dizer É tarde!, e tu pudesses dizer-me Só mais um bocadinho, e eu ficasse nesse bocadinho que é tanto, e, depois, fôssemos ambos num abraço clandestino à procura de de um tempo em que já nada é clandestino, de mãos dadas, ler o jornal à pressa num café à pressa, eu já não diria as coisa tolas que digo, quando me vês, olhar desvairado, o olhar cansado, as palavras trémulas, os ombros caídos de quem desiste mas persiste. E voltaria a ser o falcão azul, sei lá se há falcões azuis, mas seria o falcão de asas largas que voa sereno de olhar atento ao teu passo largo. Olha, chove lá fora. Tu não vês, eu sei que não vês, mergulhada nos teus papéis, olha, é uma chuva miúda à moda do Porto, tu mergulhada nos papéis à procura do génio que te prometeram e que não sabes se existe, que o génio é frágil e a chuva é miúda e o génio está cansado. Cansado.

Chove lá fora e aqui é frio, frio de tudo. Ouço os teus passos e a firmeza dos teus passos largos e silenciosos ali tão perto e encosto a cabeça ao vidro da janela descolorida, descolorida de ti, e olho a rua vazia pelas quadrículas pequenas e ponho o dedo no vidro e fica ali a marca do dedo no vidro.

Impressão digital. Quando saio. Impressão digital. Ali. Condensada. Rugas do cansaço que é cansaço e é de desesperança e que eu apago num gesto tosco, rápido e fugidio, a lembrar-me das tuas palavras pesadas, calculadas, pausadas de quem já escolheu o caminho, um caminho que não me engana e não te engana mas que é caminho, que a vida não está para amores, a vida é assim, é feita de caminhos fáceis se possível, que a vida é um contrato e o amor é coisa de tolos que gostam de poesia.

Ah, se eu pudesse ter a tua tranquilidade quando ameaço ir dormir, rafeiro, tocá-la antes de dormir, antes de dormir em ti... Esta manhá seria o homem novo dos amanhãs que cantam.

21 março 2006

Lisboa, 22 de Março de 1922: Quando aqui morava a aventura...


Em Lisboa, a 22 de Março de 1922, Gago Coutinho e Sacadura Cabral iniciaram a Travessia Aérea do Atlântico, rumo ao Rio de Janeiro.
Gago Coutinho afirmou o seguinte:

Nós não fomos heróis. Usámos manhas de geógrafos, que se orientam pelo sol e pelas estrelas...

... eu sou um homem de café. Em toda a minha vida sempre fui simples. Quiseram fazer de mim uma outra pessoa quando do voo ao Brasil em 1922. Juntaram-nos no mesmo nome: Coutinho-Cabral, mas Sacadura era o chefe e o trabalho foi dele quase todo.

Do nevoeiro virá, talvez um dia, o nosso D. Sebastião. Mas foi através do perverso nevoeiro que desapareceu Sacadura Cabral, restando apenas alguns destroços do avião. Destroços. Tal como a Pátria.

No dia da Poesia, a Pátria (que já foi romântica...)


PÁTRIA

Foste um mundo no mundo,
E és agora
O resto que de ti
Já não posso perder:
A terra, o mar e o céu
Que todo eu
Sei conhecer

Foste um sonho redondo,
E és agora
Um palmo de amargura
Retornada.
Amargura que em mim
Também nunca tem fim,
Por ter sido comigo baptizada.

Foste um destino aberto,
E és agora
Um destino fechado.
Destino igual ao meu, amortalhado
Nesta luz de incerteza
E de certeza
Que vem do sol presente e do passado.



Miguel Torga, Coimbra, 28 de Abril de 1977

(in Miguel Torga, "Poesia Completa" , Dom Quixote, 1ª edição, 2000).

Porque é Dia Mundial da Poesia



cresce-me das mãos

cresce-me das mãos o poema.
não sei bem como acontece
a transformação do olhar
num abismo de interrogações
sobre as pernas da vida:
onde nos levam?

as palavras nascendo
a carregarem-me o sonho,
a fazerem-me mais do que sou.

e sonho porque sou mulher,
porque sou humana sonho.

e caminho entre a morte
e a paixão como se fossem terrenos conhecidos.
são estas palavras a surgirem-me das mãos,
esta loucura mansa
a desorientar-me.

já não sei se sou eu, se sou elas,
e me amedronto e rio e caminho pelas ruas
cantando amorosamente.
olhando ternamente as nuvens, a cidade.
e me apaixono pelo mundo,
e o dia se levanta sem que a vida perceba.

vem a noite invadir os corpos, as casas.
as casas precárias.
e vozes precárias murmuram,
não sabem falar,
o amor é-lhes interdito?

mas o poema sai-me das mãos,
diz bom dia ao meu amor
que já não sabe.
e dirá depois, boa noite.

lamento pelos que não sabem
ver a palavra, esta invenção atual
e a sua antiquíssima existência.


lamento pelos que não vêem
o amor, a invenção dele a cada minuto,
sua história, remota como homens e mulheres.


lamento pelos que não sabem o beijo
a cantar nas nossas bocas e línguas,
a caminhar pelos corpos,
e nos ressurgir nos dedos :
poema.


silvia chueire

Dia da Poesia

Nesta noite de chuva resolvi passear pela Margem Esquerda do nosso companheiro Primo de Amarante, mais conhecido por Compadre Esteves. Eis que dou de caras com o poema de Alberto Caeiro, que deu origem ao meu nome de estimação aqui no Incursões. Não consegui deixar de reproduzi-lo. É um belo poema, para acompanhar os dois belos poemas deixados aqui pelo MCR e Rui do Carmo. Obrigada por nos trazerem poesia. E é bem precisa, para atenuar pesadelos como o absurdo Iraque e seus Associados e Patrocinadores.


O Meu Olhar

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...

Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...


Alberto Caeiro

Farmácia de serviço nº 18

Mensageiros das calendas vermelhas
1

Mensageiros
das calendas vermelhas

rosáceas roucas da voz
em sangue

na clandestina trave
dos ombros
o que trazem
são as armas

na crosta dos lábios
palavras de vento

vertidas sobre as cinzas
que há décadas ocultam
o secreto ruído de fogo

2

Um subúrbio de rumor
colhe de surpresa o peso
da boca as densas ferrugens

que a mulher aspira da noite
de colmo onde um homem se adivinha

Rumor avizinhando-se da manhã
do parco meio-dia das aldeias

Dos campos varridos de alvoroço
em abandono: os arados
à deriva
aproam a terra pelo dia

3

A garupa dorida das azémolas
pelas eiras e rossios
soldados da terra descem
com a monção de poeiras

4

Sem generais se sem nome
passa uma tropa suada

a lavra de cicatrizes
revelada
no mapa húmido das camisas

tropa de pés descalços
e de cavalos sem sela
derruba os muros
levanta os marcos

veloz que à espera
há casas queimadas
e mulheres captivas

5

Levíssimo no ar
um pano seco tenso
luminoso

saia rasgada ou blusa
contamina o vento
da mancha viva
de tijolo e sangue


6

Toda a cavalaria
percutindo as colinas
as pedras fundas da terra

de noite em noite
cavalos púberes
resfolgantes
usando as fontes da província

arcas
de granito im-
pregnadas do sal
crestado das narinas
onde os soldados
lavam o rosto

Cavalos negros ou nevados
com o cheiro a suor
à fêmea poção da pólvora

a poeira sangrenta
acumulando-se num cerco
ao perímetro marinho
dos olhos
apertados entre freios

inscritas pelo dorso
varizes de água
drenam
o fogo do solo


7

Cavalos a quem o tempo
apagou das ancas
rudes signos de posse

bravos arreatados
para uma guerra
soprando um ocre
sintoma a cio

Quem os arrebatou das fazendas
e dos quartéis vigiados
quem os leva pelos lugares
na marca visível
dos poços vazios

Quem os cavalga de brisas
tocados pela surda
gangrena das esporas



Luis Guerreiro, Guia de salto, Centelha, Coimbra 1974 (poemas de 1966.1967 e 1968 publicados primeiramente em Vértice)

Transcritos por mcr para o dia mundial da poesia em 2006. Mais notícia em comentários.

Sermão com humor

O “Expresso” desta semana publica uma curiosa reportagem, intitulada “Sermão com humor”, que relata a maneira como o Conselho Executivo da Escola Secundária de Marco de Canaveses procura comunicar com os alunos nas matérias mais sensíveis e delicadas. Retira-se dali que os seus responsáveis tentam humanizar a escola e a relação com os alunos, procurando quebrar barreiras e envolver toda a comunidade escolar numa partilha de valores comuns.
Não sei se o tom é o mais eficaz e não sei se, naquela situação, o faria da mesma forma. Mas gostei de confirmar as notícias que me tinham chegado anteriormente, referindo que a Escola Secundária de Marco de Canaveses caminha no bom sentido, com uma taxa de aproveitamento muito positiva no terceiro ciclo e no secundário.
A Escola Secundária de Marco de Canaveses foi a minha segunda casa entre os 12 e os 18 anos. Aí me formei, aí reforcei o gosto pela leitura e pela escrita, chegando mesmo a dirigir o jornal da escola, aí me iniciei nas lides políticas e associativas, integrando o Conselho Pedagógico e presidindo à Associação de Estudantes. Aí me lancei nos amores furtivos da adolescência e consolidei as bases daquilo que sou hoje.
No ano em que terminei o secundário, há mais de vinte anos, só dois alunos foram directamente dali para a universidade. Hoje, a realidade é bem diferente e fico feliz ao ver que a “minha” escola vai bem e parece estar entregue em boas mãos.

PRIMAVERA

a Primavera é como uma talvez mão
(que vem cuidadosamente
de lado Nenhum) compondo
uma vitrina, para a qual as pessoas olham (enquanto
as pessoas olham
compondo e mudando de lugar
cuidadosamente ali uma estranha
coisa e uma coisa conhecida aqui) e

mudando tudo cuidadosamente

a primavera é como uma talvez
Mão numa vitrina
(cuidadosamente para lá
e para cá movendo Novas e
Velhas coisas, enquanto
as pessoas olham cuidadosamente
movendo uma talvez
fracção de flor aqui pondo
um pouco de ar ali) e

sem partir nada.

Edward Estlin Cummings (1894 - 1926)
livrodepoemas
trad. de Cecília Rego Pinheiro
Ed. Assírio & Alvim

Para distrair e para que vocês conheçam melhor o carnaval

Carnaval II


Tomar o metrô. Saltar no centro da cidade. As fantasias cuidadas, os chapéus - mais que chapéus enfeites de cabeça formando o conjunto com as “asas”, compondo os “esplendores” que nos emoldurarão os rostos, os corpos – carregados carinhosamente no colo para a avenida.
Saltar no centro da cidade, todos reunidos no mesmo trem, passistas, percussionistas, membros de quaisquer alas de escolas de samba, reunidos num rio de gente, a dirigir-se para o sambódromo.

O Rio é das cidades mais perigosas do mundo, dizem as tvs e os jornais. Das mais violentas, as rajadas de metralhadoras e os tiros cobrem suas ruas como um manto mortal.

Saímos do metrô nadando num rio desarmado de armas e sorrisos agressivos, ao contrário, palpava-se no ar a solidariedade, a compreensão amistosa da tarefa, da expectativa.

Chegar à concentração, o lugar onde nos reunimos, para que a escola se organize em alas conforme o enredo do ano. Conforme a história que pretendemos contar ao longo do desfile, em música, fantasias, harmonia, exaltação e eficiência, vozes e raça.

Pois bem, estávamos há algum tempo na concentração conversando. A concentração acontece na ruas que ficam fechadas ao trânsito, logo perto do Sambódromo. É o o lugar de organização e paradoxalmente lugar de descontração. Reúne pessoas que se conhecem e pessoas que jamais se viram antes. É a hora da cerveja de última hora, de conversarmos, conhecermos as pessoas que dançarão conosco buscando a vitória da escola. Ali ensaia-se o samba – “você já o sabe de cor? tem certeza?” – e alguém sempre leva a letra para que os esquecidos nunca esqueçam, precisamos cantar sem errar, sem “atravessar” o samba, a canção na boca de todos. “Atravessar” é um pecado mortal, nos alija do paraíso das escolas de samba, a Marquês de Sapucaí. Atravessar é o desencontro sonoro mais grave, parte da escola a cantar um trecho do samba, enquanto outra parte está cantando um outro e a canção se embaralha no ar. Assim repete-se a letra na concentração e depois os olhos e ouvidos estarão atentos aos diretores de harmonia que percorrem a escola cantando durante o desfile para não perdermos o fio desta meada quando o carro de som ou a bateria não estiverem tão próximos de nós.


Éramos um pequeno grupo de amigos no meio do grupo maior da ala. portávamos, nós as mulheres, uma fantasia que tinha um belo esplendor
preso às costas por um arame grosso encapado com espuma de tecido macio. Neste ano a escola tinha mais componentes que no ano anterior, algo em torno de 4.500 pessoas, o que fazia com que o espaço da concentração ficasse algo apertado, digamos . De pé na rua conversávamos, ríamos, bebíamos, fazíamos novos amigos, dividindo a alegria e a excitação de “daqui a pouco é a nossa vez”, na antecipação do início do desfile.

Entra na concentração um carro alegórico muito grande, o que nos apertou um tanto, de modo que ao nos movimentarmos, ou caminhar as fantasias enrascavam nas outras. Há que tomar cuidado com isso quando o espaço diminui. Mas a escola precisa dos carros alegóricos.

Ao meu lado uma das minhas irmãs ansiosa pelo começo do desfile – era sua primeira vez – volta-se para mim e diz : ai, estou me sentindo estranha, acho que vou desmaiar. Minhas duas irmãs, que são gêmeas, eventualmente têm pequenas lipotímias, isto é, quedas da pressão arterial. Aprendemos eu e meus irmãos a reconhecer os sintomas, a palidez, o suor frio, e respeitar quando elas nos avisavam. Elas sabiam bem como tentar evitar o desmaio. sentar-se, abaixar a cabeça e mantê-la perto dos joelhos.

Mas ali estávamos numa ala de umas cem pessoas, o carro alegórico nos dera pouco espaço e percorria a todos a mesma excitação, de modo que ao ouvir o que ela disse, apenas perguntei, esperando que não fosse verdade :
- O quê ??
- Acho que vou desmaiar, estou me sentindo fraca, repetiu. Acho que o esplendor está um pouco apertado, não sei.
E eu retruquei entre o sorriso e a seriedade :
- Nem pense nisso, aqui não tem espaço nem pra você desmaiar ! Pode ir respirando fundo, pra ver se melhora.
E ela repete :
- Silvia, acho que vou desmaiar mesmo.

Agarrei-a pela mão e saímos do meio da rua da concentração para perto da calçada onde ambulantes vendiam cervejas em caixas de isopor com gelo. A um deles eu pedi :
- Moço, por favor, me arranja uma pedra de gelo para a minha irmã aqui, que está se sentindo mal ?
O engraçadinho me responde :
-São dois reais.
- Dois reais ?! eu repeti indignada. Mas que absurdo!
- Olhe aqui, continuei, vou lhe dizer uma coisa só. Você está me cobrando por um pedaço de gelo, não é? Pois bem, vou pagar pelo gelo. Mas atenção, eu sou médica e um dia desses eu e você vamos nos encontrar numa emergência médica de um hospital desses, e aí conversaremos. Tá certo?
- Queisso, moça. Eu tava brincando, pode levar o gelo, é de graça. A senhora é médica, é? e ao mesmo tempo foi me entregando uma pedra de gelo.

Disse à minha irmã que se sentasse num pequeno caixote que eu vira junto ao meio fio, e que esfregasse o gelo nos pulsos, mantendo a cabeça baixa. Ela se sentou, e assim fez.
Ao mesmo tempo ouço a bateria da escola começando, com aquela força que se sente ao sair do silêncio de percussão para mil tambores, bumbos, tamborins, cuícas, pandeiros, a tocarem, vibrando nos nossos estômagos. Arrepio. Voltei por um minuto a cabeça na direção da bateria, como um hábito de confirmação e para ver se começara o movimento das alas, o início do desfile . Ao olhar novamente para a minha irmã, notei que ela não estava mais lá. E o rapaz do gelo me disse :
- Ela foi para o meio da ala.

Nossa ala começava a evoluir, cantando o samba daquele ano, já não havia volta, nem olhar para trás, e divisei os cabelos dela mais adiante uns dez metros. Depois foi o samba, a loucura da emoção nos pés, a voz afinada com todos, a avenida. Ah, a avenida onde a beleza da escola, sua alegria, sua vitória é nossa. Do nosso desempenho para o público e para o mundo depende a escola. Uma ou outra vez divisei o meu cunhado dançando por perto, e minha irmã sambando o que sabia e o que não sabia, mas acabara de aprender. Sosseguei e segui sambando, a alegria nos quadris, no sorriso e nos pés.
Meia hora depois, acabado o desfile, aproximei-me dela e perguntei sorrindo :
- Ora, mas quem diria...! Você não estava muito mal e ia desmaiar ali mesmo? Eu mal viro a cabeça a quando a procuro, sumiu? E depois foi esse sambar sem fim? Só te vi de longe, requebrando tudo que podia...
- Ah, Silvia, eu ia mesmo desmaiar, mas quando ouvi a bateria, não sei, me deu um “negócio” por dentro, uma emoção tão forte, o coração batendo com os bumbos na minha barriga, que eu sabia que tinha que ir, ia começar o desfile e a escola precisava de mim. E fui. Quando dei por mim sambava mais do que jamais sambei...E me olhou sorridente, o rosto, o corpo, encharcados de suor.

Nos abraçamos plenas de entendimento.


Silvia Chueire