31 maio 2005

A crise...

Por Francisco Teixeira da Mota, no Público de 27-5-2005

Para além da "crise da justiça" e da crise em geral que vivemos, há as decisões dos tribunais que vale a pena conhecer...
Uma das "estratégias" dos arguidos nos processos-crime é pedir a passagem de certidões das declarações das testemunhas prestadas em julgamento e que os incriminam para procedimento criminal. Intimida as testemunhas que já prestaram declarações e as que ainda não prestaram...
Mas, é preciso que se saiba, como o reafirmou o Supremo Tribunal de Justiça no passado dia 21 de Abril, que as declarações prestadas em juízo, por cidadãos na qualidade de testemunhas gozam de um especial protecção da liberdade de expressão...
A Joana era uma funcionária judicial que tinha muitos problemas de relacionamento com os colegas. A certa altura, foi-lhe instaurado um processo disciplinar. No âmbito do processo, na qualidade de testemunha, foi ouvido João, um juiz de direito do tribunal onde ambos exerciam funções.
E aí declarou que "... confirma que por várias vezes chamou a atenção do sr. escrivão para expressões e actuações menos próprias da sra. funcionária, Joana. Não pode agora confirmar quais, mas recorda-se de alguns tratamentos por "você" e de por vezes de má vontade no cumprimento do determinado." Recorda-se ainda "de duas boas funcionárias concorrerem para o Tribunal do Trabalho, por via do mau ambiente criado por aquela funcionária". "Para isso poderia concorrer o facto de a mesma ser licenciada em direito e por isso se julgar mais apta que as demais."
A dr.ª Joana não gostou das declarações do juiz e participou criminalmente contra ele, acusando-o de ter cometido um crime de difamação ao ter proferido aquelas afirmações. Mas o Ministério Público não a acompanhou na acusação por entender que não poder haver difamação na prestação de um depoimento num processo disciplinar, analogamente a um processo criminal, exceptuando se no depoimento houver uma consciente e intencional vontade de faltar à verdade.
O João requereu, naturalmente, a abertura de instrução, para evitar a ida a julgamento. Seria um absurdo: responder criminalmente pelas declarações que prestara, como testemunha e estando obrigado a falar verdade, em sede de um processo disciplinar, sendo certo que os seus depoimentos reproduziam a verdade do que sabia e eram, de resto, corroborados por outras testemunhas ouvidas no referido processo.
E o juiz de instrução deu razão ao João. Mas a Joana conseguiu, por questões processuais fastidiosas, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça pedindo que o STJ ordenasse a pronúncia e consequente sujeição a julgamento do João, já que a difamara.
Mas não teve nenhuma sorte. Os juízes conselheiros Simas Santos, Santos Carvalho e Costa Mortágua, desde logo, lembraram que "... o interesse público (e a lei) impõem que aqueles que são ouvidos em processo administrativo de natureza disciplinar têm a obrigação de se pronunciar, com verdade, sobre os factos que se encontrem a ser averiguados: a matéria respeitante aos elementos constitutivos da infracção disciplinar, e a personalidade da arguida, bem como todas as circunstâncias em que a infracção tiver sido cometida que militem contra ou a favor da arguida" e daí que, "exceptuados apenas os casos em que (se) falte conscientemente à verdade", é evidente que declarações, mesmo que consideradas, "objectivamente desonrosas" proferidas no âmbito disciplinar "... nunca poderiam ser puníveis, sob pena de ser impossível punir os funcionários responsáveis por comportamentos antijurídicos mais ou menos graves e assegurar a indispensável funcionalidade da administração e das instituições".
A liberdade de expressão, no âmbito de um depoimento prestado num processo disciplinar ou judicial, encontra-se particularmente protegida já que há um interesse da sociedade em que se possam fazer afirmações mesmo que "ofensivas". E que tais afirmações não possam ser puníveis, sob pena de se coarctar a circulação da verdade. Sendo certo que toda a verdade é a verdade possível...
Aquilo que João declarara no processo, para além de ser a "sua verdade" e ter o direito/dever de a exprimir, era, também, confirmado por outras testemunhas, inclusive uma juíza apresentada pela própria Joana, que revelavam a existência da conflitualidade entre a Joana e os restantes funcionários. E, assim, o juiz João não foi julgado. E a Joana, embora não tenha sido condenada como litigante de má-fé, pagou umas custas agravadas...

Constituição Europeia

DEBATE NA SIC NOTÍCIAS HOJE ÀS 22.30

Postal das Beiras

Aproveitando o feriado da semana passada, e acrescentando um dia de férias para fazer a “ponte”, parti à (re)descoberta do Portugal interior e da região beirã. Retornei ao Buçaco ao fim de mais de uma década para constatar que o Palace Hotel e o convento anexo precisam de uma intervenção profunda, o mesmo acontecendo com as casas existentes na mata nacional e para as quais se poderia encontrar uma finalidade que evitasse aquele abandono depauperado.
Atravessei o sul do distrito de Viseu e vivi a situação insólita de tomar um café em Santa Comba Dão em plena Avenida Humberto Delgado. Como é curioso e simpático este Portugal! Segui depois para o interior do distrito de Coimbra. Aí, em Tábua, dei de caras com duas lojas chinesas! O “progresso” chegara!
O destino, esse, era a pousada do Convento do Desagravo, em Vila Pouca da Beira, uma aldeia do concelho de Oliveira do Hospital. Mais um exemplo extraordinário de recuperação de um edifício, propriedade da Fundação Bissaya Barreto, que conheceu várias ocupações depois de ser abandonado como templo religioso. A quietude do local e a gastronomia valem a visita. Próximo da pousada há várias aldeias históricas e o Vale do Alva também merece atenção especial. Não muito distante, em Seia, descobri o Museu do Pão, um equipamento simpático que procura valorizar a importância do pão e que tem entre as suas valências um restaurante e uma mercearia de produtos regionais que fazem as delícias dos mais afoitos.
Um dado comum a muitas das cidades e vilas por onde passei: obras, muitas obras em ano de eleições autárquicas. Poderia ser diferente?

Norte 2015

Na passada semana, tive oportunidade de participar no seminário Norte 2015, uma iniciativa da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte subordinada ao tema “O desenvolvimento regional no novo horizonte europeu: o caso do Norte de Portugal”.
Este seminário foi a primeira grande oportunidade de participação pública num projecto que tem por grande objectivo definir, de forma aberta e concertada, uma estratégia de desenvolvimento do Norte de Portugal para a próxima década, contribuindo ainda para posicionar a região no debate nacional em torno do próximo período (2007/2013) de políticas à escala europeia e dos seus objectivos de coesão e competitividade.
Passaram pelo edifício da antiga Alfândega do Porto o secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, antigos governantes, muitos presidentes de Câmara, académicos, investigadores e quadros da região, todos preocupados com a crescente perda de competitividade do Norte de Portugal no contexto nacional e europeu e apostados em encontrar a estratégia adequada para tirar o máximo proveito do quadro comunitário de apoio que se encontra em negociação.
Alguns jornais destacaram a afirmação proferida pelo autarca de Arcos de Valdevez e presidente do Conselho Regional, Francisco Araújo, no sentido de que a região Norte é hoje a região mais pobre de Portugal e de toda a Península Ibérica. Esta conclusão, mais do que um anátema, deve servir para que toda a região se una em torno de um objectivo comum – o desenvolvimento solidário – de modo a que o Norte, litoral e interior, encontre as condições necessárias para consolidar uma estratégia territorial que permita um crescimento económico sustentado e a afirmação plena das potencialidades das suas instituições e pessoas.

estado da justiça

"elementos fundamentais para se apreciar das razões do estado da justiça que impera num país"

interessante contributo do juiz de círculo Joel T. R. Pereira, inserido no blawg Verbo Jurídico e amavelmente colocado também em comentário a post do Incursões - A pior Justiça da Europa -, onde o debate (a propósito de artigo publicado no último Expresso) prossegue, tal como prossegue neste post do juiz conselheiro Simas Santos, também aqui no Incursões (atentar também neste outro post de Simas Santos, sobre o STJ e o sistema de recursos, a propósito de "notícia" no DN).

Mais uma achega: o artigo de opinião ("Justiça Socrática") assinado pelo juiz desembargador Afonso Henrique C. Ferreira, também publicado no Expresso, pode ser lido no Ciberjus, neste post intitulado "Reforma da justiça: 14 perguntas à procura de uma resposta".

3 (três) apontamentos urgentes

1. A nossa justiça é a pior da Europa? Um pouco de contenção, por favoooor!
A nossa justiça, como o nosso ensino, como a nossa agricultura, como a nossa (minha) função pública reflectem um momento de insegurança e de angústia a que infelizmente, enquanto portugueses somos muito "propênsicos" como se dizia numa rábula televisiva. Saiam um pouco do ninho português, espreitem as outras televisões (inglesa, alemã, italiana, espanhola francesa, estão todas na tv cabo) e depois digam-me o que ouviram. O mal português é chutar para o lado. Uma coisa está mal, mas logo há-de aparecer alguém que em vez de corrigir a coisa, sei lá consertá-la, se põe a falar do sistema... e não conserta. Ou seja somos tacticamente revolucionários e estratégicamente inoperantes. Repugna-nos o reformismo, os pequenos passos, sonhamos com as Índias e nem sequer chegamos às Berlengas.Calma aí, malta: uma coisa de cada vez. Deixem-se do um passo em frente e dois à retaguarda. Isso estava bem como titulo de um folheto de Lenin mas, nos tempos que correm, não é aconselhável. Sejam mais rigorosos e menos exigentes. E não se esqueçam ( não nos esqueçamos, que eu não me ponho de fora) que o combate aos privilégios injustificados começa na nossa casa...

2. A Europa que diz não diz não a quê? Hoje o Vital Moreira (ó Vital desculpa lá eu ter-te chamado "Berlinguer" num conngresso do GIS sobre o Mediterrâneo!) vem dizer com clareza, honradez e farto conhecimento, o que tenho andado por aí a balbuciar em comentários avulsos aos textos dos meus confrades bloguistas, a saber:
a) a "constituição" é (com todos os seus defeitos) um travão ético e jurídico à deriva liberal e selvagem do actual sistema em uso na UE;
b) a "constituição" é o menor denominador comum possível num conjunto de 25 países com histórias e culturas diferenciadas que, vagamente unidos por laços económicos, necessitam de entravar a deriva autoritária da "comissão europeia" e do "conselho de ministros" que decidem sem precisar de uma legitimação do "parlamento europeu". Dar poderes a este é dar poderes aos seus eleitores por muito que isto custe a quem tem do voto uma noção ainda importada das críticas ao "cretinismo parlamentar" de má memória;
c) a recusa desta constituição não promete, sequer deixa adivinhar a aceitação de uma outra mais prudente, mais igualitária, mais democrática mais não sei quê. A recusa desta proposta manda-nos para trás, para o actual estado de coisas e fortalece os egoísmos nacionais, os receios xenófobos e o euro-cepticismo.

3) A Turquia: a Turquia, caríssimo Kilas (o mau da fita?) faz parte do "concerto europeu" desde há cinco séculos. Invadiu-nos. Também os gregos, ora essa! E os húngáros! e os indo-europeus e etc... Veneza para só dar um exemplo esteve em guerra com a Turquia um sem número de vezes. Quem eram os aliados desta última? Pois , duas vezes a França, outras tantas a Austria para não falar das republicas italianas concorrentes... O império latino do oriente soçobrou às mãos da Turquia? Sem dúvida! Como já por duas vezes soçobrara às mãos dos cruzados... E quando deu o último estertor será que algum europeu acorreu a defender os de Constantinopla? Está a ver?
Conheci muitos turcos nas minhas estadias na alemanha. Alguma vez falarei deles. Do seu laicismo... da cervejola bebida embaraçadamente...d a luta pela democracia etc... etc... Claro que na mesma Alemanha ainda se vêm mulheres de lenço negro à cabeça e trajes compridos. As mais velhas, regra geral. O que se não vê é integrismo religioso inflamado, como por exemplo entre algumas (só algumas, hem???) comunidades judaicas na Europa.

4) A Turquia ainda não entrou na Europa, essa península da Ásia como dizia, julgo, Valery. Primeiro há que digerir os que entraram. E os que batem à porta. E nesses estão a Bósnia ou o Kossovo, islamizados e, depois da guerra, vespeiros de integristas.

A gente continua, se quiserem. Mas ao som de Beethoven e Schiller, o autor do poema que ilustra a 9ª sinfonia ( Oh Freude...und so weiter). E ao som da Internacional, também, compadre Esteves, que eu ainda choro quando a ouço L'internationalle sera le genre humain! Humanos, porra, humanos e fraternos, por Deus, por Júpiter, por nós e pelos nossos filhos.

Viram o verde, manos? É que eu também sou portuga. Portuga, europeu e cosmopolita. E gosto!

Vosso, sempre mcr

Gaudeamus Igitur nº5 (como o chanel...)

DANNY le ROUGE CORA EM AMSTERDÃO


Os juristas, quando novos, são praticamente idênticos aos restantes mortais ou, pelo menos, fazem por isso. Na década de 70, tirante as cabeleiras que eram mais curtas e uma certa predisposição para gravatas discretas, esta verdade já tinha foros de cidadania mesmo - aliás, sobretudo - entre a tribu jus-comparatista que acorria à Faculdade Internacional para o Ensino do Direito Comparado. Apesar dos estudantes se recrutarem, apenas, entre licenciados, estes ainda não tinham adquirido os hábitos de compostura que, ao fim de meia dúzia de anos, soem usar os profissionais do foro e similares (conservadores, notários, professores e investigadores).

Chegou a acontecer que a professores que já tinham ultrapassado o seu milésimo aluno chumbado (mínimos olímpicos nessa época) lhes puxasse, inesperada e subitamente, o pé para a valsa, e fossem apanhados a portar-se como seres humanos, bebendo-lhe um par de cervejas a mais ou aviando, em festas mais adultas, um par de slows mais langorosos que um espreguiçar de Marilin Monroe. Atrevo-me mesmo, já que o vosso silêncio cúmplice me parece encorajador, a confidenciar-vos que me chegaram ecos de namoros breves mas fogosos dando todo o sentido a uma tirada do turinês Pietro Bruno que, numa noite inesquecível em Madrid, durante a sessão de Verão do curso de Instituições Europeias, me disse num sussurro que aquilo (e não o belo filme de Zurlinni) é que era uma "estate violenta". Assenti e prometi nunca contar à noiva, e minha actual comadre, as aventuras do desbragado lombardo numa Espanha delirante que celebrava os últimos estertores do generalíssimo: no fim de contas, e dado que a parceira era espanhola e adulta, aquilo poderia ser tomado como a abertura de mais uma frente de luta contra o franquismo.

Basta, porém, de considerações irrelevantes e entremos na historieta da jornada. Dentre os muitos que aportaram à sessão de Verão de Amsterdão distinguia-se pelo ar seráfico um suíço cuja única aventura que se lhe creditava consistia em ter estudado em Freiburg na Alemanha, longe da patria potestas, das vaquinhas leiteiras e das raklettes. Adimitimo-lo no nosso grupo a pedido da Renata B. que, com um desembaraço todo germânico, nos fez perceber que aquele verão era a última oportunidade que a vida dava ao Daniel de ser jovem. -"Se ele sai da Holanda como veio de Freiburg até o glaciar de Zermatt passa a ser mais interessante!"

Perante este aflitivo apelo, um suíço, mais conservador que o queijo fundido, passou a pertencer ao nosso grupo sob o eloquente apodo de "Danny le rouge" que, modéstia aparte, se me deve por inteiro. Nem vos conto a nossa ruidosa e bem humorada primeira excursão em Amesterdão com D-le-R a tiracolo. No bairro da lanterna corou nos primeiros dez segundos e quando saiu parecia um tomate bêbado. No Paradiso queria por força beber um copo de leite e às 11 da noite (e à 2ª cerveja) jurou que amava a madrugada. Esquecendo-se que a Renata não falava espanhol a Montse Poblet, veterana de todas as sessões, disparou-lhe docemente -"Mira, Nati, que tio mas cachondo ese rojito!". Nossa Senhora de Babel inspirou a alemã que soltou uns significativos acenos de cabeça e pediu, na passada, mais uma caneca.

Ao fim da primeira semana a educação sentimental de D-le-R atingiu o primeiro patamar: industriado por um dominicano ( da República Dominicana, claro, que este texto é laico até dizer basta...) bem disposto, o suíço tratava as ibéricas por "mona" e "guapa" e os cavalheiros germanófonos e pouco dados às línguas peninsulares por "pendejo". Tudo isto com imenso sotaque e mais corado do que uma lagosta suada.

Ía a sessão jus-comparatista de Verão a todo o vapor quando, e por mero acaso, aconteceu esperarmos juntos, na faculdade de direito, um elevador que nos transportasse até ao refeitório. Conosco, na mesma leva, estava o brejeiríssimo Jean-François Brégi. O elevador chega, abre-se e, dentro -Buda seja louvado - abrigava-se sob um chapéu de abas largas a mais bonita euro-asíática que me foi dado alguma vez ver. Com o sentimento de impunidade que o começava a ganhar e graças aos parcos dotes linguísticos que adquirira eis que o nosso sonsinho atira em francês legítimo - "Oh qu'il est mignon le petit chapeau!"

E agora, leitoras e leitores, agarrem-se. Então não é que a proprietária do chapelão se desfaz num sorriso grato e tórrido em direcção àquele maçarico mais vermelho que o ás de copas, lhe agradece o piropo, pergunta-lhe, num francês oriental, nome, origem e estado civil, declara-se apta a almoçar com o meia-leca em mesa recatada como se nós dois restantes nem sequer existíssemos ou, existindo, não passássemos de paisagem, e, ala que se faz tarde, levitaram os dois num voo vermelho e nupcial para fora da gaiola do elevador.

No dia seguinte, eurasiana a tiracolo, corando a destempo, Danny le Rouge comunicou-nos, com a doce determinação dos tímidos, que desistia da Suíça, da neutralidade, da Nestlé e das lições de espanhol. E pedia, em nome de uma antiga amizade de quinze dias, que assinássemos por ele nas aulas da manhã...


Gaudeamus igitur!


vai esta para a amável Madame Min e, se ela o permitir para os companheiros e amigos bloguistas que desconfiam da Europa que eu defendo. Que querem? A minha Europa é esta que aqui vou pintando com dois toques de nostalgia e de fantasia, farto que estava de pide, fado, futebol e licença para uso de isqueiro...

30 maio 2005

UMA OPINIÃO


«A ficção nacional respeita o que poderíamos designar como a 'idiossincrasia lusitana:' entra de mansinho, como quem não quer a coisa, e, se entretanto não abandonarmos a leitura, achamo-nos a páginas tantas no meio da primeira de 17 crises psicológicas do protagonista-narrador.»


Albano Matos. no DN 21.05.05 - transcrita no Expresso de sábado,28

Será ?
Obs.: estarei ausente até 8 de junho.Depois volto.

Diário da República

Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2005. DR 103 SÉRIE I-B de 2005-05-30

Aprova medidas com vista a adaptar o sistema judicial aos litígios de massa, a proteger o utilizador ocasional e a assegurar uma gestão racional do sistema judicial.

NADA SERÁ COMO DANTES...

"... se se confirmarem os resultados franceses. Está aberto o caminho a repensar-se a União de forma diferente da dos últimos anos, mais democrática, mais solidária, menos ambiciosa e mais prudente. Melhor para todos os europeus, melhor para a Europa."

Publicado por JPP às 09:10 PM (29/9/05)

Confirmaram-se...

29 maio 2005

Gaudeamus igitur nº4

DOIS NEO-ZELANDESES NOS ANTÍPODAS

Aqui vos digo solenemente: não sou de invejas. Alegro-me com os êxitos dos amigos e aceito com semanal serenidade que o totoloto saia a um qualquer desconhecido com mais sorte do que eu.

Este virtuoso retrato necessita, porém, para ser mais nítido e contrastado, de uma correcção. Há 20 anos consumiu-me, ligeira mas imperiosa, uma invejite benigna. Foram seus agentes dois cidadãos de Wellington, Nova Zelândia e que respondiam aos nomes de Philip Mc Cabe e Bryan Parker.

Para além de provirem dos antípodas -o que já não é pouco! - tinham um par de virtudes mais: jogavam rugby e eram portadores de pequenas tatuagens rituais maoris.

Diferenciavam-se um do outro porque o primeiro tocava violino e o segundo fumava cachimbo (esqueceu aliás um "Granit" "old Bryar" na minha casa). Guardo-o na escrivaninha, bem visível, a recordar-me que, em Deus querendo -e o totoloto idem- ainda os irei visitar naquelas ilhas.

Para estes dois leais súbditos de S. M. Britânica, sócios juniores de uma poderosa firma de advogados com escritórios em Wellington e Auckland, esta vinda à Europa que durou seis meses era (em 1973) a viagem!

Ora é sabido que uma viagem tem três momentos fundamentais : a preparação, a deslocação propriamente dita e a sua narração no regresso.

Do que os antípodas terão contado, finda a odisseia, nada sei. Da preparação apenas suspeito, mais do que adivinho, a alegre meticulosidade, os "baedeckers" compulsados com um rigor que os tratados de direito nunca terão merecido, e o labiríntico percurso pelos câmbios europeus que, nisto de "cacau" para extravagâncias quando se é (era em 73...) jovem, há que ter atenção por três! Mas a viagem, essa, e pelo que fui sabendo, obedeceu a dois requisitos fundamentais: fazer dois ciclos de direito comparado para justificar as bolsas angariadas e os seis meses de boa vida; visitar toda uma Europa mítica que eles só conheciam de romances e filmes.

E é isso que traz a estas torpes folhecas os compatriotas dos "All Black" . Sabe-se que, em Milão, ouviram uma ópera no Scala, que em Praga compraram sapatos, enquanto em Pest se atafulharam de borscht. Em Paris compraram perfumes para noivas, irmãs e mães.

Tudo isto é, não direi vulgar, mas normal. Todavia, o clou da excursão foi-nos revelado numa aula do professor Krutogulov, pró-reitor da universidade de Moscovo, excelente linguista mas profundamente conservador como acontecia, de resto com todos os membros da "nomenklatura" jurídica do leste e que nos deram aulas.

O professor K., como maliciosamente a Renata B. o baptizou, não suportava cabeludos. Verdade é que, mesmo naqueles tempos de excessos capilares, os jovens juristas distinguiam-se por um certo comedimento no tamanho da pilosidade craneal. Distinguiam-se é um modo de dizer, que os dois neo-zelandezes mais pareciam o Jimmy Hendrix em versão branca e loura.

O professor K começou por olhá-los fixamente na primeira aula; na segunda referiu, com elegante displicência, a norma de higiene que manda aparar a cabeleira; depois terá falado, sarcástica mas calmamente ainda, em piolhos e outras bestiúnculas do mesmo jaez.

A tudo isto, a esta maré enchente de soviética indignação, respondia um descontraído e ingénuo silêncio dos antípodas.

Mas um dia - há sempre um dia assim nestas historietas - o russo não se conteve e, dirigindo-se aos dois guedelhudos, disparou-lhes: "Quando é que os senhores cortam o cabelo ?"

-"Daqui a cerca de um mês!"

-"Mas um mês porquê?"

-"Porque estaremos em Sevilha!"

-"Sevilha??! Mas porquê Sevilha?" -rugiu o descontrolado pró-reitor.

Impávidos e com uma infinita paciência pela absurda ignorância eslava, o Philip e o Bryan responderam-lhe:

-"Por causa do Barbeiro de Sevilha!!!"


Gaudeamus igitur!

Por um prato de lentilhas

De acordo com uma sondagem publicada pelo C. P., o autarca do Marco de Canaveses, condenado a três anos de prisão suspensa em primeira instância (mais um dia e iria para a cadeia) por crimes de peculato e abuso de poder, obtém a maioria da tendência de votos na sua candidatura a Amarante. E os mesmos inquiridos, depois de apreciarem positivamente o desempenho do actual presidente da autarquia, Armindo Abreu, e o considerarem honesto, apenas lhe atribuem 20% das intenções de voto.
Dá que pensar os critérios dos amarantinos que foram sondados. No nosso imaginário, Amarante foi sempre uma terra de progresso e lucidez. A ela estão ligados escritores, poetas e artistas que fizeram Portugal grande. Como compreender (a não ser por obscurantismo) que se possa acreditar que o melhor candidato a uma autarquia é o que faz campanha eleitoral, promovendo passeios de helicóptero, pagando almoços e jantares e oferecendo dinheiro?!... Quem não entenderá que a factura de tudo isso será apresentada, logo que as eleições sejam ganhas?!... Para que serve a Educação, a Família, a Igreja e a Justiça, se a demagogia, o populismo e o escândalo que mancham a acção política levam vantagem sobre a honra e a dignidade?!... Será que as instituições funcionam normalmente, quando a honestidade é penalizada?!...
Além disto, a propaganda de A.F.T. apoia-se num embuste: o crescimento do Marco. Não há concelho que, nos últimos anos, não tenha crescido, mas o crescimento do Marco tornou-se num obstáculo ao seu desenvolvimento: a autarquia está falida, os mamarrachos fizeram da Cidade um dormitório e a imagem pública de A.F.T. nunca foi um estímulo para os investidores. Só 17% do Concelho está coberto por saneamento e a rede pública de abastecimento de água apenas atinge 25% das populações. Em Amarante, todos os núcleos urbanos estão abastecidos pela rede pública de água e mais de 70% dispõem de saneamento; promoveu-se a construção social, o apoio directo ao arrendamento e à aquisição de habitações a custos controlados. No Marco, A.F.T nunca revelou interesse por estas questões.
Como explicar, então, que se possa trocar a honestidade e sentido do interesse público por um prato de lentilhas?!

JBM, In: JN. 29/05/2005

A pior Justiça da Europa

Presumo que todos leram o Expresso. E seguramente ninguém deixou de ler um estudo do Conselho da Europa, cuja conclusão é a seguinte: Portugal tem a pior Justiça da Europa.
Portugal tem mais magistrados que a maioria dos outros paísses, tem mais funcionários judiciais do que a maioria dos outros países, tem mais tribunais do que a maioria dos outros países, os magistrados portugueses são mais bem pagos do que na maioria dos outros países, a despesa com o sector da Justiça é maior do que na maioria dos outros países, o tempo despendido na conclusão dos processos é maior do que maioria dos outros países.
Afinal, o que se passa com a Justiça em Portugal? Bem. A culpa deve ser dos advogados, essa inútil casta que só serve para atrapalhar...

28 maio 2005

resolve.com

Sobre resolução alternativa de conflitos e, sobretudo, sobre mediação de conflitos se debruça um novo blog, nascido no fecundo mês de Maio 2005: o resolve.com

Parabéns pela iniciativa e votos e sucesso.

"Os alvos certos"

Um post (de Nicodemos, na GLQL e também aqui no Incursões) foi o pontapé de saída para um novo blog a acompanhar - e dinamizar - o Despesa Pública (um blog que não é de ninguém, é de todos, e está aberto a todos os que quiserem contribuir. Têm pois todos a palavra).

(Saldanha Sanches ao Expresso: (...) "Um prémio sobre a forma mais imaginativa de gastar o dinheiro dos contribuintes deixaria o júri perante as maiores dificuldades. Mas era bom que o concurso começasse já e que os alvos para os cortes começassem a ser identificados. Ninguém fará um blogue só com este objectivo, para que a enumeração comece e os alvos sejam devidamente identificados?"

Pois aí está, e avant la lettre...)

O Sistema de Saúde dos Juízes

Sugestão subliminar ou "complexo"

Nos jornais e nas rádios deste sábado são particularizados diversos desenvolvimento da política de contenção orçamental anunciada entre os quais avulta a abolição dos sistemas especiais de saúde das Forças Armadas, PSP, GNR e Juízes.
Assim mesmo...
Nós que pensavamos que o sistema especial de saúde dos juízes era o subsistema do Ministério da Justiça, que abrange todos os seus funcionários e todos os magistrados...
É um erro exasperante este do esquecimento de todos os outros beneficiários do Sistema do Ministério da Justiça (Serviços Sociais).
Ou é antes (mais) uma sugestão subliminar do combate em que o Governo está envolvido contra os Juízes, a quem imputa todos os males do sistema de justiça?
Não será, ainda, um complexo corporativo do juízes que vêm um ataque no mais inguênuo dos gestos?

E já agora uma referência à chamada de 1.ª página do Expresso: «Conselho da Europa conclui: Portugal tem a pior Justiça da Europa» desenvolvida a págs. 16 e 17 sob o título de «Campeões na despesa e nos atrasos».
Da leitura do artigo de Sofia Pinto Coelho, essencialmente descritivo e que se procura cingir aos elementos disponibilizados pelo Conselho da Europa, sem responsabilizar ninguém, retem-se que que há muitos tribunais em Portugal, muitos funcionários judiciais, e bastantes juízes (apesar de tudo um modesto 13º lugar em 21), como elementos importantes daquela afirmação.
Mas tal, como se sabe, é devido à falta de vontade política em redimensionar e racionalizar o mapa judiciário, o que conduziria (rá, quando tentado) a uma segura diminuição dos tribunais e dos funcionários, senão mesmo dos magistrados e a uma significativa diminuição de custos.

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Todo o Mundo e Ninguém



Todo-o-mundo:

Eu hei nome Todo-o-Mundo
e meu tempo todo inteiro

sempre é buscar dinheiro,

e sempre nisto me fundo


Ninguém:

Eu hei nome Ninguém
e busco a consciência


Berzebu:


Esta é boa experiência:
Dinato, escreve isto bem.


Dinato:


Que escreverei, companheiro?

Berzebu:


Que Ninguém busca consciência

e Todo-o-Mundo dinheiro


Gil Vicente - Auto da Lusitânia - excerto

27 maio 2005

se eu pudesse


pudesse eu descolar os olhos do oceano,
onde permanecem fixos,
verdes como se fossem metáfora.
talvez eles viajassem outras viagens,
talvez lessem poemas,
talvez mirassem carinhosamente
outras paragens.

pudesse eu não ter impregnado em mim
o cheiro marítimo,
salgado como se fosse
lágrima derramada.
talvez sentisse outros sabores,
talvez entregasse a pele a algum lábio rouco,
talvez respirasse um ar
desconhecido e louco.

pudesse eu não ter esta presença vívida,
a tua ausência cotidiana , aguda,
como se fosse fantasma
ou surto delirante,
talvez minha razão fosse outra,
talvez empreendesse uma viagem solo,
talvez alcançasse as cores todas da aquarela.

mas não,
são sempre meus os olhos no horizonte.
olhos que vagam, lassos, verdes, no oceano.

silvia chueire

A feira das ilusões

"Vista daqui, a «Feira do Livro» parece um local onde apetece ir. Mas depois imagina-se o sol inclemente que a flagela e a vontade vacila; só que hoje, dia fusco, está a choviscar. Esgotado o argumento climatérico, fica o facto de, plantada que está numa encosta, ser um caminho a subir, esgotando as pernas e cansando as costas; claro que, pois nem tudo é mau, há metade do percurso a descer. Como se encontrasse, enfim, melhores pretextos, lembro-me do peso dos sacos, atulhados de livros, as asas aceradas a vincarem-me, feriando-as, as mãos. E se eu não fosse? E se eu fruisse o que tenho, em vez de acumular mais ilusões? Foi ao pensar nisto que me decidi a ir. Gele ou sue, dilacerem-se as mãos ou quebrem-se-me as costas, eu vou. Não por causa dos livros, mas precisamente por causa das ilusões."

O Mundo em Gavetas

De passagem por Mostar

Image hosted by Photobucket.comApesar de toda a informação disponível e do rasto de destruição que ainda se deixava ver no centro histórico de Dubrovnick, os olhos, alagados em paisagens da costa da Croácia e do Montenegro, não estavam preparados para o que os esperava na zona muçulmana da Bósnia i Herzegovina.
Os ataques da Sérvia à Croácia tinham perdurado por muito menos tempo (até àquele dia em que os respectivos presidentes, tendo decidido partilhar gastronomia, se entretiveram, à sobremesa, a partilhar também a BiH, logo ali desenhando, num qualquer guardanapo de papel, o seu novo mapa - este bocado para mim, aquele para ti) . E a Unesco e a UE tinham já providenciado por muito dinheiro para a reconstrução de toda a muralha de Dubrovnick (mais que justamente classificada como património da humanidade) e a reconstrução dos edifícios intra-muros (os mais devastados) progredia visivelmente.

Na zona muçulmana da BiH, atacada desde então já não apenas pelos vizinhos sérvios da Sérvia e pelos seus ainda mais vizinhos sérvios da Bósnia, mas também pelos também duplamente vizinhos croatas, não ficara pedra sobre pedra.
Em Mostar, uma cidade de novo cheia de vida, a marca deixada pela dominação otomana permanece viva na religião, na cultura, na gastronomia, na arquitectura. No centro histórico, qual cidade turca, com o seu bazar e as suas mesquitas debruçando-se sobre o rio ofuscante do verde das águas e das margens, pejadas de pequenos restaurantes empoleirados em socalcos, a par da reconstrução faz-se questão de manter a memória da tragédia.
Na ponte outrora medieva, que ligava a zona muçulmana de Mostar à zona de predominância croata, totalmente destruída pelos bombardeamentos croatas e agora reconstruída em "estilo" pastiche, jovens mais ou menos musculados exibem os seus atributos, aparentemente na mira de suscitar um donativo que justifique o arriscado mergulho nas águas de perigosas correntes e baixios, quiçá na mira de se exibirem, apenas.
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Em Mostar, quer no centro histórico quer na zona mais moderna que a envolve, quer nos bairros residenciais, quer em qualquer parte por onde se caminhe ou olhe, prédios inteiros completamente destruídos e abandonados convivem com aqueles outros (todos os demais!) que ficaram habitáveis (e habitados) apesar de todas as suas paredes exteriores terem sido alvejadas por todos os tipos de projécteis. Constroem-se novos edifícios e aqui e ali reparam-se as fachadas mas, ao lado, o testemunho do massacre permanece. Image hosted by Photobucket.com Image hosted by Photobucket.com











Ao longo das estradas, nos campos, muitas casas novas, lado a lado com aquelas (todas!) destelhadas e de que só restaram as paredes exteriores, esburacadas como queijo suíço e, aqui e ali, aldeias inteiras ou casas isoladas totalmente abandonadas - porque reconstruir nem sequer é viável.

Já um pouco mais distantes dos campos de Mostar, a caminho de Sarajevo, pisados os olhos por esta paisagem do horror contra o esquecimento, a beleza impôs-se: durante horas acompanha-nos, mesmo ali à beira da estrada, em curvas e contra-curvas, um largo rio de transparentes águas cor esmeralda e margens ora escarpadas ora frondosas, ao longe mas tão perto, a alvura dos altos picos nevados, em telão de fundo um forte azul celeste.

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Advogados - Conclusões da V Convenção das Delegações da O.A.

As conclusões da Convenção que teve lugar de 20 a 22 de Maio, podem ser lidas , na íntegra, aqui no site da O.A.

(temas e excertos das conclusões)

Conclusões I:
a) O papel das delegações e dos agrupamentos de delegações ao abrigo das novas regras estatutárias;
b) O papel destas entidades no fomento da participação dos advogados na vida da nossa ordem e na aproximação das delegações aos demais órgãos da ordem.

Conclusões II:
As dificuldades no exercício da advocacia: a salvaguarda da dignidade e do futuro da advocacia livre e independente.

I) A salvaguarda da dignidade e o futuro da advocacia
1ª CONCLUSÃO: A OA deve dimensionar a ideia e função da advocacia - não obstante a diversidade de modos de exercício - através de um controlo rigoroso dos aspectos éticos e deontológicos que constituem a matriz da profissão.
2ª CONCLUSÂO: O poder político não dotou a máquina judiciária dos instrumentos legais e logísticos susceptíveis de a adaptar às novas exigências colocadas por uma sociedade em mudança, caracterizada por uma economia cada vez mais global, pelo que se impõe que a OA reivindique, nas suas diversas estruturas, a adopção de medidas destinadas a superar o actual status quo:a) efectivo preenchimento dos quadros de funcionários e assegurar a respectiva e adequada formação;
b) dotar os tribunais dos meios materiais indispensáveis à consecução das respectivas funções;
c) contingentação dos processos;
d) exigir aos magistrados a respeito pelo cumprimento de prazos razoáveis;
e) garantir a formação específica dos magistrados, designadamente dos que devam exercer funções em tribunais de competência especializada;
f) fixação dos magistrados nos tribunais por um período mínimo de dois anos.
3) (...)

4ª CONCLUSÃO: Repúdio veemente das alterações anunciadas no regime das férias judiciais no que tange à redução ao mês de Agosto, porquanto esta em nada contribuiria para a resolução dos problemas da Justiça.
5ª CONCLUSÃO: A OA deve tomar posição enérgica para obstar à prática corrente da marcação de várias diligências para a mesma hora, na medida em que tal contribui para o descrédito da Justiça e desrespeito da função do advogado.
(...)
II) Processo penal; III) Processo Civil; IV – Apoio judiciário ; V – Dos julgados de paz
21ª CONCLUSÃO: Eliminar os julgados de paz ; Outras CONCLUSÕES.

26 maio 2005

MAR

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Mãe, que é que é o mar, mãe? Mar era longe, muito longe dali, espécie de lagoa enorme, um mundo d'água sem fim. Mãe mesma nunca tinha avistado o mar, suspirava. 'Pois mãe, então o mar é o que a gente tem saudade?'
João Guimarães Rosa, Campo Geral.

Pena unitária no concurso de infracções

Entendeu o Supremo Tribunal de Justiça (ac. de Ac. de 25.5.2005 do STJ, proc. n.º 1286/05-5, Relator: Simas Santos) que na pena unitária no concurso de infracções são também atendíveis os elementos a que se refere o art. 71.º do C. Penal, como as condições pessoais do agente.
E que se impera o princípio da acumulação das penas, não se pode esquecer que o nosso sistema é um sistema de pena única em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação – a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes, sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares).

O Torres do Benfica

O melhor do “Público” é, sem dúvida, a necrologia. Numa espécie de justiça redistributiva pós morte, o “Público” só mata pessoas com 5 ou mais apelidos, sempre sonantes, símbolo seguro de estatuto social, enquanto deixa andar por cá a malta rasca, antigos filhos de pai incógnito e demais maralhal dos antigos livros neo-realistas. E assim temos, por apenas 0, 85 euros, uma espécie de “Caras” dos cemitérios, bem melhor do que aquela revista, que outro dia nos impingiu de borla, a “Atlântico”, que a AIP faz o favor de pagar para nos industriar nas maravilhas dos neo-conservadores. Já chateia ver aquela rapaziada da UDP, a bater no peito a sua nova fé de convertidos. Não têm família que olhe por eles, que enfim ponha termo a espectáculo tão indecoroso? Para variar, dou comigo a ler o “Correio da Manhã” (não digam a ninguém). Concedo o que vão dizer sobre a natureza sensacionalista e outras mais do dito tablóide. Mas não engana ninguém. E vejam lá, descubro um artigo bem feito e a propósito. Saibam os mais velhos, como eu, que o Torres do Benfica e da selecção dos anos sessenta, o “bom gigante”, o “Canada Dry”, que andava lá pelas alturas, está doente com Alzheimer. Numa casa modesta da Amadora, apoiado pela família e rodeado dos seus pombos, o seu hobby de sempre, o Torres vai perdendo a memória e nem sequer poderá talvez entender que o Benfica foi campeão. No meio da buzinadela incessante e dos gritos de alegria pela vitória, há um benfiquista, um ser humano, com uma doença terrível, esquecido pelos que vivem do símbolo, que ele ajudou a construir. A família do homem que, com os seus companheiros, foi usado como emblema do país e do regime, descobriu que nunca lhe fizeram descontos, senão nos anos em que trabalhou como serralheiro. Nesta euforia benfiquista, era bonito lembrar o Torres, também ele merecia, ao menos um poema sobre o menino-serralheiro que foi, depois homem da bola, de bom coração, sempre lá nas alturas, um poema como o que o Ruy Belo escreveu sobre outro herói do efémero, o ciclista do Benfica José Maria Nicolau.

25 maio 2005

Dia de África

Porque hoje é dia de África e afinal (também) sou africano, aí vai a minha contribuição para a efeméride:


o azul arde
e no entanto a cidade de cal
abandonada
fere no silêncio da sua ruína
o lívido ar

ouço as crianças - um quase nada -
com suas missangas de mar
morro com o sol
no sorriso da menina de capulana
e nas suas mãos se fecha a tarde

só o bronze de camões
virado ao índico
perpetua esta sina esta chama

Ilha de Moçambique, Junho 1995


Luanda - III


onde está
o machimbombo barulhento
o que ficou parado
no rosto da infância onde
está o abacate caído com o vento
o que ficou enterrado
na areia da distância onde
está o gosto da goiaba vermelha
que entrou na memória
do menino e a preta velha onde está
com a história do musseque
de todos os encontros
ali na estrada de catete onde
os mortos repousam nos meus ombros

Setembro 1991

UM PAÍS ESTRANHO

Certo, certo é que vivemos num país estranho. Estranho e sem memória. Nestes últimos dias muitos ex-ministros das Finanças têm discutido o défice, nos diferentes meios de comunicação. Todos mostram saber como combater o défice. Todos são responsáveis pelo contínuo crescimento, ano após ano, do défice. Estranho, não é?

As questões que os editorialistas e analistas colocam há anos e que apontam como solução para a nossa maleita do défice, são sempre as mesmas:
1) Racionalizar a administração pública (querem dizer menos funcionários);
2) Reavaliar as funções do Estado (querem dizer reduzir as funções sociais);
3) Reavaliar o sistema da segurança Social (querem dizer mais anos de trabalho e seguros privados);
4) Melhorar a eficiência fiscal (querem dizer mais impostos).

O Governador do Banco de Portugal também alinha por este diapasão. Há meses que anda a preparar a argumentação para o aumento de impostos. Finalmente parece que vai conseguir o seu objectivo.

Será que o Relatório que preparou também identifica quanto é que custam ao Orçamento de Estado as famosas parcerias público privadas? E quais as economias obtidas com a opção pelo outsourcing no domínio da vigilância e segurança e em outras áreas da administração? Quanto se gasta e qual a utilidade retirada das fabulosas consultadorias, auditorias? Quanto é que o Estado deixa de arrecadar pela ineficiência do sistema de execuções fiscais e da inacção dos mais diversos organismos regulamentadores em todos os domínios da intervenção económica e mesmo ambiental? Será que todas as contas foram feitas para se concluir pela indispensabilidade de aumentar os impostos?

O IVA já passou dos 17% para os 19%, exactamente com a mesma argumentação. E o que é que sucedeu? O Estado passou a dispor de mais receita para redistribuir segundo os mesmos critérios (como mostra o crescimento fabuloso dos lucros da banca), e o défice aumentou.

Não sucederá o mesmo agora? O Estado passa a ter mais dinheiro para manter e alargar as concessões, as parcerias, as consultadorias, distribuir cargos principescamente remunerados, …

Num país tão estranho tudo pode acontecer. E neste país estranho, governar é fácil: basta aumentar os impostos!

Seisvirgulaoitentaetrês

Acompanhei esta manhã a visita do Senhor Ministro da Justiça a um dos centros de reeducação de menores, geridos pelo IRS (...não, é o outro, o Instituto de Reinserção Social).
O Centro conta com modelares instalações, nas quais não faltam piscina e picadeiro e estábulo com vários cavalos, para aulas de equitação. Nele trabalham 31 funcionários administrativos, de todas as categorias, desde director e sub-director a tratador de cavalos. Para além destes 31 administrativos, conta ainda com a indispensável colaboração de 9 professores, médico e até um sacerdote, embora estes últimos não trabalhem ali a tempo integral. Ao todo são mais de 50 (cinquenta) funcionários e prestadores de serviços que, diariamente, ali labutam de forma esforçada, em prol da reinserção social de jovens que, por uma razão ou por outra, se desviaram das normas sociais estabelecidas ou, como dirá o sacerdote, que pecaram.
Um último pormenor: estão internados neste centro 9 (nove) jovens.

Justiça Restaurativa

sobre esta cada vez mais urgente temática, na qual não abunda, em Portugal, a informação e a reflexão, debruça-se um blawg criado neste mês de Maio. Trata-se do "Justiça Restaurativa em Portugal (o que esperamos?)"
Saudamos a sua autora, Sónia Sousa Pereira, pela iniciativa e desejamos-lhe os maiores sucessos na bogoesfera.

A missão dos Supremos Tribunais

«A primeira missão dos Supremos Tribunais é a de velar pela aplicação das regras jurídicas pelas jurisdições inferiores e assim assegurar ao direito unidade, clareza e certeza, do que é indissociável a modernização do direito, a sua adapatção às novas condições sociais e às aspirações contemporâneas. Só secundária ou reflexamente surge a realização de um novo esforço para fazer boa justiça ao recorrente.»

Manuel Simas Santos, Medida Concreta da Pena, Disparidades, Vislis, 1998

"O Supremo Tribunal caminha para o colapso total"

O Diário de Notícias trazia no passado sábado um artigo com este título bombástico e com o seguinte subtítulo "Tribunal não está dimensiado para a tendência crescente de interpor recursos" a propósito da apresentação do estudo apresentado pelo Gabinete de Política Legislativa do Ministério da Justiça.
Esse título foi retomado pela Estação televisiva SIC no espaço noticioso.

Mas, como se vê do próprio texto do artigo, tal título não corresponde, como é sugerido a um colapso do Supremo Tribunal de Justiça.

Antes se reconhece que o paradigma do recurso sistemático ao Supremo Tribunal está esgotado, pois que, a prazo, o aumento de recursos que se tem verificado é insustentável sem descaracterização do Supremo Tribunal, enquanto Tribunal encarregado de velar pela jurisprudência, pela aplicação da lei pelas instâncias.

Como muitos de nós temos vindo a defender ao longo dos anos, é desejável a susbitutição do modelo actual opor outro que reafirme e valorize esse papel insubstituível do Supremo Tribunal, em detrimento de uma concepção de 3.ª instância sempre acessível. Eu próprio o escrevi (Medida Concreta da Pena, Disparidades, Vislis, 1998) e reafirmei em recente artigo no "Público".

Duvidoso é que se consiga realizar tal escopo numa só legislatura, embora possam ser dados seguros passos nesse sentido, nesse horizonte temporal.

O que não se pode é aceitar o título já glosado.

Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça, como noticiava recentemente o "Público" é dos Tribunais Supremos mais rápidos da Europa, com um tempo médio de pendência dos recursos de 3 meses, mercê do grande esforço dos seus magistrados e funcionários.

24 maio 2005

Aposentação da Prof.ª Miriam Halpern Pereira

No meio da euforia benfiquista que persiste (parabéns, mas já basta) e do défice que ninguém fez, um facto que não será decerto notícia: a última lição da Prof.ª Miriam Halpern Pereira.
Uma lição notável sobre a história e as outras ciências sociais, entrecortada com algumas notas biográficas bem a propósito. A Faculdade de Letras nos anos cinquenta, em que se apreendia menos do que no secundário, onde alguns professores, às escondidas, ainda falavam nos Annales. De como o director Gonçalves Rodrigues, comissário nacional da Mocidade Portuguesa, a chamou para lhe exigir que revelasse quem a tinha metido na temível comissão de recepção aos caloiros. De como perante a recusa, pôs a correr pela faculdade que era uma perigosa comunista. E ainda há pessoas que dizem que a universidade de antes do 25 de Abril é que era boa, concluía a professora (se calhar estudaram no estrangeiro…).
Como a instauração da democracia abriu novos horizontes, depois de uma longa emigração em França, mas quanta resistência e incompreensão. A quem se doutorara na Sorbonne, exigiam-se aqui exames ridículos para a equivalência, atrasando a carreira docente. Depois, a luta pela abertura dos arquivos dos séculos XIX e XX, que só eram acessíveis aos amigos. De como era preciso ir falar ao presidente da Assembleia da República para se consultarem documentos das cortes vintistas.
Se muito arquivo está hoje catalogado e acessível, devemo-lo à tenacidade da Prof.ª Miriam, que travou uma luta incansável que culminou com a sua passagem pela Torre do Tombo.
Como lhe devemos o seu papel pioneiro no reconhecimento da história económica dos séculos XIX e XX como objecto de investigação histórica. O “Livre-Cambismo e o Desenvolvimento Económico”, publicado poucos anos antes do 25 de Abril foi um marco, numa altura em que rareavam estudos semelhantes em Portugal.
Embora esperemos que continue os seus trabalhos, a Prof.ª Miriam vai fazer muita falta, face ao panorama actual da investigação do século XX e sobretudo do Estado Novo, em relação à qual deixou alguns recados.
Alertou acertadamente contra os perigos de investigações centradas unicamente nos arquivos policiais e no espólio das figuras do regime, que por maiores cuidados que se tenham, acabam por se inserir na sua lógica discursiva. Falou do sempre necessário cruzamento de fontes, das memórias dos resistentes antifascistas. Da dimensão do “não dito”, do “medo” em que vivia a sociedade portuguesa e que não vem nas fontes do regime.
Outro alerta para a história entendida como ciência de análise do discurso, único ou principal objecto do investigador, para o qual a realidade é nada.
Claro que não estava lá comunicação social nenhuma. O que interessa são os historiadores da “ganhunça”, que tratam com respeito as figuras do Estado Novo, em nome da objectividade científica, que passeiam pelos “media” as suas simplificações aldrabadas e que têm escravos a investigar por eles nos arquivos.
A Prof.ª Miriam pertence a outro mundo, o das convicções, pelas quais sofreu o exílio e o da seriedade científica, sem concessões ao que está a dar. Bem haja !

O défice e as pessoas

Conhecida a estimativa do défice orçamental de 2005, 6,83% do PIB, conclui-se que os nossos governantes têm sido incapazes de prever com um mínimo de rigor o saldo de receitas e despesas do orçamento de Estado. A comissão liderada por Vítor Constâncio destacou em particular os desvios no serviço nacional de saúde, na segurança social, nos salários e pensões da administração pública e no Instituto de Estradas, pelo lado da despesa, e os desvios nos proveitos de dividendos e concessões, pelo lado das receitas. É claro que prefiro pensar que se trata apenas de incompetência e falta de rigor dos governantes e não de uma objectiva vontade de mentir e enganar os portugueses ao longo dos últimos anos.
Agora, vamos ter pela frente tempos difíceis, com medidas que nos vão penalizar a todos de forma directa, seja através do consumo ou dos rendimentos. Será que o país está preparado para o que aí vem, numa altura em que o desemprego atinge níveis elevadíssimos? Será que é possível fazer uma convergência nacional em torno de uma estratégia de recuperação económica e de alavancagem para o futuro? Será que “temos gente” para estes desafios?
Há algumas semanas, tive oportunidade de moderar um seminário em que estavam presentes o director de recursos humanos e qualidade da DHL Portugal e uma managing partner da Egon Zehnder Portugal. Ouvindo as suas intervenções e os exemplos que revelaram, acredito que os gestores, quadros e trabalhadores portugueses são capazes de obter resultados tão bons como os melhores, desde que disponham das condições e do contexto necessários para o efeito. Oxalá os nossos responsáveis políticos saibam, também, estar à altura dos desafios que nos esperam. O país não se compadece com mais adiamentos.

A balda...

O Ministro da Justiça baldou-se à reunião de hoje do Conselho Superior do Ministério Público, depois de toda a agenda de trabalhos ter sido reformulada em função da sua presença. Parece que estará impedido em reunião extraordinária do conselho de ministros. Deve ser para debater a estratégia comunicacional para anunciar à ignara plebe que afinal não podem cumprir as promessas eleitorais mas ainda assim são gente séria e merecem o votozinho nas próximas autárquicas... Afinal há que compreender que foram surpreendidos pela real dimensão do défice!

O. A. instaura processo a José Miguel Júdice

"A Ordem dos Advogados decidiu instaurar um processo disciplinar ao ex-bastonário José Miguel Júdice, por violação das regras deontológicas da profissão. O assunto foi debatido na última reunião do Conselho Superior, que decorreu na passada sexta-feira, tendo a decisão contado com o voto favorável de cerca de três quartos dos vinte conselheiros.
Na origem deste procedimento, que se crê ser inédito em relação a um antigo bastonário, estão as declarações de Júdice numa entrevista que concedeu ao Jornal de Negócios no início do último mês de Abril, onde defendia que, para contratar serviços de consultadoria, o Estado deveria contactar sempre as três maiores sociedades de advogados do país, entre as quais aquela que ele próprio representa, a PLMJ, A. M. Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice & Associados." (...)

No Público de hoje - a notícia pode ser lida na íntegra também aqui.

23 maio 2005

Podem os magistrados receber formação?

Enviado por um leitor do Incursões, magistrado do M.P. num tribunal do distrito judicial de Lisboa, conhecido em juízo por não se poupar a esforços para produzir trabalho de qualidade e tê-lo em dia.


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Regresso ao Tribunal, após dois dias de ausência, para formação profissional e actualização, por forma a evitar que a prática jurídica desactualize de vez ...


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Numa perspectiva optimista: é da maneira que não faltam casos práticos para aplicar os novos conhecimentos!

Post-it - Homenagem a SOPHIA

Tal como já referenciámos aqui, está a decorrer, desde Março e até Junho, no Palácio Fronteira, um ciclo de música e poesia do século XX, em homenagem a Sophia de Mello Breyner Andresen, com características muito especiais.
A próxima sessão é já no dia 25, às 18h30. Ver o programa e informações várias aqui.

Actos homossexuais com adolescentes

Tribunal Constitucional

importante acórdão, de 10 do corrente mês de Maio, sobre a questão que gerou acesa polémica, então referenciada aqui no Incursões.

(no Cum Grano Salis, pelas teclas de Simas Santos)

"Actos homossexuais com adolescentes – princípio da igualdade – orientação sexual – discriminação

É inconstitucional, por violação dos artigos 13º, nº 2, e 26º, nº 1, da Constituição, a norma do artigo 175° do Código Penal, na parte em que pune a prática de actos homossexuais com adolescentes mesmo que se não verifique, por parte do agente, abuso da inexperiência da vítima;

Ac. n.º 247/2005 do T. Constitucional, de 10.05.2005, proc. n.º 891/03, 1.ª Secção, Relatora: Cons. Maria João Antunes
Com uma declaração de voto e um voto de vencido"

Gaudeamus Igitur 3

A História Trágico-marítima segundo Reynolds

Quando havia uma tempestade no canal da Mancha os jornais ingleses costumavam afirmar que a Europa estava isolada. Provavelmente os insulares súbditos de Sua Majestade pensavam que os europeus não sabiam nadar e que um canal como o deles era intransponível. Isto apesar dos normandos o terem atravessado sem dissabor e de o nosso portuguesíssimo Baptista Pereira, por duas vezes e num "crawl" mais que decente, o ter vencido.

Desta confiança no Canal, melhor nos canais, tive, nos já longínquos anos de 72/75, uma confirmação mais do que superlativa.

Nesses tempos felizes e descuidados, aproou à Faculdade Internacional de Direito Comparado um inglês que respondia ao vulgar nome de Michael Reynolds. Meão de altura, cara risonha e sardenta e uma sede polaca e ancestral. Acrescente-se, como única excentricidade notória, o dom e o gosto pelas línguas francesa e italiana que ele praticava com facilidade e elegância.

O Michael apareceu-nos em Pescara, terra natal de D'Anunzio, e logo ao fim do primeiro dia, tinha pronta e verificada a difícil geografia dos bares e tascas da cidade.

Adoptámo-lo imediatamente tanto mais que ele fazia um spaghetti al pesto digno de louvor sobretudo, e era geralmente o caso, quando, cerca das quatro da manhã, a fome apertava.

Foi numa funesta noite em Veneza que recebemos o primeiro aviso de que o nosso Michael (jamais Mike, s.f.f.!) era atraído por canais. De facto, enquanto víamos um grupo de turcas dançar, o Michael caiu no Rio della Paglia. "Antes fosse na Riva del Vin que ia mais a condizer" -foi o comentário do Édmond Gérard, luxemburguês imperturbável e subtil que assinava por mim nas aulas do meio dia quando eu me baldava para a praia.

Em Amsterdão, no ano seguinte, reuniu-se de novo a mesma tertúlia amável para mais um ciclo do Curso de Direito Comparado. Um distinto cavalheiro que dava pelo nome de V.W. Bossenbroek levou a sua extrema hospitalidade ao ponto de nos franquear gratuitamente (isto é sem pagar jóia e quotas) e durante todo o período da nossa estadia, as portas da Stiching Societeit Uilenstede que era, de facto, um honradíssimo bar de estudantes da Vreie Universiteit Amsterdam. Abria às dez da noite e encerrava às seis da matina. Os jus-comparatistas, por muito canudo de direito que ostentassem, gostavam, com alguma desmesura só perdoada pelos verdes anos, de álcoois brancos ou tintos, da genebra traiçoeira, da Heineken e de toda a restante e copiosa variedade de bebidas que, a preço módico, a SSU fornecia.

Numa noite, em que as libações, por via do frio que faz no verão holandês, terão sido, digamos, substanciais -e, à saída - o Michael mergulhou de chapa num canalzinho de dois metros de largura que saía de um braço do Amstel e se perdia entre Amstelveen e Uilenstede.

-"Este gajo tem a mania de tomar banho à noite!" -soltou o Gérard para um luzido grupo de meninas em que avultavam, -benditas as mães! - a Catherine Fox e a Maria Kirkos.

Esta estranha repetição de banhos terá enervado alguém do grupo pelo que decidimos convocar o aquático "bife" para uma reunião de emergência no "Bistro Anette". Aí, apanhado ele sóbrio, exprobamos-lhe a atitude demasiado líquida para um "fellow" de Cambridge e cominámo-lo a deixar de frequentar qualquer espécie de canal. Enumerou-se, mesmo, em documento hoje em mãos de Maître Jean François Bregi, uma série de canais entre os quais avultavam os de Suez e de Corinto (este a instâncias patrióticas da Maria e do Stellos).

Ora sucede que sete anos mais tarde, em Paris, a Catherine Fox me apareceu de telegrama fresco e urgente na mão. O nosso Michael tinha naufragado em pleno canal do Panamá a bordo de um barco bananeiro.

Melhor dito: o barco rebentara com uma comporta e adornara atirando o sedento britânico para aquele no man's land que já não é Atlântico mas ainda não chegou a Pacífico.

O Michael informava que só naufragara naquele lava-pés yankee por não constar da lista de proibições que fora estabelecida na ridente Amsterdão...

Em nome e representação da restante comandita, espalhada por esse vasto mundo de Deus, a Catherine e este vosso criado telegrafaram para Londres perdoando o recente naufrágio (tanto mais que além de frustrado não se verificavam dolo, má fé ou sequer erro grosseiro) .

Recordava-se, todavia, ao trágico-marítimo malgré lui a velha máxima conhecida de todos os juristas: non bis in idem !

Gaudeamus igitur !

Pôr do sol

(Versa, 20 de Maio de 1916)

O vermelho do céu
acorda oásis
no nómada do amor.

in "l'Allegria" Giuseppe Ungaretti
trad: mcr em homenagem á Amélia

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Que mau gosto!

.................
Não sei se é só na TVI, mas na TVI sei que é. Passa por ali um anúncio completamente aberrante: ainda não percebi muito bem, mas creio que incita as pessoas a fazerem um telefonema de valor acrescentado para receberem no seu telemóvel um som que se chama "PeidoRap". Repugnantes os bonequinhos que suportam o anúncio, repugnantes os sons dos bonequinhos, repugnantes os vendedores do produto, repugnantes as televisões que passam essa porcaria, repugnante a omissão da entidade reguladora que não faz nada para parar com tamanho atentado ao bom gosto. Ou estou muito enganado, ou a porcaria em causa viola a lei da televisão e o código da publicidade.

Cordeiros

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Depois de Valentim Loureiro ter sido, como se esperava, vetado pela Direcção Nacional do PSD como candidato à Câmara de Gondomar e que, agora, avança como independente, o PSD distrital já encontrou uma solução: lançou a candidatura de António Gonçalves Pereira, meu colega e amigo, como candidato social-democrata à edilidade gondomarense. A política encontra sempre um cordeiro disposto a imolar-se...

SLB e a retoma económica

...........
Enquanto espero pelo sono, vou mudando de canal. Há pouco, assisti a uma verdadeira "pérola" jornalística - uma vez mais na SIC-Notícias, desculpa lá Pedro Mourinho... - quando o repórter perguntava a um adepto do SLB, junto ao estádio da Luz: "Então, o senhor acha que com a vitória do Benfica a retoma económica do país vai começar?". O adepto, visivelmente, não fazia a mínima ideia do que é a retoma económica, mas não se ficou: "Claro que vai começar!". A pergunta é completamente parva, a resposta é ingénua e há uma coisa que me parece clara: quase todos os entrevistados asseguravam que amanhã não vão trabalhar, porque estão dispostos a festejar toda a noite. Moral da história: se a retoma económica vai começar, não será esta segunda-feira, concerteza...

*********
Apesar de tudo, há uma coisa que hoje pude comprovar: os benfiquistas são muitos. Tive de entrar no Porto pouco depois de terminados os jogos e a turba ululante era enorme...

Parabéns, Benfica

................
Saber ganhar e saber perder.
................
Já se percebeu que eu não sou benfiquista. E que não sou especial aficionado de futebol. Mas nem isso me coibe de dar os parabéns ao Benfica e aos benfiquistas. É assim que eu vejo o desporto. E não posso deixar de lamentar os incidentes que ocorreram na "baixa" do Porto, hoje à noite, entre adeptos do FCP e do SLB. Fez-me lembrar a noite das eleições autárquicas de 2001 e o triste espectáculo que o ainda presidente da Câmara do Marco e alguns familiares deram (resguardados por uma troupe de guarda-costas) junto à minha sede de candidatura. Na política, tal como no futebol é preciso saber perder e saber ganhar. Mas há demasiada gente que, infelizmente, não sabe... Nem uma coisa nem outra.

22 maio 2005

Parabéns Benfica,
muitos parabéns benfiquistas!

Um Portista desalentado (e que repudia o que está acontecer na baixa do Porto).

Paisaje Zapatista - El guerrillero


Diego Rivera
Paisaje Zapatista - El guerrillero
Museo Nacional de Arte, Mexico

"Um esqueleto no armário"

Depois do silenciamento do seu blog A Revolta das Palavras, José António Barreiros faz sair o esqueleto do armário em O MUNDO EM GAVETAS

"22.5.05
Hesitante, o autor do blog assume hoje a sua autoria. Não para que o estilo mude, mas para que lhe seja permitido sair da clandestinidade subterrânea em que o criou, partilhando a sua existência com um pequeno grupo de amigos. Talvez tivesse sido necessário refugiar-me na mata espinhosa do anonimato, para conceber aí esta casa na duna, o mar como horizonte, a quietude de um lago, aí o mundo em gavetas, por arrumar. Aos que souberam partilhar esta discrição, o meu obrigado. De hoje em diante, o que houver de real nesta escrita será segredo só para quem o souber entender, o mais ficará como tentativa de literatura."

Actualização-Julho 05: mais um silenciamento à JAB! Desaparece O Mundo em Gavetas e renasce o Patologia Social !

« 28.6.05
Fechar gelosias
Tenho vindo a pensar. Estes cadernos, ao criarem a ficção do personagem, têm sido de facto um equívoco. Primeiro, porque confundem, aos olhos de quem lê, a sombra do acontecimento imaginado com o corpo da vivência real. Depois, porque instigam o seu autor a viver figuradamente como o ente por ele criado. Tudo isto faz sentido como vivência interior, num diário que se não partilhe, do qual se salve a inocência e de que ele nos salve a ousadia. Só que tudo isto tem sido público, pública a expressão, conhecida a pouca grandeza, difundida a muita miséria. Num país de heróis e de gente prática, criei, de facto, uma figura de que me não orgulho, em que apenas os seus momentos de recolhido sofrimento têm gerado alguma dorida comiseração em poucos dos seus leitores. Ente monótono, tornou-se-me aborrecido, ente complexo, confuso. Ficam os equívocos de que falei acima, o alimento eterno de toda a literatura. A ser, porém, literatura, antes fosse um livro em que tudo isto mistificasse de uma só vez, do que este esvair-se lento e diário, numa agonia que já incomoda, em que os dias de sol e de sorriso parecem estranha excepção a semanas de nevoeiro. Vamos pois ficar por aqui. Porteiro da minha própria casa, a quem me leu, agradeço pela vossa visita. Vamos fechar gelosias e recolher ao interior. Amanhã, quem sabe o que virá?

posted by José António Barreiros at 3:08 PM »

DROGARIA de BAIRRO

Para os efeitos tidos por convenientes, aqui se consigna que inaugurou hoje, no Incursões, a Drogaria de Bairro. O respectivo catálogo (em actualização permanente), pode ser consultado aqui do lado esquerdo, no Índice Temático.

"É ir a umas farmácias-drogarias que há aí, geridas por artistas criadores e percorrer o catálogo das especialidades da casa."
(Fialho de Almeida, Vida Irónica, cap.6)

Processo criminal / Crimes excluídos do segredo de justiça / Brasil

17 de Maio de 2005. - Projeto de Lei 4892/05 determina que todo processo criminal, que trate dos crimes contra a vida, tráfico de drogas, prostituição infantil e tráfico de seres humanos, jamais corram em segredo de justiça.

O objetivo do projeto é tentar acabar com a influência política e econômica de grupos organizados.

http://www.camara.gov.br; http://www.direitovivo.com.br

Morreu Paul Ricoeur


Morreu na sexta-feira, em Paris, um dos maiores filósofos do nosso tempo: Paul Ricoeur.

Nascido em 1913 em Valence, Ricoeur esteve preso, num campo de concentração, durante a II Guerra Mundial. Foi professor em Louvaine, Yale (E.U.) e na Sorbonne. Nesta universidade, durante o Maio de 68, estudantes radicais humilharam-no ao ponto de o enfiarem num contentor do lixo. O Filósofo opunha-se à guerra, a todos os totalitarismos e defendeu intransigentemente a tolerância.

A sua raiz filosófica é judaico-cristã. Talvez por isso, se tenha tornado no Filósofo da hermêutica. A sua obra ”O Conflito de Interpretação” deveria constituir leitura obrigatória de todos os que, na sua profissão, têm de julgar. A questão da Justiça interessou-o sempre e muitas das suas conferências sobre este tema estão publicadas em “Leituras”. Na “Leituras 1” está traduzida uma conferência em que Ricoeur analisa a teoria de John Rawls e coloca o “justo” entre o apelo da lei e o da virtude.

A melhor homenagem que podemos prestar a Ricoeur é ler a sua obra. E esta é vastíssima, desde “Histoire et Verité”, “Soi-meme comme un autre”, “La Memoire, l’histoire, l’oubli”, “L’Hermenéutique”, “Da metafísica à moral”, “Nas Fronteiras da Filosofia”, Critique et la Convition”, "Ideologia e utopia", etc. etc..

Morreu Ricoeur.


VIVA O FILÓSOFO!

O Benfica e a crise

O meu amigo Rogério Gomes - director de O Comércio do Porto - lá me enviou o habitual convite para, 2ª feira, estar na Tertúlia do Comercial. E eu, que tenho andado muito refractário, acho que desta vez vou: o convidado é Pinto da Costa e o tema é a análise da época futebolística 2004/2005.

Vou tentar ir, não porque seja especialmente aficionado de futebóis. Vou tentar ir, porque a SIC-Notícias me deu ao fim da noite de sábado uma visão fantástica do mundo. Dizia a reportagem que se o Benfica ganhar o campeonato amanhã, tudo se conjuga para que a produtividade dos trabalhadores portugueses aumente! Moral da história: a culpa do défice de produtividade dos portugueses é de Pinto da Costa que, com sabedoria ou com apitos dourados, tem conseguido a hegemonia do FCP no futebol luso e até do lado de lá de fronteiras várias.

Até hoje, eu queria que o FCP ganhasse o campeonato, ainda que à custa de uma vitória sobre a "minha" Académica. A partir de hoje já não sei. Prefiro que o país aumente a sua produtividade, que nos vai ajudar a combater o défice e a aproximar o país dos índices europeus, do que uma vitória do FCP.

Penso mesmo mais: se a vitória do Benfica é assim tão importante para o país, tal vitória, a consumar-se, abre as portas para que Luís Filipe Vieira, José Veiga e Trapattoni venham a ser chamados, sem demora, para o governo da Nação. Quanto a Pinto da Costa - o verdadeiro "pai da crise" que o país atravessa, tanto quanto se depreende da reportagem da SIC-, não há dúvida: o homem deve ser condenado a pena de prisão até que Portugal renasça das cinzas. Isto é: até que o Benfica se farte de ganhar campeonatos.

A bem da Nação.

21 maio 2005

Lenta


Frio,
o dia arrasta-se lento em gotas que caem.
Perco-me em pensamentos
como se descesse lentamente
a vidraça.

Não é inútil o dia assim
-como se os dias devessem ter utilidade
não sendo eles apenas sinal do tempo.
Prestam-se a perscrutar recantos.
a olhar distraidamente em volta
cismando a razão das coisas,
a saber quem somos,
ou quem não fomos.
Serviriam para disfarçar as lágrimas,
se lágrimas houvessem.
Ou para perdermo-nos na memória.


Ao longe, muito ao longe,
ouço minha mãe chamar
-vem, menina distraída -
e ainda o ruído do livro que cai
na pressa desastrada de atendê-la.
É tarde, é tarde...


Silvia Chueire

Excertos da entrevista de Cluny à Visão

«Nos últimos anos, não houve um investimento sério nos meios de investigação. A Assembleia da República devia aprovar uma lei para determinar as prioridades, o que constituiria uma directiva ao Governo para fornecer os meios necessários ao MP e aos órgãos de Polícia Criminal para poderem cumprir os objectivos, no combate a determinado tipo de criminalidade. »

«As direcções dos OPC’s dependem do poder político. E as polícias afectam-lhes os meios quando querem e como querem. O MP não pode ser responsabilizado, enquanto esta situação permanecer.»

«Na maior parte dos países europeus, as escutas estão nas sedes das procuradorias ou dos tribunais de Instrução Criminal, sob controlo directo dos magistrados. Em Portugal, as escutas são feitas nas sedes das polícias. Não podemos ser culpados pelas fugas de informação, enquanto não tivermos o controlo directo de todo o material que nos é entregue.»

«O MP aceita a crítica, tenta corrigir os erros e, apesar da falta de meios, continua a dar a melhor resposta possível. Estamos, por isso, magoados com a forma como o Governo tem apresentado a nossa actuação. A maioria dos magistrados trabalha muito. É desencorajante e perigoso o desrespeito com que o Governo trata as magistraturas. Nunca tinha sucedido. »

«Só podemos investigar aquelas notícias de crimes que existem. Não foi por acaso que se criou o DCIAP. Entre o início do trabalho e a obtenção de resultados, há sempre um intervalo. Apesar de todas as dificuldades, problemas e sabotagens que lhe têm sido feitas. É uma sabotagem prática não preencher integralmente o quadro do Núcleo de Assessoria Técnica (NAT). Objectivamente, é impedir o funcionamento normal da instituição. Apesar de tudo isto, o DCIAP está a apresentar resultados. Não há quebra de esforço e de empenhamento.»

«Se o poder político considera que a redução das férias judiciais de dois meses para um mês se traduz num aumento da eficiência, então, o melhor é acabar com todas as férias judiciais. É uma falsa questão tentar imputar aos magistrados um privilégio decorrente da actual situação. Eu prefiro ter um regime igual ao dos funcionários públicos. Tudo isto não passa de uma inépcia, na apresentação da proposta ou de uma tentativa de diabolização dos magistrados. Como não há dinheiro para reformas, é preciso encontrar um responsável pela ineficiência do sistema.»

Para ler tudo, clique aqui.

Uma constatação que configura expectativas

De acordo com o que revela este sábado uma sondagem do Correio da Manhã/Aximage, os portugueses não acreditam nos políticos. Pelo menos é o que dizem 65,4% dos inquiridos que acusam os partidos políticos de fazerem favores a empresários com o objectivo de obterem dinheiro.
Por outro lado, o Jornal “Público” refere um estudo sociológico que estabelece conexões entre uma nova classe política (business politician) surgida nos partidos e a corrupção. Segundo esse estudo, tal classe caracteriza-se por ser constituída por políticos que “antes de entrarem para esta área, tinham poucas capacidades/qualidades, tais como riqueza, prestígio social, experiência profissional ou qualidades intelectuais.” Designa-os por “políticos de negócios”.
No nosso entender, a corrupção é um insulto a cada cidadão honrado e uma doença fatal da democracia. Temos de a combater como uma questão de defesa do regime democrático e isso não é possível, ocultando ou disfarçando as suas causas. Precisamos de ganhar a opinião pública para a luta contra a corrupção, contra a ideia de que pertencer a um partido é fazer parte de uma clientela e de que o bem público é uma disponibilidade privada. Mas tal combate só é possível com uma jurisprudência que tenha em conta este ponto de vista, que prestigie o exercício da cidadania e uma cultura que responsabilize os políticos pelas causas da corrupção. E isso configura as expectativas que os cidadãos criaram em relação à Justiça.

20 maio 2005

Gaudeamus Igitur 2

Viajar na Eslovénia com espanhóis


Como es posible que esté usted
tan tranquilo tal y como van las cosas?
Gonzalo Torrente Ballester "Hombre al água"


O ano de 75 foi, para uns, a aberração e o escândalo. Para outros a festa vencida pela traição. Para a resignada criatura que esta escreve foi a vera descoberta da Espanha, dos espanhóis, gentes e nações todas confundidas. Numa palavra, aprendi a ser peninsular.

75 foi também um ano de viagens, que santa Gulbenkian seja louvada e o Doutor Férrer Correia exaltado!

Graças a uns vagos estudos de direito comparado, passei grande parte do mês de Agosto entre Trieste (olá Svevo, olá Joyce, olá Magris) e Ljubljana.

Ora foi nesta última cidade que, imparavelmente, conheci:
a) o efeito ascensorial da slivovice;
b) a versão eslovena dos autocarros turísticos;
c) o "savoir vivre" dos espanhóis.

Expliquemo-nos: Ljubljana. era, na altura, a montra da Jugoslávia e, como afiançava um prospecto local, sede de vertiginoso progresso. Por mero acaso este ainda não chegara ao elevador do nosso prédio que, movido por uma errónea concepção da então consagrada "auto-gestão socialista", teimava em não funcionar.

Foi o Ferran Camps, hoje grande jornalista na Catalunha, que descobriu a única maneira de subir até ao nosso 12º piso: "bastava, disse-nos em voz pastosa, entrar no café Slon, ali ao lado, e beber uma pequena carga nuclear líquida, a que os indígenas chamavam "slivovice". O efeito era garantido. Com tal viático até a Torre Eiffel seria canja.
Gostaria de vos dar a composição desta especialidade mas, penso que, ainda hoje, é considerada segredo militar.

Os espanhóis meus colegas, tributavam à beberagem um respeito tal, que, até conseguiam pronunciar correctamente o seu nome, quando a pediam. E este é feito notável porquanto nem sequer conseguiam pronunciar a palavra eslovena para espetadas (rasnici) a quem sempre chamaram "pinchos morunos" conseguindo, por milagre de Santiago padroeiro, que, em todos os sítios de comes e bebes, lhes compreendessem a encomenda e os servissem.

Ora foi com esta tropa, alegre e galhofeira que parti para uma excursão a Cerkno. Da comandita faziam também parte franceses, italianos, americanos e a minha querida amiga Ewa Teresa, que era americana, cega e de origem polaca, e se fazia guiar por uma cadela cuja graça já não recordo. O autocarro que nos transportava não tem descrição possível, a menos que me permitam usar uma linguagem desbragada, o que não farei.

O motorista que pilotava aquele raro exemplar de viatura, de humano só tinha uns bigodes caídos e 2 manápulas capazes de estrangular um boi.

E a viagem começou: trafegávamos por caminhos que só por delicadeza se poderiam apelidar de estradas, entre terras cujos nomes eram autênticos arrepios (Pohor, Gradec, Gorenja Vas, Zakniz) no meio de precipícios que mais pareciam a autêntica entrada do inferno.

A tripulação só não enjoava porque o terror nem isso permitia. A cadelinha da cega uivava docemente e os 2 árabes da comitiva murmuravam de minuto a minuto "Inch Alla". Só a cega, porque cega, ostentava um sorriso beatífico. A turbamulta espanhola, toda colocada a estibordo, de habitual tão cantadora, ia mais muda que um cardume de carpas. De vez enquanto olhava-os e via-lhes crescer, para lá do medo, uma vaga vontade de blasfémia e desafio próprio das gentes que contra Napoleão gritaram "Viva las cadenas".

Ao 20º precipício sucedeu a esperada erupção andaluza. A curva fizera-se a 120º sobre 3 rodas duvidosas e uma chiadeira inenarrável. O "olé", soltado por aquelas gargantas tufadas pelo medo, merecia o palco da Maestranza.

O proto-criminoso motorista ao ouvir tal balbúrdia virou-se, iluminado pela gratidão, e ergueu as 2 mãozorras num tosco sinal de vitória.

A partir daí, o resto da viagem foi pontuado pelos nossos guinchos histéricos, pelos uivos da cadela e por pragas no mais puro polaco que já ouvi a uma cega indefesa.

À volta viemos todos de táxi, cega e cão incluídos, e comemoramos este nosso regresso dos arrabaldes do reino de Plutão com uma jantarada no Grand Hotel Union.


Gaudeamus igitur!

Blog do carteiro

O Carteiro fez surgir na blogosfera um novo BLOG.

O blog do Carteiro -- http://www.marco2005.blogspot.com---
é um forum de intervenção civica, dedicado às questões do Marco; ou seja, da Terra que nos viu nascer, crescer e, ainda, fazer alguns bons amigos.

Parabéns!

As minutas

A investigação do caso da herdade da Vargem Fresca, em Benavente, tem conhecido novos desenvolvimentos todos os dias. Uma das últimas informações dava conta de que teria sido encontrada nos escritórios de uma das empresas do Grupo Espírito Santo a minuta do despacho que veio a ser assinado pelos ex-ministros Nobre Guedes, Telmo Correia e Costa Neves.
Esta “história” das minutas preparadas pelos futuros beneficiários deve ser recorrente em determinados círculos e até me fez recordar um caso que vivi enquanto membro da Assembleia Municipal de Marco de Canaveses em Outubro do ano passado. Deliberava-se nessa ocasião sobre o contrato de concessão de exploração e gestão dos sistemas de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do concelho, que transferia para um consórcio liderado pela AGS, uma empresa do grupo Somague, a responsabilidade de conduzir investimentos fundamentais para o município e que a maioria CDS/PP fora incapaz de concretizar.
Acontece que, nos documentos fornecidos aos deputados municipais, o parecer do gabinete jurídico da autarquia baseava-se na transcrição de um documento apenso ao processo, datado de Sintra, local da sede da AGS, tudo fazendo crer que o mesmo tinha sido elaborado pela própria empresa líder do agrupamento concessionário. Também o documento que identificava as principais vantagens da opção de adjudicação ao agrupamento liderado pela AGS era datado de Sintra, o que demonstrava uma promiscuidade intolerável entre a autarquia e o concessionário. Isto mesmo foi denunciado na Assembleia Municipal através de uma declaração de voto que preparei, mas que não foi suficiente para convencer a maioria dos deputados municipais.
Será que a “moda” das empresas que vão beneficiar de determinadas deliberações da administração central ou local participarem no próprio processo de tomada de decisão veio para ficar? Parece-me evidente que as inspecções-gerais, as polícias e os tribunais não podem ficar de braços cruzados perante estes desmandos.

Coisas da vida....

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A notícia que se segue é do JN de hoje, sexta-feira. O mundo está tão complicado que eu nem percebi quem é companheiro de quem. E também sou obrigado a concluir que os ciúmes são coisa do passado. Mas era de direito que estavamos a falar, não era?
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Juíza não quis julgar Fátima Felgueiras.

A juíza do Tribunal Administrativo do Porto encarregada de julgar o recurso interposto, em Junho de 2003, por Fátima Felgueiras contra a suspensão do pagamento do seu salário enquanto presidente da Câmara de Felgueiras pediu ao Tribunal Central Administrativo escusa do caso e vai ser substituída.
Segundo fonte judicial, a juíza fundamentou o pedido por residir em Felgueiras e ter privado com o ex-marido da autarca, Sousa Oliveira, "ainda que com pouca frequência e no âmbito de um grupo mais vasto de pessoas, quer numas férias quer em dois jantares". Esses contactos terão ocorrido através de uma irmã da juíza, que terá sido "companheira de Sousa Oliveira".
O Tribunal Central julgou procedente a escusa, para salvaguarda da imparcialidade do tribunal. "A justiça precisa de ser como a mulher de César não basta que o juiz seja imparcial, é preciso que o pareça", justifica-se no acórdão.
Entretanto, o JN sabe que processo do processo do "saco azul", em que Fátima Felgueiras é arguida com mais 13 pessoas, já se encontra no Tribunal de Felgueiras. O julgamento deverá ser marcado para o final do Verão.