31 dezembro 2005

Casa quieta rosna o cão e o frigorífico vazio não sei se viste porque estás morta e. Porque não.E porque sim.

Um dia destes destes dias em que não é Natal nem deixa de ser
Natal
o Natal é uma data
e o ano novo é uma data também
ia de carro do escritório para casa com muito trânsito deixa-me que te diga que o trânsito é o que sabes é coisa com muitos. Carros. E sobra a impaciência
por haver
muitos
carros
e isso é que e a morte
e o buraco
de ozono.
Ligado na TSF ouvi. Pessoal e intransmisssível a entrevista de Carlos Vaz. Marques
aquele
rapaz
simpático
com o escritor Rodrigo Guedes. Sim sabes quem é o de Carvalho pivot da SIC e dos bons que é coisa que não sobra por cá e o cão não rosnava porque eu ainda não sabia que havia cão e que o cão rosnava como. Todos os cães rosnam e tu sabes isso
como se rosnar fosse uma coisa surpreendente vindo dos cães mas. Tu já não estás cá
morreste
pior do que morreres
foi o cão não ter rosnado
e o frigorífico
que abro
à procura. Não. Sei de quê (ponto final, acho que é)
Rodrigo escreveu o segundo livro que é a casa quieta e eu e o cão não tínhamos lido o primeiro sabes que é coisa estranha tão estranha que o cão. Não rosnou e o frigorífico estava vazio.
Tudo me cheirou a estranho a partir
do momento em que. Carlos Vaz Marques considerou que Rodrigo. Guedes de Carvalho era sabes que sim discípulo de Lobo Antunes e eu que fiquei na dúvida sabes bem que quando fico na dúvida sou pior do que um cão que não rosna
ou
de que um frigorífico
vazio
Cheguei ao Arrábida e fui comprar o livro à Almedina coisa inquieta sobre a casa quieta como se fosse um cão que rosna ou um frigorífico
sabes ou não sabes
não interessa
e fui para casa ler o livro que tu não vais ler porque. Entraste no silêncio rigor da morte como o cão e o frigorífico
e o frigorífico e o cão
e o cão e o frigorífico
e li 12 páginas porque não consegui ler mais da casa quieta
que eu sou inquieto
e tu devias saber que eu sou
e pensei tu sabes que eu penso. Mesmo quando não penso e tu pensas que eu penso como o cão que já não sei se rosna e como o frigorífico que como sabes já não sei de côr é.
Lembrei-me de escrever ao Rodrigo que não conheço andámos poucos anos a convergir no tempo como
o cão e o frigorífico vazio já não sei se quem rosna é cão ou o frigorífico mas sabes que isso nunca me interressou perante o rigor da morte
para lhe dizer que ele é um excelente pivot de tv e um excelente escritor de livros que eu não sei ler
não sei se percebes mas. Se não perceberes deixa lá que eu também não e sei apenas que a casa quieta já vai na quinta
edição
mas é uma coisa intragável o que bem sabes como é o cão sabe e o frigorífico também pode dar um nobel que os gajos do nobel ainda não se recompuseram da lobotomia
pré
frontal
uma coisa que o Lobo o que é Antunes e tem um
cão.
E um frigorífico
que rosna
ainda não sabe mas tu. Sabes e o Rodrigo Guedes também eu é que não que sou perseguido por frigoríficos que rosnam cães que estão vazios e agora estou cansado como sabes estou cansado e vou dormir e a casa fica ainda mais quieta.

30 dezembro 2005

silêncio



silêncio,
hiato entre mãos carregadas
e o fato inevitável do tempo
a trepar à montanha, à floresta,
ao nosso corpo.

obervamos sem palavras
o movimento geral das coisas,
imperceptível a olhos rápidos,
que nos diz
agarrando-nos a garganta :
- vê !

e ver pode custar uma vida de palavras,
minutos de lucidez mortal.
o ano passa
no calendário dos homens,
as palavras se atropelam
na nossa pele,
e ainda assim calamos.




silvia chueire

29 dezembro 2005

O saldo de Avelino Ferreira Torres

Os resultados da gestão de Avelino Ferreira Torres começam a vir ao de cima. «Dívidas de mais de cinco milhões de euros apareceram na Câmara do Marco de Canaveses desde que se iniciou o mandato de Manuel Moreira, o novo presidente e sucessor de Avelino Ferreira Torres. O montante refere-se maioritariamente a facturas de serviços datados dos últimos meses da anterior gestão e não pára de crescer todos os dias», refere o JN de hoje.

Ferreira Torres só enganava quem queria ser enganado. Foi sempre o que se noticia hoje dele.

Mas, quem denunciou a sua prepotência, as suas ilegalidades e os seus abusos na gestão da autarquia do Marco, foi acusado de difamação agravada e esta medida (não podemos esquecer) foi criada por um dos actuais candidatos a PR, tendo como efeito funcionar como um cutelo sobre o exercício da cidadania.

Não poderemos deixar de repetir que, se, em vez de tal acusação, fossem feitas as averiguações das denúncias, muito se teria poupado ao erário público, poupança que poderia ter servido, por exemplo, para dotar o Marco das estruturas básicas, como saneamento e abastecimento de água, que lhe faz falta.

Os processos contra Avelino andam de Anás para Caifás, enquanto ele se passeia triunfalmente por Amarante.

Enquanto a Justiça não funcionar, nada neste País pode funcionar.

28 dezembro 2005

Lisboa ao nível de Madrid

Os Institutos de Estatística de Portugal e Espanha compararam o desenvolvimento de ambos os países.

A região de Lisboa chega aos níveis de desenvolvimento de algumas das regiões mais abastadas de Espanha, como Madrid e a Catalunha.Na capital portuguesa, o rendimento per capita das famílias varia entre os dez mil e os 13 mil euros, um valor próximo do madrileno, mas longe da realidade nacional.

Estes dados colocam uma questão: o que têm andado a fazer os empresários do Norte, como Amorim, Belmiro, Mota e Companhia e outros?!... Será que estiveram só preocupados com a sua ganhuça?!...

E aonde estão as ambições dos políticos do Norte?

27 dezembro 2005

Será que não há questões mais interessantes?!...

A campanha está a aquecer. Parece mais um combate de circo do que propriamente uma campanha. Apetece dizer que os candidatos, de uma forma geral, ou não têm ideias ou não acreditam que estas possam mobilizar o eleitorado.
Começa a ser patética a importância que Mário Soares e o PS estão a dar à sugestão apresentada por Cavaco Silva para a criação de uma secretaria de Estado para acompanhar o problema da deslocalização das multinacionais. Severiano Teixeira, porta-voz da campanha de Mário Soares atirou logo a “matar”: «Cavaco Silva é um elemento de instabilidade política». Vitalino Canas também não fez a coisa por menos e denuncia um «golpe constitucional». E Mário Soares já não vai dormir descansado. Tem de tratar a questão numa conferência de imprensa e não informalmente. E como “bom samaritano” ficou preocupado com o sucesso da candidatura de Cavaco, advertindo: «Cavaco Silva sempre que abre a boca diz coisas que são inconvenientes à sua candidatura». Entretanto, o próprio Cavaco já garantiu que não fez proposta nenhuma.
Será que não há coisas mais interessantes para se debater?!...

26 dezembro 2005

estes dias que passam 11

O Tannenbaum, o Tannenbaum
Wie treu sind deine Blätter


Este ano o Natal anunciou-se carregado cá para as nossas bandas: quinze dias antes o meu sogro sofreu uma convulsão e partiu o colo do úmero. Eventualmente invejosa de tal sorte a minha sogra partiu o pé, uns dias depois.
A minha mãe ao saber destas aventuras, não quis ficar atrás e partiu o pulso esquerdo.
Eu sei que alguns dos meus leitores me reprovam uma certa capacidade para fantasiar. E têm alguma razão porque eu adoro histórias, gosto de as contar quase tanto como de as ouvir. Todavia estes eventos são verdadeiros como punhos. Eu mesmo parti o que restava de um dente reconstruído e à pala disso fiquei com uma placa esquelética solta: desembolsei cerca de 300 euros (chorei-os bem chorados!...) mas recompus-me a tempo para o bacalhau natalício e restantes desvarios gastronómicos. Os nossos doentinhos também lá vão indo com mais queixa menos queixa e o Natal passou-se sem outras catástrofes.
Contadas as tristezas, vamos aos milagres natalícios. Quem por penitência, masoquismo, ou até eventualmente por gosto me lê, recordará uns textos que aqui publiquei sob o título genérico de “Gaudeamus Igitur”. Em alguns deles mencionava o meu caríssimo amigo Jean François Bregi (melhor dizendo Maître J.F. Bregi, estrela do foro gaulês e cavalheiro de muitos méritos e muito espírito). Perdera-o eu de vista há mais de trinta anos, depois de termos feito juntos vários ciclos de Direito Comparado por várias faculdades desta vasta Europa.
Então não é que, regressado ao Porto e abrindo o correio electrónico dou como uma mensagem daquele mafarrico dando notícias, pedindo novas deste desamparado lusitano e corrigindo mesmo um pequeno pormenor de uma historieta por mim contada!!! Aqui à puridade, digo-vos: chorei de alegria e comoção. E mesmo agora, duas horas passadas, ainda me sobra una furtiva lacrima teimosa a escorrer-me pela bochecha.
Como se fora pouco, durante a minha estadia lisboeta (eu a minha mais que tudo temos praticamente toda a família por lá) apanhei a jeito o meu tio Quim, companheiro insubstituível das peregrinações por alfarrabistas (que ele conhece de gingeira...) e, ala que se faz tarde, rumámos à Livraria Histórico Ultramarina, ali na Travessa da Queimada, onde eu ia tentar encontrar uma publicação que me tinha encantado quando teria os meus oito ou nove anos de idade: trata-se de uma série de textos editados pelo antigo SNI entre 1936 e 1943. São ao todo 43 brochuras de escassas 16 páginas cada, relatando episódios da história portuguesa. A bem dizer o seu valor científico é nulo mas, aqui donde vos escrevo esta, avisto 21 metros de estante carregados de livros de História, fruto do gosto que na minha meninice tais publicações me suscitaram. Numa das várias transumâncias que a minha família fez perdera-se este conjunto e nunca mais encontrara rastos dele. Há semanas, também em Lisboa, um alfarrabista disse-me que por vezes, de longe em muito longe, se encontrava um que outro exemplar. Entrei pois na Histórico Ultramarina sem grandes ilusões. A conversa com a proprietária daquele monumento à cultura (são salas e salas cheias de livros preciosos) também não pareceu ter grande resultado mas, quando, de monco caído, me preparava para sair ela perguntou-me se eram publicações independentes ou uma série. A quase cinquenta anos de distância, arrisquei: “Era uma série”. Alto e pára o baile! Como uma seta a gentilíssima alfarrabista desandou por três salas, e milhares de livros, trepou a um banco providencial e ZÁZ: ali estavam amarelecidas pelo tempo 41 dos 43 fascículos! Mas há mais: ao lado, e suponho que completa, uma edição em dezassete volumes de “Os grandes Portugueses” da mesma época, das mesmas autora e ilustradora. E querem saber a melhor: também tinha lido estes livrinhos mas, com o passar dos anos as duas colecções tinham-se convertido numa só nas dobras de uma memória que já não é o que era.
Duzentos metros abaixo, carregado com esta triunfal compra e aliviado de 80 euros, irrompi pela Barateira onde, bambúrrio dos bambúrrios, me tornei proprietário de nada mais nada menos do que 20 (VINTE) romancinhos do Salgari.
Se acrescentar que um irmão amigo e generoso me ofereceu nove dvd do David Lean (e entre eles o maravilhoso Breve Encontro) há que convir que esta expedição à capital do império teve alguns pontos altamente positivos.
Entrementes – e sempre para fanáticos do vício solitário da leitura – lembrei-me de oferecer um livrinho de Philippe Delerm a um menino de sete anos. O livro tinha um título engraçado “É mesmo fixe” e um subtítulo na mesma onda “’Tá-se mesmo bem” e na badana dizia-se que era apropriado para baixas idades. E parece que sim: umas horas depois o destinatário da oferta, de seu nome Tomás Carneiro, já tinha lido dez páginas e declarava que o livro era mesmo fixe. Ora toma!
São histórias destas que me reconciliam com o Natal desnaturado e consumista a que assistimos e que muitas vezes vivemos. Ou como também diz a canção:
O Tannenbaum, o Tannenbaum
Ein Baum von dir mich hoch erfreut
.

Nota: alguns bloguistas mais corajosos que porventura queiram possuir uma separata chamada Gaudeamus Igitur farão o favor de me enviar as respectivas direcções. Faria especial gosto em receber a direcção do distinto cavalheiro e missionário in loca infecta Delfim Lourenço Mendes para o mesmo fim ofertante..
2 se alguém avistar os volumes 15 e 16 da “História Pátria”, ed. SNP, entre 1939 e 1940 faça-me o alto favor de o arrematar que eu sou pessoa de boas contas.
3 Vários companheiros desta aventura bloguista puseram bonitos postais natalícios. À falta de melhor retribuo com estas lérias e desejos de Bom Ano de 2006

25 dezembro 2005

carteiro cada vez mais in

As coisas que nós aprendemos quando temos filhos da geração internet! Não percebi muito bem como, mas agora, para contactos mais personalizados, estou contactável no MSN e até tenho uma página HI5. Imagine-se! Creio que se chega lá através de coutinho.ribeiro@hotmail.com. Cá vos espero.

Dia de Natal

A festa de Natal é uma das mais belas e fraternais celebrações da humanidade. Tem origem na distante Idade Média, por volta do séc. III, por contraposição à festa pagã do solstício de Inverno, a festa do deus Mitra. Esta divindade, de origem persa, era muito popular. Considerava-se que se tinha aliado ao sol para obter o calor e a luz que faziam com que as raízes das plantas rompessem a terra e florissem. E foi um pouco o que aconteceu connosco, quando Deus se tornou homem para iluminar os caminhos da humanidade. Terá sido isso que concluiu o Papa Júlio I, ao fixar o 25 de Dezembro como dia do nascimento de Jesus. É óbvio que o 25 de Dezembro não assinala cronologicamente o nascimento do Menino Deus, mas a data que melhor configura o significado de Jesus ter nascido para tornar o mundo mais fraterno e justo. Conta a Bíblia que um anjo anunciou a Maria que daria à luz Jesus, o filho de Deus, que viria ao mundo para salvar os homens. O sentido da vinda do Messias passou, assim, a modelar e a dar significado à festa do Natal.

E, sendo assim, tal como a terra tem de proporcionar boas condições para permitir que a semente floresça, a Mãe de Jesus teria de garantir as condições necessárias ao crescimento do seu menino, por forma a que Ele fosse, como refere a Bíblia, exemplo, caminho e vida de um mundo mais justo e mais humano. Entretanto, «Ele – como dizia Leonardo Coimbra na sua obra “Jesus” – sabe esperar, fazer-se oculto, pequeno, humilde, companheiro e amigo, para dar ás almas o exemplo da sua vida, o calor das suas certezas, o infinito afago do seu coração transbordante».

O Natal ganhou, assim, um significado de incomensurável riqueza. Associa-se à ideia de luz que dá esperança ao futuro, de mãe que sabe proteger os seus filhos e de humildade que nos torna verdadeiros e justos. E Natal é tudo isto, quando significa romagem à Terra que nos viu nascer, crescer e fazer amigos; quando nos abre aos valores da família, da solidariedade e da justiça; e quando nos faz magnânimos perante adversários e desprotegidos.

Numa época marcada pela hipocrisia, pela arrogância e pelo oportunismo pragmatista, convém relembrar o significado do Natal para encontrar o rumo que dê esperança ao nosso futuro colectivo.

JBM. in: JN. 25/12/2005

Obs: Desejo a todos os incursionistas um Feliz Natal e um Ano Novo que corresponde às melhores expectativas.

24 dezembro 2005

será natal

será natal mesmo nos confins
de terras conturbadas
pelas mortes entre irmãos.
será natal para além
das nossas paredes .

será natal mesmo que não creiamos
nas divindades a salvar o mundo
perdido por nós mesmos.

será natal no significado
quando tivermos nas mãos
a sabedoria de resgatar quem somos.

será natal um dia
antes que amanheça o dia,
as vozes em uníssono nos braços
entrelaçados pela noite.


silvia chueire

23 dezembro 2005

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO Nº 104 (a editar em Janeiro de 2006)

PRÁTICA JUDICIARIA

Mediacão Penal em Portugal: Breve nota sobre o Projecto de Mediação Penal desenvolvido pela Procuradoria-Geral Distrital do Porto - Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto e a Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
Diogo Pinto da Costa (Escola de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto).


CRÍTICA DE JURISPRUDÊNCIA

INTIMAÇÃO PARA A PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra no Caso do navio "Borndiep".
Comentário de Wladimir Brito (Escola de Direito da Universidade do Minho).


JUSTIÇA & HISTÓRIA

JUSTIÇA COLONIAL PORTUGUESA: ABERTURA DE UM CAPÍTULO.
Apresentação e coordenação de Luís Eloy Azevedo


DOCUMENTAÇÃO

JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL SOBRE O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (1983 a Dezembro de 2005)
Compilação e organização de António Rocha Marques.


ESTUDOS & REFLEXÕES - ver aqui.

Estudo sobre contingentação processual na jurisdição cível

Consta do site do Conselho Superior da Magistratura (CSM):

"Finalmente entregue ao CSM o estudo intitulado “Os Actos e os Tempos dos Juízes : Contributos para a construção de indicadores da distribuição processual nos juízos cíveis” elaborado pelo Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, o Conselho Superior da Magistratura coloca-o à disposição da comunidade jurídica, através do seu sítio da Internet (por ora, com exclusão dos anexos, dada a sua dimensão, que tornaria o seu acesso excessivamente lento).
O CSM, em Janeiro de 2003 - atenta a sua impossibilidade de realizar ou encomendar directamente um estudo sobre a contingentação na jurisdição cível, solicitou ao Ministério da Justiça a elaboração de um “Estudo sobre Contingentação Processual, visando a definição de indicadores fiáveis sobre o volume de serviço adequado para cada juiz dos tribunais judiciais”.
O estudo solicitado era aguardado com enorme expectativa. O estudo ora apresentado (relativamente ao qual, o CSM teve apenas a intervenção e colaboração que foi solicitada pelos seus autores) exigirá agora de todos a sua apreciação crítica, de forma a verificar se dele poderão ser extraídos os dados que estiveram na origem do pedido, nomeadamente o fornecimento dos indicadores necessários a uma mais correcta avaliação do desempenho dos Juízes (na vertente da exigibilidade perante o volume de serviço) e a uma racionalização da gestão dos Tribunais (na vertente do número de juízes por Tribunal, da geografia das comarcas, da especialização e da distribuição de competências)."

E é tão simples ...

Excertos de (mais) um lúcido postal do Juiz Conselheiro A. H. Gaspar, a ler na íntegra no blawg Sine Die.

A independência e o quotidiano
(...)
"A independência, que não constitui privilégio dos juízes, mas direito fundamental dos cidadãos a dispor de tribunais integrados por juízes independentes, deve assumir-se sobretudo como dever de forte intensidade e não tanto como componente do exercício de um poder, que de qualquer modo nunca pode ser exercício voluntarista e pessoal.
Por isso, a independência não sai diminuída no necessário estabelecimento de uma comunicação informativa e esclarecedora dos cidadãos sobre actos e consequências do quotidiano que, se não forem explicados ou compreendidos, não são facilmente aceitáveis e fracturam a confiança.
...
A independência não impede a comunicação quando se revele necessária, e a comunicação, seja feita pelos próprios magistrados quando o considerem conveniente, ou através da secretaria sob instruções e supervisão suas, poderá prevenir incompreensões e a rejeição de procedimentos que, se não forem adequadamente explicados, um cidadão poderá, razoavelmente, ter dificuldade em aceitar.
A reintegração por dentro deve começar precisamente – e é tão simples – pelo cuidado com as pequenas coisas do quotidiano."

Vaidosito

Tenho andado um bocadinho distraído. Só esta semana conheci um acórdão do STJ, de 2002, relatado pelo Sr. Conselheiro Ribeiro Coelho, que cita um livreco que escrevi em 1995 sobre direito de imprensa (numa posição que retomo na edição de 2001), para sustentar a sua tese de que a isenção de responsabilidade criminal dos jornalistas em crimes de difamação através da imprensa - cfr. artº 31 da Lei de Imprensa - não exclui a sua eventual responsabilidade civil. Um tema interessante que já aqui trouxe mas a que ninguém ligou. O Sr. Desembargador Oliveira Mendes também tem seguido este caminho, que começa a fazer escola em algumas decisões que conheço. Vale a pena ler o acórdão e vale a pena pensar na questão (cfr. STJ200205140006501 - 14.5.2002).

História de um desaparecimento

(Postal tirado do marco2005, explicativo da minha ausência)

De volta, depois de uma aventura.
.Estavam enganados os que pensavam que eu estava fora, definitivamente. Depois da catástrofe informática que sofri há algumas semanas, fiz de tudo. Gastei intermináveis horas ao telefone com os especialistas daNetcabo, verdadeiras sumidades que atendiam depois de muita persistência e muita música à mistura e que se impacientavam com a minha ignorância - se eu soubesse disto não incomodava os senhores, não acham?. Em vão. Decidi comprar um computador novo - uma bombaça! Erro! Os problemas persistiam. Nada de net. Convoquei um especialista com boa vontade que, a meio da operação, teve de interromper o serviço por uma boa causa: a mulher - a minha simpática secretária - entrou em trabalho de parto e o meu amigo teve de avançar para cumprir o seu papel de pré-papá. Não desisti. Continuei eu a operar, telefone ao ouvido, vozes impacientes do outo lado. Nada de nada. Tive uma ideia: e se é o modem que está avariado? Pois, talvez seja, diziam-me. E onde posso resolver isso? Na Av. da Boavista. Havia que levar o modem para testar. Filas de gente e o papelinho do talho para aguardar vez. Uma hora depois, fui atendido. Que não, ali não faziam testes dos aparelhos. A solução era levar outro modem, gratuito, claro, embora houvesse uma taxa de activação de 25 euros. Só? Que são 25 euros perante o meu drama? Dê-me lá isso, enquanto encosto a cabeça ao balcão, cansado, já por tudo, céptico, convencido de que estava perante mais um acto inútil. Trouxe o aparelho novo. Explicaram-me que teria de telefonar de novo para o apoio ao cliente. Sim, menina, eu faço isso tudo, faço o que quiser, absolutamente, mas quero ter internet em casa. Os meus filhos, por estes dias comigo, também eles ciosos do messenger, já olhavam para mim de soslaio. Quem matou o António?, era a pergunta do dia. E eu pensava: Como vou montar esta merda? CD para aqui, CD para ali. Números de série e números de conta. Não cheguei a perceber muito bem como foi. Mas estou aqui. Sem telefonar. E para durar, acho. Se pensavam que se tinham livrado de mim, enganaram-se. A história dos problemas técnicos era mesmo verdadeira. Ah. Só uma coisa: ainda não consegui montar o gmail. Lá iremos, lá iremos...

22 dezembro 2005

Escutas telefónicas

"Já nem vale a pena disfarçar. A classe política, de modo geral e em concreto alguns dos seus oficiantes e acólitos que escrevem e comentam os acontecimentos, não gostam nem toleram o actual sistema de escutas telefónicas, legalmente existente e que possibilita às entidades policias, ao MP e ao Juízes de Instrução, a investigação da criminalidade. "

Excerto de elaborado postal do José, datado de hoje, dia em que Pacheco Pereira escreveu sobre o tema no Publico, a ler por inteiro na Grande Loja do Queijo Limiano.

Um excelente 2006!...

URGENTEMENTE

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
é urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugenio de Andrade



Que os dias de 2006 sejam preenchidos com o que mais desejam.

Feliz Natal

Um carteiro de Natal

Ali ao lado, os meus filhos dormem, finalmente, depois de uma conversa em espanhol - coisas inventadas, por supuesto -, com risadas pelo meio e com o pai, atolambado de sono, meio a rir, meio a brincar, mas com ar severo a tentar pôr ordem na coisa.
Com 14 anos, ela, cheia de garra, bonita, namoradeira como o pai foi namoradeiro, e ele, com nove charmosos anos, um pinga-amor e, por isso, sofredor como o pai foi sofredor.
Estão aqui, ali ao lado, inopinadamente amigos, coisa certa que amanhã não me vão deixar trabalhar, porque eles têm coisas mais importantes para fazer e eu não posso ser "cortes", por muito que tudo isto me angustie, que tenho coisas que não posso atrasar, o que acaba por ser pouco se escutarmos que, isto sim, é Natal e Natal - ao contrário do que se diz por aí - não é quando um homem quiser, mas só quando se pode, seja em Dezembro ou não.
Não tenho árvore de Natal em casa. Tenho um presépio, ali ao lado. Um presépio que ficará completo, dia 24, quando nos deslocalizarmos para o Marco, onde os meus pais e o meu irmão estão à espera.
Um BOM NATAL e um GRANDE ANO NOVO para todos.

21 dezembro 2005


Embarquei num espelho nómada
e fui deixando a pele aos repelões
rente ao chão num minarete
exposta.

A vertigem amarrada aos dias soltos.
O exercício solitário de um abraço.

estes dias que passam 10

A minha luta é esta:
sagrado de saudade
divagar pelos dias.


Rilke, Poemas


Anda uma criatura de Deus, passado que foi o mezzo camin della mia vita, a relembrar amigos, deslumbramentos, assombrações, carinhos, guerras perdidas e é apanhado pelo tempo. Então não é que este ano se celebra o centenário de Paulo Quintela? E eu para aqui calado, como se isso me fosse indiferente, eu que Lhe sou devedor de tanto, tanto, incobráveis dívidas que só poderei pagar com três pobres e reles linhas?
Conheci Paulo Quintela, antes mesmo de pisar Coimbra: a minha mãe fora sua aluna no colégio de S. Pedro, era ele jovem assistente e assim arredondaria os fins de mês. Falava dele como de um professor brilhante e interessado. Ainda nesses tempos de menino, terá vindo à Figueira, alguma vez, o TEUC, com o Auto da Barca do Inferno (à barca, à barca que temos gentil maré) e ter-me-ei entusiasmado a pontos, conta-se, de ter decorado muitas falas de Todo o Mundo e Ninguém. Mal sabia que a ressurreição de Mestre Gil (nos palcos) se devia quase por inteiro a Quintela.
Mal pisei as íngremes calçadas coimbrãs e descobri a Faculdade de Letras ali mesmo à beirinha do forno crematório de Direito, para lá me transferi nos intervalos e mesmo durante as inúmeras e saborosas gazetas às aulas nos Gerais. E vi o Homem pela primeira vez: tonitruante, cachimbante, mordente, um rosto arredondado dominado por uns olhos asiáticos (não seria assim mas é como o vejo tantos anos passados), fato completo com colete, a beber uma bica ao balcão do bar. Não era Quintela que ali me trazia mas apenas a pletora de raparigas que, ao contrario de Direito, enchiam aquela faculdade. Mas Quintela conseguia o prodígio de nos surpreender e a vontade de o conhecer.
Então eu, que tinha copiado à mão os dois inteiros volumes de poemas de Rilke e o de Nietzsche traduzidos por ele, ardia por lhe chegar à fala. O diabo era a imponência do homem e o respeitinho que impunha. Ficou para mais tarde, para as tertúlias da “Brasileira”, café sito ao “canal” mesmo perto da Atlântida e da Almedina livrarias que durante uma década me sorveram os parcos maravedis que a família mandava.
Faça-se aqui um parêntesis, porque a gratidão assim o reclama. A Almedina era o glorioso resultado do trabalho do Joaquim Machado que de sebenteiro passou a livreiro e a editor de livros jurídicos. Este Machado, que já descansa à mão direita de Deus Pai, era um homem das arábias. Sabia-a toda (como ele em livreiros só me ocorrem o saudoso Hipólito da Opinião, o Fernando Fernandes da Leitura, o Domingos Lima da Lello e a minha querida Maria Helena Alves da figueirense Havanesa. Esta gente vendia livros mas amava-os, destinava-lhes donos de confiança, falava deles como filhas casadoiras, em suma se vivessem num pais civilizado seriam tão célebres quanto o François Maspero da Joie de Lire) e logo que me tirou a bissectriz, pimba, entrava na Brasileira à sorrelfa com três pacotões de livros endereçados respectivamente ao Américo Caseiro, ao António da Cunha Pinto (que sob o nome de Leonel Brim assina “Magistério e desgosto” e “Talvez Pinóquio”, imperdíveis mesmo se de leitura esforçadíssima) e a mim. Cada pacote era um tiro de canhão ao nosso orçamento. E nós reclamávamos: “Machado, isto é pior do que o terramoto, já lhe devo um balúrdio sei lá se alguma vez lhe consigo pagar...” E ele: “Paga, claro que paga, eu espero
Paguei, evidentemente, mas se não fosse o gesto generoso do Joaquim nunca teria tido a coragem de me atirar ao gigantesco “traité des maniéres de table” de Lévi Strauss ou sequer ao primeiro Marcuse cá entrado nos idos de 68 e que dava ao “Homem unidimensional” o título de “ideologia da sociedade industrial” na edição brasileira da Zahar(?).
O Joaquim Machado morreu deixando uma rede de livrarias, jurídicas e não só, e ao que sei, raros foram os jornais a falar dele. Eppure ali estava um homem que prestou à cultura portuguesa relevantíssimos serviços... Assim vai o mundo ou, pelo menos, este nosso mundo.
Voltemos a Quintela: logo que me fiz mais crescidinho na faculdade, comecei a partilhar os meus longos tempos de café entre a praça da república e a baixa assentando arraiais na Brasileira.
A Brasileira era um café sui generis: frequentavam-na não só malta de esquerda mas também a de direita mais ou menos radical. Ao entrar logo se via quem puxava pelo reviralho ou quem apoiava a situação. E era simples: à esquerda os nossos (ou melhor os meus) e à direita a peonagem do jovem Portugal, da Causa Monárquica & similares. Com uma gloriosa excepção: a mesa junto à montra do lado direito (dita “o aquário”) tinha donos indiscutíveis pelo menos entre as 11 da manhã e as 2 ou três da tarde. E eles eram Paulo Quintela, Joaquim Namorado, os manos Vilaça, Luis de Albuquerque, Rui Clímaco e Fred Fernandes Martins: ou seja um cacharolete de comunistas confessos e com várias estadias na cadeia, um anarquista brilhante (Fernandes Martins) e Quintela e Albuquerque que representavam (com FFM) desde sempre a honra e a resistência universitárias. Ser admitido naquela távola era prémio que poucos conseguiam e que, graças ao facto de ser membro da redacção da Vértice, por vezes me coube. É impossível dar conta do que ali se ouvia e aprendia: aqueles mafarricos eram intelectuais da melhor cepa: da que ensina divertindo, da que discute sorrindo, da que ouve um galispo estilo mcr aos vinte anos com afectuosa atenção e depois lhe malhavam com firmeza e amizade. Se alguma coisa sou e sei dali o retirei (e doutra tertúlias em Lisboa e Porto que para isso sempre tive atrevimento e, sobretudo oportunidade).
Na nossa mesinha, à esquerda, claro , o mais possível, eu o Cunha Pinto e o Caseiro de vez em quando cortávamos na casaca daqueles “jarretas” do “aquário” pois eles não se coibiam de discutir alto e bom som.
Cem anos! Há cem anos nascia o doutor, por extenso, Paulo Quintela. Hoje o JL traz e muito bem uma comovida homenagem ao Mestre.
Amigos e companheiros, juntem-se a essa celebrativa romaria e corram à Gulbenkian a comprar pelo menos os três enormes volumes de traduções de Quintela. Ofereçam-se a Vocês próprios um presente digno dos três Reis Magnos. E depois de começarem a ler os Rilke, os Goethe os Schiller e os Brecht ...

Vós que haveis de surgir das
Cheias
Em que nos afundámos
.............................
pensai em nós
com indulgência.



Nota: o texto acima termina com um fragmento dos poemas de Svendborg de Brecht e vai em memória de Paulo Quintela, Joaquim Namorado, Fred Fernandes Martins, Luis de Albuquerque, Orlando de Carvalho e Marcos Viana. Em todos se combinaram a defesa da democracia, a pedagogia lúcida, o amor pelas artes e letras e uma genial verticalidade. Bem hajam!
No Porto, aos 21 de Dezembro por mcr

Christmas time

Cheguei a este grupo incursionista há precisamente um ano, em vésperas de Natal, guiado pelo meu amigo Carteiro e convidado por LC. Nos debates e conversas que entretanto por aqui se travaram, reflecti e aprendi muito e considero que fiz novos amigos. Estou reconhecido a quem se lembrou de mim e me trouxe para cá e a todos os que vão lendo e comentando os meus modestos escritos.

Como vou partir de férias durante alguns dias e provavelmente vou estar desligado da blogosfera, quero desde já deixar aqui um abraço amigo e fazer votos de Feliz Natal e Bom Ano Novo, pleno de sucessos pessoais e profissionais, para todos os que dão vida ao Incursões.

"Somos diferentes até na linguagem!"

Se porventura tivesse de destacar uma frase no debate que opôs Soares a Cavaco, seguramente que seria esta discreta mas fundamental afirmação de Cavaco Silva.
(...)
Mário Soares, numa atitude inqualificável, tem-se arrogado uma superioridade sócio-cultural sobre Cavaco Silva. Ficou hoje demonstrado (para quem não sabia) que foi Mário Soares quem não tomou chá em pequenino. Se eu tivesse algumas dúvidas, a diferença na linguagem dissipou-as por completo.»

Vasco Lobo Xavier, in Mar Salgado
********

"A pobreza da arrogância" : Manuel Adérito, in blog Do Contra

Les Inrockuptibles

"A secção de Corrupção da Polícia Judiciária vai ser extinta durante o próximo mês. As mudanças estão a provocar mal-estar junto dos inspectores. A direcção da Polícia fala em reestruturação e reforço da investigação nesta área, mas a associação sindical discorda com o desmantelamento de uma estrutura que tem sido incómoda para vários poderes instituídos.

As mudanças estão a provocar mal-estar junto dos inspectores e a SIC sabe que já provocou um pedido de transferência do responsável. Nos últimos dias, os boatos das mudanças foram crescendo no edifício da Polícia Judiciária.
O combate à corrupção tinha direito, até agora, a uma secção autónoma com cinco brigadas. A partir do próximo ano, passam a ser nove brigadas, divididas em três secções, mas com muitos mais crimes para investigar.
A Judiciária garante que não houve pressões do poder político e argumenta que tudo vai ser feito para rentabilizar a força de trabalho, que não é muita. As alterações só deverão ser comunicadas oficialmente nos próximos dias.

Maria José Morgado já esteve à frente deste departamento da Judiciária e, em declarações à SIC, diz que todas as recomendações internacionais são no sentido da especialização. Maria José Morgado acredita que a redução de competências na área da corrupção poderá traduzir-se em menor eficácia."

In SIC on line

Mais desenvolvimento no JN

20 dezembro 2005

estes dias que passam 9

Nasceu
Foi numa cama de folhelho
Entre lençóis de estopa suja
Num pardieiro velho
..........................
Ninguém há-de cantar a história do menino
ninguém lhe vai chamar o Salvador do Mundo


Álvaro Feijó


1. Já aqui o terei dito mas, na dúvida, repito-o: sou cão que conhece dono, fiel aos amigos e grato. Começo pois com este excerto de um célebre poema do Álvaro Feijó, poeta que muito estimo, irmão do Rui e tio da Luísa e da Teresa, gente que conheço vai para mais de quarenta anos. E com esta homenagem a essas amigas e amigo, vai uma abraço aos incursionistas todos que se preparam para enfrentar o Natal. Aguentem-se no balanço, não abusem das rabanadas, lembrem-se da alegria de serem pequeninos e que o bacalhau com todos perfume a mesa e aqueça as almas (com esta o nosso querido Delfim, vai dizer que não há criaturas perdidas no reino do Senhor mas a gente perdoa-lhe).

2. A buliçosa Associação dos Professores de Português saiu a terreiro com um comunicado em que lamentava que o Ministério da Educação tivesse abandonado a extinção dos exames naquela disciplina. Que os exames além duma maçada não provam nada e põem em causa o aturado labor de um par de anos de eficiente ensino. Ora toma, que é para tabaco! Estes cavalheiros (e cavalheiras, acrescento para não me chamarem misógino) não acham que o panorama que daqui se descortina quanto aos frutos dos seus ingentes esforços pedagógicos é raquítico para não dizer antes um palavrão mais apropriado. Suas Excelências entendem que sendo o exame uma sanção às suas justas aspirações de trabalhadores da educação melhor seria (mesmo no naufrágio completo que se conhece) que se não realizasse. Uma coisa assim como o jogo dos quatro cantinhos: não agarraste canto. Não tem mal. É tudo uma brincadeira. Aceitando que terão razão, eu até proporia que se não ensinasse português às criancinhas inocentes, coitadinhas. E, já agora, que se dispensassem os senhores professores. A porta é por aqui, pedagogos. Desandem e vão inscrever-se no centro de emprego mais próximo.
3. No volume 3º da sua monumental biografia política de Álvaro Cunhal, Pacheco Pereira esmiúça beneditinamente o feroz ataque que, durante o “período sectário” foi levado a cabo contra a LER e a Vértice. Comandados por António José Saraiva, uns intelectuais do PC entenderam atirar-se com unhas e dentes aos primeiros dissidentes: Piteira Santos, Lopes Graça, João José Cochofel e Mário Dionísio. A LER foi pelo cano mas a Vértice, graças aos membros da sua redacção coimbrã (os irmãos Joaquim e Egídio Namorado e Luis Albuquerque, entre outros) apesar de comunistas resistiram galhardamente e mantiveram a confiança e a solidariedade com os atrás citados ex-militantes do mesmo parido.
Para quem, independente de esquerda, que entrou na Vértice cerca de dez anos depois, é consolador saber agora com todos os pormenores esta história de dignidade e resistência. Para quem foi amigo do Joaquim e do Luisinho (era assim que meu Pai o chamava...) é uma imensa alegria. E não pequeno orgulho, cela va de soi, mon cher lecteur José.

4. O Eduardo Prado Coelho, escreve no Público de 19 pp. que tem um fraco pelo “Natal dos hospitais” (!!!) Para quem o não conhece isto torna-o mais humano e próximo. Para quem é seu amigo desde os tempos heróicos do festival de cinema da Figueira, isto explica certos gostos cinematográficos do Eduardo ( agarra esta Eduardo...). Todavia o abaixo assinante não tem muito que galhofar à custa desta “horterada” do E.P.C. É momento de confessar que de há muitos anos a esta parte não perco o desfile militar do 14 de Julho nos Campos Elísios (via televisão, claro... Mas se lá estivesse juro que não falhava...). então quando passa a Legião Estrangeira é o fim da picada. Eu bem que tento justificar-me com a leitura do Beau Geste em pequeno, com a Revolução Francesa e o Povo em Armas contra a nobreza opressora mas, aqui à puridade, nem eu mesmo acredito em mim. Gosto daquele maldito desfile e pronto... Não há volta a dar-lhe.

5. Anda por aí um banco a fazer publicidade, pespegando (em página inteira, há que dizê-lo) com uma reprodução do Fils de l’homme de Magritte. Meu Deus ao que chegaram os meus heróis surrealistas...

6. Vai um cidadão pela rua e só vê uns bonecos raquíticos vestidos à Pai Natal agarrados às janelas e varandas como quem sobe carregado de prendas. Parece que são de fabrico chinês. O mau gosto ocidental aliado à capacidade oriental de massificar dá nisto. Do horizonte que seria vermelho resta-nos só esta imagem pífia que, entretanto, prova como o Ocidente se conquista mais facilmente com o mau gosto do que com as máximas do “pequeno livro vermelho”.

7. Tendo começado com um excerto de Álvaro Feijó entendi acabar este meu bilhete de Boas Festas com um outro desse magnífico poeta que se chamou Malcolm de Chazal:
Quem despisse
a noite
veria
o corpo de Deus.

O “crime” compensa

Todas as sondagens sobre as presidenciais mostram que é praticamente certa a vitória de Cavaco Silva na primeira volta. Escrevo pouco tempo antes do aguardado debate Cavaco-Soares, mas creio que só um cataclismo poderia virar estas eleições.
Já aqui disse de que lado estou nesta disputa, mas não posso deixar de reflectir um pouco mais sobre o “passeio” de Cavaco Silva. O que é que contribuiu para esta vitória anunciada de um candidato que perdeu há dez anos a eleição presidencial?
Os anteriores presidentes foram eleitos na sequência das respectivas intervenções militares, políticas ou cívicas. Eanes tornou-se o candidato do consenso após o 25 de Novembro e a sua passagem pela RTP, tendo depois congregado apoios mais à esquerda na reeleição de 1980; Soares fora um dos “pais” do regime democrático, líder histórico do PS e primeiro-ministro por três vezes; Sampaio era presidente da Câmara de Lisboa, tinha sido líder do PS e um histórico activista contra a ditadura desde os tempos de estudante.
Já Cavaco foi primeiro-ministro e líder do PSD durante dez anos, acabando por perder o duelo presidencial com Sampaio no início de 1996. Uma derrota clara. Desde então, teceu uma teia laboriosa para chegar onde está neste momento. Reservou-se, praticamente apenas interveio sobre questões económicas, distanciou-se de forma envergonhada do seu partido, não foi solidário com líderes que lhe sucederam no PSD, não se comprometeu nas questões mais delicadas da política nacional ou internacional, afastou-se do palco para que os portugueses se “esquecessem” dele. Dos seus defeitos, dos seus erros, do clientelismo dos seus governos e da saturação em que tinha mergulhado o país. Não concorreu há cinco anos por falta de coragem ou por falta de espaço?
Agora, aí está de novo, pretendendo passar uma esponja sobre as más recordações que, há dez anos, ditaram a sua derrota. Tudo foi sacrificado à vontade de se tornar Presidente da República da forma mais calculista e no momento mais oportuno. E parece que o “crime” vai compensar.

não é por...

Não é por estar de mão ao peito que o nosso amigo Anto falha uma saudação natalícia. Há amigos, mesmo incertos, que lhe podem emprestar, por breves momentos, dois dedos dactilográficos, para que a sua ausência não nos pese. De facto, o nosso Anto anda de pata direita a tiracolo, vítima que foi de mais uma sangria que lhe praticaram os médicos. Diz-me o filho Pedro que ele está que ferve. Quem o conhece acredita piamente, que o Anto, além de excelente poeta, tem um feitio rezingão. Algum dia aqui se publicará para escarmento dele e vergonha minha a versalhada que lhe dediquei num daqueles livros de curso dos nossos tempos de faculdade onde, julgo, com forte dose de imodéstia, ele está retratado com verdade e algum amigável (?) vitríolo. Mas basta de lérias e vamos ao que interessa. do livro País ignorado (Centelha ed., Coimbra, 1973)eis o sétimo poema do capítulo diário do tempo antigo (com data de 1968)

sobre os amigos

búzio sobre a memória
os amigos ou saliva no
ombro do menino conto
os amigos devassados no
sono mastigo sua paz e
o disperso bronze dos nomes


posto à revelia do autor por mcr seu amigo de há 43 anos (Chiça!) e companheiro de cela em Caxias sur mer nos idos de Maio de 1962

Sondagem da Marktest

Segundo uma sondagem da Marktest para a TSF e o Diário de Notícias, Cavaco Silva ganharia as eleições à primeira volta com 58% dos votos, se as presidenciais fossem hoje.

Os resultados do Barómetro, que exclui as respostas «não sabe/não responde/não vota», dão 58% dos votos a Cavaco Silva, 16% a Manuel Alegre, 13% a Mário Soares e situa Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã nos 5%, com vantagem para o secretário-geral do PCP.

19 dezembro 2005

Pensamento (em tempo de campanha)

«A razão, discernimento do verdadeiro e do falso, decisão e juízo, é coisa rara e pouco difundida. Assunto de elites e não de massas. Quanto a estas, elas são guiadas, ou melhor, movidas pelo instinto, a paixão, por sentimentos e ressentimentos. Não querem nem sabem pensar. Apenas sabem obedecer e acreditar. Acreditam em tudo o que se lhes diz, desde que o façamos com suficiente insistência. Desde que lisonjeemos as suas paixões, os seus ódios, os seus temores. É portanto inútil procurar mantermo-nos dentro dos limites da verosimilhança: pelo contrário, quanto mais grosseira, maciça e cruamente mentirmos, tanto melhor acreditarão em nós e nos seguirão.»

Alexandre Koyré. “Reflexão sobre a mentira” Ed. Frenesi.

da impossibilidade



há tanto além das palavras.
tanto dentro e fora e em tudo que nos cerca.
corrente subterrânea de pensamentos,
rio invisível de pulsões,
abalos que galopam ondas
ou subitamente acalmam-se.
a ordem do mundo perfeita.

há um mundo de atos e sítios
de escandalosa beleza
que não se consegue escrever.

há um mundo cruel,
para o qual emudecemos.
não que sejamos mudos ou cegos
mas porque nos arranca as palavras,
é dor inclinada sobre nós
que só sabemos perguntar porquê.

há tantas coisas além do poema,
da tentativa de traduzir em palavras
a impossibilidade delas.

rolamos nosso parco talento
na insônia opaca de todas as noites.


silvia chueire

18 dezembro 2005

A hipocrisia

«Os europeus têm conhecimento da prática da CIA de transferir prisioneiros suspeitos de terrorismo em aviões fretados pela agência, que fazem escalas em aeroportos da Europa»-- afirmou o ex-secretário de Estado norte-americano Colin Powell.

Uma ideia brilhante para a renovação da classe política

«Infelizmente, não temos maneira de fazer políticos em barro, como nas Caldas se fazem...», disse Mário Soares.

E por que não tentar, recorrendo às novas tecnologias?!...

Talvez em barro fossem mais suportáveis !!!!...

Coisa Amar

Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.


Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.


Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como doi


desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.


Manuel Alegre

FOI HÁ DOIS ANOS

Realizou-se nos dias 18 e 19 de Dezembro de 2003, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, o Congresso da Justiça, cujos Relatórios Temáticos nunca foram publicados.
Uma realização que mobilizou as organizações sindicais e profissionais do sector da justiça durante mais de dois anos e se esvaiu nestes dois dias do encontro final.
Um fracasso, que foi mais um capítulo da justiça em Portugal.
Fica aqui, para assinalar a efeméride, o relatório sobre o tema A FORMAÇÃO DAS CARREIRAS JURÍDICAS, que elaborei.

17 dezembro 2005

Transcrição de gravações

Li hoje num qualquer jornal que pelo Dr. Rui Pereira terá sido proposto que as gravações de audiências passassem a ser transcritas por quem recorre.
É uma vergonha a fortuna que se paga pelas transcrições de gravações. É ainda vergonha que esse negócio seja feito, segundo a notícia, através de escritórios de advogados. É uma vergonha que essas empresas sejam seleccionadas pelos tribunais, a seu arbítrio, sem que se conheça qualquer critério.
Mas não seria mais simples oferecer um gravador a cada um dos Magistrados dos tribunais superiores para que ouvissem as gravações? Poupava-se muito tempo e muito dinheiro. Aumentava-se a eficácia e eficiência da Justiça. Mas, certamente, o que é preciso é aumentar os custos dos cidadãos, complicar o funcionamento do sistema e assim contribuir para o aumento do PIB (não esqueçamos que quanto maior for o PIB menor é o défice público; o controlo do défice faz-se quer por redução da despesa pública, que por sumento do PIB!!!)

16 dezembro 2005

O apelo às desistências

O modelo dos debates com candidatos à presidência da República seguido pelas televisões tem servido o interesse público de esclarecer diferenças entre os candidatos.
O debate entre Mário Soares e Francisco Louça veio mais uma vez confirmar isso. Em política as diferenças não podem ser alienadas mesmo em nome de imperativos da luta contra a direita. Ficou bem a Mário Soares distanciar-se dos apelos dos socialistas para a desistência dos restantes candidatos de esquerda. Poderia ter havido uma estratégia de convergência de toda a esquerda e nesse caso não se podia falar na alienação das diferenças. Procuravam-se denominadores comuns e encontrava-se o candidato que desse garantias de assegurar essa convergência. Os dirigentes do PS, no pragmatismo utilitarista que cultivam, esqueceram-se de promover essa convergência. Devem, por isso, tirar as devidas consequenciais do seu autismo e não enveredar por um oportunismo quase chantagista.

"Não há disponibilidade"

Recebi hoje no mail esta anedota:

"No outro dia, quando me ia deitar, notei que havia pessoas dentro da minha garagem, a roubar coisas. Eu liguei para a Polícia, mas disseram-me que não havia ninguém por perto para ajudar, mas que iriam mandar alguém, assim que fosse possível. Eu desliguei. Um minuto depois liguei de novo: "-Olá - disse eu - Eu liguei há bocado porque estavam pessoas na minha garagem. Já não é preciso virem depressa, porque eu matei-os." Passados alguns minutos, estavam meia dúzia de carros da Polícia na área, uma ambulância e uma unidade do INEM. Eles apanharam os ladrões em flagrante. Um dos polícias disse: "- Pensei que tivesse dito que os tinha morto!", ao que eu respondi:"- Pensei que me tivesse dito que não havia ninguém disponível."

15 dezembro 2005

MAIS UM ACONTECIMENTO TRÁGICO

O país foi abalado por mais uma bárbara agressão a uma criança de tenra idade. E mais uma vez a atenção incide sobre as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, numa altura em que, depois de alguns anos de desinvestimento do Estado nesta rede não judiciária de protecção de crianças e jovens, existem alguns sinais positivos, o primeiro dos quais foi a nomeação do Juiz Conselheiro Armando Leandro para a presidência da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, e o segundo a decisão de contratar novos técnicos para as comissões.
Lá ouvimos falar outra vez de alterações da lei como remédio para a prevenção de casos futuros, omitindo-se que a actual Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, que está em vigor desde Janeiro de 2001, continua a carecer de regulamentação das medidas de promoção e protecção nela previstas e das estruturas de implementação que daí terão de decorrer. O que, a par da falta de investimento em meios humanos e formação, tem contribuído para que as suas potencialidades não estejam a ser integralmente aproveitadas.
Subscrevo, no que respeita às CPCJ, o que, em 1999, a propósito do sistema judiciário, defendeu Boaventura Sousa Santos: “A minha grande campanha neste momento é a de se reformar o sistema judiciário até ao ponto em que o pudermos fazer sem novas leis. Se esse desafio fosse aceite, poderíamos reformar muita coisa”. ·
O discurso mediático da procura imediata de culpados para além dos agressores é, por outro lado, um discurso de resultados contrários àqueles que aparenta, pois esgota-se na identificação de alguns bodes expiatórios, não permite que se extraiam conclusões com repercussão na prática futura e baixa a vigilância a partir desse momento.
As Comissões de Protecção de Crianças e Jovens são estruturas que têm sido suportadas, fundamentalmente, pela “carolice” de quem as integra, por técnicos de serviços públicos que acumulam estas funções às do seu serviço de origem que não lhes reconhece, na prática, a prioridade desta actividade consignada na lei e, nas cidades que têm ensino superior de psicologia e serviço social, por estagiários destes cursos. Esta situação é que tem de ser invertida: com investimento no aumento e qualificação dos recursos humanos, mas também através de uma melhor integração da actividade dos técnicos actualmente dispersos por múltiplas estruturas sectoriais; com respeito pela prioridade legal do trabalho nas comissões (ao menos!) dos representantes dos serviços públicos; por um investimento na formação e nas condições materiais de implementação das medidas de promoção e protecção.
Assim como é essencial a dinamização das Comissões Alargadas, para que cumpram as suas funções de informação e sensibilização comunitária, e de impulsionamento de programas e estruturas de apoio à infância e à juventude – actividade essencial ao nível da prevenção, do enraizamento de uma cultura de protecção das crianças e das condições de execução e do êxito das medidas aplicadas pela Comissão Restrita.
· “A Justiça em Portugal”, Colóquio do Conselho Económico e Social, 1999

Carta ao meu Amigo Manuel

Meu Caro Manuel
Parece que alguém te atirou á cara com os teus quase “jubilosos setenta anos”, como se ter setenta anos fosse uma coisa do outro mundo. Há quem tenha mais anos porventura menos jubilosos ainda que seguramente intensos.
Setenta anos, dão para aí cinquenta de vida política, mesmo que se saiba – e eu sei – que bem antes já andavas metido (como na época se dizia) no reviralho. De quarenta e cinco bem contados sou eu testemunha que te apanhei em Coimbra naquele risonho ano de 1960, o primeiro ao fim de uma longa série, em que a esquerda ganhou as eleições para a Associação Académica.
O caloiro que conhecia Rilke (terás sido tu ou o Assis a dar-me tão honroso qualificativo?) depressa se aproximou de um grupo de estudantes mais velhos que pontificavam nas Assembleias Magnas, nos cafés, na via Latina e na Associação. E, com um punhado de outros, foi recebido quase como um igual apesar da sua juventude. da timidez e da sua imensa ignorância. E conheceu a emoção das Magnas onde se discutia acaloradamente, se votavam moções e protestos, e as rodas de cafés onde se lhe revelaram horizontes insuspeitados, se conspirava e se conheciam diariamente novos poetas Neruda, Guillen, Hikmet, Celaya, Éluard, Char, Guillevic.
E as primeiras pequenas tarefas políticas, uma eleição de delegado de curso a disputar, uma manifestação pelas ruas da cidade, os primeiros encontros de estudantes anunciadores já do Dia do estudante de 1962, essa viagem sem regresso às raízes da fraternidade e duma quase entrevista liberdade.
Quarenta e cinco anos Manel! E uma noite, nas ruas frias e desertas de Coimbra, ias tu para Angola, e com um pequeno grupo batemos ruas e calçadas e tu recitavas ou cantarolavas qualquer coisa que misturava capas negras e roseiras negras, como é que me vou lembrar... era já tua despedida a certeza que África te traria mais do que a guerra, a prisão e a tortura.
E os versos, aqueles sonoros primeiros versos que antecipavam a Praça da canção, versos como punhos, versos para cantar, como depois o Adriano e o Portugal tão bem souberam interpretar.
São esses versos, Manuel, essa sonora mensagem que tenho de te agradecer em primeiro lugar. Porque numa época de prisões, de ressaca política de fuga e semi-clandestinidade, trazíamos esses versos na boca, e o simples facto de os dizer, às vezes em coro, afugentava o medo, calava a desgraça, evocava a esperança e redobrava a coragem.
E víamos o futuro: não é indiferente que tenhas sido tu o primeiro a falar em país de Abril uma boa dúzia de anos antes de Abril se cumprir.
Esta é uma segunda razão para te escrever.
E como não há duas sem três, passando por alto a voz que nos vinha de Argel e que se ouvia entre mil cuidados e dificuldades, deixando para algum dia esse limpo percurso político começado no exílio, continuado no parlamento e na rua, gostaria, tão pessoalmente como me for possível de agradecer essa menção sempre presente ao país que somos, que fomos que sonhámos e que queremos. Numa época de palavras cansadas senão gastas pelo mau uso, pela ignorância ou pelas fanfarronadas de alguns é bom voltar a ouvir a palavra pátria irmanada com a palavra povo, provando aos filisteus que uma sem a outra nada significa. Isso, essa mensagem, essa ousadia que te tem custado não poucos dissabores literários e críticos, essa corajosa insistência, é a terceira razão que me leva desta mesa de café, ás dez da manhã, deste dia 15 de Dezembro e com uma pobre esferográfica vermelha e emprestada, a escrever-te.
Escrever-te para te dizer que, independentemente do facto de sermos amigos há mais de quarenta anos, vou votar em ti para te agradecer, para te pagar uma dívida antiga de fraternidade e de exemplo cívico e político. Uma dívida que começou como já disse nas assembleias de estudantes, continuou na leitura dos teus versos, me acompanhou nas prisões que me couberam em sorte e nos momentos em que celebrávamos a esperança, a luta e as pequenas vitórias que fomos acumulando.
Provavelmente é esta a última vez que publicamente me dirijo a ti, usando este tu de tantos anos. Há que ter contenção quando nos dirigimos a um presidente da República como espero que venhas a ser.
E se a loucura da sorte assim o não quiser, gostaria, apesar de tudo, de te dizer que este é, e será sempre um belo combate. Que te honra e nos honra a todos quantos entendemos dever propor o teu nome. E essa vitória já ninguém no-la tira.
Aceita como no teu verso, estas palavras simples e fraternas. Também elas carregam um alqueire de esperança. Não tenho outras, senão estas decoradas há quarenta anos: palavras livres , livres como um homem.
Recebe um abraço do
mcr

O meu amigo João Rodrigues pediu-me há tempos um texto para o site do Manuel Alegre. Prometi enviar-lho logo que o escrevesse mas nada me saía que valesse sequer a pena de o escrever a lápis (como diria Eça, o imenso). Hoje ao ler o jornal, pedi duas filhas de papel e uma esferográfica que afinal era vermelha, e escrevi atenazado pela raiva esta carta que só tem, se tiver, esta virtude: foi escrita com o coração e de jacto. Quando a ia mandar para o tal site, lembrei-me que foi aqui que um punhado de pessoas que nada sabiam de mim me acolheram galhardamente. Espero que esses agora meus amigos me perdoem o publicar aqui o texto prometido ao João. Ele se quiser que o copie para o tal site. Este é o meu posto por muitos ou poucos leitores que tenha. Esta é a minha casa.

Honorários

@ “Avocats et libre détermination des prix des biens, produits et services par le jeu de la concurrence!
Les actes réservés, en application de la loi du 31 décembre 1971, au monopole des avocats, sont exclus du champ d'application du principe, posé à l'alinéa 1er de l'article L. 410-2 du Code de commerce, de libre détermination des prix des biens, produits et services par le jeu de la concurrence.
Ainsi, ce principe n'est pas applicable à la postulation devant les tribunaux de grande instance en matière civile, réservée par l'article 4 de la loi du 31 décembre 1971 au monopole des avocats.
Dès lors, rien ne faisait obstacle à ce que le Gouvernement en réglemente la tarification …”
Source: CE, 1re et 6e ss-sect. 23 nov. 2005. I
n Dépêches du Juris-Classeur: http://www.lexisnexis.fr/

Interessante esta informação recebida no Correio Jurídico da Ordem dos Advogados! Afinal não deve ser ilegal a regulamentação dos honorários nas profisões regulamentadas, como é o caso dos advogados. E, por isso, sem questionar a legalidade, cujos fundamentos não conheço, considero estranho que uma qualquer Ordem não possa pulicar uma tabela indicativa dos actos próprios da profissão e respectiva tarifa.

Revisão dos sistema de recursos em processo civil

O Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça (GPLP) apresentou uma primeira versão do anteprojecto de revisão do sistema de recursos em processo civil no dia 25 de Novembro de 2005, durante o colóquio realizado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que pode ser consultada aqui. O GPLP informa no seu site que "os seus comentários ou sugestões [devem ser enviados] para gplp@gplp.mj.pt."

Os debates públicos sobre este tema prosseguem hoje na Faculdade de Direito da universidade de Lisboa, com inicio as 15 horas. O programa bem como as intervenções proferidas nas anteriores sessões podem ser consultados a partir do site do GPLP.

Manuel Alegre vence ligeiramente o debate com Mário Soares

Segundo a Eurosondagem, os inquiridos no estudo de opinião feito logo após o debate desta noite consideram que Manuel Alegre foi o vencedor do frente-a-frente que o opôs a Mário Soares, mas com uma vantagem muito reduzida.

Nesta "sondagem relâmpago", 20,7 por cento dos inquiridos dá a vitória a Alegre, enquanto que 19,3 por cento responderam que Soares foi o vencedor do frente-a-frente transmitido pela TVI.

Uma diferença de apenas 1,4 por cento que, tendo em conta o erro da amostra (3,56 por cento), atribui aos dois candidatos um "empate técnico".

Será que esta ligeira margem, que obtém Manuel Alegre sobre Mário Soares, reflecte o que vai acontecer nas eleições?!...

14 dezembro 2005

ridendo castigat mores (1)

A Lello

A nossa poetisa Sílvia Chueire pode ver aqui a Livraria Lello, onde há algumas semanas foi lançado o seu livro e onde marcaram presença alguns dos amigos incursionistas.
Neste blogue, que já tinha aqui referenciado, há sempre magníficas imagens para ver do Porto sentido que nos abraça a alma.

Diário Político 9

A bola mata-nos!
Logo agora que tudo nos corria bem é que uma mão marota de Abel Xavier desviando um golo certeiro e maligno nos atirou de pantanas. Ora vejamos: a equipa portuguesa começou este europeu com dois golos na baliza. Por artes mágicas a que não é estranho o virtuosismo dos jogadores portugueses e a inacreditável (e inepta) ingenuidade dos ingleses conseguiu-se transformar o resultado: 3-2 a favor de Portugal.

No jogo seguinte a equipa portuguesa suou para ganhar mas ganhou: começou então o êxtase ditirâmbico mais exaltado que é possível. Éramos os melhores claro, fujam que vêm aí a hoste portuguesa com Nuno Alvares e a padeira de Aljubarrota. Os senhores ministros e os senhores ministriáveis voavam para os países baixos, carregados de caxecóis da selecção, bandeirnhas verde-rubras e virtuosas declarações sobre o colectivo, a emigração e tudo o mais. A televisão mostrou mil golos, sempre os mesmos, desenterrou velhas glórias dos estádios e gargarejou de lágrima no olho todas as sandices que lhe vieram à triste cabeça. Por um momento deixou de haver atraso, subdesenvolvimento, crise de justiça, filas de espera nos hospitais e tudo o resto que aflige esta desolada geografia à beira mar plantada.

A vitória sobre a Alemanha acelerou os que ainda se mantinham calmos. O terror de ser considerado “velho do Restelo” emudeceu-os e o jogo seguinte contra a Turquia teve efeitos devastadores. Contra França, por acaso campeã do mundo, iam ser favas contadas.

No dia do jogo o país parou meia hora antes. O golo rapidamente metido contra os franceses pareceu dar razão à exaltada claque dos media que anunciavam para Portugal uma nova e melhorada idade do ouro.

Durou uma hora a bem aventurança. Determinados, os franceses entenderam não dar por perdido um jogo que ainda não tinha acabado e, pouco a pouco, foram provando que o título mundial não lhes tinha caído no regaço mercê de qualquer milagre. Empataram tranquilamente e começaram a preparar o prolongamento. O guarda redes Barthez defendeu tudo o que havia para defender e mesmo quando a bola passou perto da baliza mostrou que estava atento e a postos. Até que ...

Até que uma bola forte e bem atirada encontrou a mão providencial e rápida de Abel Xavier. O juiz de linha sinalizou o penalty e Zidane fez o resto.

Ora foi aqui que a gesta portuguesa descambou: jogadores malcriados em birras grotescas e particularmente deselegantes; insultos, cuspidelas no juiz de linha, enfim todo um espectáculo a mostrar que o futebol de alto gabarito até então visto era apenas o manto diáfano da fantasia sobre a nudez forte da verdade.

Espectadores portugueses com altíssimas responsabilidades políticas e/ou desportivas disseram patetices irrepetíveis: outra vergonha! Valeu-nos (ai por quem Deus nos manda notícias...) o famoso e tonitruante major Valentim Loureiro que teve a coragem de dizer que a mãozinha era de facto penalty. Foi o único!

A discussão arrastou-se por dois ou três dias mais e as declarações dos jogadores portugueses só pioraram o irremediável. Que se tinha perdido porque essa era a vontade dos poderosos do futebol, que éramos um pequeno país injustiçado, que o futebol era um negócio (isto dito por Figo por quem consta um clube está disposto a pagar meia dúzia de milhões de contos...), que o árbitro tinha sido demasiado rigoroso e que, imagine-se!, não se devem marcar grandes penalidades quase no fim do prolongamento...

Finalmente e na expectativa da final França-Itália apareceu uma estranhíssima teoria vingativa: ao menos que ganhe a Itália. Tentei, sem êxito, dizer a algumas pessoas que, do ponto de vista nacional-nacionalista-futebolístico, era melhor a França ser campeã. Ao menos teríamos sido derrotados pelo campeão e não pelo nº 2. Já o mesmo, aliás, tinha sido dito pelo treinador espanhol. Mas esse tem outra ideia da glória desportiva e sabe bem que não é nos relvados que se dirime o impossível duelo de Quixote com Joana d’Arc.

No rescaldo deste espectáculo deprimente 3 excelentes jogadores portugueses vão ficar ausentes, por castigo - justo e merecido - de competições internacionais. Com isso prejudicam seriamente as suas carreiras e tornam mais problemáticas as possibilidades portuguesas de apuramento para o mundial de 2002. Resta saber qual a reacção da Federação Portuguesa de Futebol às tropelias destes rapazinhos mimados e mal comportados. Será que sequer repreendem os rapazes? É que, em cinco minutos, ou nem tanto, deitaram a perder horas de fair play, de bom futebol, de educação desportiva...Haja quem explique aos políticos populistas e indignados, aos desportistas de bancada que uivaram a destempo clamando roubo e a toda a nacional bem pensância protestante que, a bem do futebol, do desporto e sobretudo de nós todos que nos envaidecemos de ser cidadãos portugueses e europeus, que aquilo, aquela histeria negacionista não é ou não deve ser Portugal.


Este texto foi perpetrado dois ou três dias depois da derrota contra a França e ainda , julgo, não se sabia quem ganharia o jogo final. De resto agora também já o não sei. Haja uma alma caridosa que me diga a data toda, por favor.

Faleceu António Abreu (Pai)

Faleceu ontem em Lisboa António Horácio Simões de Abreu, engenheiro electrotécnico e professor do ensino superior, de 82 anos de idade, a quem no passado dia 2, o Dr. José Bragança, em representação do Presidente da República, entregou as insígnias de Comendador da Ordem da Liberdade, no decurso de internamento no Hospital Curry Cabral.
Foi um anti-fascista que se bateu pela democracia.
Perdemos, muitos de nós, uma referência e um amigo.

conhecer

conheço cada íntimo gesto teu.
és uma transparência.

ainda quando foges,
quando calas,
quando morres.


conheço cada íntimo gesto teu,
nunca te esqueças.



silvia chueire

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO Nº 104 (a editar em Janeiro de 2006)

Secção ESTUDOS & REFLEXÕES

A REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (1980-2004)
Alberto Esteves Remédio (Membro do Conselho de Redacção da RMP até Dezembro de 2004; Procurador-Geral Adjunto)

O ADVOGADO E A LEI TUTELAR EDUCATIVA
Álvaro Laborinho Lúcio (Juiz Conselheiro, jubilado)

CONFIANÇA JUDICIAL COM VISTA À ADOPÇÃO
Paulo Guerra (Juiz de Direito)

INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
Clara Amado Gomes (Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa)

O DIREITO FUNDAMENTAL À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
(Revisitado – a propósito do novo Código de Processo Penal de Cabo Verde)
Rui Patrício (Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lidsboa e Advogado)

ESCUTAS TELEFÓNICAS: SEIS TESES E UMA CONCLUSÃO
José Mouraz Lopes (Juiz de Direito)

CONSIDERAÇÕES A PROPÓSITO DAS CLÁUSULAS DE MOBILIDADE GEOGRÁFICA
Albino Mendes Baptista (Assistente Universitário)

13 dezembro 2005

A Galiza a puxar pelo Norte de Portugal (II)

No seguimento do que aqui escrevi no mês passado, assisti há dias na TV Galicia a um debate no parlamento galego sobre a importância (para eles…) da ligação ferroviária entre Porto e Vigo, seja o TGV ou a alternativa do comboio de velocidade elevada. Participaram no debate o presidente da Xunta, Emílio Pérez Touriño, e os principais deputados de todos os partidos aí representados.
Assistindo àquela discussão do lado de cá da fronteira, não pude deixar de comparar o interesse estratégico colocado no projecto pelos responsáveis galegos e a incapacidade dos políticos portugueses em compreenderem a lógica territorial subjacente a uma política de investimentos estruturantes para esta região Galiza/Norte de Portugal.
Lamentavelmente, tudo aquilo que foge da órbita do Terreiro do Paço é demasiado excêntrico para ser levado a sério por aqueles que dominam os corredores do poder.

They live!

"O director do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Coimbra, Euclides Dâmaso, apelou, anteontem, para que a lei-quadro de política criminal tenha como prioridade os crimes de corrupção, que considera intimamente ligados ao estado de menor desenvolvimento económico do país.
Para o magistrado, que intervinha, em Coimbra, numa conferência sobre as implicações daquele anteprojecto de lei para o Ministério Público, «em Portugal está por fazer o estudo sobre as relações entre a corrupção, que foi alastrando, progressivamente, ao longo dos trinta anos de regime democrático, e a actual situação de crise financeira ou de recessão».
Segundo Euclides Dâmaso, o país pode até desconhecer o que Daniel Kaufmann, do Banco Mundial, afirma sobre Portugal: que «podia estar ao nível de desenvolvimento da Finlândia, se melhorasse a sua posição no ranking do controlo da corrupção».
Não pode, todavia, é «continuar a ignorar os alarmantes sinais de disseminação do fenómeno corruptivo, que, ciclicamente, emanam do interior do próprio sistema»."

"Corrupção em todo o lado
Magistrado coloca a adjudicação de obras públicas, e a respectiva fiscalização, no topo da lista das áreas críticas da corrupção em Portugal. É a grande fonte de financiamento dos partidos, diz Euclides Dâmaso" (...)

A ler no Diário de Coimbra

12 dezembro 2005

estes dias que passam 8

De vez em quando as coisas correm melhor do que se espera. Tinha perdido o telefone de um amigo, de há mais de cinquenta anos. Os números que sucessivamente me davam mais pareciam um jogo de batalha naval: tiro na água. Ora, graças a este blogue, mais retemperador do que nunca, esse amigo apareceu: em mail claro, mas apareceu. Então não é que o tunante andava á pesca sei lá de quê relacionado com o seu nome de família (Pinguel, nome marítimo, nome de Buarcos, nome de capitães de longo curso, está bem de ver...) e, Zaz! Catrapaz!, acertou num texto meu sobre uma peregrinação a Fátima perpetrada (mais diria tentada...) por um grupo de cavalheiros figueirenses tão apostólicos quão alcoólicos. Ele jura que reconheceu o autor á 3ª linha. Eu desconfio, mas a verdade é que o mail já cá canta e só espero resposta ao que lhe enviei se os deuses do éter me foram propícios. António Manuel dos Santos Pinguel, rei da praia, príncipe do parque Sottomayor, saravá Mano, estamos vivos!

Há dias o Dr. Mário Soares relembrava, sem identificar, uma terra onde à sua espera durante a campanha eleitoral para a sua primeira presidência da república estavam três gatos pingados. Para o caso de não se lembrar, recordarei ao ilustre político que a terra era o Porto, que ele vinha para uma sessão de pré campanha na faculdade de Medicina e que os três amigos e eleitores dele eram Maria da Graça Cochofel (Dolly) Rui Feijó e este Vosso criado. Por acaso agora apoiamos todos o Manuel Alegre. Não deixámos de ser amigos de Soares mas a democracia permite estas coisas. O que a democracia não permite, querido Mário Soares é esse delírio anti-Alegre. Não se engane de inimigo, homem de Deus. Ainda vão pensar que está nervoso...

Num El Pais de há dias dizia-se que em Portugal passaram 59 aviões com passageiros à força ainda que gratuitamente transportados pela CIA. Há países onde o tráfego foi mais intenso mas 59 é um bom número e põe-nos perto dos “melhores”.
Convinha que alguém do governo nos dissesse qualquer coisinha. Para não morrermos estúpidos.
Já agora, dava jeito um desmentido. Convincente! Para não vivermos envergonhados!

E a propósito de vergonha (ou da falta dela) que me dizem, compadres, desse projecto que assombra os corredores do inefável Ministério da Educação e que, parece, propõe a abolição dos exames de português e filosofia no 12º ano? Quando o Jorge de Sena escreveu “ Reino da Estupidez”estragou a vida a muito boa gente que gostaria de usar o título agora... Eu bem sei que falar, ler, perceber a língua pátria é coisa provavelmente inútil dado que a nov-lingua dos telemóveis é mais do que suficiente para kumonikar. Quanto á filosofia acho que é matéria deletéria (ai meu Deus fiz um verso!) e por tanto caixote do lixo com ela. É que se ensinam a canalha a pensar ainda são capazes de fazer uma revolução, credo, cruzes canhoto!!!
Não haverá, neste Natal milagreiro e consumista, um DDT que elimine de vez esta gentinha do M.E. e do eduquês?
Os juristas que frequentam este blogue poderão informar-me se posso pedir que me concedam a apatridia ou pelo menos a declaração de rebelião civil. É que ao ser governado por criaturas destas ainda me arrependo de ter sido anti-salazarista... E isto aos sessenta e tal... Porra!

O meu prezadíssimo leitor José que junta ao defeito de me aturar essoutro menos grave de preferir os discos de vinil aos cd (ele há cada maduro neste mundo de Deus...) fica avisado que nas Escadinhas do Duque, em Lisboa, naquelas que descem do Largo Trindade Coelho (a quem quase toda a gente chama da Misericórdia) para o Rossio há uma loja de discos de vinil. Força, força, companheiro José, bata-me essas escadinhas, e se lhe der a fome não hesite: no meio das ditas cujas há um restaurantinho chamado, se não estou em erro, Casa Transmontana onde se comia bem. Mais para cima, quase no largo da misericórdia havia um snack tasco onde a malta ia beber umas cervejolas com o Manuel da Fonseca e o Herberto Hélder. Bons tempos...

A Tv, via Mezzo, está a dar um programa sobre esse génio que se chamou Fats Waller. Os bloguistas incursionistas, que no Natal se arruínam a dar prendas, bem avisados andariam em oferecer a si próprios um disquinho deste especialista do piano stride ( e onde ele cante os imortais Honeysuckle Rose e Ain’t misbehavin.) Tenho razão ou não, etérea Sílvia?


11 dezembro 2005

"outras maneiras de ver e de fazer"

Adaptação, pelo autor do blawg Excêntrico, de "um texto original de Richard Van Duizend, formado em Direito pela Universidade Harvard e actualmente um dos principais consultores de administração judiciária do National Center for State Courts".

Perícias médicas e pedofilia

O caso de pedofilia de Outreau é um caso cheio de interrogações e ensinamentos. Como foi possível que, praticamente, algumas crianças e uma mãe, pedófila e incestuosa, conseguissem criar e alimentar um processo que manteve na prisão 14 cidadãos (...), alguns deles durante anos?
Como foi possível que seis [deles] fossem condenados em primeira instância e um (...) tenha "morrido" de uma overdose de medicamentos na prisão? (...) Mas se a actuação do juiz de instrução é alvo de muitas críticas, a verdade é que a condenação (...) não foi só obra do juiz de instrução mas, sobretudo, de um tribunal de primeira instância, um tribunal colectivo em que participaram juízes e jurados. (...)
Um dos factores que determinou a convicção do tribunal de primeira instância foram os relatórios dos peritos, nomeadamente os psicólogos, apesar de, no julgamento, os mesmos terem sido postos em causa de forma contundente. (...)
Na audiência de julgamento do recurso, em Paris, Jean-Luc Viaux, "apertado" pelos advogados de defesa e pelo tribunal, recuou. Agora que já se sabia que as crianças tinham mentido e se tinham retractado (...), o psicólogo recuou de forma desatrosa, primeiro culpabilizando uma sua colaboradora/co-autora e, depois, chegando ao ponto de afirmar, para justificar a má qualidade das peritagens por si efectuadas, que "quando se paga aos peritos como a uma mulher-a-dias obtêm-se peritagens de mulher-a-dias". (...)
O psiquiatra Paul Bensoussan, apresentado pela defesa, chamou, pelo seu lado, a atenção para o risco de, ao pretender-se evitar a todo o custo o sofrimento da criança, se estar a pôr em causa os direitos elementares da defesa. Concretamente, censurou a recusa sistemática pelo tribunal da confrontação directa das crianças com os alegados agressores ao longo do processo, acrescentando: "É tão evangélico quanto devastador. Um processo judicial é perturbante. Mas o que é ainda mais perturbante é fazer crescer uma criança no estatuto de vítima, quando não o foi. Para os arguidos, isso pode contar-se em anos de prisão. Para a criança, é uma pena perpétua".

Francisco Teixeira da Mota
Público 11DEZ05

Autismo?

Urge reflectir...
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«Numa manifestação de um impressionante autismo, os magistrados não percebem que só podem ser maltratados impunemente pelo poder político devido ao seu descrédito junto da opinião pública. Não percebem que a sua greve (...) só serviu para os fazer descer ainda mais na estima pública e reforçar a margem de manobra do Governo. (...) A mentalidade dominante entre os magistrados portugueses (...) chega para tirar o sono a qualquer cidadão responsável. Quem (...) achar que tudo se pode resolver com mudanças do Código Penal ou com mais uma reforma do Código do Processo Civil, é, pelo menos, tolo».

Saldanha Sanches, Expresso/Economia, 10Dez05
.
Como tem sido patente, os magistrados sentem a forma como muitas das iniciativas recentes que respeitam aos tribunais e ao seu estatuto foram geridas como destinada a descredibilizá-os e aos tribunais perante a opinião pública.
E se dúvidas se podem colocar quanto à existência de tal intenção, já dúvidas não restam a um observador minimanente interessado de que essa descredibilização tem vindo a ser atingida: de que um pouco por todo o lado, a menção aos tribunais ou aos juízes gera de imediato comentários desagradáveis, quando não jocosos.
As tentativas que tem sido ensaiadas pelos magistrados, pelas associações sindicais, pelos Conselhos, para inverter esse caminho, tem deparado maioritariamente com a indiferença dos media e de grande parte dos que aí comentam a actualidade, que tudo reduzem a tiques corporativos e tudo e todos tratam igualmente, como se os (todos) magistrados consituissem um grupo de malfeitores, mostrando-se inoperantes.
O que só significa, no entanto, que se não devem deixar cair os braços e que se deve ensaiar uma nova abordagem que passe pela reflexão urgente sobre o (não dito, nem escrito do) nosso comportamento que possa ser o caldo de cultura que permitiu a adesão ou a aceitação da nossa descredibilização.
Como sobre a nossa formação e postura profissional (existirá a arrogância que alguns nos atribuem, prestaremos suficiente atenção aos cidadãos que passam pelo sistema de justiça?).
Como ainda sobre os estrangulamentos com que nos deparamos e que, se bem que atribuiveis à legislação existente, nós estamos em condições de identificar em ordem a propor soluções oerativas.
Reflexão que depende de todos nós, mas não dispensa a intervenção sindical e dos Conselhos.

Previsibilidade frustrante

Já toda a gente compreendeu que os debates entre candidatos à Presidência da República reflectem meras estratégias de captação de votos, sem qualquer ideia mobilizadora do eleitorado. Percebe-se que Mário Soares jogue na lógica bipolarizadora, promovendo expectativas no que poderá acontecer no debate com Cavaco Silva. Mas essas expectativas só dizem respeito às emoções que o espectáculo pode despertar e pouca influencia terão na decisão do voto. Perdeu-se uma oportunidade única para o PS mobilizar os seus apoiantes em torno dos objectivos do Governo, promovendo um debate sobre o perfil do candidato a apoiar, no contexto dos problemas do país. Poderia ter feito como fizeram os dirigentes das organizações de esquerda em Itália que, tendo presente as eleições do próximo ano, decidiram submeter à votação do conjunto dos seus simpatizantes a escolha do seu candidato. Mas isso não foi feito. Os dirigentes do PS preferiram orientar as suas decisões pelo pragmatismo utilitário-eleitoral e, confiantes no poder da retórica de Mário Soares para vencer Cavaco Silva, decidiram desconsiderar o poeta que sempre desprezou os jogos aparelhistas. Esqueceram que a crise de confiança nos partidos é o reflexo do descrédito da retórica politica e do insuportável espírito aparelhista que faz do partido um grupo de interesses, o que aproveita a alguns poucos, mas frustra a boa-fé de uma grande maioria. Esqueceram que o pragmatismo utilitário eleitoral tem esvaziado de sentido o conceito de esquerda, levando a que muitos já não acreditem nessa retórica e se perguntem: se, para Mário Soares, o que ontem afirmou já não conta para hoje, será que o que diz hoje contará para amanhã?!....

Esta desconfiança instalou-se e já é difícil fazer crer que a mesma água pode passar três vezes debaixo da mesma ponte. O autismo do PS dividiu o Partido e criou condições para que Cavaco Silva ganhe as eleições na primeira volta. Mas, se for possível um milagre, que seja Manuel Alegre a ir à segunda volta e a ganhar as eleições. Poderá ser que isso obrigue os “donos” do PS a perceber que o autismo político que se alimenta do aparelhismo só tem prejudicado a inserção do PS na sociedade e defraudado a sua base de apoio.

JBM, in: Jorn. Noti. 11/12/2005

10 dezembro 2005

OS CRUCIFIXOS NOS TRIBUNAIS ITALIANOS

"Espero que a sentença que me condenou - contra a qual recorrerei - seja o início de um incêndio que acorde as consciências dos súbditos italianos que não tencionem continuar a tolerar a marginalização e a discriminação que parte dos católicos impõe aos ateus, aos agnósticos, aos judeus, aos islâmicos, aos budistas, aos evangélicos, às testemunhas de Jeová e aos de todas as cores que se identificam com religiões diversas da deles." Foi com estas palavras inflamadas que o juiz Luigi Tosti, de 57 anos, reagiu, em comunicado à imprensa, à decisão do tribunal. Em causa estava a sua recusa, em 9 de Maio deste ano, em presidir a uma audiência numa sala de tribunal em que estava afixado um crucifixo.
Julgado a 18 de Novembro por um colectivo de três colegas, Tosti, que invocava a Constituição italiana e o princípio nela consignado de igualdade perante a lei de todos os cidadãos, independentemente da religião, foi condenado, por "omissão de cumprimento de funções", a uma pena (suspensa) de sete meses de prisão (menos cinco meses que o pedido do Ministério Público) e à suspensão de um ano das suas funções".

No Diário de Notícias de hoje.

09 dezembro 2005

A LEI-QUADRO DA POLÍTICA CRIMINAL

1. “Em face do actual texto constitucional sobre as funções do Ministério Público, entendo que se mostra necessário reforçar a ligação entre o Ministério Público e a Assembleia da República (responsável, em última instância, pela definição da política criminal), e que seria desejável, face à impossibilidade prática de conceder igual prioridade a todas as investigações, que esta definisse, de forma geral, quais as prioridades da investigação criminal, dotando o Ministério Público de legislação e dos meios necessários à fiscalização e inspecção do seu cumprimento pelas polícias”. Tinha-o escrito em Setembro de 2004, por entender que a situação actual se caracteriza pela existência de prioridades estabelecidas por critérios diversos, não legitimados democraticamente. Por isso, saudei o ponto do Programa do Governo para a Justiça que apontava para a definição, de forma geral e abstracta, pela Assembleia da República, das prioridades da política de investigação criminal.

2. A definição das prioridades de investigação e procedimento criminais terá de respeitar a valoração dos bens jurídicos efectuada pelo legislador constitucional, o princípio da legalidade, a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público.

3. A definição de prioridades da investigação e do procedimento criminais introduz um princípio de responsabilidade política: da Assembleia da República, na definição dos fenómenos criminais a que deve ser dada atenção prioritária; do Governo, enquanto condutor da “política geral do país” e responsável pela criação das condições necessárias à efectiva aplicação da política criminal; e do Ministério Público, enquanto magistratura a quem compete dirigir a investigação criminal e exercer a acção penal.

4. O projecto de Lei-Quadro da Política Criminal agora em discussão contém alterações positivas face ao projecto inicial, como sejam a clarificação dos poderes funcionais e de direcção do Ministério Público e a eliminação de um enigmático artigo que previa eventuais alterações futuras, não especificadas, ao Estatuto do Ministério Públicos e às leis orgânicas dos serviços e forças de segurança.

5. Contudo, é absolutamente essencial que ao Ministério Público seja garantido o poder de fiscalizar e tomar as medidas necessárias ao efectivo cumprimento das prioridades de política criminal por parte das polícias, nomeadamente na afectação e gestão dos seus recursos, desde logo porque é o Procurador-Geral da República quem tem o dever de, sobre tal matéria, prestar contas perante o parlamento. Assim como não pode a Lei-Quadro da Política Criminal ser omissa quanto à avaliação e previsão dos meios humanos, técnicos, de formação e financeiros disponíveis e necessários ao efectivo cumprimento das prioridades de política criminal.

6. Para que a definição de prioridades na investigação e procedimento criminais seja compatível com o respeito pelo princípio da legalidade, é necessário: investir na modernização e organização eficaz dos serviços e dos procedimentos, e na formação; que seja feita uma previsão adequada dos meios técnico e humanos que viabilizem a execução da política criminal aprovada; que se apliquem e se aprofundem as soluções de diversão do conflito jurídico-penal e as formas de processo mais expeditas; que, de uma vez por todas, se acrescente a mediação ao instrumentário da justiça penal.

7. A definição das prioridades de investigação criminal – feita à luz dos valores constitucionais, da realidade criminal, da situação social e política do país e dos compromissos internacionais – deve ser objecto de um amplo debate público e de um alargado consenso na Assembleia da República.

Síntese da comunicação que apresentarei hoje na Conferência Nacional organizada pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.