30 novembro 2004

Quatro meses para esquecer

O Presidente da República informou, ao final da tarde, o primeiro-ministro de que vai iniciar a dissolução da Assembleia da República para convocar eleições antecipadas. O primeiro-ministro cessante revelou que o nome que trazia a Sampaio era o de Miguel de Sousa, vice-presidente da Assembleia Regional da Madeira.
Não se sabe o que pensa Durão Barroso sobre esta situação.

Venham mais cinco...

Apetece-me, mas não consigo dormir. E devia. Amanhã, é o último dia do prazo para contestar uma acusação-crime e um pedido cível. Tribunal de Chaves. Ofendido, um advogado. Ofensor, um jornalista. Sou advogado do jornalista. Vou acordar tarde - como terá de ser - e vou ter que contestar e arrolar como testemunha um Senhor Conselheiro que, mais ou menos displicentemente, vagueia por aqui e é um grande senhor do direito. É o 18º processo em que sou advogado do mesmo jornalista. E ele merece. Ah, se não merecesse...
Amanhã...
Amanhã, ao fim do dia, talvez vá para Lisboa, porque tenho de estar num julgamento na Boa-Hora, às 13.30 h de quinta-feira, e aproveito para ver quem não vejo há muito tempo, pessoas de quem gosto muito.
O arguido é o mesmo jornalista. Os ofendidos são três procuradores, da mesma banda. Denúncia caluniosa, dizem eles. Coisa estranha, digo eu.
Vai ser complicado. O senhor juiz presidente já notificou que não haverá vídeo-conferência para as testemunhas, por uma questão de logística. Coisa estranha, digo eu. As testemunhas - excepto o Conselheiro ex-Procurador-Geral, que depôs por escrito - são todas do Norte.
Ah, só mais uma coisa: esta é a terceira vez que o julgamento esteve para começar... E não começou. Juro que não tenho culpa... Neste caso...

Sábado à tarde

Há muitos anos que são assim os sábados, fins-de-manhã-ou-princípios-de-tarde: compro jornais aos molhos e sento-me no café mais próximo. Leio e releio. Uma coca-cola com gelo - seja Verão ou Inverno - , uma tosta mista, um café. Uma reflexão breve sobre a semana.
Sábado passado não foi assim. Como se fosse um prenúncio das mensagens que recebi de Viena, acordei tarde, fiquei por casa, escrevi uns memorandos de coisas de que não poderia esquecer para esta semana, comi uma maçã e não tive pressa de ler os jornais. Fiquei por aqui...
A meio da tarde, lembrei-me que tinha futebol. Explicando: eu não sou especialmente aficionado por futebol. Mas senti uma vontade imensa de futebol. Tomei um banho rápido, não cortei a barba, vesti a primeira roupa que encontrei, não comprei os jornais, esqueci-me de que só tinha comido uma maçã, tomei um café que não me fez muito bem e corri para o centro de desporto da Pasteleira.
Quando cheguei, o treino já ia a meio. Olhei, voltei a olhar. Não vi a camisola 41 dos "panterinhas". Perguntei ao treinador pelo meu filho. Não, o João Pedro não estava. Meti as mãos nos bolsos, ombros curvados, um olhar triste. Olhei outra vez para os putos. Lá estavam eles, aguerridos, a correr atrás da bola e dos seus sonhos de meninos.
Despedi-me do treinador. Com as mãos nos bolsos, saí. Um caminhar calmo até ao carro. Fui comprar os jornais, fui para o café e li os jornais. Não, não é de futebol que eu gosto, nem foi por causa do futebol que eu corri para a Pasteleira. É a vida.

29 novembro 2004

Novo Director da Revista do Ministério Público

A Direcção do SMMP informa aqui que, acolhendo um desejo há muito formulado, aceitou o pedido de exoneração do seu associado Dr. Eduardo Maia Costa (P.G. A. no STJ) do cargo de Director da Revista do Ministério Público. Com elementar sentido de justiça - acrescenta -, aqui fica o público reconhecimento de um valiosíssimo trabalho de muitos anos à frente da nossa publicação científica, respeitada e lida por inúmeros juristas. Para o lugar em causa a Direcção nomeou, a partir de Janeiro próximo, o associado Rui do Carmo, Procurador da República em Coimbra, colega que, sem dúvida, reúne o perfil adequado àquelas importantes funções.
O Incursões presta aqui a sua homenagem ao Dr. Maia Costa pelo excelente trabalho desenvolvido, ao longo dos últimos anos, à frente da Revista do Ministério Público, do mesmo passo que se congratula com a nomeação do "incursionista" Dr. Rui do Carmo para o substituir, a quem deseja as maiores felicidades no desempenho dessa difícil tarefa.

"Júdice vai apelar à greve se Governo não pagar horas extra"

«A poucos dias das eleições para bastonário da Ordem dos Advogados, José Miguel Júdice, ameaça promover uma greve nas defesas oficiosas se até ao final do ano o Governo não pagar os honorários em atraso por aqueles serviços.
«Se até ao dia 31 de Dezembro as horas extraordinárias não estiverem pagas, no dia 02 de Janeiro - em que ainda sou bastonário porque a posse é dia 06 - vou pedir a todos os advogados portugueses para não cumprirem o apoio judiciário», afirmou Miguel Júdice à TSF.
«Para isso é preciso que o Estado português não seja caloteiro. Eu fiquei muito ofendido porque, como não sou mentiroso, acredito no que me dizem e fui realmente enganado», salientou o bastonário.
Esta posição foi assumida em Tondela, numa reunião com representantes dos 31 advogados da comarca que desde sexta-feira mantinham uma greve por tempo indeterminado aos serviços de apoio judiciário para reclamar o pagamento de 30 mil euros em atraso desde Fevereiro.»(Ler aqui)

Imagem de H. Daumier, Conversation d'Avocats

Cavaco

Na década de 80, era eu jovem jornalista de "O Comércio do Porto", escrevi uma peça de comentário onde manifestava que não gostava de Cavaco Silva. A crónica - julgo que tinha como título "Cavaco Silva: fatalidade ou destino?" - não caíu bem e só terá sido publicada por distracção da chefia de redacção.
Ao longo dos tempos, não mudei muito de opinião em relação a Cavaco. Entrevistei-o uma ou duas vezes, em situações rápidas e sempre achei o homem demasiado distante, o que não se conjuga muito com as minhas características.
Cerca de oito anos depois destes episódios, cruzei-me duas ou três vezes com o então primeiro-ministro na Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares, quando, por pouco tempo, desempenhei as funções de ajudante de ajudante de ministro. Continuei a ter dela a mesma ideia de distanciamento. Mas fiquei a conhecê-lo melhor, pelas conversas que ia ouvindo nos almoços de gabinetes. E fiquei a saber que Cavaco não perdia tempo com o aparelho do PSD - limitava-se a governar.
Não gostei de Cavaco quando, pouco depois, foi pouco solidário com Fernando Nogueira, que eu já conhecia de Coimbra e por quem sempre tive grande estima.
Hoje, porém, quando olho para o passado, sou obrigado a aceitar que Cavaco foi o último verdadeiro estadista que Portugal teve. E talvez o tenha sido, precisamente, porque conseguiu manter sempre aquele distanciamento que me perturbava.
Este fim de semana, no Expresso, Cavaco disse o que muitos nós já aqui dissemos, que a mediocridade apossou-se da classe política e que é o momento de saltar em frente, obrigando os incompetentes a dar lugar aos competentes. Dito por Cavaco, a ideia tem seguramente muito mais força do que quando é avançada por qualquer um de nós. Pode ser que surta efeito. Mas duvido. Como me dizia há dias um amigo jornalista, às tantas teremos que aguentar ainda com mais uma geração de incompetentes na vida política para, a partir daí, começar a inverter o ciclo. Não sei é se o país aguenta até lá. Como também não sei se o país, entretanto, não fará um parêntesis no futebol e na Quinta das Celebridades, para dizer que já basta de tanta incompetência.
Da minha parte, um modesto contributo: volte, Prof. Cavaco, está perdoado.

28 novembro 2004

Um comentário sereno...

... a uma "notícia" descabeladamente insultuosa duma jornalista do Público.
A ler aqui.

"ADVOGADA de sucesso...

... Aceita causas difíceis". E seguia-se um número de telemóvel...
A ler aqui.

Demissão do Ministro Henrique Chaves

O Ministro do Desporto, Juventude e Reabilitação, Henrique Chaves, anunciou hoje a sua demissão do Governo, menos de uma semana após ter assumido o cargo. Num comunicado, Henrique Chaves diz que não concebe "a vida política e o exercício de cargos públicos sem uma relação de lealdade entre as pessoas", nem "o exercício de qualquer missão privada ou pública, sem o mínimo de estabilidade e coordenação".
Será que o Governo tem concerto e é possível acabar com um espectáculo de degradação institucional que não prestigia o País?!...

É demais...

Desde há uns 10 dias que no site da Assembleia da República constam, como iniciativas do Governo, aí entradas em 17/11, as Propostas de Lei n.º 149/IX (Aprova o Código Penal) e n.º 150/IX (Altera o Código de Processo Penal, e a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, que aprova o Lei de Cooperação Judiciária Internacional em matéria Penal).
Todos os dias aí vamos clicando, mas a mensagem que nos aparece é sempre a mesma:

De momento a informação que pretende não se encontra disponível. Por esse facto pedimos desculpa e agradecemos que tente mais tarde. Obrigada.
Porque será?

Quem me dera ...

Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando…

Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira…

Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo…

Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse…

Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena….

Alberto Caeiro

PSICOLOGIA E JUSTIÇA

Na tarde do dia 02 de Dezembro, no Auditório Agostinho da Silva da Universidade Lusófona, em Lisboa, o tema do debate entre docentes universitários de psicologia, juízes, procuradores e advogados vai ser a Psicologia e a Justiça, num seminário organizado pela área de Psicologia Criminal e do Comportamento Desviante da U.L. e pela Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, que visa “promover a reflexão, o diálogo e a comunicação de saberes entre os operadores judiciários e os psicólogos da Justiça.”
Com o título “Advogados e Psicólogos: de costas voltadas até quando?”, o seminário tem o seguinte programa:

14h30m – Abertura dos Trabalhos
15h15m – 16h30m – Mesa 1
Novas Gerações de Psicólogos e Advogados: um novo paradigma
16h45m – 18h 00m- Mesa 2
Psicologia e Justiça: o Homem no epicentro do diálogo
18h15m – 19h30m – Mesa 3
Advogados e Psicólogos: aprender a dialogar.

“Ao Direito compete regular as condutas humanas na vida social, sendo a justiça o fim e o valor fundamental da ordem jurídica. A Psicologia é uma ciência que incide igualmente sobre o comportamento humano em sociedade. Estas duas afirmações seriam suficientes para constatar o inevitável relacionamento que entre Direito e Psicologia se terá de estabelecer.
Distintas quanto ao objecto, quanto à área e às premissas de intervenção, quanto aos métodos, direito e psicologia entrelaçam-se porque ambos de debruçam sobre a previsão, a explicação e o controlo do comportamento humano.
Apesar de, a meu ver, conterem algum excesso, são, de todo o modo, elucidativas as afirmações de Diamond, que afirma “pensar que a lei poderia ser caracterizada como uma componente da psicologia, pois se a psicologia é o estudo do comportamento humano, inclui necessariamente a lei enquanto instrumento usado pela sociedade para o controlar”, ou de Crombag, que adianta poder ser a lei considerada “um ramo da psicologia aplicada”.
Cada vez mais a lei procura criar e potenciar mecanismos de prevenção de condutas desviantes e associais, de prevenção do litígio; cada vez mais se procura tratar o litígio de forma mediada; cada dia os litígios assumem maior complexidade social; cada vez mais se procura que a resposta da justiça não seja meramente declarativa ou meramente repressiva, mas sim constitutiva de novos comportamentos, de novas relações humanas e sociais, de novas perspectivas de afirmação dos direitos individuais e sociais. Cada vez mais julgar é compreender.
Do que resulta, também, uma maior exigência quanto aos conhecimentos disponíveis, uma maior exigência de conhecimento e de individualização de cada situação tendo em vista a construção da resposta adequada a cada caso concreto. Ou seja, o melhor conhecimento do comportamento humano e do seu contexto é uma exigência da boa aplicação do direito, da boa administração da justiça.”
(extracto de “Diálogo da Justiça com a Psicologia”, intervenção proferida em Maio de 2004 no Congresso Internacional “Educação, Psicologia e Justiça – Diferentes Olhares sobre o Comportamento Humano”, organizado pelo Centro de Psicopedagogia da Universidade de Coimbra)


Hei-de voltar a Viena

Novembro de 1998. Viena. O avião aterrou numa pista com um enorme rebordo de neve. A minha vida estava no auge, aos 38 anos, com uma casa fabulosa, um carro fabuloso, uma família fabulosa, uma carreira auspiciosa. Aeroporto de Viena. As malas teimaram em não chegar, desviadas, perdidas. Paciência, haveriam de chegar, como chegaram, depois de termos comprado o essencial para sobreviver. Uma viagem de 3 ou 4 dias, já não me lembro, tempo que se fartava para ir à casa de Mozart, para respirar o ar frio, para ir ver as livrarias onde até os livros de direito tinham capas bonitas. Um passeio pelo jardim onde o Natal começava, um passeio pela neve espessa que rangia sob os passos. Enquanto isto, ela sobrevivia aos debates sobre comunicação social, eu aproveitava os tempos livre para ler Costa Andrade e para ir tirando notas para um livro que queria escrever, sentado no bar do hotel, mesmo ali, no centro da cidade, enquanto ia ouvindo cantores de rua, cantores de vozes extraordinárias, sentados entre montras de lojas de roupas de marca.
Jantares caros, ainda que simples, numa cidade muito cara. Concertos apenas para convidados - eu não era convidado - levaram-me a regressar à rangente neve, percorrer as noites até à zona dos bares e das enormes canecas de cerveja. Eu, que não falo alemão e pouco mais inglês, fartei-me de conhecer gente, sobretudo a Natasha, lindíssima menina austríaca que - pasme-se! - falava português, porque trabalhava com portugueses do Parlamento Europeu e estava em Viena para sobreviver a inúteis debates sobre comunicação social.
As noites complicavam-se. Porque a vida é complicada.
Foi difícil o regresso. Não sei o que deu àquela hospedeira da Air France para me dar a mão, no avião, porque achou que eu tinha medo das aterragens. Talvez tenha sido o meu olhar de cãozito tímido... Paciência, o olhar...
Meses depois, tudo o que era fabuloso desabou.
Novembro de 2004. Recebo mensagens SMS estranhas sobre viagens aos sítios onde fui feliz e onde fui infeliz. Adivinhei com facilidade estranha: eram mensagens que vinham de Viena. Não, não eram da Natasha. E eu hei-de voltar a Viena. Desta vez, para ser feliz.

Música (e poema) de Domingo


Claude Debussy (1862-1918)

Suite Bergamasque (1905) - piano:
Clair de Lune


Clair de Lune

Votre âme est un paysage choisi
Que vont charmants masques et bergamasques,
Jouant du luth et dansant, et quasi
Tristes sous leurs déguisements fantasques!

Tout en chantant sur le mode mineur
L'amour vainqueur et la vie opportune.
Ils n'ont pas l'air de croire à leur bonheur,
Et leur chanson se mêle au clair de lune,

Au calme clair de lune triste et beau,
Qui fait rêver, les oiseaux dans les arbres,
Et sangloter d'extase les jets d'eau,
Les grands jets d'eau sveltes parmi les marbres.


Paul Verlaine (1844-1896)

27 novembro 2004

Carta (resposta) a Anaximandro

Tem toda a razão, quando diz que é muito complicado o problema das dracmas, neste canto do mundo. E o seu fiel relato é sentido por muitos de nós. E é ainda mais grave para quem, como o camarada (trato-o assim porque já me sinto sentado à mesa da sua sabedoria), tem ideias próprias e se preocupa com as questões da cultura, do saber, chegando a desafiar os deuses e os seus sacerdotes com um desenho do mapa da Terra e a criação de uma espécie de globo celeste. Lembra-se da afronta que isto representou?!... E o impacto que teve aquela sua descoberta de que nem o Sol, nem a Lua, nem as Estrelas estão submersas no mar quando a noite chega?!...
Muita gente que o esqueceu, anda por aí a debitar balúrdios de dracmas à custa dos horizontes que essa sua intuição abriu! E é, precisamente, na sua maneira de estar no mundo que, três mil anos depois, se enraíza a sua dificuldade de ganhar com o suor dos seus neurónios as dracmas que lhe são merecidas. Se o camarada Anaximandro tivesse aprendido a só dizer o que sabia agradar aos deuses e aos seus sacerdotes, se aprendesse a aparecer como um emplastro nos meios de comunicação social, se configurasse o seu pensamento às conveniências do momento, se fosse gelatinoso e não como um fio-de-prumo, hoje não tinha esses problemas e saberia como ter sucesso na soma de dracmas. Já neste momento tinha toda a sua família, todos os seus amigos inscritos num daqueles partidos que, alternadamente, vão tendo o poder. Já, com esse apoio, tinha aparelhado a entrada para um desses cartéis de notáveis que dividem entre si autarquias, ministérios, lugares de deputados, administração de empresas públicas, etc. e, poderia até já ser presidente da câmara, por exemplo, do Marco. Chegado a este ponto, comprava a maioria das quintas dos pobres agricultores e, nesses terrenos, onde não seria possível construir, Você faria estradões, muitos estradões, com rotundas, muitas rotundas e repuxos – tudo contratado sem concurso (note que até cerca de 100 mil dracmas pode entregar obras sem concurso e isso dá muitas vantagens!)--, e loteava tudo isso, que, com as licenças de construção, lhe permitiria adquirir uma fortuna de milhões. Se alguém se opusesse, com o argumento de que estava a violar o plano director municipal e cometido crimes ambientais, Você vitimizava-se, dizia que essas acusações resultavam de politiquices de um pequeno grupo. E se a inspecção das autarquias investigasse, Você apresentaria uma informação de um técnico da câmara e isso serviria de justificação para se concluir não ter havido intenção de dolo. E como já tinha muitas dracmas, podia também estar certo de que os Tribunais (de recurso em recurso) nunca mais acabariam por o condenar. Entretanto, era convidado para fazer figura numa quinta de celebridades e passava a ser visto em todas as revistas cor-de-rosa como um bom homem que fez muito pela Terra a que presidia.
Nietzsche, um rapaz quase do nosso tempo, já previu essa situação, quando privilegiou a desmesura de Dionísio em vez do espírito Apolíneo. Talvez o velho, de barbas fartas, que entrava para a maior biblioteca de Londres, logo que o contínuo abria a porta e contrariava Platão com a citação que referiu, tenha compreendido melhor que Nietzsche a situação. E, de certa forma, respondeu a uma questão que nós hoje colocamos e que La Boétie no “Discurso sobre a servidão voluntária”, muitos anos antes do velho Marx, formulou da seguinte forma: ”Que nome se deve dar a esta desgraça? Que vício, que triste vício será este: um número infinito de pessoas não só a obedecer mas a servir, não governadas, mas tiranizadas, sem bens, sem pais, sem filhos, sem vida a que possam chamar sua!?”
O Velho de barbas fartas, chamar-lhe-ía alienação! Será que o conceito explicará tudo?!...

As minhas saudações (só marxistas)

Romance de Vila do Conde

Vila do Conde, espraiada
Entre pinhais, rio e mar!
- Lembra-me Vila do Conde,
Já me ponho a suspirar.

Vento Norte, ai vento norte,
Ventinho da beira mar,
Vento de Vila do Conde,
Que é a minha terra natal!
Nenhum remédio me vale
se me não vens cá buscar,
Vento norte, ai vento norte,
Que em sonhos sinto assoprar...
Bom cheirinho dos pinheiros,
A que não sei outro igual,
Do pinheiral de Mindelo,
Que é um belo pinheiral
Que em Azurara começa
E ao Porto vai acabar...
Se me não vens cá buscar,
Nenhum remédio me vale
Nenhum remédio me vale,
Se te não posso cheirar...

Vila do Conde espraiada
Entre pinhais, rio e mar!
- Lembra-me Vila do Conde,
Mais nada posso lembrar.
Bom cheirinho dos pinheiros...
Sei de um que quase te vale:
É o cheiro da maresia,
- Sargaços, névoas e sal -
A que cheira toda a vila
Nas manhãs de temporal.
Ai mar de vila do Conde,
Ai mar dos mares, meu mar!
Se me não vens cá buscar,
Nenhum remédio me vale,
Nenhum remédio me vale,
Nem chega a remediar

Abria de manhãzinha,
As vidraças par em par.
Entrava o mar no meu quarto
Só pelo cheiro do ar.
Ia à praia e via a espuma
Rolando pelo areal,
Espuma verde e amarela
Da noite de temporal!
Empurrada pelo vento,
Que em sonhos ouço ventar,
Ia à praia e via a espuma
Pelo areal a rolar...

Vila do Conde espraiada
entre pinhais, rio e mar...

José Régio

Um rapaz de Trier

Ao LC., ao Nicodemos, ao Gastão, à Kamikaze, ao compadre Esteves e a todos os que me leram, agradecimentos e saudações pré-socráticas. O camarada compadre Esteves tem toda a razão, vê-se que me conhece bem, tal como aos meus colegas e seguidores, mas arranjou-me um pequeno sarilho. Passo a explicar:
Ressuscitar em Portugal ao fim de quase 3.000 anos é muito bonito, mas o problema são as dracmas. Com o meu currículo, pensei que seria fácil arranjar emprego e comecei a entrar em tudo o que era concurso. Ganhava sempre, mas chamavam os piores classificados. Estou a ver a funcionária : “Pois é o sôr Camândrio tem é excesso de habilitações” ou então a outra, ao ouvido “ Sabe sôr Escamândro, a menina que foi escolhida é amiga de um ministro, tá a peceber ?” (Este “tá” traiu-a como “santanete”). Acabava eu de perder o lugar de auxiliar de limpeza numa escola C+S, quando um jovem licenciado em filosofia no desemprego me reconheceu e revelou a terrível verdade: “Ó Professor Anaximandro, o mestre não faz nada em Portugal sem um cartão partidário!”. Não podia ser e interpelei-o já exaltado: “Mas então não estamos numa democracia ?” e o rapaz : “Claro que sim. Mas isto agora está simplificado. Vai-se votar (quando vai) e os tipos que ganham sacam tudo, empregos e reformas chorudas, carros, comissões, viagens, gajas, tudo…” e punha-se a cantarolar meio doido, a imitar os Abba “The winner takes it all…” . Tinha desculpa coitado, depois de ter passado três anos a ensinar geometria em Castro Marim, uma máquina qualquer no ministério enlouquecera, engolira-lhe o nome e mandara-o para a rua. Estavamos nisto, quando o rapaz teve uma súbita iluminação e me chamou à parte : “Só há um sítio, onde talvez o mestre possa entrar sem cartão…”. “Diz-me rapaz, onde fica então esse oásis de liberdade ?”, e ele : “Na Comunicação Social, na PT, no DN, na TVI, puseram os patins a uma série deles, todos com cartão, só que…”.
Ajudou-me a fazer um currículo à maneira, em que me apresentava como um velho inofensivo, que inventara o ápeiron, uma marca de cosméticos conceituada internacionalmente. Quanto à oposição de contrários, o melhor era não falar que podia parecer comunismo. Em vez disso, fez-me indicar os meus passatempos favoritos, o signo e o ascendente, enfim que tinha um bom astral. Desta vez, chamaram-me logo e assim arranjei a assessoria de que vos falei : total liberdade para criticar o governo, desde que não entre na crítica fácil e destrutiva.
Compreende agora o compadre Esteves que com o seu comentário não vou durar muito neste emprego. Mas que seja, direi o que penso. Na verdade, fomos nós os primeiros a conceber a Natureza como um todo governado pelo princípio da necessidade, segundo leis próprias que era possível conhecer, de acordo com um sistema de luta de contrários. Como reconhece no seu comentário, abrimos o caminho a Hegel, a Feuerbach e ao “saudoso Karl Marx”. Acompanho-o plenamente na sua admiração por esse rapaz de Trier, meu seguidor. Também ele se lançou à aventura de entender o mundo, construindo uma explicação fundamentada e coerente, que nos seus elementos essenciais está longe de ter sido superada. Tem obviamente as limitações inerentes ao tempo e ao lugar, eu por mim falo, e os seus escritos, como os de qualquer autor, não podem ser tomados como dogmas, mas analisados no contexto em que foram produzidos. Além do seu valor científico, foi um homem que estudou honesta e arduamente e que, passando dificuldades, nunca se vendeu, o que não podem dizer os que o seguiram cegamente e agora o acham totalmente ultrapassado. Mas o rapaz de Trier conhecia o processo : “Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência”. Saudações pré-socráticas.

Dia sem Compras

Desligar o Canal Shopping e sintonizar o canal vida. É esta a sugestão dos organizadores do Dia Sem Compras, uma data que se assinala hoje, em pleno arranque da quadra natalícia.(...)
O desafio está lançado e, para participar, só é preciso respeitar um requisito: não consumir.
O Dia Sem Compras pretende ser, por isso, a data de transição para um consumo mais responsável e racional, focado nos aspectos sociais e ambientais inerentes à preservação da Terra e ao tratamento igual de todos os seres humanos.
A iniciativa é da responsabilidade do GAIA - Grupo de Acção e Intervenção Ambiental (www.gaia.org.pt).

in Público on line

Cavaco Silva solta «grito de alarme»

«É CHEGADO o momento de difundir na sociedade portuguesa um grito de alarme sobre a tendência para a degradação da qualidade dos agentes políticos» - afirma Cavaco Silva em artigo que publicamos hoje. E vai mais longe: . «Por interesse próprio e por dever patriótico cabe às elites profissionais contribuírem para que na vida partidária portuguesa os políticos competentes possam afastar os incompetentes»
O ex-primeiro-ministro sustenta esta afirmação no facto de Portugal vir a afastar-se desde 2001 do nível de desenvolvimento da Espanha e da média europeia.
Recordando a Lei de Gresham, segundo a qual a má moeda tende a expulsar a boa moeda, Cavaco diz que isto está a passar-se na vida política portuguesa, com a substituição dos políticos competentes por incompetentes.
E avança que é tempo de pôr fim a esta situação, devendo as elites acordar e sair da sua posição cómoda «de críticos da mediocridade e das suas decisões», aceitando «contribuir para a regeneração da actividade política».
Se nada for feito nesse sentido, o antigo chefe do Governo admite que a situação continuará a «degradar-se», até «se tornar claro que o país se aproxima de uma crise grave».
Expresso Online - 27 Novembro 2004

26 novembro 2004

Pontos de Vista

Entre eles o de um certo carteiro, hoje na RTPN, às 22H00.
Tema do programa (de debate): nos sites informativos não consta, mas não surpreenderá se for tema sócio-jurídico de novo muito badalado ...

Doença e morte

A Assembleia Nacional de França discute, hoje, uma proposta de lei sobre os Direitos dos Doentes e o Fim de Vida. A dignidade na morte tornou-se também um direito. É curioso como o início da vida e o seu fim estão na agenda das preocupações éticas e legislativas.

Célula e embrião em debate na Gulbenkian

Que tratamento científico, ético e jurídico poderá ser dado ao embrião humano? Estas são algumas das questões em debate, entre hoje e amanhã, na Fundação Calouste Gulbenkian, durante o seminário organizado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Um tema «polémico» que, segundo a sua presidente, Paula Martinho da Silva, poderá contribuir para a elaboração do parecer sobre investigação em células estaminais, previsto para Janeiro.
Segundo explicou ao DN Paula Martinho da Silva, o tema do seminário - «Da célula ao embrião» - visa uma reflexão que «mais do que nunca se justifica em Portugal», sobretudo quando no Parlamento se prepara a discussão da legislação sobre Procriação Medicamente Assistida.

Ler mais aqui.

Goya

É erma a tarde num céu de Goya,
pincelado de um rubro dramático.

Acolhe-me a rede onde me deito,
a vida na qual deito meus sonhos,
corpo e todos os afetos.

Há um leve rumor de pássaros inquietos.
Ao longe os automóveis
velozes na corrida das pessoas contra o tempo.

Dispo-me da angústia ,
para olhar com outros olhos
a vida que se esvai.
Sabendo que ninguém além de mim
vive este momento.

Vivo-o bem nos dias que escoam,
intensamente ao senti-los,
ao saber que não são tantos.

Há esta capacidade de amar
que me redime.
Ficarão estas palavras?
Talvez não.
Talvez sejam apenas minha inscrição
no imaginário .
Talvez brisa na tarde.

Ficarão meus filhos,
meus amores que se vão
ao mundo que lhes pertence.

O tom dramático do entardecer
confronta a calma.
É arte, música,
para compor o pensamento.

Silvia Chueire

25 novembro 2004

Reformas estruturais e coordenação na Europa

Dans le partage des compétences, tel qu'il existe actuellement au sein de l'Union européenne, les Etats membres sont responsables pour une grande part des politiques de l'offre, à l'exception de celles relevant du Marché unique. Guido Tabellini et Charles Wyplosz se posent la question de savoir si ce shéma institutionnel est adapté à la situation actuelle, à un moment où l'Union aurait besoin de redynamiser son économie par des réformes structurelles. Les auteurs estiment que, sur la base du critère d'efficacité économique, le partage des compétences actuel ne doit pas être remis en cause dans ces grandes lignes. Ils pensent que l'Europe a toutefois un rôle à jouer, ce qui les amène à faire un certain nombre de propositions concernant le fonctionnement du Marché unique, le financement de la recherche et développement et le processus de Lisbonne, processus qui ambitionne de faire de l'Europe "l'économie de la connaissance la plus dynamique et la plus compétitive du monde...".
Pode consultar o trabalho de Guido TABELLINI e Charles WYPLOSZ neste sítio.

Droga e mercado

Competition in the drug market is good for the consumer, which means it is bad for anyone trying to reduce or eliminate drug taking. Against Mafia-style cartels, the police might have succeeded. They are less likely to prevail against the invisible hand of the market.
O texto, esclarecedor, pode ser lido aqui.

(mais) Revista de Imprensa

O Supremo Tribunal Administrativo deu ontem razão ao recurso apresentado pela Câmara de Lisboa para que as obras do túnel do Marquês possam recomeçar, de acordo com uma notícia avançada pela SIC.
In DN, 25/11/04 (ler mais aqui)

O Tribunal da Relação do Porto (TRP) confirmou, ontem, as medidas de coacção aplicadas a Valentim Loureiro, no âmbito do processo do «Apito Dourado», ao não dar provimento a um recurso do advogado de defesa, Lourenço Pinto, que requeria uma «reavaliação» das medidas de coacção a que o seu cliente ficou sujeito em primeiro interrogatório judicial. Sendo assim, Valentim Loureiro continuará com as funções de presidente da Metro do Porto e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) suspensas, assim como se mantém a proibição de contacto com o presidente do FC Porto, Pinto da Costa.
In DN, 25/11/04 (ler mais aqui)

Católica inicia intercâmbio de estudantes com Universidades americanas a partir de 2005-2006

A Faculdade de Direito da Universidade Católica (Lisboa) passa a proporcionar aos seus estudantes, a partir do próximo ano, a possibilidade de realizarem um semestre numa universidade americana (sem qualquer encargo de propinas na universidade de destino).
A Duke University School of Law, uma das dez mais prestigiadas Faculdades de Direito dos Estados Unidos, é a primeira a juntar-se à lista de Faculdades de Direito europeias que os alunos da Católica podem frequentar.
L.B.X.

Republica Automatons

George Grosz, Republica Automatons, 1920
The Museum of Modern Arts, New York, NY, USA
Watercolor on paper, 60 x 47.3 cm

Colóquio no Instituto Francisco de Sá Carneiro

Notícia do Público aqui.

"Entre a liberdade dos arguidos e a credibilidade da justiça"

É a opinião de Francisco Teixeira da Mota (Público de hoje):

Começa hoje o julgamento do processo judicial mais mediatizado dos últimos anos. Em causa, no essencial, estão abusos sexuais sobre crianças internadas na Casa Pia que terão sido perpretados pelos arguidos pronunciados, entre os quais algumas figuras públicas.
Se a figura do crime de pedofilia se presta a incursões históricas ou multiculturais sobre a sua própria existência e limites, a verdade é que choca profundamente a maioria da nossa sociedade, a prática dos actos porque vêm acusados os arguidos.
E, por isso mesmo, a "sociedade" está particularmente atenta ao que se vai passar. Para os arguidos, com o julgamento, está em causa a sua liberdade e para a Justiça, a sua credibilidade.
Desde logo, é preciso colocar a hipótese de o julgamento ser adiado já na primeira sessão através de qualquer incidente processual, voluntário ou involuntário. Como é sabido, os incidentes processuais multiplicaram-se neste processo, durante o inquérito e a instrução, servindo as diversas estratégias da defesa e com razoável êxito. Mas tudo indica que deverá haver um esforço de todos os intervenientes no sentido de se dar início ao julgamento: quem provocar o adiamento ficará com o "odioso" de ter "parado" a Justiça...
O interrogatório dos arguidos poderá ser muito esclarecedor, nomeadamente porque se anunciam novas e completas revelações por parte de um dos arguidos mas o núcleo essencial do julgamento serão os depoimentos das vítimas.
No processo da "Casa Pia", como em todos os casos de pedofilia, a questão da veracidade ou não veracidade do depoimentos das crianças e/ou a sua credibilidade vai ser determinante. As vítimas que, ao longo do processo, relataram os actos sexuais que foram obrigados a praticar, vão ser obrigadas a prestar novas declarações que serão determinantes na absolvição ou condenação dos arguidos.
Não se sabe, naturalmente, o que as vítimas vão relatar ao tribunal e, como não houve declarações para memória futura, as únicas declarações que terão qualquer valor como prova serão as que forem prestadas em julgamento. Convém recordar, que no recente processo de pedofilia de Outreau em França, os depoimentos das crianças na audiência de julgamento foram muito menos explícitos e/ou pormenorizados do que aqueles que haviam prestado durante a instrução do processo. Muitos dos actos sexuais em causa na acusação não foram sequer referidos pelas crianças no julgamento e, com a absolvição de sete dos arguidos, chegou-se à conclusão que as crianças e os seus cúmplices/abusadores tinham acusado e feito prender diversos inocentes....
Os interrogatórios das vítimas pelos advogados de defesa vão ser, assim, particularmente importantes porque, em defesa dos seus constituintes, procurarão de forma sistemática demonstrar a não veracidade do que afirmam e a sua não credibilidade. Saliente-se que, quanto às perícias médico-legais realizadas sobre os menores, nomeadamente quanto aos testes psicológicos, a juiz de instrução concluiu que tais testes não têm potencialidades ou validade para atestar se as crianças falam ou não verdade quando identificam os arguidos como abusadores.
Parece, assim, que o tribunal não se poderá, apoiar na verdade científica para descobrir a verdade jurídica. Terá, pois, de se apoiar na sua própria "sabedoria" para, com serenidade, ver a verdade no meio da prova que se vai desenrolar a partir de hoje. O que, se calhar, não vai ser, assim tão difícil ...

P.S. O relatório da comissão presidida por Roberto Carneiro para a reforma da "Casa Pia" mais não faz do que apostar na manutenção do "gigantismo" da instituição. Um erro crasso já que, hoje em dia, parece claro que as unidades de acolhimento de menores não podem deixar de ser de muito reduzida dimensão, sob pena de não só não cumprirem os seus objectivos como de perpetuarem inevitalmente todas as perversões...

"O Primeiro de Janeiro" Premiou Pacheco Pereira

No Público:

José Pacheco Pereira, na qualidade de autor do blogue Abrupto, foi ontem distinguido com o prémio "Inovação" na gala comemorativa do 136º aniversário do jornal "O Primeiro de Janeiro". Pacheco Pereira disse ao PÚBLICO que o galardão "reconhece a blogosfera como uma nova forma de comunicação" e, no seu caso concreto, distingue uma intervenção que já teve como pico máximo as 13 mil visitas diárias. "Uma leitura superior à de alguns jornais", enfatizou. Aliás, o Abrupto e o Gato Fedorento foram os únicos blogues portugueses que constaram nos primeiros 100 lugares de uma tabela internacional que contabiliza as ligações feitas, num universo de 2,5 milhões de blogues. Pacheco Pereira regozijou-se com o facto de o seu blogue "ser lido por gente muito diferenciada e não apenas por intelectuais". Na gala de ontem, realizada no Casino da Póvoa de Varzim, o jornal entregou ainda o prémio Nacional Manuel Pinto de Azevedo Júnior a Paulo Fernandes, do grupo Cofina, e o prémio "carreira" ao maestro Ivo Cruz. Foi ainda recordado o poeta José Agusto Seabra e efectuado o pré-lançamento de um livro que homenageia Eugénio de Andrade. Â.T.M.

Os crimes da praxe

Assim se intitula a crónica de Artur Costa no JN de hoje:

As praxes académicas converteram-se, nos dias de hoje, numa grande parte dos casos, numa forma intolerável de agressão. Tendo saído do reduto coimbrão, essas praxes, que um dos nossos maiores escritores - Eça de Queirós - considerava caducas já no século XIX, invadiram o país de lés a lés, como uma praga que tem acompanhado a disseminação do ensino superior ou assim considerado por tudo quanto é cidade e aspira a ter a sua importanciazinha local à sombra de um qualquer estabelecimento de ensino que lhe dê créditos académicos. Paradoxalmente, a generalização do ensino superior, longe de acabar com a nossa psicose do doutorismo, tem-na agravado e, correlativamente, tem espalhado pelo país inteiro a versão mais pacóvia e brutal do chamado "espírito académico", quando era suposto que tal espírito se diluísse com a democratização e mesmo a vulgarização do ensino a todos os níveis. Que é hoje ser estudante e que é hoje ser doutor, senão uma vulgaridade? Pois as praxes, que Eça considerava caducas no seu tempo, em vez de acabarem, exacerbaram-se, transformaram-se num tique nacional da "estudantada" em pleno século XXI. E com uma agravante abrutalharam-se por completo. Não lhes correspondendo actualmente nenhuma tradição a que se arreigarem, seja ela decadente ou não, as actuais praxes descambaram em práticas criminosas: violências, agressões físicas e morais, "torturas", na expressão de uma das vítimas recentes, revestindo às vezes aspectos de gravidade considerável, senão mesmo extrema. Como tal, esses actos violentos têm de ser perseguidos criminalmente. Mas o que espanta é que certos responsáveis escolares lhes queiram passar por cima uma esponja de complacência.

24 novembro 2004

"O Titanic afunda-se e a orquestra toca!"

Por Medina Carreira.
A ler e a meditar: aqui ou ali.

Um filósofo do camandro

Chamo-me Anaximandro e nasci em Mileto vai para quase três mil anos. Mão amiga fez-me chegar um cartão do vosso primeiro-ministro a agradecer-me o envio da edição alemã da minha obra sobre a natureza, que como sabem saiu no ano passado em CD-Rom. Protestei que estava morto, mas em vão, a prova evidente era que na lista telefónica do Paraná havia para cima de 300 com esse nome e até um rapaz do Atlético Mineiro, que nem joga nada mal. Achei melhor dizer que sim, que eles nos gabinetes é que sabem. Foi o melhor que fiz, pois logo a seguir veio o convite para uma assessoria. Andavam à procura de um filósofo grego com experiência, de preferência pré-socrático, para evitar confusões. Ditei as minhas condições : honorários iguais aos do arquitecto do Parque Mayer, limpos, que eu não quero chatices com o fisco cá de Mileto. Pularam de alegria, tinham contratado uma estrela, um filósofo do Camandro, o gajo que tinha inventado o "apeiron" havia de lhes explicar como se iam manter no poder até 2014. Confesso que me senti desconsiderado e perdi a cabeça : tò a5peiron fánai th>n pâsan ai1tían e5cein th Atrapalhados, disseram que não, era só para fazer uns artigos sobre a democracia e tal e coisa, que enfim como grego era mais fácil, por ser um independente, que também o Benfica e o Porto já lá tinham um, etc. Se é para falar da democracia contem comigo e por isso aqui estou, com carta branca, isto é grega, para dizer o que me apetece. E aí vai disto, como dizia o Hipólito: u2párcein dé fhsi tv<>n gh

"Operadores judiciários"

Gouveia, juiz de círculo (o único) na Madeira de Jardim, perora sobre O Governo e os juízes-funcionários. Não gosta de ser tratado como "operador judiciário". E com razão, pois do "judiciário" não se podem esperar "operações"... às amígdalas.

"O sol nas noites e o luar nos dias"


De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.

NATÁLIA CORREIA

22 novembro 2004

Tulipas em Pote de Zinco



Un día de noviembre (1968),
de Leo Brouwer (Cuba, 1939)

Pensamento para hoje

“Quando a força das circunstâncias te deixar como que desamparado, reflecte imediatamente e não percas o controlo por mais tempo do que deves. Serás tanto mais senhor da harmonia quanto mais frequentemente voltares a ela”.
Marco Aurélio

O desencanto pelos partidos

Mais um que se mostra desencantado com a vida partidária. Se tivermos em conta que os partidos continuam a ser a base e a alavanca das democracias actuais, é caso para temer o pior. Os medíocres e os oportunistas dominam, e os saudosismos começam a ressurgir, cada vez com mais força. Que fazer?

A propósito das nossas verdades

“Com efeito, quantas vezes me acontece que, durante o repouso nocturno, me deixo persuadir de coisas tão habituais como que estou aqui, com roupão vestido, sentado à lareira quando, todavia, estou estendido na cama e despido! Mas agora, observo este papel seguramente com olhos abertos, esta cabeça que movo não está a dormir, voluntária e conscientemente estendo esta mão e sinto-a: o que acontece quando se dorme não parece tão distinto. Como se não me recordasse de já ter sido enganado em sonhos por pensamentos semelhantes! Por isso, se reflicto mais atenciosamente, vejo com clareza que vigília e sono nunca se podem distinguir por sinais seguros, o que me espanta – e é tal este meu espanto que quase me confirma na opinião de que durmo.”
R. Descartes, "Meditações sobre a filosofia Primeira", Coimbra, Livraria Almedina, 1976. p.108

Muitos Parabéns...

... ao Causa Nossa pelo seu 1.º Aniversário! Desde o seu aparecimento que a blogosfera nacional enriqueceu a olhos vistos pela pertinência, qualidade e seriedade da sua intervenção cívica e política. De leitura diária obrigatória, é para nós uma referência imprescindível. Parabéns!

21 novembro 2004

Resposta do CSM a um candidato

António C. dos Santos Bernardino, Vice-presidente do CSM, responde aqui ao "regougar" de António Marinho Pinto, candidato a bastonário da Ordem dos Advogados.
(A polémica entrevista de António Marinho está aqui)

Apitadelas

Encontrei hoje, num caixote de lixo, o JN de ontem. Trazia lá uma notícia intitulada Procurador sem apoios para investigar “Apito Dourado” (não disponível na edição online) que falava de minudências caseiras. Também trazia uma fotografia, em pose de Estado, dum outro procurador, mas esse tinha bons apoios, a avaliar pelo modo como estava sentado.

P.S. O Compadre Esteves prometeu-me um almoço se cortasse o acesso aos anonymous. Vou ver se ele cumpre o prometido.

FOLHETIM DE DOMINGO (em formato de blog)

por marinquieto


Capítulo VIII


Aqui chegados, caros leitores, se é que ainda os há, temos que tomar algumas opções. E digo temos porque não quero assumir sozinha a responsabilidade de decidir se Eduardo e Açucena mantiveram a capacidade de se adivinharem, se Ângela Novais e Açucena retomaram a conversa que tinham iniciado à beira-mar nem o que fizeram naquela noite no nº50 da Rua do Paço. Ou de franquear a porta a animais domésticos, mortinhos por entrarem neste folhetim, muito menos provocar zangas entre personagens por causa de animais domésticos. Também não gostaria de assumir sozinha o odioso de vos pôr ao corrente dos últimos três anos da vida de Ângela Novais quando ela própria anda felicíssima de os ter encerrado. Nem revelar inconfidências sobre os acasos jogados por Eduardo e Açucena.
Vamos fazer uma combinação, caros leitores, se é que ainda os há. Agora são vocês quem retoma a história, ou a estória, o que também será decisão vossa. Fico vigilante, pronta a defender as minhas criaturas, de quem gosto muito. Imagine-se que decidem matar uma delas, ou que decidem casá-las! Quanto aos animais domésticos, desde que não seja eu a deixá-los entrar ...
A partir do próximo Domingo haverá, pelo menos, uma leitora. Assim haja Folhetim!

Adenda:
Capítulos anteriores:
Cap. I - Cap. II - Cap. III - Cap. IV - Cap. V - Cap. VI - Cap. VII

Música de Domingo

Gabriel Fauré
(1845 - 1924)

Cantique de Jean Racine, opus 11, coro e órgão (1865)

20 novembro 2004

O REI VAI NU

(Conto Tradicional Português)

Era uma vez um rei muito vaidoso e que gostava de andar muito bem vestido.
Um dia vieram ter com ele dois trapaceiros que lhe falaram assim:
- Majestade, sabemos que o senhor gosta de andar sempre muito bem vestido - bem vestido como ninguém; e bem o merece! Descobrimos um tecido muito belo e de tal qualidade que os tolos não são capazes de o ver. Com uma roupa assim Vossa Majestade poderá distinguir as pessoas inteligentes das tolas, parvas e estúpidas que não servirão para a vossa corte.
- Oh! Mas é uma descoberta espantosa! - respondeu o rei. Tragam já esse tecido e façam-me a roupa; quero ver as qualidades das pessoas que tenho ao meu serviço.
Os dois homens tiraram as medidas e, daí a umas semanas, apresentaram-se ao rei dizendo:
- Aqui está a roupa de Vossa Majestade.
O rei não via nada, mas como não queria passar por tolo, respondeu:
- Oh! Como é bela!
Então os dois aldrabões fizeram de conta qua estavam a vestir a roupa com todos os gestos necessários e exclamações elogiosas:
- O senhor fica tão elegante! Todos o invejarão!
Como ninguém da corte queria passar por tolo, todos diziam que a roupa era uma verdadeira maravilha. O rei até parecia um deus!
A notícia correu toda a cidade: o rei tinha uma roupa que só os inteligentes eram capazes de ver.
Um dia o rei resolveu sair para se mostrar ao povo. Toda a gente admirava a vestimenta, porque ninguém queria passar por estúpido, até que, a certa altura, uma criança, em toda a sua inocência, gritou:
- Olha, olha! O rei vai nu!
Foi um espanto! Gargalhada geral. Só então o rei compreendeu que fora enganado. Envergonhado e arrependido da sua vaidade, correu a esconder-se no palácio.

O Natal aproxima-se

Aproxima-se o Natal, uma data com forte sentido religioso. Sabemos que a palavra religião tem possivelmente duas origens etimológicas: pode ter raiz no vocábulo latino re-ligare - unir intimamente, vincular, atar – e, neste caso, sublinha uma relação entre o homem e algo que o transcende ou pode ter origem em re-legere – que significa tornar a ler, voltar a uma tarefa anterior, retomar os sinais com vista a uma nova reflexão.
Tanto num caso, como no outro, o que está em causa é a necessidade do homem encontrar uma resposta para a sua experiência de incerteza, de angústia e de infortúnio. Kierkegaard considerava que o homem é formalmente angústia, uma existência entre o ser e o nada. Heidegger escreveu que o homem é um ser para a morte, um ser que vem do nada e que caminha irremediavelmente para o nada. Sartre definiu o homem como uma «paixão inútil». E Albert Camus, sentindo a experiência da guerra, desabafou que o homem é um contínuo absurdo, algo irracional e sem sentido, mas digno e respeitável. Todos sublinharam o que cada um de nós sente na sua própria solidão. O Natal, ao confrontar-nos com algo que nos transcende, abre-nos para a esperança. E nesta abertura sentimos a amizade, a saudade, o encontro com a família. Talvez a transcendência seja isso mesmo, o valor da amizade, o reconhecimento da saudade ou o sentimento de dor por uma ausência inacessível. São muitas as dúvidas sobre o que configura essa transcendência.
Ser agnóstico é isso mesmo: é não ter certezas, é ser incapaz de encontrar para o sentimento de transcendência uma explicação. E isso é quase trágico.

DAQUI, DE MAPUTO

REGRESSO

No dia do regresso a Portugal vou partilhar alguma da poesia que aqui me acompanhou.

De Moçambique, levo João Mendes, da geração de Craveirinha, Ricardo Rangel, Rui Knopfli, João Fonseca Amaral, Rui Guerra e Noémia de Sousa, que lhe dedicou muitos dos poemas de Sangue Negro.

EXÍLIO

quando me vires chorar
não sintas piedade
é um humano desabafo

quando me vires chorar
não me venhas consolar
é um simples retomar de fôlego

oh! quando me vires chorar
não sintas piedade
não tentes consolar-me
antes
dá-me a mão
e puxa-me
companheira

in “Ser”, Editorial Ndjira, Julho de 2004



De Portugal, trouxe um inédito de Maria do Rosário Pedreira, datado de Março de 2004.

SE O VIRES

Se o vires, diz-lhe que o tempo dele não passou;
que me sento na cama, distraída, a dobar demoras
e, sem querer, talvez embarace as linhas entre nós.
Mas que, mesmo perdendo o fio à meada por
causa dos outros laços que não desfaço, sei que o
amor dá sempre o novelo melhor da sua mão. Se

o encontrares, diz-lhe que o tempo dele não passou;
que só me atraso outra vez, e ele sabe que me atraso
sempre, mas não de mais; e que os invernos que ele
não gosta de contar, mas assim mesmo conta que nos
separam, escondem a minha nuca na gola do casaco,
mas só para guardar os beijos que me deu. Se o vires,

diz-lhe que o tempo dele não passa, fica sempre.

In “Mealibra” nº14


Maputo, 20 de Novembro de 2004


FIM

Insónias (outra vez...)

Passa das 4 horas da madrugada. Já tentei dormir, um revoltado sono que não vem e que me torna também revoltado. Decidi fazer uma pausa na insónia, liguei a tv, comecei a ver "Love Story". Cansei-me: não gosto de ver histórias de amor alheias, sobretudo quando, como é o caso, não tenho histórias de amor próprias, pelo menos dessas histórias que arrebatam e que me enchem.
O meu filho (oito anos) dorme, sossegado. Quentinho, na placidez de um tempo calmo. Talvez a sonhar como treino de futebol de amanhã à tarde. A minha filha (13 anos) não sei se dorme, não está comigo, há uns meses que decidiu trocar-me em nome de um conceito de maior liberdade que eu não entendo, nem mesmo quando regresso aos meus 13 anos e faço um esforço para ser justo.
Olho para as pastas, carregadas de códigos anotados, de livros usados e sinto a angústia de um fim-de-semana com duas contestações e umas alegações de recurso que têm de ser despachadas, depois do treino de futebol do João e de vermos a vitória do FCP contra o Bayern, em 87, num vídeo que que emprestaram. Ah, sem perder de vista que 3ª feira vou a Lamego ouvir o acórdão que me preocupa.
Leio os comentários aos meus últimos postais. E fumo. Fumo. Fumo, enquanto não me proibem de fumar em minha casa. E penso na vida e penso no que seria bom se, agora, conseguisse dormir.
Estou intrigado com uma coisa: por mais que pense, não consigo saber quem é AC que, de Estrasburgo, comenta em termos tão simpáticos o meu postal "olá". De qualquer modo, retribuo o abraço. E deixo um abraço para todos os que comentaram a minha decisão de deixar de ser autarca.

19 novembro 2004

Querer - V

Quero a sinfonia e a sinfônica,
o público a aplaudir de pé.
O agudo magistral do violino solo
enquanto a orquestra entra, suave.

Quero o frenesi da música no ar,
o ritmo, o rapto, a ruptura.
A alegria descortinada
entre uma e outra curva
da composição de cellos
e violões.

A canção de palavras
amorosas e obscenas,
na qual nos perderemos
suspensos por um fio,
por um fio.

Sempre por um fio.

Silvia Chueire

Olá

Como é sabido, tenho andado fugidio nos últimos tempos. Por falta de tempo e, também, porque há momentos em que é preciso parar para concentrar energias nas questões mais relevantes ou, pelo menos, naquelas que nos ocupam o espírito. Durante este tempo de abstenção, fui resolvendo algumas coisas. Outras não. Outras, por cá ficarão a provocar noites mal dormidas e alguns pesadelos que do dia fazem noite.
Uma das questões que resolvi, foi ter deixado de ser autarca. Desde segunda-feira passada. Demorou. Custou. Demorou. Foi um acto solitário que apenas o compadre esteves foi acompanhando, com os seus conselhos de amigo e a lucidez de quem sabe que há ainda quem se paute por princípios. Decidi mais: nas eleições autárquicas de 2005 não estarei na corrida.
Não fugi. Não claudiquei. Não me furtei às lutas. Concluí, apenas, que não tenho jeito para o lodaçal em que se transformou a política. Nem tenho jeito para me mover nas linhas em que se tece a política, na lógica da "mercearia", no esquema daqueles para quem o poder é um fim e não um meio para exercer a cidadania.
Eu era vereador da Câmara do Marco eleito pelo PSD, com o PSD contra. Sem confiança política dos responsáveis locais do PSD. Sem que, alguma vez, alguma voz do PSD de outros palcos se tivessem levantado para pôr na linha os indigentes políticos que lideram o PSD do Marco. Percebo: talvez a indigência política não se confine ao Marco. Talvez o Marco seja apenas a versão provinciana da indigência política que varre o país.
Na segunda-feira passada vim embora. O PSD local ficou contente - libertou-se do (pasme-se!) do seu principal adversário. A maioria CDS-PP também ficou contente. O PS também. Mas há diferenças: os vereadores do PS, fizeram questão de deixar expresso que, mesmo percebendo as minhas razões, a minha saída era uma perda. E manifestaram-me confiança política! Da maioria CDS-PP - que tanto combati ao longo de três anos - saiu uma declaração interessante: fui um verdadeiro massacre, mas muitas das minhas posições críticas ajudaram a melhorar o funcionamento do órgão e obriguei a rever muitas soluções para o Concelho.
Saí tranquilo. Afinal, para mim, a política é isso mesmo, é contribuir para que as coisas funcionem melhor. Quanto ao resto, quanto ao PSD do Marco, paciência, não posso obrigá-los a mudar. Nem a perceber o que é mais básico.

Fumar

Fumo, fumo muitos cigarros por dia, mato-me conscientemente todos os dias, sou conhecido por inventar expedientes para interromper julgamentos, apenas com o prosaico objectivo de ir fumar um cigarro.
Fumar fica caro - eu sei - e faz mal à saúde - é o que dizem. Dizem também que fumar faz mal aos que não fumam e que estão à volta. Admito que sim. Por isso, quando estou em locais públicos, faço os possíveis para fumar para o lado certo, para onde não me olhem com olhares assassinos.
Sei, agora, que Portugal, seguindo o exemplo que vem de fora, se prepara para declarar guerra aos fumadores. Parece-me bem que o Estado se preocupe com a saúde dos que não fumam e que são prejudicados pelos que fumam. Parece-me bem que se proíba o fumo em locais de trabalho e em muitos outros sítios onde todos - fumadores ou não - são obrigados a coexistirem. Por exemplo: se eu viajar no automóvel do L.C. - que não é fumador - eu nem sequer ouso fumar, mesmo que a viagem seja longa.
Mas... Vão proibir de fumar em resturantes, bares e discotecas?! Pois parece que sim. É um verdadeiro atentado à cultura dos povos, um sacrifício desmesurado para quem, lamentavelmente, fuma.
Eu não tenho nada contra quem não fuma. Nem tenho nada contra os vegetarianos. Nem contra os adeptos da comida biológica. Nem contra os homossexuais. Não deixo de ir aos sítios porque eles lá estão. Mas, então, por que razão têm direito a ostracizarem-me porque sou fumador?
As pessoas sentem-se mal nos restaurantes, bares e discotecas porque há lá fumadores? Pois bem: então que criem restaurantes, bares e discotecas para não fumadores. Ou, então, criem restaurantes, bares e discotecas para fumadores. Só assim a solução é democrática. Nem eu tenho nada que ir a sítios de não fumadores e fumar, nem os não fumadores têm direito de se sentirem incomodados porque vão a um sítio onde eu estou a fumar.

18 novembro 2004

DAQUI, DE MAPUTO

FUI APANHAR UMA CALMA

Mulheres com lenços e capulanas bem garridos, corvos de gargantilha branca, acácias rubras, o sempre presente amarelo esverdido do “082 giro pronto-a-falar”.

Ultrapassadas as sentinelas de pedra que a rodeiam, entro em Nampula à hora em que o muezim chama para a última oração do dia. Logo de manhã deixo-me impressionar pela imponente graciosidade dos Montes Nairucu – um frente-a-frente de altos e abruptos maciços de granito multiformes cujo diálogo estimula a plasticidade da imaginação, ora lembrando a elegância das estalagmites ora as formas redondas que modelam o côncavo das mãos.
Vim apanhar uma calma ao território makua com destino à Ilha de Moçambique. Como que adivinhando os meus propósitos, à entrada da ponte que a liga ao Continente um letreiro avisa – “Estamos em obras. Vai devagarinho”.
Metade da Ilha é uma cidade adormecida. A outra metade, uma aldeia muito povoada. Na primeira, a que foi capital e entreposto comercial prósperos adivinha-se no que resta do património edificado, decadente com poucas excepções, e uma delas é o antigo Palácio do Governador, agora transformado em Museu, de visita obrigatória (como me lembra o de Trinidad del Mar!). Na segunda, em que convivem filhos da terra e deslocados da guerra civil, pobre, vive-se do que o mar vai dando, mesmo que seja do que dos naufrágios ainda se pode encontrar. Na ponta do lado daquela, o Forte solitário. Na ponta oposta partilham paredes os cemitérios - o hindu, o cristão e o muçulmano.
O dia começa cedo. Cinco horas e já o sol está alto. Sete horas e a temperatura é de 36º, e muita a humidade. Convida à praia este dia de Ide-Ul-Fitre. Atravessada outra vez a ponte, devagarinho, o caminho até às Chocas é percorrido num ambiente de festa e de feira, os miúdos vestem a melhor roupa e distribuem boas festas com sorrisos de marfim. Ao anoitecer vai reabrir a discoteca da Ilha, fechada durante o Ramadão.
As águas mornas do Índico, ao fim da tarde, rodeiam as dunas para irem ao lado de lá alimentar o “mangal” novo que se estende até Cabaceiras Pequena. A noite cai e a estrada de terra vermelha abre um sulco na escuridão que o constante ponteado de fogo realça.
No regresso a Maputo as Linhas Aéreas de Moçambique estão de luto porque um dos seus quadros foi assassinado para lhe ficarem com o carro e o tão cobiçado celular.


Maputo, 18 de Novembro de 2004

Primeiro condenado...

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) aplicou uma "advertência não registada" ao juiz Rui Teixeira, do processo Casa Pia. Em causa estão declarações feitas numa entrevista ao Diário de Notícias.

Rui Teixeira, juiz titular do processo Casa Pia na fase de inquérito, emitiu juízos de valor sobre a culpabilidade de alguns arguidos e considerou que o ex-funcionário casapiano Carlos Silvino ("Bibi") não é a peça-chave deste caso de abuso sexual de menores.
Segundo fonte do CSM, na sequência do processo disciplinar, instaurado em Abril último, foi designado como inspector do inquérito o desembargador Martins de Sousa, que ouviu o juiz Rui Teixeira e outras pessoas cujo depoimento seria relevante.
O inquérito concluiu pela inexistência de factos susceptíveis de serem considerados matéria disciplinarmente relevante e foi proposto o arquivamento do processo contra Rui Teixeira. O CSM não concordou com a proposta, por entender que havia factos disciplinarmente relevantes, e aplicou uma "advertência não registada" ao juiz do processo Casa Pia.
A mesma fonte explicou que a "advertência não registada" é a sanção mínima prevista, em contraponto com a demissão, a mais pesada no capítulo disciplinar.


SIC com Lusa

17 novembro 2004

Exoneração

O Dr. Alberto João Cardoso Gonçalves Jardim foi exonerado do cargo de Presidente do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira.
É o que diz o Diário da República.

Adiamento do Jantar-Convívio do Incursões

Organizada pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), vai ter lugar, de 9 a 12 de Dezembro próximo, no Estoril, uma Conferência Nacional subordinada ao tema “Ministério Público e Autonomia: Política criminal e investigação criminal, Direitos fundamentais e as novas áreas de intervenção do Ministério Público”.
O programa (provisório) da conferência pode ser consultado aqui.

Porque várias das pessoas interessadas em participar no Jantar-Convívio do Incursões, anunciado aqui , também pretendem estar presentes na Conferência, resolveu-se adiar aquela confraternização para meados de Janeiro do próximo ano, em data a designar oportunamente.
Pede-se desculpa aos já inscritos pelo adiamento.

Debate sobre "Informação e manipulação" - Adiamento

O debate sobre “Informação e manipulação” que o Curso de Jornalismo e Ciências da Comunicação estava a promover foi ADIADO. Nele Intervirão o Juiz Conselheiro Noronha Nascimento, a jornalista Sara Pina e o Advogado Joaquim Manuel Coutinho Ribeiro (o carteiro deste Blog).
O Director do Curso, Prof. Dr. Eugénio Santos, convidava todos os incursionistas e amigos a participarem no debate.
(Actualizado em 17-11-2004)

16 novembro 2004

A justiça e a doença

Seria interessante analisar a luta pelo protagonismo judiciário na comunicação social nestes últimos anos. É uma luta em que cada um fala de interesses próprios, mas parecendo que assume o rosto universal da Justiça (decididamente com maiúscula). Aliás, arvorando-se mesmo em paladino dessa mesma Justiça que diz representar de forma particularmente generosa e altruísta, despido de estreitezas corporativas, ainda quando ataque as outras «famílias» judiciárias, elas sim eivadas desse corporativismo estreito. Só quem fala de um lugar assim «abrangente», desinteressado e coincidente com o interesse geral reveste as características necessárias para merecer crédito, como se sabe. Os interesses particulares que se querem promover sempre se mascararam com a representação do interesse geral.
Na presente conjuntura, são os advogados quem está ou pretende estar na dianteira desse protagonismo. Já foram outras profissões judiciárias: o Ministério Público, os juízes, etc.
O que é curioso é ver como cada qual aparece como o salvador de um sistema em crise, do qual, ao mesmo tempo, se exclui da respectiva responsabilidade. Assim é que, a par das tradicionais «chapeladas» à comunicação social, sempre digna da maior consideração (não fosse ela o palco onde cada um se exibe em nome do tal interesse geral do país, da democracia e do povo português), abundam ultimamente as metáforas de doença, que supostamente ulceram e mesmo paralisam o corpo da Justiça. E transparece dos discursos que se produzem o desejo afirmado de acudir instantemente ao referido corpo enfermo e já em vias de passamento para o outro mundo, isto é, para o nada. Como é evidente, os produtores desse discurso é que reúnem as condições ideais para serem os médicos de excelência que hão-de restituir a saúde e mesmo a vida ao corpo moribundo da Justiça. Daí que na Ordem dos Advogados, agora em fase de luta eleitoral, resida a principal força motriz da mudança, isto é, para usar metáforas equivalentes, o principal estabelecimento clínico de cura.

Artur Costa

15 novembro 2004

Ainda o discurso do Presidente do STJ

«... Não é desejável o unanimismo entre os órgãos de soberania, mas um mínimo de sintonia no desejo de mudanças na Justiça era necessário.
Coloca-se este post também para dizer que não existe unanimismo com este discurso.
»
ALM

"Manter autonomia do Ministério Público"

Embora com lamentável atraso, regista-se aqui o ponto de vista do Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Dr. Luís Felgueiras, publicado no DN do passado dia 12, a propósito deste artigo de opinião do Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Miguel Júdice:

Com publicação recente no DN de dia 5, veio o sr. bastonário da Ordem dos Advogados lançar um conjunto de comentários a propósito de um título deste periódico, inserido na edição de dia 1, onde se dizia estarem os magistrados do Ministério Público receosos do «lobby da advocacia» quanto a uma possível mudança, para esta, das competências de patrocínio na jurisdição laboral e no contencioso do Estado.
Diga-se, desde já, que o referido título não está em inteira conformidade com a notícia inserta no interior, mas, verdadeiramente, não é isso que importa. Relevante e, do mesmo passo, esclarecedor é, sim, o estilo utilizado e, sobretudo, o remate que finaliza o artigo. Está fora de questão, como é natural, o respeito devido à personalidade do sr. bastonário. Porém, o texto em causa, eivado de uma ostensiva arrogância, constitui, em síntese, uma severa reprimenda aos magistrados do Ministério Público e ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, todos eles, na opinião do autor, a portarem-se mal, revelando a «habitual ingratidão» e dedicando- -se a «morder a mão dos advogados que os ajudam», ao invés de agradecerem um magnânimo e continuado auxílio. Quanto ao poder político, o aludido escrito consubstancia, por sua vez, uma solene advertência, como adiante se verá.
E tudo isto porquê? Porque tendo o sr. bastonário, consabidamente em 2002, defendido a autonomia desta magistratura contra o Programa de Governo do PSD (que a propunha reduzir, ao contrário do que preconizava o PP) tal facto deveria, em seu modo de ver, justificar que o Ministério Público e o seu sindicato - penhoradamente reconhecidos - abrissem mão a favor da Ordem dos Advogados daquelas invejáveis prebendas: a representação dos trabalhadores no foro laboral e o contencioso do Estado. Ora, não se denegando, como é óbvio, a possibilidade e o direito de se ter outra opinião sobre aqueles temas concretos - e assim o tem feito o SMMP, sem os encarar como propriedade sua, e promovendo o debate racional sobre eles - supunha eu que o aceitar o princípio da autonomia do Ministério Público, pois que de princípios se tratava, o fora convictamente, como conceito fundamental estruturante do sistema judiciário português surgido há quase 30 anos.
Acresce ainda ter sido esta mesma ideia de valorização de alguns conceitos basilares a razão primeira que levou o SMMP, a Ordem dos Advogados e as restantes entidades do Congresso da Justiça a exararem na sua declaração final esta elucidativa passagem: «Afirmam - com toda a intensidade e determinação e no claro respeito do que resulta do texto constitucional - que a independência da magistratura judicial, a autonomia do Ministério Público e a liberdade dos advogados e solicitadores são os três pilares nucleares em que se estrutura o edifício da justiça e através dele o Estado de direito democrático: se em Portugal estes princípios não estiverem assegurados ou se as condições reais e efectivas para a sua existência estiverem ameaçadas, não será possível verdadeiramente falar em Estado de direito.» (sublinhado meu).
Verifico agora, afinal, que, na óptica do sr. bastonário, a autonomia do Ministério Público é um bem fungível e submetido a transacção; que é, outrossim, passível de troca e, logo, deve ser compensada com cedências várias.
Mas o requisitório não se queda por aqui; após a admoestação, vem a irreversível cominação como sequela duradoura, qualquer que seja o candidato a bastonário eleito. Quer dizer: sem o apoio da Ordem dos Advogados, a consagrada autonomia acabará inelutavelmente por se extinguir ou ser diminuída, de nada valendo, então, as posições que o Ministério Público e o SMMP possam assumir. Cabe ainda perguntar, depois, se a sanção tem continuidade ao nível do poder político (stricto sensu) postergando mesmo, ou condicionando, outra visão do próprio Presidente da República, da Assembleia da República e do Governo, sobre o assunto, provavelmente mais conforme com a sobredita declaração de princípios. Estamos assim entendidos em matéria de princípios da ordem jurídica portuguesa. Por isso mesmo, ainda bem que o sr. bastonário disse o que disse, e como disse, de forma tão clara.

Teatro e Tribunais

Justiça: Advogados e juízes mostram problemas do sistema judicial com peça de teatro

Peniche, 13 Nov (Lusa) - A denúncia dos problemas da justiça através da representação teatral de um julgamento, em que uma juíza fez de funcionária judicial e um advogado de juiz, foi a forma encontrada sexta-feira por profissionais do Oeste para criticarem o sistema.
Cinquenta profissionais reuniram-se sexta-feira à noite em Peniche para aprovarem os estatutos da Associação Forense do Oeste e aproveitaram para "inverter" os papéis que desempenham no dia-a-dia e numa encenação caricaturarem situações reais que se passam nos tribunais.
O julgamento de um arguido que furtou um objecto religioso em 1997 serviu para mostrar limitações como as deficientes condições acústicas das salas de audiência, onde os juízes não conseguem ouvir os arguidos, a falta de formação dos funcionários judiciais ou dificuldades orçamentais dos tribunais.
A juíza Isabel Batista, que desempenhou o papel de funcionária judicial, disse aos jornalistas que à semelhança do que acabou por ocorrer na pequena peça de teatro, os profissionais dos tribunais "todos os dias improvisam tendo que gerir situações como as vídeo- conferências que não funcionam, falta de condições acústicas e os funcionários judiciais que não têm a preparação necessária, não compreendendo o calão erudito dos juízes".
Isabel Batista disse que a associação pretende "intervir na sociedade nem que seja a rir, trazendo para a discussão pública os problemas que os afligem e relativamente aos quais toda a sociedade acaba por ser afectada".
No encontro em Peniche estiveram presentes advogados, solicitadores, peritos, escrivães, professores universitários, tradutores, delegados do Ministério Público, notários, conservadores do registo predial dos concelhos de Caldas da Rainha, Peniche, Lourinhã, Cadaval, Bombarral, Alcobaça e Torres Vedras.
A juíza, que exerce no Tribunal das Caldas da Rainha e que por falta de meios já agendou julgamentos para o ano de 2008, criticou ainda "o desaparecimento da verba que chegou a estar em PIDDAC (Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central) para obras no Tribunal", ironizando que vai pedir "a inspectores da Judiciária para averiguarem onde se perdeu o dinheiro entre Lisboa e Caldas".
Por seu lado, o advogado Emanuel Menezes, que desempenhou o papel de juiz, disse que um dos maiores problemas da justiça "é a falta de meios humanos" que provoca os atrasos e "basta que a justiça se faça com atraso para deixar de ser justiça".
Este foi o segundo encontro dos fundadores da associação, que já decidiu que irá formar um grupo de profissionais que vai percorrer os tribunais em acções de formação sobre nova legislação.
Os fundadores também decidiram que a sede iria ser em Óbidos, considerando que é um concelho neutro, já que é o único da região que não tem comarca.
ZO.
Lusa/Fim

Il est élu

Théophile Steinlen (1859-1923)

14 novembro 2004

Pensamento

«Todos os dias os jornais me trazem notícias de factos que são humilhantes para nós portugueses. Ninguém pode imaginar como sofro com elas»

Fernando Pessoa
Diário, 05Set1908

Ausência de ambição

O Congresso do PSD terminou com um sinal de profunda modéstia: Santana Lopes propõe-se ser primeiro-ministro até 2014.
Que falta de ambição!!!...
O fim do século ainda está longe e ficam por 2014!
Nem é número ímpar!...
Ou será que o PSD decidiu-se pela limitação dos mandatos?!...

Pintura e Música de Domingo

Aida de Paula Rego e Giuseppe Verdi

Fragmentos da ópera Aida (1871):

Marcha Triunfal

Celeste Aida
Intérprete: Carlo Bergonzi (tenor)

13 novembro 2004

"Retrato pouco oficial"

12 novembro 2004

Bastonada às cegas

O Bastonário dos Advogados, dr. Júdice veio, numa das suas recentes bastonadas, advertir claramente o Ministério Público, ou melhor – segundo ele -, o seu ingrato Sindicato, que ou havia «cedência» no tocante ao patrocínio oficioso dos trabalhadores na jurisdição laboral, ou a autonomia dessa magistratura estava em causa.

Foram estes, substancialmente, os termos da posição do Bastonário.

Admitindo que a questão não deve ser tratada como um tabu, a verdade é que a forma como veio a lume – alegadamente como resposta a uma notícia do DN que não retratava com fidedignidade o conteúdo de uma intervenção de um magistrado do Ministério Público num forum sindical no Funchal –, e a sua sequela posterior no site da O.A. merecem algumas (poucas) considerações.

O Bastonário dr. Júdice pode, até certo ponto, ter razão, tendo em conta que o patrocínio oficioso dos trabalhadores na jurisdição laboral encontra antecedentes directos no Estado corporativo, em que a protecção dos trabalhadores assentava numa jurisdição especialíssima (dependente do Ministério das Corporações e do Trabalho).
Ora, num tempo de neoliberalismo triunfante, não admira que o dr. Júdice venha reclamar uma apetecível fatia de conflitualidade social para a classe profissional que representa.

Mas a referida posição levanta uma perplexidade: qual a razão da não reivindicação pelo dr. Júdice da representação dos trabalhadores por advogados no âmbito infortunístico? Será por inabilidade deles, enquanto os magistrados do Ministério Público assumem com empenho e proficiência tal tarefa?

Cumpriria, talvez, apontar outra direcção: porque não, dr. Júdice, remeter a matéria infortunística (respeitante a acidentes de trabalho e doenças profissionais) para a tutela da Segurança Social e as questões do contrato de trabalho para a jurisdição comum, extinguindo-se, pura e simplesmente, a jurisdição laboral?
Já houve quem pensasse nisso.

E foi avisando mais: qualquer dos seus sucessores irá defender a mesma causa. Acautele-se, pois, o Sindicato – que não o Ministério Público – , pois que ele tem influência e determinará a conduta dos seus sucessores (mesmo que seja o Dr. Marinho Pinto, que saneou sumariamente da Comissão de Direitos Humanos da O.A.?).

Ao colocar a questão em termos de o Ministério Público dever ceder essa parcela de intervenção como contrabalanço da manutenção da sua autonomia (que ele piedosamente diz defender), o que dizer se, amanhã, outro Bastonário vier reclamar a cedência das competências na jurisdição de menores? E, depois, na jurisdição administrativa? E, depois…

O que vale para si a autonomia do Ministério Público, dr. Júdice? Será só a competência de patrocínio oficioso dos trabalhadores? Já terá «vendido» a ideia a alguém?

O senhor Bastonário, que tanto se queixa que outros falam de mais, é que é verdadeiramente incontinente.
Em termos verbais, é claro
.

contributo de mangadalpaca®

Preocupação do Presidente do STJ

Ao usar da palavra na tomada de posse como novo Vice-Presidente do Juiz-Conselheiro Manuel Maria Duarte Soares, o Presidente do STJ aludiu ao actual «momento em que se perspectivam ventos de agitação na área da Justiça», a qual «enfrenta hoje dias difíceis, sendo insistentemente posta em causa a credibilidade das suas instituições».

Depois de afirmar que é «unanimemente reconhecida a necessidade de alterar o status quo» e que «todos os operadores judiciários - e os próprios cidadãos - sentem a urgente necessidade de medidas que sejam capazes de alterar esta situação», o Presidente do STJ manifestou preocupação pela «aparente tendência no sentido de apontar as magistraturas como constituindo o grande entrave às reformas cuja urgência se não discute», para acrescentar: «Invoca-se por vezes, uma deficiente formação dos magistrados, para justificar alterações no programa de formação do Centro de Estudos Judiciários. Mas permanece obscuro o sentido de tais alterações.»
Assinalando o seu receio pela possível partidarização que poderá verificar-se com uma eventual alteração da composição dos conselhos superiores das magistraturas, pelos novos critérios de promoção nas carreiras que são sugeridos «em discursos velados» - e, «mais subrepticiamente», por novas regras de ingresso nas carreiras - a par das «vozes a defender a constituição de um conselho único para as magistraturas ou a reclamar a interpenetração das carreiras», o Presidente do STJ defendeu que devem aceitar-se com naturalidade «que esses - como outros assuntos - permaneçam abertos ao debate», mas disse ser preocupante «que dessa insistência, resulte no cidadão, a ideia de que a melhoria da Justiça dependa sobretudo de reformas nas magistraturas».
No mesmo seguimento, sublinhou também que «a imputação aos magistrados dos males da Justiça, pode pretender abrir caminho a reformas cujo intuito seja apenas o de as domesticar e funcionalizar» e que «a imputação aos magistrados dos males da Justiça, pode pretender abrir caminho a reformas cujo intuito seja apenas o de as domesticar e funcionalizar».
Assim, «a verdade é que tais reformas podendo satisfazer diversos interesses, não garantirão seguramente a pretendida melhoria do funcionamento da Justiça». Pelo contrário, «provavelmente ameaçarão - isso sim - a independência do judiciário, o que afectará directamente o Estado de Direito e o regime democrático».
Mais adiante, apelando à «seriedade de propósitos» e a «um diálogo sincero e leal entre todos os operadores judiciários e decisores políticos» através da «transparência dos processos», o Presidente do STJ lembrou que «a independência das magistraturas não é um privilégio destas mas antes, uma garantia de que os cidadãos não deverão privar-se».
É «a força das instituições judiciárias que assegura o respeito da legalidade, dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e que impede a negação da Justiça ou a sua má administração», o que «depende primariamente da independência da magistratura». Por isso - acrescentou - «a opacidade dos procedimentos, tantas vezes construída sobre a passividade dos magistrados», tende «a esconder os objectivos das medidas e a distrair a sua ineficácia». E concluiu: «com ela não ganha o país nem ganham os cidadãos».

(Ver notícia aqui)

corpo nu

é com o corpo nu que te escrevo.
nada disso importa.
não sei mais quem és
e ignoras minha nudez.

tenho longas conversas com o vento.
a ele falo do sonho,
do desejo, esta lâmina,
diagonal a atravessar-me.
do amor.

falo-lhe de vicissitudes,
de quereres, de metáforas improváveis,
de altos propósitos,
construções possíveis
e paredes a desmoronar.

é com o corpo nu que te escrevo.
o que não importa.
não sabes quem sou
- alguma vez soubeste ? -.

minha nudez é uma oferenda,
a mim e a ti.

sei que estas palavras
a saírem-me pelos dedos,
exatamente as mesmas,
deslizam pela minha garganta,

é a minha verdade que nos ofereço.

é com o corpo nu que te escrevo
minha face voltada para o horizonte,
e a pele à mostra.

silvia chueire

11 novembro 2004

DAQUI, DE MAPUTO

No Índico

Três quartos de hora por sobre um Índico calmo e a terra reaparece para nos surpreender. Em frente um extenso e plano areal, do lado direito uma costa alta coberta de densa vegetação até à orla do mar. A Ilha dos Portugueses e a Ilha de Inhaca.
O Índico, de águas transparentes, recebe bem, com uma temperatura hospitaleira, e as medusas que na praia aguardam que a preia-mar as alcance de novo, só podem temer o sol, intenso, e, de predadores, os caranguejos e as aves que aproveitam a sua imobilidade.
Depois do baptismo neste oceano – que as águas barrentas de Maputo não estimulam ao ritual - a aproximação ao sul da Ilha de Inhaca e às barreiras de coral junto à costa, e também ao continente defendido por enormes dunas verde e pérola. A caminhada junto à estrada de mar revolto que une a Ponta Torres e a Ponta de Santa Maria impõe-se.
A tarde trouxe o vento, o mar cresceu. Maputo estava agora a hora e meio de caminho. Foi numa lancha um pouco maior que em 1977 deixámos as plataformas quando o mar de Sines partiu a ponta do molhe recém construído e levou um dos nossos, um soldador, que não conseguiu libertar-se das mangueiras do compressor que o envolveram.
Vista do mar, ao fim da tarde, a cidade ganha outra beleza, como Lisboa do Tejo, Coimbra do Vale do Inferno, ou o Porto do cais de Gaia. E à chegada reencontro esta estranha combinação de jacarandás em flor com árvores de Natal.

Maputo, 11 de Novembro de 2004

Já existe o monopólio da palavra?

"Procurador era mais sensato se falasse menos", diz o Bastonário da Ordem dos Advogados.

Foram estas as palavras de Souto Moura que incomodaram o "Patrão da Justiça"?

«... Aconteceu porém que esta evolução que era paulatina e que se observava na nossa sociedade, veio a sofrer em 2003 por outros motivos um autêntico safanão, pouco previsível, o qual terá gerado no seio dessa sociedade reacções verdadeiramente paradoxais.
Descobre-se que instituições venerandas teriam sido cenário de comportamentos que a nossa consciência ético-jurídica reputa de altamente censuráveis. Descobre-se que personalidades conhecidas e estimadas ficavam a contas com a justiça imputando-se-lhes comportamentos insuspeitados antes.
À nossa comunidade custou aceitar que isso pudesse ter ocorrido no seu seio, e por isso vimos serem acolhidas actuações que, beneficiando claramente pessoas em concreto, foram acompanhadas por muita gente, não propriamente ligada à defesa, mas que se empenhou em expressões várias de simpatia. Ao mesmo tempo que inconscientemente, ou de má fé, se começava a lançar a desconfiança sobre as iniciativas oficiais que vinham a lume e que tudo faziam para que se organizasse um processo crime que não fosse mais do que um processo crime.
Em 2003, muitos portugueses se deixaram levar numa deriva que confundiu o essencial, o empenho na descoberta da verdade e a realização da justiça, com o meramente lateral. A propósito das vítimas, com quem de início todos se mostravam solidários, houve claras tentativas para as descredibilizar, para as aniquilar, para as neutralizar. Chegou-se ao ponto de se fazerem queixas crime contra elas por terem denunciado situações e nelas as autoridades terem acreditado.
Quanto ao aparelho de justiça que somos, e os portugueses não têm outro, muito embora o devamos melhorar, dele se deu um retrato negro.
O legislador processual penal foi tratado como tendo sido ao longo de anos um espírito manifestamente imponderado. De repente, todos os portugueses se consideraram processualistas eméritos e debitavam muitas opiniões a quente.
O segredo de justiça foi terrivelmente maltratado e o contraditório extravasou para a praça pública.
Aproveitou-se para atacar o estatuto processual penal e judiciário do Ministério Público, bode expiatório da disfunção do sistema, a ponto de se pretender que ele ficaria necessariamente dependente do depoimento, neste processo, de testemunhas em todo o mundo consabidamente vulneráveis, ou da convicção dos julgadores que se quer livre e se presume livre.
Mas importa que fique claro, de uma vez por todas, que a preocupação do Ministério Público neste como em qualquer outro caso é encontrar a verdade material, regendo-se por critérios de legalidade e objectividade e mais nada. É também por isso que só no âmbito do denominado processo da “Casa Pia” foram instauradas dezenas de processos por violação de segredo de justiça.
É mesmo altura de parar, olhar para trás e corrigir o que for de corrigir, porque acabamos de viver um autêntico delírio.
Os portugueses não têm o direito a saber, e por isso não podem pretender saber, tudo o que está neste ou em processos congéneres. Têm direito a saber só o que o legislador democraticamente eleito quis que pudesse ser conhecido por eles. E isso deveria ser interiorizado por todos, a começar pelos profissionais da comunicação social.
A justiça não será nunca alcançada se não obedecer às regras previstas para o processo. De uma vez por todas, tire-se o contraditório da praça pública evitem-se os juízos paralelos, e situemos a discussão de um caso em juízo no local donde nunca deveria ter saído, o tribunal.
O ano de 2003 deu-nos assim a oportunidade de construirmos uma democracia mais adulta.
Mas convém não ter ilusões. Nenhuma autoridade pública, por mais eficiente que se mostre, poderá acabar por si só com todos os desvios às regras estabelecidas. Tudo depende, também, do acolhimento ou rejeição que esses desvios tiverem na sociedade e, portanto, no fundo, de se saber se os portugueses estão interessados em atingir a maturidade do Estado de Direito em que vivem, ou se se conformam com uma lógica sensacionalista e consumista a fazer a prosperidade de alguns.
E é aqui que entronca, também, o papel positivo que a comunicação social poderá levar a cabo.
O sucesso ou insucesso de uma instituição, o prestígio ou desprestigio de uma pessoa, a gravidade ou banalidade de um facto não dependem tanto do que eles forem realmente, mas da ideia que sobre eles se incutir por vezes com propósitos muito determinados.
As nossas democracias são democracias da imagem que se transmite e das opiniões que se recolhem, e é neste ambiente que se jogam estratégias de instrumentalização das pessoas para as quais devemos todos estar precavidos.
E não me quero aqui referir à questão de se saber se o direito de informar deve ou não sofrer limites, porque como qualquer outro direito também este tem limites imanentes, ou está talhado para se articular, na nossa sociedade conflitual, com outros interesses também juridicamente protegidos. Muito menos se trata de aludir à clarificação da questão da sujeição ao segredo de justiça por parte de todos ou só alguns e quais.
Numa sociedade que é verdadeiramente moldada pela comunicação social, cabe a esta proceder a uma constante chamada de atenção de si para si própria, acerca da desproporção, tantas vezes gritante, entre o serviço que alegadamente se pretende prestar e os enormes danos, públicos ou privados que não podem deixar de ser previstos e acabam por se causar. Tudo sem reacção ou controle à altura.
Mas o que é mais importante é que o conhecimento de realidades, como a que desencadeou o processo “Casa Pia”, foi um sobressalto que acordou as consciências e nos levou a perguntar o que fazemos e como o fazemos para cumprir os nossos deveres, relativamente à infância e à juventude em geral...» - Relatório Anual da PGR, 2003.