31 julho 2007

Centenário do Escutismo Mundial

Amanhã, às 7.30 horas, juntamente com mais de 9.000 escuteiros que participam do Acampamento Nacional do Corpo Nacional de Escutas, a decorrer em Monte Trigo, Idanha-a-Nova, vou renovar a minha Promessa de escuteiro.

Comemora-se o Centenário do Escutismo.

missanga a pataco 23


Michelangelo Antonioni*

Houve um tempo em que o cinema se fazia amorosamente, discutia conosco, implicava-nos e depois da sessão obrigava-nos a longas discussões que varavam la notte. Não vale a pena fazer la cronaca di un amore, nem lembrar l'avventura de um grupo de raparigas e rapazes que prisioneiros no seu país se evadiam graças ao cinema. Nesses dias a democracia continuava no seu longuíssimo eclipse mas lá de fora vinha-nos este cinema forte e ácido que nos temperava os humores e o desejo de um horizonte vermelho. ntonioni sem querer da-me com um filme de onde retirei a vinheta um mote para o meu passado futuro: o deserto (era) vermelho. Morreu hoje. Foi o João Tunes no seu atentíssimo blog Agualisa 6 que me deu a notícia que acabo agora de confirmar. Desculpe lá ó João mas eu primeiro nem acreditei. É muita morte para caber num só grito, esta que ora sobrevém. Antonioni estava mal, pessímo, até, já só comunicava pintando, coisas fortes, violentas que impressionavam mesmo só vistas num documentário televisivo. Já lá está em cima com Fellini, Welles, Ford ou Renoir, E com o Bergman que o antecedeu por um dia...

* jogo de palavras com filmes de Antonioni

as leitoras eos leitores desculparão a pressa destas linhas mas estou mesmo a partir. E triste apesar de começar as férias. Eu o MSP, o escultor marceneiro, estamos um pouco mais órfãos.

Diário Político 61


A POLÍTICA EM FÉRIAS

A estação calmosa é descrita internacionalmente por silly season. Ou seja por estação pateta, tonta, ligeira. Todavia ainda que que o “torraozinho de açúcar” esteja muito europeu e moderno, a silly season nacional é sempre pródiga em patacoadas, patetices & similares. Ora vejamos:
O dr Mendes vai à Madeira e perante um Jardim triunfante, impante e arrogante, diz( o pequenino Mendes) referindo-se ao anfitrião: “o nosso grande líder”. Isto merecia um ponto de exclamação mas não o ponho. De Mendes espero pouco, quase nada, aliás. Mas esta do grande líder, referida a tonitruante figura madeirense, não lembra ao diabo. Se ao menos Mendes tivesse sido maoísta... Mas não, nem isso. E se tivesse sido, o Dr Espada já o teria ensinado a usar um novo dicionário político muito modernaço e liberal onde grandes líderes só nas empresas, privadas e já agora americanas ou inglesas. O dr Espada depois do banho lustral m-l avançou sobre a Anglo-Saxónia e teve aí a revelação: ia a passear no Hyde Park e apareceu-lhe no meio de um canteiro de daffodils (in ingliche plise!) a Srª Tatcher vestida com um manto azul cheio de estrelinhas douradas e disse-se: John, do’nt eat dthe daffodils and be a nice boy.
A partir desse momento, e desse caminho de Damasco, o dr. Espada jura pela virgem de Fátima inglesa aparecida à hora do chá e é o que se vê.
Deixemos todavia Mendes, Espada e o soba da Madeira e passemos ao Porto. O Porto está sempre a dar: agora foi um senhor chamado Renato Sampaio (que é qualquer coisa de muito importante na concelhia local do PS) que veio gravemente dizer umas coisas sobre a falecida RTP do Porto, que Sampaio exige que se ressuscite, e sobre a escandaleira tristonha da DREN. Sampaio acha que aquela senhora gorda e pouco favorecida pela beleza tem feito um óptimo lugar! Sampaio diz que ela fez tudo como devia e que a Ministra é que teve uma decisão política ao mandar arquivar o processo do senhor Charrua. Ou seja: Sampaio acha que a Ministra “traiu” a directora da DREN. E que o processo estava muito bem posto. E que o dito Charrua tinha sido insultuoso. Ou seja: Sampaio acha que as coisas foram graves mas que a política, a cabra da política, mais uma vez impediu a justiça. A criatura já deputou, ao que se diz, se bem que não lhe recorde nada do passado parlamentar. Entrou e saiu da Câmara sem dizer coisa que se visse, ou ouvisse. É este o retrato simétrico do caso acima relatado. Com Mendes e o soba já são três. Se lhes juntarmos o plumitivo Espada, temos quatro para uma sueca bem batida.
A boa notícia fica para o fim: os meliantes que a coberto de uma multidão uivante e cobarde, agrediram o deputado Francisco de Assis foram condenados. Pouco, mas foram. E a juíza chamou-lhes isso mesmo: cobardes. Como defendiam a senhora Felgueiras, ex-prófuga nos Brasis, ex-presidente da Câmara e ex-benfeitora do povo, influente criatura nos meios socialistas da terra, presumo que fossem da cor da senhora que defendiam. Esperemos que Sampaio, sempre defensor da justiça, proponha que eles sejam excluídos de quaisquer associações partidárias, mormente o PS local, de Felgueiras. É que desta vez, parece que não há nenhuma ministra para arquivar o processo.
O dr Pinheiro, militante importante do CDS foi constituído arguido no caso das árvores cortadas. O Partido chia que está a ser perseguido. Entretanto uma responsável do mesmo ajuntamento, mas desta vez de Coimbra foi condenada por se apropriar de uns dinheiros. Até a JC local clama que enquanto a senhora não for demitida, a jota não aparecerá. Às vezes aparece gente com certa dignidade. Apostamos que os jotinhas ainda se lixam?
Vou para férias: ver se apanho ar e me esqueço um pouco deste sufoco pantanoso onde medram criaturas deste género.

Vejam se não apanham um insolação. Nem uma barrigada de marisco. Nem um fogo de Verão.

30 julho 2007

Não parece, mas ainda ando por aqui

Pois não é verdade, meu caro MCR, que tenha ido por aí, clandestino, à espera que ninguém me perturbe com a sua visita que, sendo de quem é, seria sempre bem-vinda, porque eu gosto de todos os que daqui poderiam visitar-me. Clandestino, sim, mas ainda pelo Porto, ou, melhor dizendo, entre o Porto e Gaia, ainda que nos últimos dias com umas incursões pelo Marco e por Viana, onde, Sábado passado, voltei a estar repimpado no já famoso sarau do pintor Pinto Meira. Eu recordo: precisamente no mesmo sítio onde, há dois anos, estive a debitar umas banalidades sobre arte, no que constituiu um dos dramas maiores da minha vida ignorante, mas do qual saí incólume, o que vale mais ou menos o mesmo que dizer que lá consegui safar a coisa. Pelo menos, ninguém se lembrará muito bem das asneiras, tanto que este ano ninguém me cobrou nada e foram todos muito simpáticos. Fiquei de voltar no próximo ano. Logo se vê.
Entretanto, por cá, a vida corre os seus termos. Não muito diferente de qualquer coisa que já não saibam. Preparo-me para seguir para Sul, já não talvez amanhã, como me tinha proposto, mas não passa de quarta-feira, que estou farto de andar por aqui e preciso de me afastar por uns dias, nem que seja para poder pensar melhor no que é preciso fazer por aqui, que é muito e tem pressa.
Volto lá para meio do mês. Não sei bem, ainda. Depois disso, andarei por onde andar. Por essa altura, presumo que mais andadeiro nestas coisas de ir escrevendo. Porque, veja bem, caríssimo MCR, tenho andado um verdadeiro pastelão. Não só aqui, como facilmente se verá numa breve espreitadela aos demais sítios por onde ando. A gente, às vezes, cansa-se, não é? Mas, depois, passa. Esperemos, pois, que passe. Enquanto isso, um abraço para todos.

expediente 6

faire-part


Piraram-se todos e deixaram-me para aqui sozinho. Mas que é isto, a malta desanda toda para vacanças sabe-se lá onde, e partem sem deixar morada nem um recadinho? Aqui para mim, a razão de tanta clandestinidade é não quererem ser incomodados por alguma visita intempestiva, olá meu olhar sou um seu leitor fervoroso, olá Carteiro somos as primeiras vinte duma procissão que se pôs a caminho para o vir visitar e ver se lhe falta qualquer coisinha... e por aí fora.
O mcr aguenta a barca, terá pensado o JCP acendendo um dos seus enormes charutos cubanos, dos verdadeiros, dos que ainda são enrolados na coxa generosa e marxista-leninista de uma mulata tropical. Madame K, a prófuga Kamikaze, diz ámen e desanda para o Algarve natal (que falta de gosto, Kami, no Verão o Algarve está que não se aguenta!) e o resto dos remadores abunda na mesma opinião.
Pois desenganem-se ó amigos de Peniche: mcr está com o pé no estribo: 15 dias imperdíveis à beira-água em Areas, praiazinha simpática no meio da galegada. Em vendo alguém a comer mexilhão é ele. Se não for ele mas loira é a temível CG que também não deixa os créditos marisqueiros em mão alheia. Enchi um saco com livros, levo o resto duma tradução para acabar e adeus até ao meu regresso. Agora que os calores estivais começaram é mais que altura de me pôr ao fresco. Com sorte até encontro uns parceiros para o bridge. E se não encontrar, paciência: jogo no computador. Quem não tem cão caça com furão.
Férias pois. Para quem por aí fica, recomenda-se muito a leitura de um novo blog: a reciclagemdoser.blogspot.com. Ou de como uma conversa durante um ágape incursionista pôs o JAB a a fazer umas negaças à morte. De rir até morrer. Aproveitem que a silly season vai começar.

* na gravura: a praia onde mcr está todas as manhãs entre as 10 e as 13. Em soando a uma hora lusitana, mcr enrola o guarda-sol, pega na cadeira e no saco e ala que se faz tarde: esplanada de "A Postiña" a lavar a boca com uma caña. E depois almoça. Peixe marisco e saladas! A verdadeira dieta atlântica.

missanga a pataco 22


Um senhor chamado Ingmar Bergman


A primeira vez que fui ver um dos seus filmes (Morangos Silvestres, se não estou em erro) nos princípios de sessenta, houve “gritos e suspiros” na plateia. Senhoras desmaiavam. Cavalheiros empalideciam. O intervalo foi dramático. Que filme era aquele, que realizador se atrevia a ir tão longe e tão pungentemente?
A partir do primeiro filme, Bergman, ficou marcado para um certo público português: “Difícil”, “intelectual”, “metafísico” foram alguns dos mimos com que o apodaram. Convenhamos que o de intelectual era um tanto ou quanto estranho. Então um realizador de filmes não é, queira ou não, um intelectual? O mundo dos cinéfilos é bizarro!
De todo o modo, Bergman impôs-se. Pela qualidade evidente da sua escrita cinematográfica. Pelo cuidado que punha na direcção de actores que, entretanto, pareciam tão livres. Pela sua obsessiva pesquisa da natureza do homem, dos seus sonhos e pesadelos. Pela elegância, também. E finalmente pelas suas actrizes. Desde “Mónika e o desejo” é uma plêiade de grandes actrizes que chegam até nós graças a Bergman. E curiosamente também por aí chegava alguma modernidade. Mulheres livres num universo cinematográfico europeu que ainda usava um tipo feminino tradicional. Tentando não pescar nas turvas águas de uma certa critica cinematográfica que tem conseguido com um êxito invulgar afastar o público do cinema, gostaria de sublinhar que Bergman é o realizador do casal, mesmo se em quase todos os seus filmes este está em vias de dissolução. Poucos chegaram tão longe, e tão bem. Se isso parecer uma homenagem, pois que seja. A morte que agora o leva aos oitenta e nove anos tão vividos dá azo a que se fale do passamento do último grande mestre europeu. O que, apesar de Antonioni estar vivo mas perdido para o cinema, não deixa de ser verdade.

PS: Ontem domingo, morria também muito perto dos 89 anos, Michel Serrault, um enorme actor francês. Parece que tinha por lema: mais vale cinco minutos de génio num filme medíocre, que noventa normais num filme brilhante. Serrault teve centenas de minutos de gtrande brilho em filmes muito desiguais, para não falar no teatro que nunca abandonou. Parte, aureolado por vários “César” e, sobretudo, pelo reconhecimento e pelo amor do público. Poucos se podem gabar do mesmo. Chapeau!

* a gravura: cartaz de um dos seus mais admiráveis filmes.

27 julho 2007

Estes dias que passam 72


AVENTURAS DA DESRAZÃO

Confesso que me assaltou uma certa dúvida quando escrevi “desrazão”. Eu tinha a convicção que a palavra existia, que faria parte desse cada vez maior número de palavras que ninguém usa, tão habituados estamos a um português básico e pedinchão. Mas existe, valha-me São Houaiss patrono dos dicionaristas (ao lado do dr Johnson, claro. E do Viterbo. E do Moraes, idem. Portanto quem não souber o significado só tem ir pelos seus dedinhos: Houaiss!
Todavia o facto de uma palavra existir, pouco quer dizer, às vezes nada. Vejamos a palavra “vergonha”. Ter vergonha, por exemplo. Antigamente um homem de bem tinha vergonha na cara, não fazia certas coisas que a moral ou os costumes vigentes reprovavam. Até os políticos tinham vergonha, vejam lá.
E agora, como estamos? Pois, mal. Muito mal. Um desastre!
Vem tudo isto a propósito dum sinistro cavalheiro que dá por Muammar Kadafi e que governa a Líbia há uns larguíssimos anos.
Kadafi foi acusado vezes sem conta de autor moral de atentados, de pagador de terroristas, de ditador. Durante anos foi um pestífero, ninguém queria nada com ele, ou dele. A Líbia era um santuário para criminosos de todo o jaez, desde que políticos.
Nestes últimos anos, contudo, há subtis mudanças no personagem, que com a ajuda do petróleo líbio, tem pouco a pouco apagado o lado cavernícola da criatura.
Porém, apesar de já não ser o réprobo dos réprobos, Kadafi ainda não era frequentável. E não era pelas razões de todos conhecidas e mais uma. Numa encenação delirante, ubuesca, a “justiça” (entre aspas como terão reparado) líbia, entendeu acusar cinco enfermeiras búlgaras e um médico palestiniano de um crime monstruoso: teriam inoculado o vírus da SIDA a cerca de quatrocentas crianças que vegetavam doentes nos “hospitais” líbios (terão reparado que as aspas aí estão de novo). A acusação era de tal modo bizarra que ninguém acreditou, líbios incluídos, suponho. Todavia as enfermeiras e o médico foram rapidamente presos, interrogados com a proverbial clemência dos esbirros de Kadafi e graças a uns aparelhitos eléctricos aplicados nas zonas genitais dos criminosos confessaram, diz-se, tudo ou quase tudo. Isto começou há oito anos. Oito anos em que de interrogatório para tribunal e vice-versa, aquelas seis criaturas sofreram o que pouca gente sofre. Se os hospitais líbios são o que são, imaginem as cadeias.
O segundo acto desta tragicomédia foi totalmente preenchido com a sessão delirante do julgamento onde os desgraçados réus negaram tudo o que lhes fora extorquido pela polícia. A opinião pública europeia comoveu-se, surgiram protestos, os governos de alguns países deram a conhecer as suas criticas olimpicamente ignoradas pelos “juízes” líbios que mais não do que peças anonimas e pouco representativas do vago direito que aplicam com singular pertinácia. Como não podia deixar de ser, os réus foram condenados. À morte, como convém. Apelaram claro.
Mais prudentes, os governos entenderam contribuir para um faraónico fundo de ajuda às vítimas e aos familiares dos já falecidos. Em princípio sussurrava-se que com um milhão por cabeça, viva ou morta, talvez as coisas se compusessem. O dinheiro choveu e quem sabe diz que veio direitinho dos erários públicos de uma dúzia de países europeus condoídos com a sorte das enfermeiras e atentos ao petróleo que corre pela Líbia.
Quando a soma foi reunida pensava-se que as pobres mulheres seriam de algum modo libertadas ou pelo menos veriam comutada a sentença. Nada disso, entretanto, ocorreu: o Supremo Tribunal da Líbia (ou a ajuntamento de magarefes que frequenta esse local mal afamado) manteve as penas de morte. A Europa voltou a comover-se. E tanto se comoveu, tanto apelou, tanto pagou, que Kadafi transigiu em receber a senhora Sarkozy despachada pelo extremoso marido para obter a graça presidencial. Kadafi já com o dinheiro empochado, fez o gesto que se esperava: se o ocidente retirasse o seu bloqueio à personagem, ele comutaria a pena de morte. A senhora Sarkozy ter-lhe-á dito que isso era o menos, o que lá vai, lá vai.
E, terceiro acto, Kadafi comuta as penas e entrega o bando de criminosos à Bulgária com a condição dos réus aí cumprirem a pena. Claro que mal os desgraçados pisaram o solo de Sofia, logo o presidente búlgara a uncia que os graciou e que estão livres. .A Líbia protesta molemente e para a galeria. O mundo ocidental esquece todos os agravos contra o coronel Kadafi e elogiam-lhe a clemência, a bondade, o respeito pelas liberdades e pelos direitos humanos. Sarkozy precipita-se para Tripoli. Os empreendedores seguem-lhe na peugada e os jornais de hoje já falam neste novo faroeste (por acaso a sul). E no petróleo, claro. Caíram os embargos, calaram-se as criticas e o cheiro a petróleo espalha-se como uma nódoa de azeite pelas nossas praias.
Os dirigentes políticos, Sarkozy à frente, mostraram claramente que vergonha neles desaparece ainda mais facilmente do que manteiga em focinho de cão.
Não me admiraria se, um destes dias de gloriosa presidência europeia, aí desembarcasse o senhor Kadafi para se mostrar ao gentio português. Não que tenhamos importância mas apenas para rapidamente se mostrar à Europa por interposta presidência portuguesa. A menos que nem isso valhamos e Kadafi nos substitua pelos verdadeiros senhores da Europa.
Ao pensar nisto, lembrei-me de Fidel Castro. Não que simpatize com a personagem. Já foi tempo. Há muito, muito tempo. Só que aposto dobrado contra singelo, que se Cuba tivesse petróleo em vez de açúcar, calavam-se depressa todas as criticas e cessariam também os embargos. Azar dele, ter açúcar. Não é com isto que ele adoçará as bocas dos senhores do mundo. Preferem o petróleo sobretudo porque aquilo no médio oriente está um tanto ou quanto agitado. Ao passo que na Líbia reina a calma. A calma dos grandes cemitérios sob a lua, para citar Bernanos que, apesar de católico, não se quis calar quanto ao que se passava na Espanha.
Ele tinha vergonha. O que só o honra. O problema é que agora, a falta de vergonha tem o antipático nome de realpolitik.

* gravura: um cartaz do "Maio de 68"

Estes dias que passam 71


NEM A MIM!*

Eu ia falar do texto do Manuel Alegre mas o meu camarada de redacção, JSC, já o referiu pelo que opto pela preguiça e digo “ámen”. Todavia, JSC não teve de certeza tempo para fazer uma recensão das criticas ao texto que só hoje começaram a revelar-se.
Não vou referir as exteriores ao PS porque, dizendo bem ou dizendo mal, podem ter meros fins políticos e politiqueiros para a propósito disto acertar o passo ao governo.
Falemos pois e apenas de duas intervenções: o Sr Primeiro Ministro e o Sr autarca João Soares.
Com a audácia que se tem quando se fala sozinho para um microfone sem ter quem lhe responda no momento, o Sr PM diz que o texto é apenas mais do mesmo, que Alegre periodicamente diz aquilo, que se trata de um discurso gasto, enfim, reduz Alegre à condição dum pobre triste que só diz mal. Convenhamos que esta é, para já, uma maneira serôdia de abandalhar um texto que, sobre ser bem escrito (coisa que entra pelos olhos de qualquer criatura que tenha passado na disciplina de “português técnico”), contém uma excelente reflexão sobre a deriva do discurso sobre as liberdades praticado pelo governo. As leitoras lembrar-se-ão que Alegre chega a dizer que não considera as liberdades em perigo mas que, est modus in rebus para o que toca ao discurso que se faz sobre a acção do governo,. Trocando por miúdos, Alegre dá voz a quem não percebe as medidas abruptas que muito economicistamente (aguentem lá este palavrão) se tomaram. Alegre julga, como qualquer pessoa que por aí ande, que pode desertificar-se ainda mais o interior quando se fecham serviços que as mais das vezes eram eles mesmos uma garantia para quem queria ir para o “mato”, ou para o “deserto” onde vive o meu amigo João Tunes (leiam o blog Agualisa 6 que aquilo é sadiamente polémico, fortemente critico e corajosamente assumido). Eu não viveria numa terra, Vieira do Minho por exemplo, onde o SAP fechará boa parte do dia ou melhor da noite. É que se me desse uma maleita, não haveria hipótese de, lá e depressa, me verem o futuro cadáver e de elegerem os meios mais adequados para me ajudar. Nesse futuro “sertão” é-se levado em padiola para uma cidade a trinta quilómetros que, à noite e naquela estrada, podem significar o dobro. O Sr PM, que é de uma terra do interior, deveria começar por aplicar na sua terra, hoje gloriosa graças a ele, o que quer aplicar nas outras em igualdade de circunstâncias. Só para ver o que os conterrâneos lhe diriam da mãe e das antepassadas todas até à décima geração.
A segunda questão é que o sr PM ao qualificar despectivamente de “clássico” e de fantasia o discurso de Alegre comete dois erros. Falar de liberdade nunca é um clássico a menos que seja para a amordaçar. Falar de fantasia, releva daquela habitual e grosseira posição de quem considera os poetas um ornamento floral barato à falta de uma pin up despida no átrio do Parlamento. O Sr PM ao desqualificar sumariamente a posição de Alegre vem dizer apenas que tem um cretino como vice-presidente da Assembleia da Republica. Ou, se não for cretino, um totó, ou um xico-esperto, enfim um pássaro bisnau que só sabe bicar a impoluta virtude do actual e meritório governo.
A história que nunca perdoa, porventura nunca referirá daqui a uma dúzia de anos este primeiro ministro. Quanto a Alegre, esteja o sr PM descansado que dele haverá rasto como poeta, quanto mais não seja. Hoje toda a gente sabe quem foi Mayakovsky mas provavelmente ignorarão o primeiro ministro da altura, o presidente da republica e eventualmente o secretario geral do PCUS. Esteja o Sr José Sócrates descansado que sobre ele e a sua memória não se esforçarão os focos da fama.
O sr autarca de Sintra, João Soares, tem o curioso hábito de se vestir de virgem arrependida quando alguém fala em liberdade. Ele “seria a primeira pessoa a protestar se houvesse alguma coisa no país que pusesse em causa a liberdade de expressão” (sic). Alegre que se cuide e lhe peça primeiro autorização para falar deste espinhoso tema. Eu não tenho o filho desse grande político que foi Mário Soares, em grande conta: nunca lhe ouvi senão vulgaridades e isto desde o patético tempo em que ele criou uma coisinha chamada GAPS (grupo autónomo do partido socialista) e que fanfarronava de esquerda independente dentro do ps, onde o pai, suava as estopinhas para organizar o partido cá dentro. A rapaziada do GAPS dava-se ares de esquerdista mas dentro do PS, como se deve, inodoro, incolor e insípido, como obviamente tinha de ser. Deve ser desse tempo que lhe ficou esta ideia de se identificar com o semáforo da liberdade. E sobre o discurso de Alegre, estamos conversados. Outros bonzos socialistas acorreram à chamada para, sem responder, virem graves e circunspectos dizer que tudo vai bem e fresquinho no reino da Dinamarca. O poder tem consequências terríveis para quem o detém: uma é tornar autistas os seus usuários. A “introdução ... na vida política português de um conjunto de critérios de rigor, exigência e reforço democrático” como diz o sr Ministro do Trabalho é um chavão e sobretudo volta a responder ao lado no que toca às questões que Alegre levanta no seu artigo. Um outro deputado, desta vez a propósito do arquivamento do processo contra o sr. Charrua, veio ufano dizer que aquilo provava a liberalidade do governo que actuara quando tivera que actuar. Não é assim sr deputado: o governo actuou tarde e provavelmente mal. Tarde porque, logo no dia seguinte ao acto da azougada directora da DREN, um telefonemazinho poria a senhora no seu lugar e dispensaria esta trapalhada. Por outro, o sr. Charrua (que não conheço nem me apetece conhecer) sofreu pelo menos um castigo: foi durante dias suspenso. Pior: foi-lhe dada por finda a requisição para a DREN, o que neste caso, é sem margem para dúvidas, como agora se prova, uma punição. Ainda por cima, ao que me dizem, ele estava prestes a terminar o período da requisição, pelo que bastaria esperar e não o requisitar de novo. Assim, toda a gente, e eu mesmo, ficará convencida que ele foi alvo de uma punição que nenhum arquivamento levantará. Além do que se fica sem perceber porque é que ele Charrua esteve ali durante vinte anos sempre com altíssima classificação de serviço e agora é dispensado. Arranjaram melhor? Ora mostrem lá! E como uma tolice nunca vem só, parece que o cavalheiro que delatou, foi promovido a assessor pessoal da senhora directora da DREN (que só hoje conheci por a ver na televisão, se é que era ela a senhora gorda e com um rosto inexpressivo que se sentou ao lado da srª Ministra da Educação) o que sendo feito no período em que foi feito, diz muito do modo de governo em uso na DREN. Ou seja, além de se cometer uma imprudência, cometeu-se uma impudência. Espero que alguém explique isto à tal senhora. Que há um tempo para castigar e outro para promover, se me é permitida esta alteração da palavra evangélica.
E com tão santas palavras despeço-me que a noite é menina e eu preciso de dormir.

*
o título é obviamente uma brincadeira com o texto de baixo

gravura: Liberté de Fernand Léger

26 julho 2007

A MIM NINGUÉM ME CALA

Manuel Alegre quis marcar a agenda política para as férias e soltou a um novo grito, bem ao jeito de “A MIM NINGUÉM ME CALA”.

No essencial estou de acordo com tudo quanto Manuel Alegre escreveu no seu manifesto “Contra o medo, Liberdade”, publicado no Público, ainda que me pareça um pouco excessivo o tom na parte que se refere ao “medo de falar” e ao “medo de pensar”. Muito sinceramente penso não ser este o principal problema, nem chega a ser problema, do nosso sistema político.

Mas Manuel Alegre também aborda aquele que é, de facto, um grande problema e que se centra no domínio das opções políticas do governo: “ a progressiva destruição do sistema nacional de saúde”, a progressiva redução das funções sociais do Estado e as “tendências privatizadoras” de “sectores estratégicos” nomeadamente o abastecimento público de água.

Ainda bem que Manuel Alegre despertou, agora, para esta realidade de minimização do papel do Estado nas chamadas funções sociais. Pena é que a sua argúcia e capacidade de mobilização não se tenha feito ouvir bem lá atrás, a tempo de impedir ou pelo menos minimizar o grave erro que é o processo em curso de liquidação do serviço nacional de saúde e, já agora, a privatização da água e mesmo do ensino superior.

Apesar dos tempos actuais não serem propícios a grandes mobilizações, aguardemos as próximas intervenções de Manuel Alegre e de todos quantos se identificam com as suas posições em defesa das bandeiras da Liberdade, da credibilidade política e da Justiça Social. Pode ser que se façam ouvir e que mobilizem vontades capazes de inflectir o sentido da orientação política em curso nestes domínios.

24 julho 2007

Diário Político 60

A Mão à palmatória

A escrita sem risco não vale a pena. Mesmo num simples blog, a comentar o desfile das horas e a futurar o dia seguinte. Ou os dias seguintes. Ontem* falei das eleições no PPD (isto é uma mania minha: nunca vislumbrei suficientes toques social-democratas naquele curioso partido, nascido mais da vontade de Sá Carneiro do que algum eventual e profundo desenho colectivo). O PPD foi desde sempre um partido órfão – já o era em vida de Sá Carneiro – quando os seus adversários o tentaram defenestrar – e as mortes trágicas do fundador e pouco depois de Mota Pinto, fornecem suficientes argumentos para sustentar esta tese. Mesmo Cavaco, que continua vivo, é já uma espécie de finado para a militância. Não creio que alguém sonhe com um seu regresso, provavelmente nem o quereriam. A partir da saída de Cavaco (e já lá vão mais de dez anos...) o partido foi sendo governado por uns cavalheiros sem empatia com os militantes ou com o eleitorado. Dir-me-ão que ainda ganhou umas eleições, o que, sendo verdade, é só meia: o PS (e alguma vez também iremos ver o que significa aquele S que trazem à cintura, como os antigos lusitos da MP, e não estou a fantasiar, mas tão só a relembrar o peso “excessivo” que o S hoje deve ter para os militantes. A menos que seja também ele uma letra para todo o serviço, ora aí está, para “serviço”, “socialismo”, “Sócrates”, “sapador” ou outra coisa qualquer) perdeu-as mais por falta de alma e indisciplina interna do que eles as ganharam. De resto, parra muito militante não convinha que Ferro as ganhasse. Mas deixemos isso para outra ocasião...
É que as eleições também se perdem por cansaço dos eleitores que não descortinam porque é que um partido é melhor do que outro, em que se diferencia de outro, que valores ainda propõe. Isto mesmo foi, aliás dito, e bem por JSC por aí mas pelos vistos o Verão e o cheiro das férias não suscitaram grande vontade de comentar.
Portanto o PPD. Em véspera de eleições internas. Até ontem, aquilo parecia a espada do D. Afonso Henriques: coisa comprida e chata, sem emoção. Marques Mendes, sozinho no meio da praça, diante de um público gelado, nem força parecia ter para citar o touro, quanto mais para obter uns “olés”. Tanto fez e disse que Menezes lá se comoveu. Vai à luta. Não se percebe bem porque é que desistiu das suas reivindicações de mais democracia interna. Até ao momento, tudo continua na mesma. A menos que... Menezes vá só tentear. Se perder, a culpa está já publicitada. Se ganhar, ganha por absoluto mérito próprio, como um renovado Quixote da nova social-democracia. Pode mesmo desistir à boca das urnas... mais uma vez pelos mesmos estafados argumentos que ontem o impediam de concorrer. O Verão vai ser quente.
De todo o modo, dou a mão à palmatória: Meneses afinal diz que vai. Enganei-me, portanto. “Shame on me!” Ouvi-lhe com um olho aberto e outro fechado, no quentinho da cama, às sete da matina, as razões de candidatura. Acho que falou em povo, desempregados, bases, eleitos locais e mais um par de narizes de cera do mesmo género. Acreditará mesmo no que disse ou é só para entreter o pagode?

Leio no conspícuo “Público” que as criancinhas presentes na sessão pública de apresentação do “Plano Tecnológicotinham sido recrutadas por uma agência de casting e eram pagas a €30 por caveira. Pasmei! Enfim, fiquei um tanto ou quanto espantado. Então já não se arranjam uns miúdos de borla? Tem de ser pagos? Pagos por quem? Pelo orçamento de Estado, está bem de ver. Por nós todos, ao fim e ao cabo. Isto não vos parece, além de ridículo, um abuso? Então uma ministerial criatura vem anunciar mais um bodo aos pobres e precisa de uma plateia afinadinha? Não basta mandar um recado aos jornais? Como é que esta gente acredita no que faz quando encena o inencenável? Ou seja, o respeitável público! Espero, já agora, que o Plano seja igualmente um verbo de encher, mais um. Assim pelo menos lograr-se-ia alguma coerência.

Continuando com as criancinhas: um neurologista, Alexandre Castro Caldas, vem em artigo de opinião, dizer esta coisa pasmosamente simples: a ideia peregrina de fornecer à infância escolar umas maquinetas de calcular para não terem de se maçar a fazer contas é uma aberração. Que faz bem à miudagem usar um pouco o cálculo mental, a memória etc... Isto claro no mesmo país onde alguém, dos esconsos do ministério da Educação, veio a terreiro defender as maquinetas. A Sociedade dos Professores de Matemática também já terá vindo dizer o mesmo. Desconhecem-se as reacções do “bunker” da Educação. Provavelmente, assobiarão para o lado e encomendam à mesma as máquinas. Fora os fabricantes das mesmas, todos perderemos, crianças, público, país, futuro. Aqui para nós, que ninguém nos ouve: a senhora Ministra alguma vez deu aulas? De quê?

Deus guarde o Governo e ilumine os simples mortais blasfemos que não percebem o alcance destas medidas.

* O cheiro a férias entontece-me. Estava convencido que tinha posto ontem o DP anterior a este. Não o fiz. Foi há minutos e só para não perder actualidade. Os leitores, coitados, apanham assim com dose dupla. Felizmente vêm aí as férias.

** na ilustração de hoje: uma velha calculadora. Tenho a vaga ideia que se chamaria pascalina.

Diário Político 59


Enquanto as férias não começam

Às vezes uma pessoa interroga-se sobre o que se passa na cabeça dos outros. Tomar-nos-ão por tolinhos? Desprezam-nos? Serão de tal modo ingénuos que não sabem do que falam? Será o Verão, que mesmo sem chegar, lhes incendeia a cabecinha?

Comecemos por este grupo de coreanos que caiu numa cilada em plena zona tribal do Afeganistão. Zona em que ninguém anda sem forte escolta e mesmo assim... Os jovens eram evangelistas. Iam levar a boa palavra aos pagãos. Ou seja iam ensinar aos “estudantes de teologia muçulmana” a beleza de outras convicções absolutamente estranhas aos indígenas. Mas por quem se tomavam estes jovens que hesito em qualificar de ingénuos porque há ingenuidades de tal modo ingénuas que roçam o cretinismo. Quereriam ser mártires? Ainda há disso? E metade do mundo fica sobre brasas, exércitos, enfim não exageremos, alguma tropa é despachada para o local onde certamente vai haver mortes, cheira-me que, como vem sendo um triste e sinistro hábito, quem vai apanhar tiros é o pópulo que já grama em cima com os talibans e a tropa ocidental.
Quem deixou os meninos evangelistas passear por ali? Porque os deixaram? Responda quem souber.

O presidente Bush continua a achar que está a ganhar a guerra contra o eixo do mal no Iraque. Os jornais já nem sequer contam os mortos. Alguém sabe quantos americanos morreram nos últimos meses? Não são notícia, são uma espécie de fait divers no país da morte. Saddam Hussein está vingado: já morreram mais iraquianos neste curto espaço de tempo do que em todo o seu longo e sangrento reinado. E isto ainda só agora começou. Porque com americanos ou sem o morticínio vai continuar. Vai, presumivelmente, aumentar. Enfim são iraquianos, logo infiéis, que se lixem.

Continuando sempre nestas festivas paragens do Médio Oriente, temos que o mundo ocidental olha embevecido para a Cisjordânia. Olha tanto que se esquece de Gaza. Provavelmente julgam que os de lá, sob a férula do Hamas, morrerão de fome, cercados como estão. É possível mas não acredito. Não que ache o Hamas simpático. Longe disso. Acho-os mesmo tão antipáticos como o Likud. Todavia, e se bem me lembro, eles ganharam umas eleições organizadas pelos seus próprios adversários. Agora anda toda a gente a acarinhar o presidente da Autoridade Palestiniana, Israel liberta 250 presos (de um universo de 8 ou 9.000 detidos a maior parte dos quais há anos, muitos sem julgamento). Até Blair, o rapaz que viu claramente visto o milagre das rosas iraquiano (armas de destruição maciça por toda a parte), vai lá. Vai dizer aos palestinianos da Cisjordânia que o Ocidente os ama desde as cruzadas. O mundo endoideceu, ou isto é apenas uma inocente brincadeira de Verão?

A Turquia votou. A esquerda e o centro laicos foram derrotados. Sem apelo nem agravo. Os islamistas “moderados” de Erdogan ganharam. Eu, se fosse mulher, e turca, ficava um bocado atrapalhada. Bem sei que ninguém fala em impor o véu, muito menos o tchador e a charia. Ainda não! Mas lá chegaremos. Ou poderemos chegar. A Turquia é uma caixinha de surpresas, eu que o diga que tive por esse mundo fora um bom número de colegas turcos. Gente da melhor, garanto. Laicos, alegres, não desprezando uma cervejola discreta. Entretanto, vejamos o que a Europa lhes destina. A Europa, a União é o último travão à deriva islamista. A Turquia é o único baluarte contra uma outra concepção do mundo, claramente anti-europeia. Não sei porquê mas esta minha ideia não deve ter muitos entusiastas pela Europa sarkozo-polaca.

E a Polónia? Pois a Polónia agora que já entrou, começa a achar que os direitos e liberdades que a União partilha não são exactamente os que ela, melhor dizendo, os que os gémeos presidente e primeiro ministro partilham. O engenheiro Sócrates vai suar um bocado durante o Verão para os convencer.

E nós por cá, todos bem? Enfim... A habitual algazarra antes do Verão e o romance por capítulos semanais do PPD. O Dr Mendes farto de apanhar na cabeça marcou as “directas”. Previa-se uma multidão de candidatos. Mas não. Até agora o dr. Mendes está sozinho na corrida. Então, não há corajosos? Tanta crítica, tanta farronca e agora passa tudo. No meio destes não-candidatos, custa-me dizê-lo, só um apresenta um argumento decente: o Dr Rio. Diz –e acredito – que tem um mandato para cumprir. Até ao fim. Ora aqui está uma coisa que aquele senhor ex-juiz do constitucional poderia aprender. Se ainda fosse a tempo. Mas já não vai.

Sincerely yours
d’ Oliveira

o desenho reporta-se a uma antiga ilustração sobre as cruzadas.

23 julho 2007

Dai-me


Dai-me trevas,
com elas construirei luz.

Dai-me o silêncio,
nele eclodirá a palavra,
surpreendente,
flor a sair das águas.

Dai-me o poder de pronunciar
a palavra, de nomear a coisa
que habitará cada verso.
Cantarei uma canção
entre o olhar e a realidade,
uma canção para sempre.

Dai-me o dom de perceber
a poesia pousada no mundo,
na face encantada do mundo,
no seu corpo maltratado.

Dai-me o privilégio
de ouvir a música
que vive nos gestos, no espaço,
no frágil equilíbrio da Terra.

Dai-me mãos e braços
para escrever o que sequer dizemos,
com eles produzirei novos significados
e alçarei vôo.
O vôo sutilíssimo do poema.


Silvia Chueire

Au Bonheur des Dames 79


Porto feliz Foco infeliz

O senhor Rui Rio, meritório presidente da Câmara do Porto anunciou com a modéstia de que sempre faz gala o fim ruidoso do programa Porto Feliz, por ele mesmo lançado há uns anos para libertar as ruas e praças da cidade da praga dos arrumadores de automóveis. Contava, para o efeito com o apoio de uma instituição amadoramente velocipédica que dá pelo nome de IDT (Instituto da Droga e da Tóxico-dependência) e que se tem imposto à consideração publica, nacional e internacional pela organização de uns passeios chamados Lisboa ou Porto Bike Tour. Depois do Allgarve a quem o meu sobrinho Manuel chamou distraidamente, e sem desdouro para a radiosa província, Alarve, eis a Bike Tour, convenientemente anglo-saxónica para nos dar um momento de descanso da língua nacional. Parece que “passeio de bicicleta” era difícil de escrever, dada a má vontade dos estudantes do secundário em relação à língua dita de Camões. E convenhamos que têm razão: Paçeio de Bissicleta não parece lá muito curial.
Portanto, e voltando à vaca fria, (cool cow) temos que o senhor Rio some years ago resolveu purgar ruas, becos, praças e azinhagas do Oporto (what a town!) de drogados, arrumadores & similares. Chamou ele, de sociedade com o IDT que era quem abria os cordões à bolsa, à operation “ Porto Feliz” ou Happy Oporto, já não sei bem.
Garantiam as autoridades que com tal operação, as ruas do Porto iriam ficar mais clean de bandoleiros que Bagdad à hora de ponta (point hour). Os munícipes (our dear neighbours) nunca mais teriam que esportular a temível moedinha (the amazing coin) para que o perigoso pedinte não riscasse o popó. A cidade ia voltar aos seus tempos de altiva grandeza graças a esta salutary idea of Mr River.
Não sei se já disse às leitoras (beautiful readers) que vivo numa zona adjacente à Goodview Avenue, near the Good Sight Stadium, chamada plebeiamente Foco. Era para ser zona Residencial William Graham mas como havia, integrado no conjunto um cinema já falecido, com o nome de Foco. o bairro ficou Foco (ou focus como preferirem). O bairro tem fama de bairro de ricos pelo que não é de estranhar que tenha acolhido desde tempos imemoriais não um mas dois “arrumadores” (vehicle ushers ou car arrangers, como queiram...). E, de facto, devia ser rich as Cresus, porque os arrumadores da zona praticaram sempre um horário especial. “Pegavam” às nove e meia dez horas, faziam um pequeno break para almoço (lunch break) continuavam aí pelas duas e às quatro, retiravam-se não sei se para casa se para uma zona de fornecimento de drugs.
A campanha do “Happy Oporto” não os comoveu, sequer os tocou. Continuaram intemeratos a sacar a moedinha aos incautos cidadãos que aqui estacionavam. E, honra lhes seja feita, nunca os preferiram aos moradores. Aqui toda a gente estava sujeita ao tributo, ricos e pobres, senhoras e cavalheiros, povo trabalhador (working class) e passeantes dominicais.
Continuaram e continuam que ainda há minutos vi dois arrumadores a dividir o território. Dir-se-á, sempre na sequencia daquela bela frase “os ricos que paguem a crise”, que o Foco era uma excepção no mar de serena felicidade outorgada pelo senhor Rio, clemente presidente da Câmara. Erro, dear friends, erro gordo e colossal. A dois passos daqui na John of God street dois arrumadores, dois, dividem fraternalmente o espaço público e parqueante. Não têm a distinção dos nossos, o horário de trabalho deles é mais longo, mas que lá estão, estão. E a cobrar a mesmíssima moedinha, enfim a moedinha apropriada a quem vai num salto à Portugal Telecom pagar a conta do telefone. Ou seja que num raio de duzentos metros a voo de pássaro (bird flight) temos quatro, four, cavalheiros mais integrados que apocalípticos a sacar os trocos aos cidadãos motorizados. E os das bikes? Ah esses não pagam porque são colegas dos cobradores. Ou benfeitores dos mesmos... Ou porque nunca por ali passam.
Convenhamos que o Happy Oporto, no que nos diz respeito a nós, os ricaços do Foco, não deixa saudades (como é que se dirá saudades em ingliche? Homesickness? Raio de palavra... deve ser portuguesa...). Have a good trip Mr River!

yours*
mcr

* não é piada. it's not a joke, Mr. Prime Minister. This is only the 78th edition of "at Ladies' Pleasure".

22 julho 2007

Au Bonheur des Dames 78


Variações para seringa e bicicleta

Eu não consigo perceber o afã que entidades públicas e privadas põem em chatear o indígena a propósito de pretensas acções benfazejas. Então o amor pelo nosso físico e pelo ambiente chega a extremos que enlevam o mais assanhado libertino.
Desta feita foi o IDT que, para levar a cabo mais uma definitiva acção contra a droga, entendeu fazer um passeio de bicicleta entre as duas margens do Douro. Entenda-se entre um qualquer sítio de Gaia com obrigatória passagem pela ponte da Arrábida e o Castelo do Queijo. Para as leitoras que não conheçam o Porto e as suas bizarrias sempre se dirá que a cidade está atravessada por uma Via de Cintura Interna estranguladora, que separa o litoral do centro antigo e do interior, onde desaguam várias auto-estradas (aliás todas) e que une as pontes da Arrábida e do Freixo (as duas principais entradas sul do Porto, aliás as únicas). Em seguida, convém dizer que entre o centro e o litoral portuense escasseiam as comunicações: há a marginal do Douro, a Rª do Campo Alegre e a Avenida da Boavista. As duas últimas passam por cima da VCI.
Portanto, se quisermos tornar difícil senão impossível as comunicações entre o Oeste e Leste da cidade bem como entre boa parte do Sul e do Norte, basta fechar a torneira da VCI e a Avenida da Boavista.
Ora o que fizeram o IDT, a prestimosa Câmara Municipal (que se está nas tintas para os seus munícipes) e o selecto grupo de patrocinadores da piedosa romaria ciclista que veio salvar do inferno da droga milhares de criaturas fracas?
Fecharam a Ponte da Arrábida entre as 20.30 de sábado e as 14.00 de domingo. E não contentes com esta façanha terão cortado o sentido sul norte da VCI entre a Arrábida e o nó de ligação à rotunda da Boavista, bem como os acessos deste nó à mesma rotunda. Para culminar esta extraordinária acção de beneficência cortaram a circulação leste oeste na Avenida da Boavista. Com este plano brilhante conseguiram tornar impossível as saídas para sul e leste dos bairros de Ramalde e Aldoar, as comunicações de Matosinhos e dar cabo do trânsito descendente da Avenida da Boavista durante grande parte da manhã de domingo. Ou seja conseguiram tornar ainda mais difícil o acesso às praias e esplanadas a sul do Castelo do Queijo. Isto durante horas. Porque os seis mil ciclistas inscritos que demoraram mais de duas largas horas a fazer o trajecto não podiam parar uma ou duas vezes nos cruzamentos mais importantes (já se não pediam todos...) da Avenida da Boavista! O corte esteve a cargo da polícia (PSP ou Municipal, não interessa) que, perante as perguntas de centenas de motoristas engarrafados na zona mais a norte da cidade que só queriam saber como é que conseguiam chegar ao outro la.do não sabiam que responder Eu mesmo passei por essa provação e o resultado apenas veio confirmar o meu conhecido horror pelos briosos agentes da ordem. À uma mandavam as pessoas tentar uma passagem que estava sempre impedida pelos colegas destes benévolos informantes. Depois não eram capazes de informar quando é que acabaria o desfile lento e irritante de milhares de criaturas que só participavam para depois ficarem com a bicicleta que, obviamente, arrumarão num esconso da casa que a cidade é demasiado perigosa para quem se atreve a sair de casa em duas rodas. Ou seja os motoristas ficavam engarrafados em longas filas junto dos poucos acessos à Avenida e já sem hipóteses de dar meia volta e regressar à calma do lar. Pessoalmente quando já desesperava fui salvo por uma condutor do carro ao lado que me perguntou como é que ia para a ponte da Arrábida. Subitamente lembrei-me de um truque para apanhar a VCI em sentido contrário ao dos ciclistas que penosamente cumpriam a sua pedalante funçanata e, por aí atingir a Foz, por uma saída mais abaixo. O que consegui, sem todavia ver muita gente a imitar-me, sinal de que os senhores agentes não sabiam do truque ou sabendo guardavam o segredo cuidadosamente para os auto-transportados saberem e sofrerem o que custa ser rico.
Voltando ao início. Pelas minhas contas a passeata ciclista terá começado por volta das 9.30, 10.00 horas da manhã. A que título (e com que custos?) se fecha a ponte com uma antecedência de 9 ou 10 horas? Para quê? Quem foi a inteligência rutilante que teve a ideia? A Câmara? O IDT? A direcção das estradas? O Zé da Esquina? O Camelo do costume ou, dado estarmos no Porto, um simples dromerdário (eu escrevi dromerdário!)?
Alguém acha que dando umas bicicletas a uns pedalantes manhosos e ávidos de tudo o que for à borla, se combate a injecçãozinha na veia, o tráfico gordo que se vê à vista desarmada na Sé ou no Aleixo, o desastre do cortejo de drogados que se acumula a certas horas perto do CAT da Boavista? Então anda por aí tudo a regougar que o pais está a meia bancarrota e o mesmo país dá-se ao luxo de fechar uma das suas principais artérias durante horas mesmo que isso ocorra entre sábado e domingo?
Claro que alguém me dirá que estes cortes no transito citadino e nomeadamente na Boavista já são costumeiros. É verdade. Não há corrida de pançudos resfolegantes que não comece ou acabe no Castelo do Queijo ou nas avenidas que aí confluem (o eixo avenidas do Brasil e de Montevideu e a triste Boavista). A militaragem quando quer arejar os galões e mostrar os brinquedos bélicos que custam os olhos da cara e que não dissuadiriam sequer a Bechuanalandia de nos invadir se estivesse aqui mais à mão, não hesita: Foz com a tropa fandanga! Um clube da quadragésima divisão quer mostrar que, mesmo sem Pinto da Costa, pode cantar de galo? Não pensa duas vezes: ocupa a avenida e adjacências seja com uma meia maratona que mais parece uma procissão dos aflitos de sezões, ou com outra manifestação exaltante do pobre poderio físico dos seus atletas. O senhor Rio faz da avenida e do Castelo do queijo a sua anual pista de dinky toys tamanho grande. E zás!, toca de fechar a avenida por vários dias entre treinos e circuito de indianápolis dos pobres!
Os habitantes da “invicta cidade” (boa piada, esta da invicta...) passam pior que os do deserto além Tejo. A esses ninguém os chateia com estas coisas, ninguém lhes chama tripeiros, nem lhes atiram com umas tripas do tempo das descobertas, que ainda por cima são falsas como Judas, ninguém diz que eles são a reserva moral da pátria (quando na verdade não passam de uma reserva de perdigotos...) ninguém lhes chama cidade do trabalho ou outras parvoíces do mesmo jaez. A tropa deixa-os em paz, os atletas de domingo não lhes percorrem os oásis e os aduares. Nem os ministro vão lá oferecer, generosos, uma esmola que não se dá ao pobre mais insolente que nos saia ao caminho. Nem sequer são obrigados a aturar o IDT, o senhor Rio e a luta contra o flagelo tudo junto num domingo de sol, depois de tantos horríveis, que este ano o Verão português, ou pelo menos o nortenho, foi passar as férias com os colegas romenos e os gregos, que coitados, alombam com dois verões e nós a meia ração de primavera fresquinha...
Estou já velho mas confesso: mais uma de cicloturismo anti drogas e começo na maconha. Antes tarde do que nunca. E os paraísos artificiais têm uma pobre qualidade: a gente não dá por ministros, presidentes de câmara, deputagem variada e outros malfeitores da pátria.
Ou então volto a fumar. Caro Carteiro tem aí um cigarrinho para mim?

A gravura é o mapa possível do Porto. A linha branca com bolinhas vermelhas em cima é a avenida da Boavista. A curva verde que atravessa o rio e segue para norte é a VCI. Estão a ver?

O título ocorreu-me porque, enquanto escrevia, a televisão (via Mezzo) dava a sublime Bartolli a cantar Salieri. Esse mesmo tão estupidamente maltratado a propósito de Mozart que até foi seu amigo.

21 julho 2007

O nosso défice

A Direcção Geral do Orçamento acaba de publicar o relatório que dá conta da execução orçamental durante o primeiro semestre deste ano. Onde se conclui que o objectivo de 3,3% para o défice orçamental está a ser conseguido.

Da leitura dos números verifica-se que a arrecadação da Receita Fiscal cresceu 8,6% no primeiro semestre, enquanto que a Despesa evoluiu 3,9% no mesmo período.

Assim, o comportamento das finanças públicas, no primeiro semestre, foi no sentido do equilíbrio das contas públicas.

Apesar desta tendência favorável, para alguns analistas e mesmo ex-ministros das finanças o facto da despesa pública continuar a crescer mostra que o processo de consolidação orçamental ainda não é sólido e que o Governo continua a ter dificuldade para reduzir os gastos públicos.

Até este ponto é fácil estar de acordo. O problema é quando os mesmos analistas e mesmo ex-ministros das finanças apontam como principal constrangimento à diminuição dos gastos públicos as “remunerações dos funcionários” e os “encargos sociais”, concluindo que se o Governo quiser dar sustentabilidade ao processo de equilíbrio orçamental tem de ter a coragem para reduzir drasticamente a despesa nos salários e nos encargos sociais.

Perante tanta insistência nesta tese, o que me ocorre perguntar é esses especialistas em finanças publicas acreditam mesmo que são essas duas variáveis as principais responsáveis pelo défice.

E as outras afectações de recursos, nomeadamente as parcerias público-privadas, os estudos e consultadorias, as indemnizações compensatórias a empresas públicas, etc., não pesam nos “gastos públicos”? Ou será que pela sua natureza económica e entidades a que se destinam não são integram o conceito de “gastos públicos”?

O Governo acaba de tomar uma medida de âmbito social – apoio à maternidade – que vai custar cerca de 100 milhões de euros, só nos últimos quatro meses do ano. A seguir o raciocínio dos mesmos especialistas, esta medida está errada porque vai aumentar os “encargos sociais”, logo afectar a consolidação orçamental..

O que é que pensarão dos mais de 100 milhões de euros já gastos em estudos para a OTA e TGV? Qual destes valores é que pesa mais nos gastos públicos? E qual é que tem maior impacto na redistribuição da riqueza?

20 julho 2007

Diário Político 58


Lá vai Lisboa...


Há coisas em que nem com pinças se deve tocar: por exemplo as eleições para a Câmara de Lisboa. À cautela ponho “A Flauta Mágica” par ver se isto, com Mozart, passa melhor. Com Mozart a realidade é um pouco menos mesquinha, menos deprimente.
Portanto Lisboa. Uma bonita cidade que merecia outra sorte. Tenho muita pena mas é difícil para quem gosta de flanar por aquelas ruas carregadas de gente e de história saber que o destino de ambas (as gente e a cidade) estão nas mãos de um grupo de pessoas a que por más ou boas razões, os cidadãos viraram as costas.
Convenhamos que quando 62% dos cidadãos desertam as urnas, começa a ser caso para fazer como na travessia de uma linha férrea: parar, olhar e escutar. Foi isso que os senhores candidatos e, sobretudo, os partidos fizeram? O pudor impede-me de responder.
Os comentadores encartados também não ajudaram. Uns, bateram com a mãozinha no peito e lamentaram a abstenção. Outros, mais ousados, puseram em causa o resultado. Para estas almas saudosas dos velhos métodos salazaristas (que, diferentemente, apesar de tudo confundiram votos a favor e abstenções em 1933) o resultado é mais ou menos inválido: ganhou a abstenção troçava um cavernícola. Esquecem-se que não sendo o voto obrigatório qualquer percentagem de eleitores cumpridores elege uma vereação.
Finalmente outros houve que acharam dever gritar aos quatro ventos que o senhor António Costa tinha ganho. Grande descoberta! Claro que ganhou. Foi ele quem teve a maioria dos votos portanto ganhou. Com menos 17.000 votos do que o desastrado e desastroso Carrilho, felizmente desaparecido sei lá onde. Mas ganhou. Que lhe preste.
Conviria, eventualmente, saber porque é que tanta gente achou desnecessário ir votar. E deixaram de ir votar nas mais disputadas eleições dos últimos anos. Em eleições únicas sem o barulho das outras todas à volta. Com algumas candidaturas de peso, Costa por exemplo, mas também o tristonho Telmo Correia. E o inopinado regresso às lides de Carmona, com o picante de caçar no mesmo território de Negrão. E o inefável Zé, o caça-corruptos. E, já agora Roseta, perfumada pelo escândalo duma saída do PS, de um ps onde desde a eleição Alegre ela sufocava. Portanto, não foi por falta de visibilidade da campanha, por falta de publicidade, por falta de escândalo que as pessoas não apareceram.
A segunda suposição será que já quase ninguém, enfim dois terços dos votantes, acredita que a Câmara se renove. Os cidadãos perderam a esperança ou, pelo menos, a confiança. E isso poderá ainda não ser uma tragédia mas já é grave. Bastante. É que quando as pessoas perdem a confiança nas eleições, os autoritarismos avançam como faca em manteiga quente. Ora, para meu gosto, já temos autoritarismo que baste, seja ele marca Sócrates, marca Santos Silva ou Costa (os dois... ). Isto para não falar nas patéticas oposições onde também se ouvem apelos ao “Chefe” (que no caso do CDS já trouxeram de volta o senhor Portas, uma espécie de Mister Músculo da direita para tristeza do senhor Monteiro que, espera-se, passará à história ou ao seu caixote do lixo sem causar comoção a ninguém).
Portanto o senhor Costa ganhou. Sem apelo nem agravo. Com quem governará e como é um exercício ocioso à beira Verão. Como é ociosa a bravata comentarística que põe em causa o facto da vereação não competir unicamente ao partido que ganha. Há uma lei ou não? E uma constituição? E foi votada ou não? Logo na altura, houve vozes contra esta solução espúria. Ninguém se comoveu. Os partidos, CDS exceptuado, votaram a lei fundamental e para os seus tenores na altura tudo isto era bom, belo e eficaz. Agora parece que há quem se arrependa. Arrepende-se da burrice na altura ou, agora, por mero cálculo eleitoral, descobre esta imensa chatice de ter de haver vereações a várias cores? A questão que se põe é esta: o sistema tem funcionado ou não? As vereações monocolores serão melhores? Por mim sempre o achei, mas ninguém me perguntou e não tinha, aliás, que o perguntar. A questão era agilizar o funcionamento da Assembleia Municipal, dar-lhe reais poderes de fiscalização. Todavia o que se vai sabendo da corrupção municipal faz-me temer que a sua despistagem se torne mais difícil num regime monocolor. Mas mesmo assim, estaria disposto a arriscar embora ache que essa modificação deveria ir de par com outras entre elas acabar com o execrável sistema de eleição dos deputados por lista. Vivo numa zona onde os elejo ao quarteirão. Ou seja, não elejo ninguém, ninguém me presta contas. E pior: quando dou por mim, vejo que no parlamento não está a primeira dúzia de deputados que eventualmente conheceria. Estão uns tristes cinzentos, uma espécie de subalternos que nas eleições acampavam nos últimos lugares com a vocação única de fazer número. Mas são eles que acabam por ficar. E por legislar. Enfim, por levantar e baixar o cu quando quem de direito os manda levantar e baixar o dito cujo.
Isto, dirão, vem fora do contexto, falava-se de Lisboa e da Câmara. Ou das Câmaras. E convenhamos que excepção feita a meia dúzia delas, o resto, é pascigo para pessoal político de segunda ordem. Ou de terceira. Se não houver mais. E mesmo em Lisboa, convenhamos que boa parte dos candidatos a simples vereadores não merecem senão um silêncio pundonoroso e piedoso. Ora aqui está uma boa maneira de acabar.

A gravura: faço parte de um club de tótós que viveu intensamente o Maio de 68. E Coimbra 69. Mesmo sabendo que nem todos os dessa fornada ainda estejam em estado de visibilidade. que se lixem e que lhes aproveite. O cartaz diz que a luta continua. Entenda-se: a luta pela dignidade, pela liberdade, pela democracia.

gostaria de acrescentar que este texto é apenas mais um num blog divertido e plural como este e que não contradiz o essencial escrito mais abaixo por outros camaradas remadores desta barca e com quem estou de acordo no fundamental.


do vosso enviado especial na Utopia

d'Oliveira

19 julho 2007

Exercício Físico


À semelhança dos últimos anos, este ano fomos “viver”para a Praia da Madalena durante duas semanas. Apesar desta mudança temporária de residência ser quase apenas para dormir, a mudança de cenário traz já um ar de férias, o que é muito salutar. Até porque aproveito para ir um pouco mais cedo e andar de bicicleta à beira mar. Adoro andar de bicicleta. Foi gosto que me ficou de pequenina. Bom, mas esta introdução para quê? É que dei por mim a reflectir, mais uma vez, no meio do passeio a pedal, nesta história do exercício físico. Cada vez se encontram mais desportistas de ocasião, vermelhos do esforço, a arrastarem-se em corridas esforçadas, com um ar de sacrifício que mete pena. Também se vêem muitas mulheres abastadas no seu físico a caminhar com rapidez, com ar de quem tem que cumprir um dever. Não acho que façam mal, nem tão pouco os critico, bem pelo contrário. É óptimo disporem-se a fazer exercício. Do que eu tenho pena é do seu ar de sacrifício. Sou de opinião que gastar energia por gastar, que seja em coisas que dêem prazer. Por isso, para mim, fazer exercício sim, não só como um meio mas também como um fim em si mesmo. Isto é quase como a comida. Quando ouço falar em vitaminas, proteínas, mais as gramas necessárias, etc, não posso deixar de ver a alimentação como um medicamento e a imagem não me agrada, de todo. Acho bem que haja preocupação com a saúde, mas que o viver mais tempo não nos retire a qualidade do momento, do sabor, do prazer.

Farmácia de Serviço 35







Nikias Skapinakis


Quem se der ao trabalho de ler o último "JL" (Jornal de Letras Artes e Ideias, nº 960) terá a grata surpresa de se deparar com uma "autobiografia" de Nikias. Não há que enganar: é na última página.
Escrita num tom desenfadado, retrata, todavia, uma vida exemplar de um pintor exemplar.
Nikias é efectivamente um dos nossos "grandes" e, como tal, é normalmente esquecido por alguns rapazes que adoram de tal modo a novidade que se esquecem dos ingredientes com que ela é feita. Não que Nikias (ou Pomar, ou Lanhas ou Batarda ou o Jorge Pinheiro) sofra(m) com isso. Os "amadores", isto é as pessoas que gostam mesmo de pintura, estão atentos e de cada vez que uma mostra do Nikias tem lugar é um ver se te avias. Eu bem gostava de "pôr" aqui uma serigrafia que me faz companhia desde os anos 70. Como ainda não sei fazer isso, fui buscar este "Delacroix no 25 de Abril" à internet.
Espero que gostem.

PS: o "JL" já vai no número 960! Num país tão ao avesso isto é de certeza o quarto segredo de Fátima: como é que foi possível chegar até aqui?

18 julho 2007

Au Bonheur des Dames 77

Os Cavaleiros



Ei-los. Aí mesmo. À nossa frente. Os cavaleiros. Adivinhamo-los pesadamente couraçados, habituados ao duro mester das armas. Há no silêncio que parece rodeá-los, uma ameaça maior do que mil gritos. Há no seu aparente desafio, um turvo rumor de águias que voam impiedosas sobre as presas à sua mercê.
Os cavaleiros. O sol bate-lhes de frente, arranca faíscas dos arnêses, dos elmos, das grevas, dos peitorais dos cavalos. Não vêm por bem, esses homens montados nesses soberbos cavalos. Não ameaçam com as armas, levantadas ao alto, como se quisessem dizer-nos que não esperam rendição, não se irão com tributos mas só a destruição os aplacará.
Sob as patas das montadas um mar alto de pó, de ervas fugitivas, deixando adivinhar um rasto de terra queimada e insone. Fome, peste (ou discórdia?), guerra e morte. Um futuro sem futuro.
Todavia, e essa pode ser outra interpretação, suponhamos outro mar. E nele a imortal cidade de Veneza, ameaçada por um exército poderoso de rudes cavaleiros cobertos de ferro. Pela laguna avançam as jangadas com os impacientes guerreiros e suas montadas. Diante da piazetta, entre o palácio carregado de riquezas e o orgulhoso campanile apinham-se os escassos defensores que se sabem condenados. Estava porém escrito que a cidade civilizada se salvaria graças à agua onde se construiu. A história dá conta do naufrágio terrível das jangadas e da morte rápida e faiscante dos homens cobertos de ferro. O tumulto dos metais vencido pelo marulhar sereno das águas.

Este é o apontamento que me sugere a poderosa cerâmica de Manuel Sousa Pereira ora exposta. Com uma eventual conclusão moral: a Arte cresce mesmo no mais desolado cenário e até quatro cavaleiros temíveis podem suscitá-la. A dificuldade está na imaginação do autor, nas suas mãos milagreiras e operosas, nos mistérios do fogo e da terra.
Porto, 30 de Junho de 2007
mcr

este texto foi feito para acompanhar a exposição de uma peça única (uma cerâmica) do escultor Manuel Sousa Pereira, meu amigo de há mais de trinta anos. A exposição não pode ser feita de modo que, não retirando a oferta, aqui o publico como um postal. Ora aqui está uma boa ideia, Manel, um postal!

16 julho 2007

Farmácia de Serviço 34


Aldous Huxley

1894-1963

Duas ou três Graças
Sem olhos em Gaza
Admirável mundo novo
Regresso ao admirável mundo novo
etc...

Quem tiver pachorra procurará nos alfarrabistas as obras indicadas ou outras. foram editadas por Livros do Brasil na colecção Dois Mundos. Mais recentemente, houve uma reedição do Admirável Mundo Novo na colecção "mil folhas" a cargo do "Público".

Estes dias que passam 70


A caminho de um universo huxleyano

Quem me lê pode pensar que ando sempre à pesca de uma notícia má, perversa, horripilante para acertar o passo nos que mandam. Coitado do mcr, a idade deu-lhe para Vingador Solitário, Zorro, etc... (McGiver!, intervém a minha sobrinha Sara, que apesar de já ser uma geóloga qualificada não esquece uns amores televisivos de juventude e ainda hoje possui, garante ela, todas as aventuras deste cavalheiro em cassetes antiquíssimas e carregadas de pó). E, de facto, poderia ser: a idade não perdoa a ninguém e eu estaria a voltar aos meus tempos de menino leitor do Capitão Nemo e do Sandokan.
E por um lado estou. Acabo de ler umas curiosas revelações sobre o Titanic nacional: os exames de Matemática: ao lado disto a “História Trágico-maritima” é um fait divers. Em 96.000 alunos que fizeram o 9º ano, 24.600 (mais ou menos 25%!) tiveram 1 valor (ou como se diria antigamente, 4, isto é Mau!!! E neste 4 poderão caber muitos 3, 2, 1 ou 0...
Mas há pior, quase três quartos dos alunos tiveram negativa!!!
Convenhamos que ao apanhar com uma notícia destas, o leitor tem uma vontade enorme de pegar numa espingarda, numa bomba, numa faca de cozinha enfim numa dessas coisas que fazem pfft e matam mosquitos, moscas e outras bichezas pequenas e ala, que se faz tarde, para a escola ou para o ministério para uma djihad particular.
Eu não vou, porém, dizer que é esta ministra a culpada. É também culpada, claro, mas antes dela houve um rosário (e nunca uma palavra foi tão bem empregue) de ministros, secretários e subsecretários de Estado, directores gerais e demais responsáveis, que viram aproximar-se a “catástrofe iminente” (esta para os leitores mais versados em pensamento diamático...) e nada fizeram para a evitar. Pior. Persistiram na mesma bambochata, no mesmo palavreado oco, na mesma aberrante ideia educativa, na mesma teoria de uma escola onde se passa distraída e impunemente, que forma catatónicos em vez de cidadãos.
Uma série de professores de matemática (esta também é boa: que raio de professores são estes, que é que ensinam, como é que não eliminam logo ao segundo dia os alunos de nono ano que nem no segundo deveriam estar? Olhem, porque é que estas pedagógicas criaturas não fazem greve sob o lema “nem mais um analfabeto para o nono ano”?) vieram à liça dizer que as criancinhas (de 14/15 anos) não percebem o que lêem.
Pergunta-se se elas sequer lêem. Porque ler não é soletrar vesga e grosseiramente umas palavras que depois ficam a ecoar longamente num cérebro vazio. Ler é compreender, que raio! Eu com oito anos, eu e todos os outros da escola do senhor professor Cachulo, bendito seja ele, ali em Buarcos, à beira praia e à beira miséria (que os anos quarenta e oito e quarenta e nove eram maus, duros, tristes – esta é para um parolaço comentador político que ainda há dias vinhas entoar loas ao Salazar - ) líamos que nos fartávamos. O problema para muitos deles era arranjar um livro, uma revista, O Mundo de Aventuras ou O mosquito, para lhe meter o dente. E os pais deles, pescadores analfabetos, mas pais a sério, não brincavam em serviço. Queriam que os filhos soubessem ler contar e escrever para terem uma vida que eles não tinham. Os meus livros andavam de mão em mão, pelo Ganhitas, pelo João Mantana, o Romão ou o Aranha Eires. E eram lidos á luz trémula do fim da tarde, de um candeeiro de petróleo, teimosamente, gozosamente, deslumbradamente.
Agora os meninos lêem? Alguém em casa cuida de lhes dar um livro, de perder tempo a ler-lhes uma história, de lhes suscitar o gosto por um herói chame-se ele Harry Potter ou Bilbo o Hobbit? Eu não quero impingir o Verne que lhes faria bem, ou o Salgari ou as aventuras do Lagardére. Raios! Basta-me que leiam e compreendam. Vi, com estes que a terra há-de comer, o Carlinhos Cal Brandão, pequeníssimo, ensimesmado, tentando ler para além das figurinhas, as frases que os seus quatro ou cinco anos ainda não lhe permitiam ler. E o pai dizia, cofiando a barba: o gajo está louco por saber ler... E estava. E logo que se apanhou alfabetizado pela escola e pelo pai e pelos amigos do pai, foi um ver se te avias. Agora já no quarto ano de Arquitectura, ainda tem tempo para ler que isto é vício que não se perde. E é um miúdo culto, que gosta também de outras coisas da sua idade, desde namoradas a tunas estudantis (Jesus!).
Quando oiço professores a queixarem-se da falta de leitura dos alunos, pergunto-me o que é que eles dirão aos colegas de português. E estes que dirão aos professores do ano anterior?
Para o ano, dizem, será ainda pior. Será? Então para que servem a escola, o ministério, os professores? Afirma-se por aí que há instruções claras, vindas “de cima” para não chumbar as criancinhas. Por outro lado, lê-se que os professores serão julgados à luz dos chumbos ou das passagens dos seus alunos. Temos que por esta razão três quartos dos professores de matemática ou de português já teriam ordem de marcha para o desemprego. Os professores defendem-se dizendo que ninguém lhes liga (e isso não deixa de ser verdade) que os programas são desadequados, que a ordem é deixar passar os meninos para estes não ficarem marcados psicologicamente para o resto da vida e mais um par de balivérnias do mesmo teor. Os paisinhos regougam (eu escrevi regougam e mantenho). Se um rapazola é posto na rua por mal educado, a família vem toda à escola puxar as orelhas ao professor. E se puxam! Quando não usam esse expedito método, há sempre uma palavrinha a quem de direito para meter o professor nos carris. Chama-se a isto o método dos bem educados. Outros, com mais dinheiro, mandam os filhos para o ensino particular. Há por aí uma escola, privadíssima e boa, que no último ano saca, por aluno e por trimestre cinco mil euros (uma milharda das antigas, nem mais! É claro que os seus resultados estão à altura do investimento, tanto mais que as turmas são pequenas visto não haver assim tanta gente disposta a pagar uma soma destas).
Isto dito, começa a ser possível futurar que o sistema de educação português vai ser também ele a duas velocidades: um ensino público a afundar-se crescentemente na mediocridade e algum privado e caro a manter níveis satisfatórios de qualidade. Ou então teremos de, uma vez por todas, aceitar uma conclusão que já se adivinhava há anos. Deitar fora o eduquês persistente que vence vontades, ministros e professores e simultaneamente estraga as criancinhas. Eu não sou mais do que um cidadão usado e de pouco préstimo. Não verei seguramente os resultados de uma nova orientação escolar. Não conheço os sistemas em vigor na maior parte dos países mas uma certeza tenho: estamos condenados a sofrer os resultados destes muitos anos de estupidez por muitos e muitos, digamos por uma inteira geração. Se porventura acreditarmos que Portugal não desaparece lá por 2030 ou 2040, então é melhor arranjar um sistema novo, radicalmente diferente, que pelo menos garanta que aos dez anos um menino sabe ler, escrever e contar. Ler percebendo, escrever sem faltas ortográficas e contar sem recorrer a uma maquineta para divisões e multiplicações. É provável que isto soe a “antigo regime” mas os resultados do novo, desde o disparate da ruptura Saraiva, nos anos sessenta, estão à vista: um naufrágio que, ao contrario do de Sepúlveda não terá quem o narre. Por não saber escrever duas linhas com sentido e sem erros palmares.
É por estas e por outras que nesse concurso imbecil da televisão o dr Salazar ficou em primeiro lugar. No seu tempo havia muito analfabeto mas os alfabetizados eram mesmo alfabetizados e não como agora analfabetizados.
E a senhora Ministra?, perguntarão. Pois, na medida em que também é responsável, estou em crer que poderá ir fazer companhia ao numeroso grupo de antecessores. Quadro de mobilidade com a senhora. Quem não sabe, não se estabelece! Ou mandem-na para uma escola que é para a senhora aprender ao vivo o que é isso... À falta de melhor nomeiem uma comissão administrativa para a educação com um único objectivo: salvar os primeiros anos do ensino. Já!

Ps: espero bem que ninguém se lembre de falar nos resultados de português: ao que tudo indica o exame foi uma alegre balda. Até os alunos o dizem.

Numa conversa sobre este tema, num jardim perfumado e habitado por um melro, a K. dizia-me que alguém sustentava esta ideia peregrina: Apesar do desastre não está em risco a existência de uma elite cultivada.
Pois não estará. Mas ao lado dela, ou melhor, debaixo, haverá uma imensa multidão de leitores inaptos, bons para puxar um arado, ou deitar duas pazadas de cal na areia. Ou seja um admirável mundo novo povoado de 95% de lumpen-proletários e 5% de señoritos. Felizmente já cá não estarei para o ver!

na gravura: Rouault, George Rouault, um fauviste enorme que admiro desde os meus desvairados vinte anos. E, eventualmente, o maior pintor católico do século XX. Na verdade eu ia pôr uma fotografia de Aldous Huxley, outro grande intelectual do mesmo século hoje quase desconhecido por não traduzido. Fica para a próxima.
E

vivo


deparei-me com ele ao voltar para casa.
imponente, rebelado.
cinza, a elevar-se no movimento
de um balé furioso,
a bater, bater nas rochas,
sacudindo as crinas brancas,
espanando água,
alto, a erguer-se,
quase à altura da rua.

o mar é um animal vivo.



silvia chueire

62,61% DE ABSTENÇÃO

As eleições para a Câmara Municipal de Lisboa registaram 62,6% de abstenção. Segundo alguns comentadores politólogos tão elevada abstenção deve-se à fraca qualidade dos candidatos, que não terão conseguido mobilizar as pessoas para o voto.

Será mesmo assim? O problema é mesmo dos candidatos? Será que se os partidos apresentassem outros candidatos a participação seria muito diferente?

Estou firmemente convencido que a participação seria sensivelmente a mesma. As pessoas não foram votar pela simples razão que estão cansadas da forma como se faz política neste país. As pessoas vão cada vez menos votar porque não acreditam nos políticos que têm, não acreditam na mensagem política que passam e na política que praticam tão contrária a tudo anunciam nas campanhas.

A par destas contradições temos o exercício de funções políticas em benefício de clientelas partidárias e mesmo familiares. Enfim, todo um conjunto de práticas tão contrárias ais princípios apregoados nos discursos. Ora, o povo já percebeu que o seu voto apenas serve para legitimar a partilha do bolo orçamental pelos mesmos. E mesmo que não tenha percebido completamente, já intuiu que é assim, logo recusa-se a votar.

Mas qual é a consequência da recusa em votar? Isto é, o que advém para o país se 60 ou 70% da população não votar? A resposta, como sabemos, é absolutamente nada. Não acontece absolutamente nada.

Os politólogos vão falar da fraca representatividade da vitória. Outros dirão que a democracia funcionou. Outros ainda acabarão por dizer que ganhou quem teve mais votos.

Como é que esta realidade poderia mudar? Como não acredito na regeneração dos partidos penso que a alternativa passará pela apresentação de listas de cidadãos, verdadeiramente independentes das forças partidárias, que se apresentem ao eleitorado com um programa simples e assente num compromisso de honra. Este processo não dará, certamente, o poder aos independentes, mas obrigará os partidos a reposicionarem-se, a respeitar os seus compromissos, enfim, será uma forma de voltar a dar seriedade e honradez à política.

14 julho 2007

Retemperador

Ontem o dia acabou com um magnífico jantar e um delicioso convívio proporcionados por "o meu olhar" e JSC, ao ar livre, num frondoso jardim, algures na cidade invicta. Kami, JAB, MCR, Mocho Atento, Carteiro, d'Oliveira e JCP confraternizaram e conversaram sobre este mundo e o outro (literalmente). Um abraço para todos e um reconhecimento especial aos anfitriões.

13 julho 2007

A educação que damos aos nossos heróis

Do Público on-line:

Selecção acabou com nove jogadores em campo
Mundial Sub-20: Portugal eliminado pelo Chile num jogo marcado pela indisciplina
13.07.2007 - 11h17 Lusa

Portugal foi eliminado ontem à noite do Mundial de Futebol Sub-20, no Canadá, ao ser derrotado pelo Chile por 0-1, em jogo dos oitavos-de-final marcado pela indisciplina dos jogadores portugueses, que acabaram com nove unidades.
O resultado final é lisonjeiro para a equipa portuguesa, que apenas conseguiu um remate à baliza chilena, aos 88 minutos de jogo, contra nove do Chile, alguns dos quais obrigaram o guarda-redes Rui Patrício a intervenções muito esforçadas.
No aspecto disciplinar, a selecção portuguesa deixou má imagem, nomeadamente depois de Mano ser expulso por agressão a um adversário e Zequinha por tentar tirar o cartão vermelho da mão do árbitro, sendo imediatamente expulso.

A justiça da dupla conforme

Lê- se no DN que «o Conselho de Ministros aprovou ontem um decreto-lei que altera o regime de recursos e de conflitos em processo civil. Estando em vigor, só serão recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) as acções com valor superior a 30 mil euros. Aos tribunais da Relação só chegarão casos com valor superior a cinco mil euros. Quando a Relação decidir um caso no mesmo sentido da decisão do tribunal da primeira instância - a chamada a dupla conforme - o processo deixa imediatamente de ser recorrível para o STJ (...)»

Esta questão da dupla conforme preocupa-me: só no último ano, contactei com várias decisões que foram julgadas no mesmo sentido em 1ª instância e nas Relações e acabaram com decisão diferente no Supremo.

12 julho 2007

Au bonheur des Dames 76



Os político-empresariais, as politico-juvenis e nós

O dr. Mendes teria indelicadamente insistido com uma empresa pública a favor de uma privadíssima de que ele é ilustre membro da mesa de assembleia geral. O país ou a sua parte mais virtuosa levantou-se numa indignação apopléctica. Consta que uma virgem (??) do PPD rasgou o vestido de alto a baixo em sinal de repulsa. Quem assistiu (e do género masculino) mironou embevecido as carnes expostas esquecendo por um momento o ar de desgosto que se impunha.
Ora vamos lá a ver se nos entendemos. Declaração de interesses: eu nunca vi o dr Mendes senão na televisão nacional de que fujo a sete pés perante o silencioso protesto da família que acha insuportável a minha mania cosmopolita de só ver da TVE para lá.
O pouco que vi, e ele não dá para mais, não me convenceu. Por junto opôs-se a Santana mas isso que é muito para um ppd normal, para mim soa-me a pouco. Suponho não tenha grandes amigos no seu partido mas também isso me interessa pouco. Qualidades de estadista ainda não lhas vi mas se calhar é por eu também não as ver no dr. Meneses ou no dr. Jardim. De qualquer modo, o ppd não é da minha missa, sequer da minha rua e por isso até acho bem que ele presida aos destinos do seu partido: menos trabalho para a minha gente.
Agora a história da confusão entre o seu cargo de deputado e de empresário já me interessaria. É que, em boa verdade, eu gostaria que os deputados deputassem e basta. Claro que não é assim, nem nunca, entre nós, será assim. Os deputados recebem um estipêndio modesto, dependem da boa vontade do seu partido mais que da do eleitorado, o que significa que uma vez fora da assembleia, tem de ganhar a vida. O nosso sábio legislador entendeu que os negócios, as administrações, as assessorias (ah o que eu poderia contar sobre isso...) não estragam a qualidade do deputado. E tanto é assim que, ainda há dias, os jornais falavam de alguns deputados com fartos interesses fora do parlamento. Se bem lembro havia mesmo dois campeões: Vitalino Canas e António Vitorino para já não falar em alguns ex-ministros hoje reciclados nas grandes administrações de multinacionais, da Banca e doutras miudezas altamente pagas. E cito estes só porque eram os citados no jornal.
Portanto se o dr Mendes entendeu fazer lobbying, coisa que ele desmentiu apressadamente, não terá feito mais do que tantos outros. Com uma diferença notável. O dr Mendes está na oposição e pelo andar da carruagem vai continuar nesse aborrecido posto. A menos que as habituais multidões ululantes, muito comuns nos partidos “que não mamam” o defenestrem num futuro próximo. Quando se está na oposição, arranja-se com facilidade um bode expiatório, como é sabido. Mendes parece destinado a esse final pouco glorioso, mas muito comum que o digam Ferro, Constâncio ou Sampaio (que entretanto com um golpe de rins notável conseguiu apoderar-se de Lisboa e ser presidente incontestado).
Num sistema como o nosso, convém não enterrar a cabecinha numa metafórica duna e pegar o touro de frente. O sistema admite deputados cheios de cargos em empresas, em grandes escritórios de advocacia, em clínicas privadas. Só por ingenuidade estrénua é que se acreditará que eles não exerçam discretas influências quando os seus interesses estão em jogo. Não estão sozinhos, antes pelo contrario: a Europa regurgita de deputados que vêm das grandes empresas e a elas regressam sem nunca ter exactamente saído.
Pessoalmente, prefiro os deputados que já vêm aureolados por uma bela carreira empresarial àqueles que, quando saem, vão, sem se saber por que razão, para as grandes administrações. E os exemplos também não faltam. Piedosamente não os vou aqui recordar mas quem me lê deve saber a quem me refiro.
Antes que alguém me acuse de cinismo, quero dizer que preferia deputados bem pagos mas proibidos de fazer fosse o que fosse fora do parlamento. E também os preferia em círculos uninominais. Entre estar à mercê do aparelho ou do eleitorado prefiro esta última fórmula mesmo correndo-se o risco a ver multiplicarem-se os caciques. Olhando para vários países europeus não vejo especial perigo nessa fórmula. Finalmente nada tenho contra uma carreira puramente política (e por cá já as há). Enquanto isso não for normal teremos que o parlamento não atrai as elites, como aliás se vai vendo.

Vem isto a propósito de uma história mirabolante que me chegou há momentos via internet: uma jovem que ainda não fez vinte anos terá sido nomeada para a Administração de um Centro Hospitalar. A notícia completa-se com dois pormenores extraordinários: a precoce criatura recebe o ordenado desde Fevereiro mas até à data ainda não se apresentou ao serviço.
Vendo a notícia como a recebi com um senão: não dou o nome da criatura, nem a região do seu pingue emprego. Quem quiser saber mais sobre este novo milagre das rosas aqui vai o endereço: www.bragancanet.pt/voznordeste/complecta.php3?id= Vamos supor que isto é verdade. Estará nisso algum vício ou apenas se trata de potenciar o emprego jovem, meta aliás do actual governo. Objectar-me-ão que a criatura não tem currículo. Mas como é que havia de o ter se ainda não completou os 20 anos? Aliás a menina não vai presidir mas tão simplesmente ser “vogal” da administração em causa. Vai, numa palavra vocalizar. O presidente diz vamos aprovar a compra de uma cama articulada para o hospital X. A nossa vogal dirá “á”. O presidente diz: o senhor secretario de estado vem cá. E a vogal, já experiente, responderá “ó”. O presidente diz que o bloguista é um filho da mãe. A vogal acrescentará lacónica “é”... E por aí fora...
Todavia, eu não acredito nesta história. Parece-me um ataque insidioso às autoridades locais, regionais e nacionais, sem falar no sr. deputado por ***. Às tantas foi o sr. Mendes que resolveu vingar-se de quem lhe descobriu a careca.
O senhor Mendes ou alguém por ele deveria ter tento na língua e sobretudo não atacar as autoridades legítimas e regularmente constituídas num momento em que Portugal ( o nosso torrãozinho de açúcar...) desempenha a difícil tarefa de presidir aos destinos de trezentos milhões de pessoas. Alguém anda a fazer o jogo da reacção, é o que é. Calabouço com ele! Já!

na gravura: uma vogal de um centro hospitalar a preparar-se para entrar ao serviço.