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15 outubro 2008

Nítido Nulo

A obra de Virgílio Ferreira, goste-se mais ou menos dos seus escritos (ou de alguns dos seus escritos, que são muitos e de diversa natureza) constitui, inquestionavelmente, património cultural português a preservar e manter vivo - leia-se, disponível para leitura.

No entanto, das 32 obras editadas pela empresa que detém os direitos de publicação, uma das quais incluída no Plano Nacional de Leitura, estão esgotados ou indisponíveis ... 32 títulos!!! Ou pelo menos assim consta do site respectivo... pois afinal, segundo me acabam de informar telefonicamente, há alguns (poucos) títulos reeditados.

Como acabam de dar à estampa manuscritos do espólio do escritor, correspondentes a um diário que escreveu, com algumas interrupções, entre os 26 e os 32 anos , apetece glosar a célebre frase e gritar bem alto: PUBLIQUEM 33!!!

E se não publicam/reeditam, que haja alguma entidade responsável pela cultura neste país que - à falta de mecanismos legais de injunção neste particular - faça uma oferta irrecusável e adquira os direitos de publicação! Sairia certamente mais barato que uma só saison de Allgarve, pelo menos tendo em conta a regra do custo/benefício, sendo este extensível agora a todos os portugueses e não só aos allgarvios e certamente também mais perene, não se evanescendo num qualquer "sonho de uma noite de verão" ...

10 outubro 2008


David e Golias

ou "episódio 3 da novela Crise? Qual Crise?"

09 outubro 2008

Crise? Qual crise? (1)

Uma prestigiada editora sediada no Porto, à qual pretendíamos fazer uma primeira encomenda, acaba de nos informar que apenas podemos encomendar livros no valor tortal de 250 €, pois é o plafond máximo estabelecido para vendas a crédito. Bem, para além de livros que queremos ter na Livraria, há pedidos de clientes que queremos satisfazer, pagaremos então a pronto! Ah, isso não pode ser, só vendemos a crédito com prazo de 60 dias. Como disse? Então só podemos encomendar 250 € de livros e temos de esperar 2 meses para pagar e assim podermos pedir reposições e novos livros? Bem, podem prestar uma garantia bancária no valor mínimo de 5.ooo €... Certo, mas para quê a garantia bancária se pagarmos a pronto?? Uhm, é que o nosso sistema só admite pagamentos a crédito.

E PRONTO!!!!!

Crise? Qual crise?(2)

02 maio 2008

Quo vadis, Kami?

Carta aberta aos meus amigos

Não dou notícias há muito tempo, não escrevo nem comento nos blogs, nem umas graçolas reenvio por e-mail.
E no entanto nunca passei tanto tempo ao computador (nem sequer quando, entre Janeiro e Março, "de perna ao peito", andei a "arrumar" o Inc...).
Et pour cause! O objecto está de tal forma associado ao meu dia a dia de trabalho (o mundo dos candidatos a emprego e do import-export ao alcande de um rato...) que, quando chega a hora do lazer (se é que chega…), só me apetece fechá-lo.

Mas ter o tempo hiper-ocupado com a concretização, para breve, de um projecto que há muito acalentava (quando comecei a perceber que, por razões familiares/pessoais, teria de deixar o Ministério Público, era um projecto/sonho difuso, muito difuso mesmo, a que me agarrava) é, para além de um grande desafio, um enorme prazer e fonte de genica e boa-disposição. Para mais, esta entrada no mundo do empreendedorismo está a ser/vai ser uma interessante fonte de melhor conhecimento das realidades culturais e socio-económicas deste cantinho ao sul, pedaço ainda assim privilegiado do dito “país real”… (*)

Alguns de vós sabem do que se trata – a abertura de uma livraria/espaço de exposições em Faro, integrados num Espaço de Memória, projecto de O Mundo em Gavetas, que surgiu do encontro com a inesgotável criatividade e vontade de fazer do José António Barreiros.






Mas, para saberem mais, o melhor é abrirem este link:
www.omundoemgavetas.com/novidades.html

O objectivo é abrir a 14 de Junho (assim a Câmara de Faro não boicote com a sua proverbial inércia no despacho dos processos). Teremos a apresentação de um novo livro do José António Barreiros editado por O Mundo em Gavetas e uma exposição alusiva – o pretexto é o centenário do nascimento do escritor Ian Fleming. O tema genérico dá pelo título de 00Fleming.
O livro será lançado no Espaço dos Exílios, no Estoril, no dia 28 de Maio, data do centenário propriamente dito.

Claro que, quando tiver a certeza absoluta da data da abertura em Faro, informarei. Como é um sábado (para os lisboetas antecedido de feriado) e o tempo estará certamente óptimo, é mais um bom pretexto para virem gozar as delícias do Sul :)

(*) Por via das dezenas de CVs que consultei e das várias entrevistas que já fiz a candidatos a emprego pude contactar com a realidade do que lia acerca da quantidade de jovens licenciados desempregados ou à procura do 1º emprego – não que o não tivesse sentido já na vivência dos meus próprios filhos (e filhos de amigos) , ele lançado às feras no mundo do recibo verde, com um curso técnico de 1 ano que lhe deu logo trabalho, tirado depois de obter a licenciatura num curso superior em universidade pública e “de bom tom”, a Nova; ela – por opção, é certo - sozinha no mundo das profissões liberais, na perspectiva de nem a um mês de ausência pós maternidade se poder dar ao luxo … (é para rir ouvir o Marinho e Pinto, Il. Bastonário da OA, reivindicar licença de maternidade para as advogadas! E eu a pensar que se tratava de uma profissão em que a relação profissional/cliente é tendencialmente insubstituível, como acontece com os psicólogos clínicos, profissão exercida pela minha filha!)

Mas constatei também realidades positivas: depois de terem acabado com as escolas comerciais e técnicas, os responsáveis pelo ensino lá perceberam que havia muitos jovens que, para singrarem na vida, precisavam de competências técnicas de nível médio e, na verdade, as vias técnicas de ensino pós escolaridade obrigatória, que dão equivalência ao 12º ano, têm bons currículos disciplinares; idem quanto a certos cursos de formação proporcionados via Centros de Emprego!
Claro que nem sempre isto basta se não se teve uma boa formação de base e, por exemplo, apesar de se cursar o 2º ano de gestão, se escreve com manifestos erros ortográficos e não se é capaz de compor meia dúzia de linhas num e-mail de candidatura/apresentação…

Enfim, o "noticiário" vai longo, não escrevo há tanto tempo que as ideias por partilhar se atropelam e sai tudo em turbilhão ficando, ainda assim, quase tudo por dizer…
bem ao contrário do JAB que escreveu hoje (mais) dois lindíssimos posts, cuja leitura não resisto a recomendar:

http://joseantoniobarreiros.blogspot.com/2008/05/regressado-aos-sonhos.html


Com este post envio abraços e beijinhos aos amigos e cordias cumprimentos aos leitores

Da vossa Kami, que também responde por Little Palha


29 fevereiro 2008

O leitor (im)penitente 35


Ao desbarato!

Como vou aqui deixando constância, volta e meia percorro os alfarrabistas à procura de um que outro título desses que já não se apanham nas livrarias. Foi assim que pouco a pouco comecei a fazer uma pequena biblioteca de temas coloniais, fundamentalmente livros sobre Moçambique, ex-colónia que conheço por ter lá estudado durante o finado segundo ciclo dos liceus.
Apesar de não fazer buscas sistemáticas, a verdade é que vou encontrando as coisas que quero, a pontos de ter praticamente completas algumas colecções cujo valor apenas advém do facto de serem relatos relativamente interessantes da “gesta” colonial. E se digo gesta entre aspas é apenas por duas razões. Primeiro porque, ressalvados os aspectos políticos e éticos da actividade colonizadora, resulta surpreendente a escassez de recursos com que foi realizada a ocupação dos territórios angolano e moçambicano. Em segundo lugar porque, os poderes coloniais da altura, exaltavam este género de acções, pouco interessando para o efeito se estamos perante os republicanos do Partido Democrático que influenciaram decisivamente os “Cadernos Coloniais” (ed. Cosmos) ou o recente Estado Novo que deu à estampa a “colecção Pelo império” (Secretariado Nacional da Propaganda, SNI e Junta de Investigações do Ultramar, sucessivamente).
Ao lado disto que já não é pouco tenho-me topado com centenas de referências de autores portugueses e estrangeiros. Ainda há dias houve um importantíssimo leilão onde as espécies “coloniais” atingiam quase três centenas de títulos. Informando-me melhor junto do livreiro alfarrabista, organizador do catálogo, vim a saber que esta era já a décima almoeda onde se ofereciam livros da ex-biblioteca do Comandante Ernesto Vilhena. Ou seja: de há anos a esta parte anda a ser vendida e desmantelada uma importantíssima colecção de livros sobre as colónias portuguesas, nomeadamente sobre a sua história entre 1800 e 1940!!!
Desconheço se as bibliotecas e arquivos nacionais têm acervos destes em quantidade suficiente para não acorrerem aos leilões. Desconheço se o governo que enche a boca com a nossa pregressa história alguma vez pôs a hipótese de constituir um fundo relevante de publicações sobre a história da expansão e da colonização.
Parece-me, porém, que todos deixam desaparecer em mãos privadas os elementos fundamentais e quiçá únicos de um saber pacientemente reunido.
Dir-me-ão que na Biblioteca Nacional já existem exemplares idênticos aos agora dispersos. Também era o que mais faltava. Do que duvido é que exista uma Biblioteca especificamente ultramarina onde eventualmente pudesse funcionar um centro de estudos da expansão e da colonização e onde se pudessem agrupar esta colecção ora dividida e eventualmente outras que por ai estejam constituídas e desapareçam do mesmo modo que esta.
Poder-se-á ainda argumentar que tudo isto é muito bonito mas que é caro. Nada mais longe da verdade. As espécies que desta vez foram vendidas apareciam todas com preços de base entre os 10 e os 20/25 euros. Ou seja que seria possível que antes de se pensar num leilão as colecções completas pudessem ser adquiridas por pouco mais de dois, três mil euros. Eu mesmo, sem pretender substituir-me ao Estado, sem ter os seus meios, tentei ainda comprar os livros que queria antes do leilão. E se bem me recordo, por cerca de duas dúzias não pagaria mais de 300 euros. Se tivesse chegado antes poderia mesmo ter feito um negócio ainda melhor. Infelizmente já só pude fazer ofertas para o leilão pelo que consegui muito poucos exemplares dado que fiz as licitações antecipadas.
Vivemos no país das possibilidades perdidas. Nem sequer tentamos salvaguardar o nosso património. Ou tentamos tarde e a más horas. Quando por mera sorte, se consegue apanhar uma obra de arte, uma colecção, um livro num leilão, os jornais embandeiram em arco. Se as pessoas soubessem que, normalmente, antes disso, o Estado foi requerido a comprar e se negou sequer a encarar a hipótese de o fazer tenho a impressão que cairia um ministério. Porque não é a primeira, a segunda, sequer a décima vez em que a pressão da opinião pública força os agentes do Estado a comprar (e a salvar para o Património Nacional) objectos que com um mínimo de atenção, de zelo e de diligência teriam custado muito menos.
Em Maio voltará a haver leilão de mais uma parte da ex-colecção do Comandante Ernesto Vilhena. Apostemos que mais uma vez aparecerão peças interessantíssimas para todos excepto para quem nos representa mal.

15 fevereiro 2008

O leitor (im)penitente 33


GUEDES, RIBEIRO
& RESTANTES POVEIROS....


Isto é um telegrama, nada mais. Um recado urgente para leitoras com tempo e dadas ao feio vício solitário da leitura: a Póvoa (do Varzim, claro) está cheia de sinistras figuras de escritores & adjacências. Falam que se desunham, há uma mini-feira do livro (só novidades) estão cá os do costume (desde o Onésimo ao Manuel Rui passando por Eduardo Lourenço ou Maria Manuel Viana, que lhe tomou o gosto), os de de vez em quando (Leonardo Padura ou Almeida Faria para não falar em JJ Armas Marcelo, olá homónimo!) e a habitual tertúlia de editores e críticos: Manuel Valente, João Rodrigues, Carlos da Veiga Ferreira, o Francisco Bélard e a malta do Expresso). Está o escriba em representação dos leitores compulsivos (e gordos...) e estreia-se absolutamente o Pimentinha, João Pimenta de seu vero nome, um dos actuais contertúlios dos fins de manhã na Leitura 2 (às quartas-feiras: logo à entrada tomando uma bica, murmurando sobre o mundo, olhando as raparigas que passam, cheirinhando os livros, enfim o costume).
Ou seja, a Póvoa está em festa. E está de parabéns. As “correntes d’escritas” já levam nove anos!!!
A Câmara Municipal abre os cordões à bolsa e não se queixa! É para que saibam. Uns falam de amor à cultura, outros, simplesmente, vão fazendo cultura.
A Manuela Ribeiro e o Chico Guedes sempre a dar-lhe! Que as mãos não lhes doam, que as bênçãos sempre escassas deste povo leitor e prazenteiro os livrem de impingens, escrófulas, mau-olhado e restantes maleitas feias. E da cegueira, vá, que para ler, além de coração, é preciso olhos.

*A estampa: continua a saga da biblioteca que cresce imparavelmente, invade todos os espaços menos cheios e ameaça escorrer para o andar de baixo. Aqui a livralhada sobre surrealismo dadaísmo e outras maluquices...

12 fevereiro 2008

o leitor (im)penitente 32


Vem uma criatura das estranjas com o baú carregado de livros, catálogos e tudo o mais e pimba!, cai-lhe em cima um saldo de livralhada no Mercado Ferreira Borges.
Nem de propósito! É que vale mesmo a pena ir lá cheirar. Este que estas custosamente vai dedilhando, tem a pobre casa transformada num armazém de livros. Pois mesmo assim ainda encontrou umas dezenas largas de volumes para ajudar à sua iminente ruína.
E não falo de livrecos. Falo de excelentes edições, de Handke, de Tonino Guerra, de Ondjaki, de Luandino, de Mailer, de Durrell, do Marías e de mais um bom cento de autores dos bons que por má venda estão aqui a rastos de barato.
Quem quiser os best-sellers do momento escusa de ir. Não há, et pour cause. Também não faz mal que regra geral é literatura light a pedir uma ASAE urgente ou nem isso. Ao fim e ao cabo se há quem tem pachorra para os ler que os leia. Como dizia um amigo meu, Proust todos os dias também cansa.
Leitorinhas, asinha, asinha ao velho mercado da fruta. Há lá um livro para vocês. E se o encontrarem, desçam mais um bocado e leiam-no ao glorioso sol de inverno numa esplanada da Ribeira, com um “cimbalino” ou um “fino” a acompanhar. E um namorado a tiracolo. Os namorados são úteis: podem ir buscar o carro ao parque, ajeitar o guarda-sol ou simplesmente fazer companhia. Fosse este escriba mais novo e oferecia-se mas assim permite-se este desenfastiado tom enquanto pensa, como bom figueirense:
Quem não rema já remou; quem não tanoa já tanoou.

*a gravura: mais um par de estantes de uma biblioteca que procura casa maior e condigna para se instalar convenientemente

31 janeiro 2008

Um olhar sobre o regicídio


Convite para a apresentação (pelo Dr. António Pedro Vicente) do livro da minha boa amiga historiadora-investigadora Margarida Magalhães Ramalho.
Lisboa, Paços do Concelho dia 1 Fevereiro, às 18h00 (às 16h00 visita aos locais do regicídio – concentração junto à estátua do rei D. José, no Terreiro do Paço)

(clicar na imagem para aumentar)

14 janeiro 2008


Desde Junho de 2007 que a Sílvia anda a escrever belíssima prosa aqui,
"às escondidas" (ou eu estive distraída?)!

13 janeiro 2008

o leitor (im)penitente 31




Ángel González,
boa noite, boa viagem e que encontres um bar amável onde possas continuar a conversar, beber, amar e fumar






O Outono aproxima-se


O Outono aproxima-se quase sem ruído
apagadas cigarras, alguns grilos,
defendem o reduto
de um verão obstinado em perpetuar-se
cuja sumptuosa cauda ainda brilha lá para o este.
Dir-se-ia que aqui não se passa nada,
mas um silêncio súbito ilumina o prodígio:
Passou
um anjo
que se chamava luz, ou fogo, ou vida.
E perdemo-lo para sempre.

Cantiga de Amiga

Ninguém recorda um inverno tão frio como este.

As ruas da cidade são lâminas de gelo.
Os ramos das árvores tem luvas de gelo.
As estrelas tão altas são clarões de gelo.

Gelado também está o meu coração,
mas não foi o inverno.
A minha amiga,
a minha doce amiga,
a que me amava, diz-me que deixou de me querer bem.

Não recordo um inverno tão frio como este.


Nada mais belo

Esse raio de sol inesperado
que cintila na neve
recém-caída!

Mas muito mais belo era o sorriso
que iluminava um rosto
ainda molhado pelas lágrimas.


Um longo adeus

Ó que dia preguiçoso
que não se quer ir embora
hoje, na hora devida.
O sol,
já por trás da linha lúcida
do horizonte,
puxa por ele,
chama-o.
Mas
os pássaros enredam-no
com o seu cantar
nos ramos mais altos,
e uma brisa contrária
mantém suspenso o pó
dourado da sua luz
sobre nós.
Sai a lua e continua a ser dia.
A luz que era ouro é agora de prata.


Em Outubro de 2007 saudei por aqui (Voz alheia (3)) os 82 anos de Ángel González, poeta da geração de 50, exemplo de vida, de literatura, de dignidade. E juntei um retrato dele, sentado diante de um copo com um qualquer álcool e o eterno cigarro. Hoje os jornais espanhóis dão a notícia da sua morte. Deixa uma oba memorável (aconselho “Palabra sobre palabra”, Seix Barral, que reúne a sua poesia até 1992 ou, na colecção visor de poesia, “ A todo amor” antologia personal, de 1996. Os poemas aqui pobremente traduzidos pertencem todos a “Otoños y otras lucestusquets 2001.
As leitoras e leitores que me aturam perdoarão o atrevimento da tradução mas esta pareceu-me ser, apesar de tudo, a mais sincera homenagem a um poeta e a um cidadão exemplares.

O leitor (im)penitente 30


Os três mosqueteiros eram quatro

Creio que nenhuma leitora contestará a razoabilidade do meu título que, mais do que uma homenagem a esse homem generoso que se chamou Alexandre Dumas, vem apenas deixar uma pequenina flor na tumba do último membro da geração de 27.
Refiro-me, claro, à geração de Lorca, Buñuel e Dali e à famosa “Residencia de Estudiantes”, em Madrid, ponto de encontro de uma plêiade de intelectuais onde não faltam Cernuda, Salinas, Neruda, Alberti e sei lá quem mais. De longe em longe, de muito longe em longe, aliás, acontece um milagre destes. Convenhamos que aqui tão perto, e tão longe ao mesmo tempo, é obra. Portugal assistira no meio da geral indiferença ao eclodir da geração do “Orfeu” que passou despercebida até bem tarde e que nos anos trinta estava esquecida e enterrada sob o manto espesso de uma literatura semi-oficial e subserviente. Em Madrid (mas também em Sevilha, Valência, Granada ou Barcelona) os tempos eram clementes para a criação artística e literária. E o público, que o havia e não era escasso, reconhecia e reconhecia-se nessa geração impetuosa que só por si teria justificado uma Espanha nova e viva.
Morreu ontem, sexta feira, aos 103 anos (bonita idade) José Bello Lasierra, Pepín, o amigo íntimo, o cúmplice, o defensor dedicado, desse grupo de amigos de que ele, “sem ser poeta nem pintor (Buñuel), foi um dos pilares.
É extremamente difícil pensar a geração e a maneira de estar de alguns dos seus mais destacados membros sem recorrer ao incontornável Pepín. Para além de se lhe poderem seguramente atribuir algumas das trouvailles surrealistas do cão andaluz e de ter sido um dos mentores da homenagem a Luis de Gôngora em Sevilha, sabe-se que era à volta dele que se reuniram as estrelas da casa!!! Centenas de cartas de e para ele forneceram e ainda fornecem pistas interessantíssimas e entusiasmantes para o estudo da geração e sobretudo dos “residentes”. A permanente disponibilidade de Pepín, a excelente memória que nunca perdeu tornaram-no uma testemunha imprescindível e generosa a que recorreram quase todos, senão todos, os estudiosos. Aliás foi até à sua morte presidente de honra da Asociación de Amigos da la Residência de Estudiantes e era Amigo e Bienhechor de la Institución Libre de Enseñanza, hoje Fundación Francisco Giner de los Rios.

Na fotografia: da esquerda para a direita: de pé ao fundo, Lorca (6º), Buñuel (8º) Alberti (10º) Neruda (13º). Sentados Maria Teresa León (6ª) mais tarde mulher de Alberti. À frente, Pepín (3º)

06 janeiro 2008

o leitor (im)penitente 30



O José António Barreiros manda-me um mail a chamar a atenção para a “revoltadaspalavras.blogspot.com”, um dos muitos blogs que anima e que, como os outros é imperdível, com a notícia da morte do Luiz Pacheco.
Ligava-nos, entre outras coisas, esta comum admiração pelo Pacheco, escriba que me acompanha desde os anos sessenta. Apesar de serem 26 os seus textos guardados na estante, ocupam escassos 30 centímetros (medi-os agora mesmo, por razões que a seguir se esclarecem). Ponhamos que me faltarão quatro ou cinco folhetos, entre perdidos, “desviados”, em parte incerta ou simplesmente nunca encontrados. Está nisto a trágica ironia duma escrita combativa, irremediavelmente solitária, duma escrita que é fácil acusar de marginal (e, de certa maneira, era-o) mas duma escrita que não poucas vezes foi sumptuosa, irradiante e quase sempre certeira.
Não sei o que é que o futuro destinará a Luiz Pacheco. O futuro, sobretudo o português tem destas coisas, é difícil predizê-lo, sobretudo no caso Pacheco que, por razões diversas e algumas culpas próprias, nunca se pode ocupar dele, tão atrapalhado estava para viver o seu presente, difícil presente, há que acrescentar.
Na hora da morte há quase sempre um tácito acordo: não se referem os pecados e só se exaltam as virtudes. No caso dos escritores a coisa complica-se. A literatura (e temos casos emblemáticos desde Pound ou Céline até Cela para vir mais para perto) vê-se muitas vezes confrontada com a vida dos seus autores.
Conheci o Luiz Pacheco há cerca de trinta anos. Já era seu leitor graças sobretudo a um editor inteligente e sabedor, António Carlos Manso Pinheiro (Estampa). Suponho que antes dele só a Ulisseia (“Critica de circunstancia”?, meados dos anos sessenta e fanada pela PIDE numa das suas incursões à minha biblioteca) é que se dera ao trabalho de o publicar. O resto aparecia sempre sobre a chancela da “contraponto” a editora inventada por Pacheco. Algum dia se falará desse seu trabalho, das revelações literárias que originou, do apurado gosto do editor, do seu amor pelos livros e por uma outra, e nova, literatura.
No final dos setenta e princípios de oitenta, encontrava-o muito pela “Opinião” e não me fiz rogado para entrar na lista dos “mecenas” já não com “vintinhos” mas com “cemzes” (de acordo com esses anos de inflação) com que LP ia angariando a vida sempre difícil. Uma que outra vez transigia em ir jantar à “Trave” do Jaime e do Santos antes deste partir para a aventura do “Primeiro de Maio”. Não recordo, porém, nenhuma conversa sensacional, nenhum segredo literário, nenhuma revelação definitiva sobre os anos surrealistas ou a vida literária de fins de cinquenta até ao 25 A.
E foi por essa época que, inocentemente, colaborei com ele nas suas piratarias editoriais. Em 78, Herberto Hélder publicou, numa edição & etc... “o corpo o luxo e a obra” (600 ex, 100 fra do comércio). À cautela eu encomendara o livro em vários lugares de modo que me couberam dois exemplares. Alguém, cujo nome já não recordo, informado desse bambúrrio, procurou-me para me comprar o exemplar a mais. Tais artes terá tido que eu, burro confesso mas generoso, lho ofereci. Tempos depois, à entrada de um espectáculo de teatro do FITEI fui surpreendido pelo destinatário da minha generosidade que vendia “o corpo o luxo e a obra” numa contrafacção assinada contraponto com a única diferença de incluir um texto de Maria Estela Guedes como prefácio. Vamos andando que me ofereceu um exemplar da “nova edição”. Os anos foram passando e as notícias de Pacheco, salvo os livros que iam saindo que, nem sempre alcançavam a qualidade dos textos anteriores e sobretudo do “libertino passeia por Braga...”, “comunidade” etc...
O passeio, a atribulada mas excitante viagem de Pacheco, acabou. Pelas minhas contas andou por cá oitenta e poucos anos. Ou seja gastou o melhor da sua vida num país tristonho, embiocado em relentos do século dezanove, se não do dezoito, pouco atreito à liberdade livre que Pacheco e os seus, mais que proporem, defenderam e viveram. Com todos os riscos que isso implicava. E com as dificuldades, muitas, algumas prisões pelo meio, processos de toda a ordem, toda uma aventura. Muito mais do que coube, cabe ou caberá, á maioria de nós todos.

05 janeiro 2008

o leitor (im)penitente 29



Um ano de livros

Ou seja: alguns dos livros que o leitor, este leitor, comprou, leu e recomenda. Outros há, mas ou não li, não gostei, não vi ou inclusivamente esqueci. Na medida do possível referem-se livros aparecidos em 2007 pelo que da inicial lista saltaram os editados anteriormente.
E comecemos pela poesia. A poesia é quase o navio almirante das letras pátrias. Das letras até para ser mais preciso. No caso português ocorre que, por razões de todo em todo desconhecidas, temos, sem quaisquer dúvidas ou nacionalismos serôdios, uma plêiade de poetas de primeira água. Infelizmente para os mais apegados ao chão pátrio, não há olimpíadas de poesia pelo que lá se vai uma medalha de oiro quase certa. Paciência e fiquemos com a leitura dos poetas.
Echevarria, Fernando: um cavalheiro façanhudo com bigodes que já se não usam. E um talento, um senhor talento! Saiu a “Obra Inacabada” (afrontamento) um belo tomo que reúne toda a poesia anterior. Imprescindível em qualquer biblioteca.
Baptista, José Agostinho: um percurso silencioso que urge descobrir. Comecem pelo último: “Quatro luas” (Assírio e Alvim) que ainda não desapareceu das estantes das livrarias.
Mendonça, José Tolentino: “A noite abre meus olhos” (Assírio e Alvim) outra recolha da obra anterior. Com a vantagem de se perceber agora, muito bem, a alta qualidade deste poeta.
Nunes, Rui: “Ofício de Vésperas”. De um prosador de culto, “difícil” (!!??), um livro de poemas que já se adivinhavam. Quem esperou, ganhou.
Braga, Jorge de Sousa: “O poeta nu” (Assírio e Alvim) outra recolha da obra anterior publicada. JSB é uma voz bem original e mesmo quando usa a sátira há nele um sopro lírico que merece uma leitura atenta. E gozosa.
E das estranjas? Pois comecemos pelo nº especial de Telerama (Fr) sobre René Char que é um mimo. E bonito. Mais bonito ainda, maior, mais ilustrado e com uma larga cópia de poemas, o número 241 da Litoral (Esp) sobre José Manuel Caballero Bonald, um poeta da geração de cinquenta que não cessa de me maravilhar.
Ovídio (“Amores”, cotovia) voltou ao convívio dos portugueses. Bom tempo para os clássicos? É provável tanto mais que do longínquo e frio norte nos chegou uma outra pérola, “Kalevala”, (Ministério das letras) traduzido com amor, com paixão, por Orlando Moreira.
Do Japão, outro grande clássico: “O gosto solitário do orvalho” de Bashô. Ninguém consegue falar de haiku sem o referir.
Continuando no Japão, passagem á volúpia e à inveja: As edições Dianne de Selliers acabam de apresentar uma integral do “Genji Monogatari” em três volumes dentro de uma caixa, com 500 reproduções de gravuras japonesas dos séculos XII a XVII. Custa a módica soma de 480€ pelo que aqui se abre uma subscrição para oferecer ao cronista esta prendinha...
No romance, helás, uma confissão: leu-se pouco. Mas desse pouco convém ressalvar desde já “Hoje não” de José Luís Peixoto que, com a novela “Ao acaso da paisagem” de Rui Graça Feijó representam a produção nacional. Peixoto é conhecido, Feijó não. Mas vale a pena. Está escrita com segurança, inteligência e uma trama bem pensada. Fui eu quem a apresentou no Porto e confesso que me deu real prazer. De Feijó corre por aí em secretíssima edição “Camilo e Casimiro” um texto que o autor considera libreto de ópera e que vale muito a pena.
Outro português que não pode ser esquecido neste balanço é Jorge Silva Melo.Século passado” que já foi anteriormente referido e “Fala da Criada dos Noailles” um divertimento delicioso e como de costume bem escrito (muito bem escrito) deram-me um par de horas de muito gozo.
Do estrangeiro refiram-se o sumptuoso “Veneno y sombra y adios” (Alfaguara) de Javier Marias o terceiro tomo de uma obra que concitou louvores gerais: “Tu rosto mañana”. Com “El corazon Helado” (Tusquets) Almudena Grandes confirma todas as esperanças que nela se têm depositado e que (espero que brevemente) poderão ser aquilatadas pelos leitores portugueses. De facto traduzi para a D QuixoteOs ares difíceis” onde alguns dos temas deste novo romance já afloravam, entre eles, obviamente a guerra civil. Noutro registo mas igualmente seguro e bem construído “Un dia de cólera” de Arturo Perez Reverte revive com fidelidade esse “dos de Mayo” que Goya imortalizou e que de certo modo inaugurou a guerra peninsular onde os generais de Napoleão souberam como era lidar com povos em fúria.
E a este propósito cite-se o brilhantíssimo “Ir para o Maneta” de Vasco Pulido Valente. Qualquer pessoa se reconcilia com a História ao ler este texto magnificamente escrito, bem pensado e económico. Aliás o ano foi pródigo no capítulo história. De Irene Pimentel (que colaborou em “Vítimas de Salazar” sob a direcção de João Madeira, um especialista a quem já se devia “Os Engenheiros de Almas”) a Maria Alice Samara (“Verdes e vermelhos” (Notícias), edição antiga mas só agora encontrada) começa a ser perceptível um acrescido interesse sobre a história mais recente a que se junta o cuidadoso texto “Passagem para África” (Afrontamento) de Cláudia Coelho. Outro jovem historiador, Luís Miguel Duarte oferece uma excelente “Aljubarrota” numa escrita viva, moderna e desembaraçada. Bem mais velho mas com um talento indesmentível, Fernando António Almeida, poeta, romancista, autor de guias e roteiros resolveu-se a publicar a sua tese sobre Fernão Mendes Pinto, graças ao apoio da Câmara Municipal de Almada: os leitores que conhecem FAA encontrarão a mesma escrita sugestiva e um sólido conhecimento desse autor genial da nossa literatura de quinhentos. Terminemos a referência à história com a boa notícia da edição de mais um dos livros de “Histórias” de Heródoto: o quinto livro. Pouco a pouco Heródoto vai sendo traduzido. Cruzemos os dedos para ver se em 2008 esta boa disposição editorial continua.
Refira-se ainda “Um escritor na guerra” de Vassili Grossman, o autor de “Vida e destino” que, suponho, ainda não foi traduzido. “Vida e destino” é um romance com um fôlego idêntico senão superior ao melhor Soljenitsine e os textos de “Um escritor na guerra” não lhe ficam atrás. Grossman, um autor que só foi reconhecido depois da sua morte. Quantos, como ele, ainda esperarão, o tardio reconhecimento dos leitores.
No capítulo memorias: “Descascando a cebola” de Gunther Grass. Pessoalmente, entendo que, quem cresceu no nazismo não é culpado de aos 17 anos se engajar num batalhão SS depois de ser recusado pela Marinha. Aos 17 anos é-se, com sorte, muita sorte, um adolescente cheio de dúvidas, nunca um criminoso político. Os urros que a confissão de Grass provocou parecem-me do mais refalsado que li nos últimos tempos. Pretendeu-se descredibilizar um livro honesto e uma carreira de escritor de grande fôlego.
Outras memórias dignas de menção: “Souvenirs retrouvés” (José Corti ed) de Kiki de Montparnasse. Para quem não saiba, Kiki foi uma modelo de extraordinário êxito nos anos loucos de Montparnasse. Mais, foi uma excelente pintora, admirada por Soutine, Man Ray, Eluard ou Hemingway que a prefaciou (!!!) e ficou famosa pela inteligência e humor de que sempre deu provas. Ficaram famosas as suas intervenções nas reuniões dos surrealistas que a trataram com carinho e respeito. E já que estamos com a mão na massa, recomende-se o belíssimo álbum “El Paris de Kiki, artistas y amantes, 1900-1930”, Tusquets ed. Trata-se de uma das melhores introduções à história artística dessa época, profusamente ilustrada, centenas de fotografias, de anedotas, de notícias que se lêem com um prazer enorme.
E continuando nos álbuns: “5 siécles d’art royal au Benin” (Snoeck), súmula excelente da grande exposição patente no Musée do Quai de Branly. Com o interesse especial de nela figurarem muitas esculturas de mercenários portugueses ao serviço da corte africana.
Outro álbum de inegável qualidade “Eros au secret, l’enfer de la bibliotheque” (Biblioteca Nacional de França) com uma belíssima selecção de gravuras licenciosas, e iconografia variada dos livros condenados à reserva. A BNF aliás distinguira-se meses antes com outro belíssimo catálogo sobre René Char. Com um aliciante: preços perfeitamente decentes tendo em conta a qualidade dos catálogos.
Quase catálogo será o belo livro de Panonika Konigswarter, a baronesa que gostava de jazz, “Les musiciens de jazz et leurs trois voeux” (Buchet-Chastel): cerca de 300 músicos de jazz fotografados por “Nica”. Os retratos são acompanhados por curtos depoimentos dos retratados que referem os seus três principais desejos. Em casa de Panonika viveram Parker ou Monk e a ela foram dedicadas muitas composições. Uma amadora, uma conhecedora e finalmente uma mulher a quem se devem retratos extraordinários (para os interessados: 35€).
Outro quase catálogo: “4 poetas en guerra” (Planeta) de Ian Gibson. Lorca, Machado, Miguel Hernandez e Juan Ramón Jimenez, vitimas da sua lealdade à democracia e à república. Informação exemplar e boas ilustrações.
A propósito, já que tocámos algo de história literária: Alexandre O’Neil uma biografia literária” de Maria Antónia Oliveira é outra obra imperdível. O’Neil merecia esta atenção e os leitores também.
Uma banda desenhada: “Peanuts, obra completa” de Charles M. Schulz, Afrontamento. Os amigos do Snoopy e do Charlie Brown estão que nem uns cucos.
Um dicionário: “The Virgin Encyclopedia of Jazz”, ou como há sempre uma qualquer coisa que desconhecíamos.
E para acabar uma homenagem aos leitores de Fruttero e Lucentini, sobretudo ao livro “A mulher dos domingos” se é que houve tradução portuguesa. E ao filme que era delicioso (Jacqueline Bisset, Marcello Mastroianni e Jean-Louis Trintignant, realização de Luigi Comencini, 1975). Como é sabido Franco Lucentini suicidou-se, acabando assim a mais interessante dupla literária italiana. Carlo Fruttero acaba de publicar, cito a edição francesa que é a que tenho e li, “Des femmes bien informées” (Robert Laffont). Uma homenagem ao livro que os fez famosos e que acima referi. Três dos meus leitores são fans deste duo e decerto gostarão de saber que a velha fonte não secou. Ora aqui está um toque de nostalgia que fica sempre bem num balanço de livros.

A ilustração: Jacqueline Bisset em “A mulher dos domingos”.

22 dezembro 2007

O leitor (im)penitente 28



mcr à solta na cidade de mármore e granito...

Pois é. Eu queria muito ver “claramente visto” a nova super livraria. A “Biblos” como calculam. Só por isso já ferrei duas citações em três linhas. Para ser digno de entrar nesse Olimpo. Mesmo que (outra citação) tenha de dizer Dominus non sum dignus...
Ontem, venerável sexta feira, dia mais que santificado para uma das religiões do livro, meti pés ao caminho, ou melhor deixei o carro num parque e enfiei-me no primeiro táxi que vi e nem precisei de dizer grande coisa. O taxista disse-me logo que sim senhor que havia uma livraria nova num prédio novo, ensinou-me o curto caminho que teria de fazer a pé e eu comovido por aquele fervor literário abonei-lhe uma gorjeta choruda. Espírito natalício e entusiasmo de leitor ansioso par ir fazer correr pardaus por terras de bastos livros (esta é forçada mas hoje puxa-me o pé para a chinela...).
Ora bem. Novas das provas como diria o meu querido Zé Quitério leitor abençoado tanto ou mais que gourmet convicto? Pois fraquinhas, desculpem lá.
A Biblos é bonita, tem espaço, muito computador, é fácil de percorrer e percorre-se depressa. Faltam livros, nom de Dieu! Por enquanto aquilo é vulgar, vulgaris de Lineu.Vamos que encontrei o “Verdes e Vermelhos” da Alice Samara que uma fnaquinha me dizia esgotado. Merquei mesmo uma “História do Brasil” do Benassar (que já vi na “Leitura” a quem peço desculpa desta modesta traição) e uma “A ditadura militar portuguesa, 1926-1933” do Douglas Wheeler, edição velhinha das P.E.A.
Uma breve passagem pelas estantes de ficção e poesia não trouxe novidades. Compostinhas e bonda! A literatura em línguas estrangeiras apresentavam-se em dó menor. Coisinha mais fraca, Deus meu! Assim até a FNAC dá cartas, malta.
Claro que isto deve-se à pressa. Abrir de qualquer maneira para aproveitar a época natalícia, é o que é. Daqui a dois, três meses, a coisa deve estar melhor. Pelo menos, espero-o. Já tinha pensado o mesmo da nova “Leitura, books and living” no Porto. Muita pressa e pouca substância.
Estes dois grandes espaços (são os proprietários que insistem no termo...) pedem urgentemente recheio à altura. Por enquanto, a Bertrand do Chiado, a Lello, a Leitura (a clássica) e a Latina dão cartas. Mais livros, melhor escolha, mais aconchego e mais estrangeiros. Curiosamente ouvi dois leitores, diferentes, dizerem o mesmo: um ao telefone que até rematava condescendente, Bem eu também sou um pouco esquisito. Outro dizia para a namorada que trazia dinheiro fresco para gastar e não via jeitos disso.
Frustrado, soltei-me pelos alfarrabistas e foi um ver se te avias. Um belíssimo Larousse de la peinture (2 vol), dois sumptuosos os álbuns de fotografias de Lourenço Marques no ano de 1929,Thibault na Plêiade em belo estado, e mais uma boa dúzia de livros a preços módicos. Na pequena feira dos sábados da rua Anchieta havia um quarteirão de livros mais que apetecíveis. Aconselhei um Lorca (papel Bíblia da Aguilar!!!) a um preopinante que desembolsou 35€ com ar bem disposto. Espírito natalício, claro. E eu já o tinha, obviamente. Por meu lado aviei-me com um belíssimo “El Paris de Kiki” da Tusquets, 250 páginas carregadas de fotografias e fac-similes espectaculares, da grande época 1900-1930. E de passada comprei mais uma série de folhetos incluindo um catálogo da exposição Lorca (Gulbenkian, anos 80) lindíssimo e a 2€. O vendedor devia estar distraído. E o Jorge Silva Melo que por lá andava a fariscar também. Ou então já o tem. Ou eu cheguei primeiro. Enfim um belo dia.
Leitoras e leitores, no sábado próximo (29) há outra vez venda na rua Anchieta, aliás há todos os sábados, deitem-se ao caminho, aquilo é divertido e vale a pena. Até lá, moderem-se na comidinha que o Natal é muito traiçoeiro. Eu ainda ando a tentar perder uns quilos ganhos há anos na casa generosa e fraterna da e do Octávio (minha cunhada e meu irmão) durante o Natal. O problema é que segunda feira lá estarei para outra jornada natalícia. Assim, nunca mais vou ao sítio.

na gravura: dois belos óleos com a modelo Kiki de Montparnasse

13 dezembro 2007

O leitor (im)penitente 27


F(ra)nac(a)mente!

Abre hoje uma grande livraria em Lisboa e promete-se uma igual para o Porto. Boas notícias para um leitor empedernido e vicioso como já não se fabrica. Desejo à nova loja muitos leitores como eu, passe a imodéstia. Garanto que não vão à falência...
Até lá, e noticiando a abertura de uma Leitura 2 (ou leitura books and living, para que é que serve o ingliche?) bom espaço, assim se encha de bons e raros livros, comentemos esse armazém de coisas que dá por FNAC.
Comecemos pelo princípio como dizia um imortal professor da Faculdade de Direito de Coimbra: a FNAC portuguesa tem muito pouco a ver com a congénere francesa que aliás tem piorado a olhos vistos. Cá é ainda mais pequena, menos livros, muito menos discos mas prosápia a fartar.
A receita é continuar a frequentar as boas livrarias antigas e ir à FNAC em último recurso. Inclusivamente no capítulo livro estrangeiro estamos conversados: ninharias, sucessos e pouco mais.
Na cidade dos tiros à noite convém manter o saudável hábito de frequentar as três L: Latina, Leitura e Lello (em rigorosa ordem alfabética para não protestarem). Quem aqui não pescar a pérola preciosa, não a pescará em mais nenhum sítio. Estas três livrarias, fruto de muita paixão, do trabalho honrado de grandes livreiros ( O senhor Perdigão e agora o filho, o velho Domingos Lima e esse príncipe renascentista que dá por Fernando Fernandes). E de bons e fieis clientes, digo eu, puxando a brasa à minha sardinha. Que um cliente pode ser um ajudante de primeira ordem. Pelos livros que compra, claro. Pelos que encomenda depois, pelos que descobre sabe-se lá em que secretos escaninhos da imprensa livreira e editorial internacional.
Deixem-me contar duas cenas dos últimos quinze dias para explicar a diferença entre comprar numa livraria ou comprar num supermercado de livros.
Uma senhora historiadora publicou há já alguns anos um curioso e interessante livro sobre Sidónio Pais (“Verdes e Vermelhos, ed. Notícias, 2002). Fui por ele, convicto que um livro de história do século XX ainda andaria pelas prateleiras. Nada! Num momento mal inspirado encomendei-o na FNAC. Quinze dias depois comunicaram-me gentilmente que o livrinho estava esgotado. Um leitor obsessivo e frustrado é, todavia, um leitor perigoso. E teimoso. Passei pela Latina e, fazendo-me parvo, perguntei pelo livro. Dez minutos depois, garantiam-me que o livro ainda estava em circulação. Ao fim de meia hora os livreiros tinham contactado a editora e tinham-se certificado que o livro existia em armazém e que podia ser enviado. Já cá canta! Assim, de fácil, de risonho. Sem cartão de cliente sem nada. Apenas um bom serviço.
A segunda história roça o pornográfico. Uma namorada do meu sobrinho ao saber que eu fazia anos resolveu oferecer-me um livrinho do Grouxo Marx. Claro que eu já o tinha mas dado que vinha da FNAC e ainda trazia a etiqueta (sem o preço) fui trocá-lo.
Trocaram-mo, há que dizê-lo. Mas... descontaram-me 10% do preço fnac. E descontaram porque nos dias 28 e 29 de Novembro houvera umas jornadas do aderente com desconto geral de 10%. Vai daí entenderam que um livro a trocar a 12 de Dezembro poderia ter sido comprado nessas jornadas. Por acaso faço anos a 26! Ou seja, pareceria impossível que a prenda fosse comprada dois ou três dias depois. Ainda estive para fazer voz grossa, chamar um dos inumeráveis responsáveis daquela “cour des miracles” mas depois achei que não valia a pena. Que se lixe a Taça que é de pau! E fui arejar até à Leitura com passagem pela Lello. Respirar um ar menos malsão.
Depois disto, e voltando ao princípio: que seja bemvinda a novel “Biblos”, sobretudo se vier para ser uma Livraria, isto é um lugar de encontro entre leitores, autores e mediadores, parco nome para livreiros.

Vai esta em memória da Livraria A Erva Daninha, aventura de um grupo de amigos que gostavam de livros e de os ler. E do Arnaldo Fleming motor dessa pequena loucura.

A gavura: bela edição do grande Rabelais, autor de cabeceira em francês antigo e tudo.

11 novembro 2007

O leitor (im)penitente 26

So long old pal

Em África diz-se, ou dizia-se, que quando um velho morre, morre uma biblioteca. Mistérios e consequências das velhas civilizações ágrafas, onde a oralidade mantinha todo o seu valor e prestígio. Agora as coisas são diferentes. Por um lado a alfabetização é real e por outro os caçadores de histórias gravaram tudoo que puderam. Junte-se a isso a desagregação do modo de vida tribal, as guerras, a morte, a deslocação das populações e pode ter-se como provável que já morreram todas as bibliotecas que tinham de morrer.
A África ficou mais pobre sem que o resto do mundo tivesse ficado mais rico. Pelo menos nestes difíceis domínios da literatura oral.
Não sei porquê mas foi isto o que me veio à cabeça quando soube da morte de Norman Mailer. Quando um tipo destes morre é mais um pedaço da nossa juventude que se vai. Eu faço parte de uma geração que cresceu com os primeiros livros de Mailer. Sobretudo com o imenso “Os nus e os mortos”. Fui por ele à estante mas descobri que o exemplar que por cá anda foi editado pela “Portugália” em 71. Não pode ser. Li o Mailer pelo menos dez anos antes. Em casa da tia Néné, provavelmente. Ela e o tio Marcos estavam a par do que saía e lembro-me de me terem recomendado John dos Passos, numa edição de 40, por causa de alguns processos narrativos semelhantes. De vez em quando um autor recente chama a atenção para um da anterior geração e foi isso o que se passou com este primeiro Mailer. Depois li “As praias da Barbaria” um livro que, agora vejo me foi oferecido pelo Zé Quitério, em 64. Curiosamente terá sido comprado numa livraria ABC de Luanda. Como é que este livro chegou ao Zé é mais um mistério. Em 69 marchou “Um sonho americano” e logo a seguir “Os Exércitos da noite”, que, leio nostalgicamente, me ofereci a mim próprio em Vila Real de Santo António. Ou seja, foi no Verão, depois da greve de 69 quando andava fugido à polícia. Os restantes mailers já não têm história. Para mim, claro. Estes citados eram tão próximos da nossa vida, das nossas esperanças, dos nossos sentimentos, que depois os outros entram já na categoria de “revisões da matéria dada” mesmo se isso possa parecer injusto (e é-o, de facto) para Norman Mailer, um homem que nunca se calou e que a cada romance arriscava todos os anteriores.
Temo bem que para os comentadores amanhã Mailer apareça irremediavelmente datado e ligado aos happy sixties. Ou seja, lamento que a minha ligação a Mailer possa (não por minha causa, está bom de ver) ser o que vá lembrar aos carpideiros profissionais. Merecia mais. Muito mais. Por exemplo que o lessem. E sobretudo que lessem “Os nus e os mortos”. Uma obra prima.

05 novembro 2007

o leitor (im)penitente 24


Desastrado? Desastrado ao cubo!

A semana, se é que uma semana começa à segunda e não ao domingo como pareceria mais congruente, segunda é segunda ou não?, começa aos tropeções. O João Tunes atirou-me com uma cadeia dessas que depois temos de passar a cinco outros inocentes, sobre uma página 161, 5ª linha do livro que tivermos à mão. Sorte a dele, enfim, meia sorte, porque naquele momento não estava de “Dicionário abreviado del español actual” do Manuel Seco et alia na unha. Já imaginaram o que seria eu escrever argamasar tr (Constr) Unir [algo] con argamasa. la plata.
Isto, porque em obediência ao mandado eu teria de citar a quinta linha inteira mesmo quando, como é o caso, o dicionário tem duas colunas.
Claro que se poderia dizer que era escrita automática mas surrealices dessas não cabem em obras sérias como é atributo dos dicionários.
Obras sérias? Enfim... é que logo ao lado, na mesma pilha, estava o honrado (?) “Dictionnaire des expressions paillardes et libertines (de la littérature française)” de Jean-Marc Richard, filipacchi, 1993 cuja 5ª da 161 reza: FAIRE BÂILLER LA MOULE: exciter sexuellement une femme.
E imediatamente a seguir, caprichos da sorte e acasos da vida de um tradutor semi-amador: 5. Cojón, 5ª acp, en pl. (Cela [Camilo José]Diccionario secreto [1]”, Alianza, Alfaguara, 1978.
A pilha verdadeira terminava com mais dois dicionários. O primeiro devido à pena sempre bem-vinda de Fernando António Almeida (“Vidas maravilhosas de antigos santos”, teorema, 2005, trata-se de facto de uma adaptação da “Legenda áurea”). E aí, uma condenação: este foi o miserável fim que teve Julião, o Apóstata, o inimigo de Cristo.
Eu não queria pôr a derradeira possível frase mas, amicus Plato sed magis amica veritas, o dever impõe-se-me: “trous (sexe feminin): ce saint ferait danser les tros féminins (ed. - entrada relativa a Saint Balletrou, no “Dictionnaire des saints imaginaires et facetieux”, de Jacques E. Merceron, Seuil, 2002, doutíssima obra que conta com, nada mais nada menos!, 1295 páginas!!!
Todavia, ficou salva a honra do convento. Aqui mesmo à mão esquerda, a boa, estavam as “Mémoires” do Cardeal de Retz que ando a ler aos soluços mas – advirto - maravilhado (como é que passei dois terços da vida sem ler este cavalheiro?). E a frase é, também ela vagamente referida à dimensão espiritual (trata-se de referir o temível Mazarino...), prova evidente que isto das cadeias é para levar a sério, muito a sério, mesmo. A frase anda por aí em post próprio e atirada a cinco colegas da casa (é o que vale estar amesendado num blog colectivo...) que terão de ir pela quinta linha da pagina cento e qualquer coisa para se salvarem não sei bem de quê, mas, na dúvida o melhor é darem à perna e passarem a terceiros essa responsabilidade que me foi passada pelo Tunes, valente marmanjão, que já a tinha recebido dum tal João Paulo (não me digam! Será que... não, não pode ser, o senhor morreu, todavia... isto quando mete gens eclesiastica é terrível.) Vai-se a ver e, se calhar, o Tunes, é irmão laico de alguma coisa... Sei lá, só sei de mim, e isso estejam descansados que eu sou um pobre réprobo, um descrente, uma espécie de bom selvagem votado ao limbo, que já não há, valente chatice, ou ao inferno, que parece que também já deu o triste pio, isto está difícil encaixar os mortos, depois de mortos, a crise é geral, não há espaço nos cemitérios, felizmente que eu não me importo, façam-me do cadáver o que quiserem, podem mesmo dar-me ao teatro anatómico, até ficava bem, eu fui do Citac com muita honra, não me importo de me oferecer em espectáculo depois de morto, mas ao menos tapem-me as partes que pode haver senhoras na plateia, se é que o teatro anatómico ainda tem disso. Não que me incomode o pudor delas, nada disso, mas é que as partes, se eu morrer, como penso, lá para os noventinhas, hão-de estar num estado deplorável a merecer uma pateada injusta se considerarem a idade do actor, mesmo mudo, um gajo é um actor, ora essa, e não se lhe faz essa desfeita. E paro aqui que para cadeia de inconveniências já esgotei a minha ração semanal, a partir de hoje é escrever com muito ourelo, muito respeitinho, senão vem aquele ministro que fala da imprensa e zás!, ferra-me com uma multa, ou até, sabe-se lá com uma pena de prisão, mesmo remível a dinheiro a pena de prisão é uma chatice. E vou mas é arrumar os dicionários, livrinhos mais atrevidos, onde é que se viu?

a ilustração: foi dificil arranjar uma ilustração que não fosse demasiado caricatural. Felizmente existe um senhor, grande amador de jazz, desenhador de renome, chamado Siné (Maurice Siné) autor de um livrinho sobre gatos de que surripiei este desenho.

02 novembro 2007

O leitor (im)penitente 23


Fala do leitor contente

O menino que trazia o cão pela trela, ou melhor, o menino que o cão quase arrastava, parou à minha frente e perguntou-me: porque é que te estás a rir? - Porque estou a ler um livro muito engraçado, respondi-lhe. - É uma história? - Sim, mais ou menos. - Contas-ma? A três mesas de distância um pai embevecido ouvia esta conversa sem mover um pé que fosse para me salvar deste apuro. - Ele come bem?, perguntei-lhe, numa súbita iluminação. - Assim, assim, condescendeu o pater famílias com um sorriso amarelo. - É um castigo para comer legumes..., lamentou-se. - Ai tu não comes legumes? - Não gosto, respondeu, displicente, o do cão. E de salada? Também não.
- Ai então não te posso contar esta história porque só quem come imensa salada é que a pode ouvir.
Não sei se o convenci ou se foi o cão que apiedado de mim, resolveu puxar o seu dono. E foram para o jardim medir forças.
E eu continuei a rir-me e a ler a “Fala da criada dos Noailles que no fim de contas vamos descobrir chamar-se também Séverine numa noite do inverno de 1975 em Hyères” (porra que um título deste tamanho deixa um cristão a ofegar!).
Leitoras e leitores, não passem por este livro com indiferença. O Jorge Silva Melo, que não vejo há uns bons trinta e tal anos escreve bem, escreve inteligentemente, escreve escorreitamente, tem humor e é culto. Também é mais uma série de coisas mas agora o que me interessa é chamar a atenção para esta “pequena paródia” (JSM dixit) que é uma coisa que nos põe de bem com a literatura, com o mundo e até com ... não com a senhora da educação também seria demais. Mas pelo menos durante o breve tempo de leitura a gente até pensa que vive num país culto e eficiente. Querem mais?
A edição é dessa excelente passeriforme da família dos alaudídeos, o mesmo é dizer da Cotovia, uma editora de truz que ainda por cima tem a sede na loja que foi da antiga livraria opinião em Lisboa. Bons tempos e boas leituras... e tantos amigos...

30 outubro 2007

O leitor (im)penitente 22




Campanha de Paris (fim)


A peregrinatio ad loca gallica já lá vai mas pensei que a fotografia do espólio literário (legitimamente adquirido convém dizê-lo antes que alguém pense coisas menos abonatórias) merecia ficar gravada para a eternidade graças à enteada Ana.
Vê-se portanto 21 quilos de alimento espiritual, distribuído por 42 espécimes diferentes numa amálgama extravagante prontos a ser consumidos por um voraz e impenitente leitor que, para o efeito, já está de guardanapo ao pescoço e material trinchante nas mãos.
E para o caso de alguém se pôr a matutar como é que tanto peso passou na alfandega e sobretudo no avião aqui se esclarece que boa parte destes livros vieram pelo correio. É carote mas também é um alivio.

do Diário do tenente Pires

Foi no passado dia 18 de Outubro a apresentação, na Fundação Mário Soares, perante uma numerosíssima assistência, deste livro de investigação histórica que, durante os dois últimos anos, fez com que não pudesse usufruir tanto como gostaria da companhia do meu bom amigo António Monteiro Cardoso, o seu autor.

Na apresentação, bem entregue a José Medeiros Ferreira, a leitura dramatizada, pelo escritor timorense Luís Cardoso, de um texto (*) de sua autoria, foi um momento alto.

O António, que conheci nos idos de 70 na Faculdade de Direito de Lisboa, onde se licenciou, apesar de não renegar o jurídico na sua vida profissional, nunca deixou de alimentar a sua paixão pela investigação histórica e, contador nato que é de histórias, dera já à estampa, em co-autoria, o ensaio A Guerrilha do Remexido (que comandou a guerrilha miguelista no barlavento algarvio) e o romance Boas Fadas que te Fadem (uma delícia de escrita e reconstituição, que se inicia em Freixo de Espada à Cinta, terra das suas origens, em plena Inquisição).
Doutorado, entretanto, em História Contemporânea pelo ISCTE, sempre se interessou também especialmente pelo direito da Comunicação Social, tendo obra publicada nesta área, e lecciona a cadeira de Direito da Comunicação Social na Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa.

Para ti António, com uma vénia ao teu espírito irrequieto, inteligência vivíssima, memória incomum e notável sentido de humor, os meus PARABÉNS e votos de sucesso para este teu novo livro.


«O livro tem como tema central a ocupação japonesa de Timor e a guerra de guerrilhas, movida por tropas australianas, a partir das montanhas, com o auxílio dos indígenas e de muitos portugueses, que o fizeram à revelia da política de neutralidade ditada pelo Estado Novo.
A maior parte desses portugueses eram funcionários, plantadores e sobretudo deportados, que para ali tinham sido desterrados por motivos políticos em 1927 e 1931. Muitos desses homens combateram ao lado das tropas australianas, constituindo o que aqueles chamavam a “brigada internacional”. Essas tropas acabariam por retirar do território, ficando aqueles portugueses, bem com os timorenses que as tinham apoiado, abandonados em Timor, à mercê das forças japonesas e dos seus auxiliares das “colunas negras”, por eles arregimentadas.
Para tentar convencer os comandos militares aliados a evacuar aqueles homens, o tenente Pires, administrador de Baucau, aceitou deslocar-se à Austrália, mas deparou com a indiferença das autoridades, o que o levou a encetar uma campanha para salvar os seus companheiros. Por fim, como única forma de o conseguir, acabou por se oferecer ele próprio para se deslocar a Timor, então fortemente ocupado pelo exército japonês. Desse modo, conseguiu salvar aqueles homens, mas acabou por ser capturado e morto nas prisões japonesas.

Através do diário que o tenente Pires escreveu, cruzado com importantes dados colhidos nos arquivos militares australianos, reconstitui-se neste livro a situação desesperada então vivida por timorenses e portugueses, durante a ocupação nipónica.
Para enquadrar estes acontecimentos, o livro debruça-se sobre as campanhas militares que levaram à ocupação efectiva do território, bem como o modelo de colonização estabelecido. O quadro político e diplomático complexo em que se entrechocam na zona os interesses nipónicos e australianos constitui o pano de fundo desta narrativa.
Neste contexto a política de Salazar em relação a Timor, apresentada como um notável sucesso, é analisada à luz de factos, então ocultados, que põem em causa essa visão triunfalista, sobretudo o abandono à sua sorte dos portugueses, que se mantiveram escondidos no território, muitos dos quais vieram a morrer em circunstâncias trágicas.
Curiosamente, a política de Salazar quanto a Timor, de desguarnecimento militar da colónia, ordens irrealistas de resistência e responsabilização do governador por não as ter cumprido, antecipa já o que veio a suceder em relação à Índia, cerca de vinte anos depois.»

António Monteiro Cardoso

(*)

Ao António e à Luísa, agradecendo a colaboração no enquadramento histórico do romance “Requiem para o Navegador Solitário” (Lisboa, D. Quixote, 2007)

Caramba Manuel
como esperas conseguir esconder tanta gente?
foi isso mesmo que ouviu numa mensagem enviada da Austrália após o seu desembarque em Timor, regressado daquele país, para onde se havia ausentado em busca de apoio dos aliados para salvar os portugueses, que embora estivessem cobertos pelo estatuto de neutrais, eram brancos e ocidentais, uns desterrados pelo regime e outros abandonados pelo Império numa ilha do fim do mundo, no extremo oriente, lá onde “O Sol logo em nascendo vê primeiro”. Talvez Camões ao escrever este verso, tivesse intenção de referir-se aos japoneses que têm estampado na sua bandeira o Sol, símbolo de Deus ou Imperador, e em nome de quem não davam descanso a ninguém, nem mesmo ao Manuel e ao seu grupo, que foi engrossando com toda gente que lhe pedia protecção. Afinal foi para isso que se tinha retirado para a Austrália com a promessa de regressar com ajuda

Caramba
Manuel
como esperas conseguir esconder tanta gente?
perguntava Manderson com quem havia estabelecido o compromisso de que a sua missão em Timor seria a de um grupo secreto com a função de observar o movimento das tropas japonesas, tão invasoras como todas as forças militares que antes haviam entrado em Timor. O australiano recomendava-lhe que se libertasse de alguns. Como poderia libertar-se de alguns, se lhe juntava mais um fugitivo, mais desesperado ainda que o anterior, um desterrado do Alentejo ou um nativo de Kelikai, que no seu entender era tão português como o malae.

o texto do Luís Cardoso na íntegra AQUI