29 fevereiro 2008

Estes dias que passam 94

Mais do mesmo....

Às vezes custa dar uma pazada num adversário político. Nem sempre se tira um pequeno consolo de tão salutar e lusitano acto sobretudo se, bem vistas as coisas, o adversário é um desastre confirmado, um punching ball, um pobre diabo condenado a esbracejar em vão no meio do deserto das ideias que não lhe povoam a cabeça.
Eu nunca tive pelo dr. Luis Filipe Menezes uma consideração sequer, digamos, modesta. Tirei-lhe, desde cedo a bissectriz, vi-o choramingar num qualquer congresso em que, a destempo, zurziu nos sulistas elitistas, tentando com torpeza, desastrosa sagacidade política e rara falta de oportunidade, ganhar uma plateia que, ainda por cima, se riu dele.
Pensei que essa aterradora experiência e o tempo, sobretudo o tempo, lhe trouxessem às mimosas meninges alguma ideia mais interessante do que esta excitação do populismo. Isto para o caso de não ficar definitivamente sepultado pela vergonha.
Mais tarde, ascendeu à presidência da Câmara de Gaia. Houve quem lhe louvasse o feito muito embora haja quem pense, e eu estou nesse grupo, que até a santinha da Ladeira ganharia a câmara ao pobre diabo socialista que por lá andava a fingir de autarca. Todavia, durante uns tempos, entretido com a cidade que lhe caíra no regaço, o dr. Menezes parecia ter ultrapassado o feliz estado de inocência política que o celebrizara. Tomou mesmo um par de medidas simples mas eficazes e com bom senso; pareceu ( logo se verá) que sabia dirigir uma câmara municipal. V N Gaia está melhor do que estava há uns anos e suponho que nem sequer os mais pertinazes socialistas locais se atrevem a murmurar o nome do anterior edil socialista.
Há, no entanto, nos políticos subalternos em geral, e no dr Menezes em particular uma singular atracção pelo abismo. Dois ou três pequenos sucessos fazem-nos sonhar com o voo majestoso das águias quando eles dificilmente superam o esvoaçar da galinha pedrês. E isso perde-os definitivamente.
Os deuses adoram pregar pequenas partidas aos humanos. E os deuses da política doméstica olharam embevecidos para o dr. Meneses e sopraram-lhe ao tenro ouvido a hipótese de um destino nacional. Era só correr com um maçador que dirigia o PPD entre duas eleições, depois de dois cataclismos políticos. E o dr. Meneses entendeu que chegara o seu momentum.
Desafiou o gestor interino do partido, aviou dois discursos inflamados e surpreendentemente ganhou o partido. Ou ganhou o que restava de um partido com vocação de poder que nunca teve jeito nem gosto pela oposição.
Desde esse infausto dia, isto parece uma montanha russa. O dr. Meneses parece uma bicha de rabiar. Dá estalos e estalinhos mas é tudo pólvora seca. O PS bem que lhe atira suculentas razões de combate, comete burrices semanais, mas nada! Nada desvia o dr Meneses da sua agenda própria. Onde se esperaria oposição, ouve-se confusão. Hoje uma coisa, amanhã outra, uma terceira três dias depois. Nem as minhas gatinhas que são novas e nem sempre percebem que não vale a pena andar atrás do próprio rabo, fariam melhor.
Consta que o engenheiro Sócrates já prometeu um milheiro de velas, de quilo, à Senhora de Fátima se o dr Meneses se mantiver galhardamente ao leme do PPD até às eleições. Alguém lhe terá dito que assim sendo até pode despedir definitivamente o poeta Manuel Alegre. E continuar a sua política de rigor (!!!) e de reformas (!!!) socialistas (!!!). Faça o que fizer ganha por falta de comparência de adversário.
Eu não choro pela má sorte do PPD. Eles é que cavaram a própria sepultura. Só que, em política, uma acção forte e interessante só pode ser levada a cabo sob o escrutínio e oposição de um adversário forte. E ao não o haver, resignamo-nos a dirigentes cada vez mais fracos. E ao um futuro cada vez mais deprimente. Por uma vez sem exemplo tenho alguma pena do dr. Pacheco Pereira. E de alguns dos seus pares. Não os quero para governantes mas também me dói vê-los tão desgovernados.

O leitor (im)penitente 35


Ao desbarato!

Como vou aqui deixando constância, volta e meia percorro os alfarrabistas à procura de um que outro título desses que já não se apanham nas livrarias. Foi assim que pouco a pouco comecei a fazer uma pequena biblioteca de temas coloniais, fundamentalmente livros sobre Moçambique, ex-colónia que conheço por ter lá estudado durante o finado segundo ciclo dos liceus.
Apesar de não fazer buscas sistemáticas, a verdade é que vou encontrando as coisas que quero, a pontos de ter praticamente completas algumas colecções cujo valor apenas advém do facto de serem relatos relativamente interessantes da “gesta” colonial. E se digo gesta entre aspas é apenas por duas razões. Primeiro porque, ressalvados os aspectos políticos e éticos da actividade colonizadora, resulta surpreendente a escassez de recursos com que foi realizada a ocupação dos territórios angolano e moçambicano. Em segundo lugar porque, os poderes coloniais da altura, exaltavam este género de acções, pouco interessando para o efeito se estamos perante os republicanos do Partido Democrático que influenciaram decisivamente os “Cadernos Coloniais” (ed. Cosmos) ou o recente Estado Novo que deu à estampa a “colecção Pelo império” (Secretariado Nacional da Propaganda, SNI e Junta de Investigações do Ultramar, sucessivamente).
Ao lado disto que já não é pouco tenho-me topado com centenas de referências de autores portugueses e estrangeiros. Ainda há dias houve um importantíssimo leilão onde as espécies “coloniais” atingiam quase três centenas de títulos. Informando-me melhor junto do livreiro alfarrabista, organizador do catálogo, vim a saber que esta era já a décima almoeda onde se ofereciam livros da ex-biblioteca do Comandante Ernesto Vilhena. Ou seja: de há anos a esta parte anda a ser vendida e desmantelada uma importantíssima colecção de livros sobre as colónias portuguesas, nomeadamente sobre a sua história entre 1800 e 1940!!!
Desconheço se as bibliotecas e arquivos nacionais têm acervos destes em quantidade suficiente para não acorrerem aos leilões. Desconheço se o governo que enche a boca com a nossa pregressa história alguma vez pôs a hipótese de constituir um fundo relevante de publicações sobre a história da expansão e da colonização.
Parece-me, porém, que todos deixam desaparecer em mãos privadas os elementos fundamentais e quiçá únicos de um saber pacientemente reunido.
Dir-me-ão que na Biblioteca Nacional já existem exemplares idênticos aos agora dispersos. Também era o que mais faltava. Do que duvido é que exista uma Biblioteca especificamente ultramarina onde eventualmente pudesse funcionar um centro de estudos da expansão e da colonização e onde se pudessem agrupar esta colecção ora dividida e eventualmente outras que por ai estejam constituídas e desapareçam do mesmo modo que esta.
Poder-se-á ainda argumentar que tudo isto é muito bonito mas que é caro. Nada mais longe da verdade. As espécies que desta vez foram vendidas apareciam todas com preços de base entre os 10 e os 20/25 euros. Ou seja que seria possível que antes de se pensar num leilão as colecções completas pudessem ser adquiridas por pouco mais de dois, três mil euros. Eu mesmo, sem pretender substituir-me ao Estado, sem ter os seus meios, tentei ainda comprar os livros que queria antes do leilão. E se bem me recordo, por cerca de duas dúzias não pagaria mais de 300 euros. Se tivesse chegado antes poderia mesmo ter feito um negócio ainda melhor. Infelizmente já só pude fazer ofertas para o leilão pelo que consegui muito poucos exemplares dado que fiz as licitações antecipadas.
Vivemos no país das possibilidades perdidas. Nem sequer tentamos salvaguardar o nosso património. Ou tentamos tarde e a más horas. Quando por mera sorte, se consegue apanhar uma obra de arte, uma colecção, um livro num leilão, os jornais embandeiram em arco. Se as pessoas soubessem que, normalmente, antes disso, o Estado foi requerido a comprar e se negou sequer a encarar a hipótese de o fazer tenho a impressão que cairia um ministério. Porque não é a primeira, a segunda, sequer a décima vez em que a pressão da opinião pública força os agentes do Estado a comprar (e a salvar para o Património Nacional) objectos que com um mínimo de atenção, de zelo e de diligência teriam custado muito menos.
Em Maio voltará a haver leilão de mais uma parte da ex-colecção do Comandante Ernesto Vilhena. Apostemos que mais uma vez aparecerão peças interessantíssimas para todos excepto para quem nos representa mal.

“UNS QUILÓMETROS DE AUTO-ESTRADA”

“Uns Kms de auto-estrada” passou a ser a nova unidade de medida a utilizar sempre que se pretende conhecer o impacto financeiro de uma opção política.

A opção por uma nova orientação na política educativa, na saúde ou a reorganização do mapa judicial passam a ser medidos em Kms de auto-estrada. Quando um jornalista ou um adversário político questionar: E quanto é que isso custa? A reposta é: Uns quilómetros de auto-estrada.

Por exemplo, se alguém quiser saber quanto custa ao Orçamento de Estado proibir a publicidade na RTP, a resposta é: “uns quilómetros de auto-estrada”.

Depois, se algum mentecapto ou mal intencionado não perceber o sentido da coisa, avança-se com um conjunto de observações ou até se pode remeter para a leitura dos discursos do presidente de um outro país para concluir que, afinal, com essa medida, o Estado não gastará mais do que já gasta.

Ou seja, ficamos a saber que “uns quilómetros de auto-estrada”, enquanto unidade de medida das opções políticas, valem zero.

27 fevereiro 2008

A falta de consenso

No post Na Acção Política: Quem Avalia Quem? O nosso amigo Mocho Atento fez o seguinte comentário: “…não é verdade que o Estado não esteja submetido ao Direito. Antes me parece mais correcto é dizer que não há Direito em Portugal!!! Ninguém se entende sobre quais as normas que estão em vigor (vejam-se as dúvidas e interpretações divergentes do direito aplicável a pedido de empréstimo da Câmara de Lisboa). Não havendo consenso quanto às regras, não é possível saber quais as condutas lícitas ou ilícitas. Tudo se transforma numa lotaria, numa lei do puro acaso, num resultado de fortuna ou azar!...”

Não podia estar mais de acordo. Não sendo da área, mas por diferentes decisões que têm vindo a público sobre os mais diversos casos, verifico que assim é.

Isto a propósito de mais um caso exemplar: as decisões sobre o pagamento das aulas de substituição. Pelo que ouvi o resultado neste momento é: Estado – 9 Professores – 6.
Quem ganhará? A confiança na Justiça deste país é que não ganha certamente.

Tenho saudades

Lá venho eu estragar o que anda tão bem, para recordar que ainda não estou esquecido daquela proposta, de finais do ano passado, sobre o jantar-de-anho-assado-e-arroz-do-forno-no-Marco, no princípio do ano, pretexto de reunião de incursionistas, ou o contrário, não sei bem, nem interessa, coisa deliberada entre o JCP (homem da confraria do dito) e eu, numa noite, sei lá, estava um frio do caraças, foi na varanda de casa dele, isso sei, porque estavamos a fumar, ele charuto e eu miseráveis cigarros. Houve quem achasse que a ideia era boa e houve quem não dissesse nada. E ficámos assim. À espera. No entrementes (!), a Silvia invocou a distância, que se compreende, e a Kami - que nunca chegou a dizer se ia ou não - decidiu partir a perna e, tal como as talas, a conversa ficou em suspenso, mesmo não se sabendo se vinha ou não com o Jab, tudo isto enquanto eu tentava convencer o nosso compadre a ir (claro que ele usou todos os argumentos para não ir, até o facto de só gostar da cadela de caça que lá tem, quando se fala do Marco, mas eu acho que ainda podemos convencê-lo). Ponto final. Depois, veio aquele problema com o nosso LC, que eu não sei se queria ir, mas acho que devemos estar atentos à hipótese de ele querer ir, mesmo quando sabemos que ele não vai estar com essa disponibilidade nos tempos próximos (mas está melhor, que eu sei - um abraço!). E, aqui, chegamos ao ponto, até porque eu já desisti do restaurante da minha tia - onde não se pode fumar - e o JCP já andou a subornar o Nocas - que resolve a coisa. O mocho nunca disse nada, mas vai, que ele confirmou-me. JSC e meu olhar também acharam a ideia boa e MCR e d´Oliveira aussi - porquai pas? Vamos lá tratar do assunto, que eu ando com saudades das boas conversas.
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26 fevereiro 2008

Pagar a Tempo e Horas

A crise de tesouraria da CML teve o grande mérito de chamar a atenção do país para um problema crónico da administração pública central e local: O atraso no pagamento aos fornecedores do Estado, com a agravante do Estado exigir o pagamento atempado dos créditos sobre esses mesmos fornecedores, designadamente o IVA.

O atraso nos pagamentos tem sido, ano após ano, denunciada pelo Tribunal de Contas, que identifica o volume da dívida em atraso e credores. O prazo médio de pagamento do Estado aos seus fornecedores é 152 dias, enquanto que na Europa não chega aos 69 dias.

Muitos especialistas, incluindo ex-ministros das finanças, têm opinado sobre a matéria (que poderiam ter resolvido enquanto minitros). Eduardo Catroga, por exemplo, ainda recentemente defendia que o governo (apenas se referia ao central) deveria emitir dívida pública para pagar aos fornecedores. Ferreira Leite, ao defender, creio que ontem, que o Tribunal de Contas deve ser “olhado como um empecilho”, por não ter visado o processo da CML, no fundo, está a defender que a administração pública recorra à transformação da dívida de curto prazo em dívida bancária de outra natureza, para desse modo acudir à tesouraria.

O Governo acabou por ser sensível (e ainda bem) a este problema. Por isso aprovou o Programa Pagar a Tempo e Horas, que visa reduzir os prazos médios de pagamento para 40 dias!!!

Para tornar a medida eficaz, o Governo definiu metas e uma sanção para os dirigentes, que não atinjam o objectivo de redução do prazo de pagamento das dívidas de curto prazo.

O novo Programa Pagar a Tempo e Horas aplica-se, de igual modo, às autarquias que também passam a dispor de financiamento de médio e longo prazos, destinado ao pagamento de dívidas de curto prazo a fornecedores.

Esperemos que o Programa resulte e que o Estado passe a dar o exemplo no cumprimento das suas obrigações, contribuindo, assim, para o melhor desempenho das empresas e da economia.

Estes dias que passam 93


Tempos baços, gentes baças

Ao longo destes três anos escrevi aqui muita coisa sobre Portugal. A maior parte das vezes fui pessimista. Não que o seja, normalmente, mas apenas porque o que via e referia não era de molde a alegrar o mais estouvado dos optimistas.
Alguns dos meus escassos leitores criticaram (benevolamente mas criticaram) o que lhes parecia ser uma rabujice de estrangeirado. Curiosamente, sabendo disso ou não, repetiram argumentos ouvidos noutras épocas mas nestes mesmos lugares contra textos e críticas de portugueses bem melhores do que eu.
Há no “torrãozinho de açúcar” (a imagem é de Eça, diga-se en passant) a ideia firme que o progresso do país só não é visto por quem o não quer. Que as críticas são injustas, denotam falta de patriotismo e mera vontade de dizer mal.
Será assim?
Antes fosse, respondo, antes fosse. Mas não é! A mediocridade campeia, as elites no poder parecem esgotadas, dessangradas, mortiças, cadáveres adiados à espera de uma certidão de óbito que tarda.
A passividade perante os pequenos e os grandes escândalos já não surpreende ninguém, já não incomoda quase ninguém e é genericamente tolerada. Sirvamo-nos de pequenos exemplos, colhidos, sem esforço algum nos últimos dias.
Dezenas ou centenas de milhares de multas de trânsito caminham alegremente para a prescrição por não haver quem as trate. Extinguiram uma entidade e a nova que foi criada não tem gente, nem método, nem escola, nem tradição, nem conhecimento, nem rotinas que a consigam pôr em andamento. Dos antigos funcionários há umas largas dezenas que estão na calha para a “mobilidade especial” sendo o seu trabalho feito com recurso a contratados que não sabem nem podem saber como se processa uma multa. O Estado perde uns milhões, os trabalhadores perdem parte do salário, o incumprimento das regras de trânsito cresce porque os seus fautores sabem que não há quem os puna.
Uma triste criatura que secretariou ou subsecretariou um ministério é acusada de ter assinado no último dia (aliás noite) de funções um número gordo de despachos, trezentos, murmura-se aqui e ali.
Comentemos: Em primeiro lugar não vale a pena fingirmo-nos virgens ofendidas. É do conhecimento geral que nos últimos dias de um governo há um desusado movimento despachante. Ele é louvores, algumas contratações, enfim tentativas diversas de cobrir alguns colaboradores, deixando-os no quentinho de uma qualquer sinecura governamental.
Aqui o que surpreende é a quantidade. Ou melhor, o que surpreende não será tanto a quantidade mas a desfaçatez. Trezentos despachos avulsos! Arre que isto é chamar burro a qualquer cidadão. E já não falo do facto de a mãozinha despachante dever ter ficado derreada com tanta assinatura.
Juntemos a esta fartura aquela história do Casino de Lisboa. Desse casino que subitamente aparece defendido pelo ex-ministro Jorge Coelho que vem de espontâneo para a liça dizer que conhece e estima o director do Casino, que é uma pessoa de bem e retautau, bem-bem já está. O eminente Coelho poderia ter metido a viola no saco porquanto factos são factos. O Casino ganha ou não com o despacho de não reversibilidade das instalações para Estado? Se ganha, como tudo indica, é porque alguém pediu alguma coisa que dantes era impensável. Não foi o amigo do defensor Coelho? Então foi alguém por ele. Algum admirador secreto que achou que deveria premiar-se a patriótica actividade do Casino juntando-lhe mais esta benesse aos fartos ganhos que obtém com o vício alheio.
Um grupo de professores auto-mobilizou-se e foi de jornada até ao local de umas jornadas do PS sobre educação. O eminente Sócrates resolveu desta vez dizer em português técnico o que pensava da “arruaça”. E dos arruaceiros. Gente ao serviço de Moscovo, de Pequim, de Pyong-Yang ou de Alguidares de Baixo. Os “do costume”. Os anti-patriotas. Os malandrins. Os pedreiros livres (bem, pedreiros livres talvez não: ao fim e ao cabo eles abundam sobretudo nas fileiras do centrão), em suma os que são contra a “modernidade”, o “progresso”, as “reformas” e o exaltante socialismo dos senhores Silva e Silva ministros agora muito em foco.
Circulam neste abençoado “jardim à beira mar plantado” uns larguíssimos milhares de carros vendidos pelos anteriores donos mas nunca registados no nome do actual proprietário. O Estado resolveu fazer os primeiros pagarem o imposto que em boa verdade deveria ser da conta do actual proprietário. Alarme geral. Prevenido desse absurdo, o Estado não cedeu. O Automóvel Clube de Portugal, uma das poucas organizações que funciona decentemente neste bananal propõe aos ex-proprietários um expediente: mandar apreender a viatura. Isto às claras e às vistas do Estado inclemente que sabe que isto é um artifício.
A Câmara de Lisboa caiu nas malhas da legislação aprovada pelo seu actual presidente quando este era ministro. O Tribunal de Contas entendeu que o pedido de empréstimo que a CML propunha não estava dentro dos parâmetros legais. A CML protesta. E recruta de uma só vezada três constitucionalistas que, supõe-se, não trabalham para aquecer. À cautela, espero que eles se paguem à cabeça, toma lá parecer, chega-te aqui com o cacauzinho. Em cheque visado, se faz favor! Não, não é desconfiar, nada disso, é só por causa das moscas...
Não tenho dúvidas que os três sábios dirão que a CML está no resplendente caminho da Verdade e o TC atolado no pântano infeccioso da ignorância. Prevejo até que outras câmaras recorrerão aos mesmos (ou a outros) juristas logo que a lei as comece a incomodar. E o mesmo decerto poderá ocorrer na Madeira se o soba de lá entender que tem de responder aos continentais colonialistas.
Terminemos esta procissão dos passos com uma nota galhofeira: o dr Meneses, aclamado líder do maior partido da oposição, não sabe se assina ou não os acordos de regime que livremente estabeleceu. Ou melhor, hoje assina, amanhã não. Malmequer, bem-me-quer. E entretanto o seu respeitável partido vai ter de devolver uma respeitável maquia recebida à má fila de uma empresa qualquer. As empresas são generosas e atiram assim, sem mais nem menos, o seu dinheiro, à rua. Não se pense que isto era uma tentativa de corrupção. Era o que faltava. Todos sabemos que empresas e partidos odeiam essas más práticas e anseiam pelo bem público.

Uma boa notícia

Hoje, a Graça, esposa do nosso amigo Lemos Costa, leu o texto que há tempos a Liliana escreveu. Leu também os comentários. Perguntava-lhe, de vez em quando, se queria que continuasse a ler e o nosso amigo dizia que sim, com a cabeça. Ficou contente.
Suponho que gostaria que os seus amigos do Incursões soubessem disso e é por isso que venho dar esta notícia.
Vão lhe retirar o tubo da traqueia esta semana. Felizmente está a melhorar e o período mais difícil já passou.
Um abraço que, por certo, o L.C. gostaria que, em seu nome, desse a todos os que no Incursões se têm preocupado com a sua saúde.
escrito hoje pelo primo de Amarante-compadre Esteves, ali abaixo, em comentário

24 fevereiro 2008

Na Acção Política: Quem Avalia Quem?

Num comentário a um post anterior escrevi que concordo com o princípio de que “a má gestão deve ser avaliada pelo povo”. Contudo, um dos problemas que este princípio encerra é o de saber quem é que o povo avalia quando os responsáveis pela gestão já se foram embora.

Esta questão, da avaliação dos agentes políticos, não é nova nem exclusivamente portuguesa. Desde há muito que se discute este tema da avaliação dos políticos. Para os políticos, o mais normal, a regra, é entenderem que apenas devem ser avaliados pelo povo, isto é, pelos eleitores. São inúmeras as declarações de políticos, no activo, a defender esta tese. E o cidadão em geral até aceita, de bom grado, esta regra como natural. De facto, quando vota, está a julgar.

Sucede, porém, que apenas vota uma parcela da população. O resultado é que apenas um parte se dispõe a formular o seu juízo, isto é, a avaliar activamente a acção dos agentes políticos. Uma fatia considerável dos eleitores não votantes até pode fazer uma avaliação negativa e até pode ser esta a razão para a sua não participação. Ou seja, apenas uma parcela da população se dispõe a fazer a avaliação política pelo voto. Mais, essa avaliação, no actual sistema eleitoral, não visa a acção do político X ou Y, mas sim a do Partido, o que não é exactamente a mesma coisa. Acresce que o político X ou Y, aquando das eleições, até pode já não fazer parte da equipa que se candidata ou não estar entre os potenciais ministeriáveis.

Por outro lado, o eleitor activo, aquele que vota, raramente disporá de toda a informação para formular um juízo qualitativo acerca da gestão desenvolvida. Mais, o eleitor até pode ter sido induzido a fazer uma leitura deturpada das opções tomadas, quer na afectação de recursos, quer na captação de receita, uma vez que a informação que dispõe é a vinculada pelos gabinetes de marketing político, cada vez mais poderosos na moldagem da mensagem e na formatação da opinião pública.

Assim, em meu entender, o mero controlo da legalidade ou da apreciação formal dos procedimentos concursais, apesar de importante, porque garante a livre concorrência e o funcionamento do mercado, nada acrescenta no que respeita à avaliação da gestão, na perspectiva da sua eficácia e eficiência.

A solução, que melhor pode credibilizar o sistema democrático, é manter um modelo que submeta a gestão pública ao controlo externo, que deve assumir um tríplice sentido: controlo da legalidade; controlo económico, na perspectiva de confrontar os resultados com os meios; controlo da oportunidade das opções e das escolhas públicas face aos recursos disponíveis e ao fim em vista.

Este controlo global só pode ser assumido pelo Tribunal de Contas ou por outra entidade independente do governo e dos lóbis da consultadoria.

23 fevereiro 2008

Diário Político 78

sur mes cahiers d'écolier

Normalmente quem escreve num blog, começa por escrever o texto fora, corrige-o e depois publica-o. Evitam-se repetições, erros, enfim as habituais tropelias da escrita rápida. Todavia, hoje este texto sai directo para o blog, sem rede, em sobressalto, indignado, como se deve.
Passam seis anos, cerca dois mil e duzentos dias, e duas mil e duzentas noites, que Ingrid Betencourt está prisioneira das FARC. Da auto proclamada Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Este grupo criminoso que resiste no interior da selva colombiana vive de expedientes, todos eles infamíssimos. Da lavoura, produção e comercialização da droga, dos resgates dos raptos, da exploração impiedosa dos pobres camponeses que vivem na sua zona de influência. Tudo isto à sombra de uma "revolução popular" que já custou dezenas de milhares de mortos e que nunca, antes pelo contrário, venceu a direita colombiana, que também dispõe dos eus gangsters, nem sequer melhorou um milímetro que fosse a vida de um único colombiano. Minto: se alguém vive bem, coisa de que mesmo assim duvido, serão os chefes da guerrilha e os seus apaniguados escondidos nas cidades com o fito de indicar à tropa "revolucionária" alvos para raptos que dêm chorudos resgates.
Ingrid Betencourt tem contra ela o facto de ter sido candidata à presidencia da república, de ser mulher, de ter ligações com o estrangeiro onde oseu rapto concedeu ao bando criminoso uma aura imerecida.
Estou farto de protestar, abaixo-assinar textos em que se reclama às FARC (como se elas fossem dignas de receber uma carta de uma pessoa honrada, de esquerda e com algum pequeno passado de resistência).
Estou farto de assistir ao vergonhoso espectáculo dado pelos resquícios políticos de partidos que se auto-intulam de esquerda e que convidam as FARC, fazem a sua apologia, distribuem os seus comunicados e se babam à simples menção do nome do seu chefe, um ex-padre conhecido por "Tiro fijo".
Estou farto de ver que ninguém condena esta gentuça que, do conforto da vidinha num país democrático, apoia freneticamente os gangsters da selva colombiana.
É preciso começar a considerar estes canalhas como cumplices objectivos das FARC, do mercado da droga, dos raptos por dinheiro, dos assassinatos, da exploração selvagem dos camponeses colombianaos.
Estou farto dos políticos que apoiam os apoiantes das FARC e só lamento que por um pequeno momento algum filho, neto ou familiar não seja vítima dos métodos revolucionários que fazem fremir as carnes pecadoras destes cavalheiros bem educados e ocidentais. Reparem que disse por um pequeno momento. Porque isso talvez bastasse para os dissuadir do apoio aos criminosos, aos seus amigos e cúmplices. Talvez isolasse um pouco os gangsters, talvez os fizesse compreender o que está em causa.
E o que está em causa é apenas a dignidade do homem, os direitos humanos, a liberdade. São apenas palavras, sei-o bem mas de vez em quando há que usá-las. Para nos lembrarmos de quem somos, do que somos, do que fomos e do que, com dificuldade e alguma melancolia, quisemos quando nos juntávamos sob o signo amável e generoso da revolução.
sur l'absence sans désir...
sur le risque disparu...
sur l'espoir sans souvenir...
j'ecrits ton nom...
liberté

Vosso, como sempre
d'Oliveira

títlo e versos finais recolhidos de um poema de Paul Éluard

esqueces

baixas as pálpebras
para que teus olhos não me vejam.
esqueces que vivo dentro deles

(hesitei tantos séculos
até me aventurar por estes precipícios).


silvia chueire

21 fevereiro 2008

o leitor (im)penitente34


Para o ano há mais...

As correntes d’ escritas da Póvoa encerraram sábado e apesar de ter faltado a esse último dia, creio poder dizer que, mais uma vez, foi um êxito. Êxito de público, em primeiro lugar, o que é muito importante porquanto mesmo para os escreventes que se reuniam (e isso já era uma festa) não há nada mais compensador do que verem e conversarem com os seus leitores. Um livro é um recado que se lança para alguém que não conhecemos mas que, como o menino na praia que abre a garrafa com uma mensagem, pode melhorar a nossa vida (mudar, como já ouvi dizer parece-me demasiadamente presunçoso). A mim, os livros permitiram-me todas as aventuras, alguns conhecimentos, muitos amigos e são ainda uma companhia fiel e uma surpresa constante. Não são a vida, claro que não, mas são também a vida. Em tempos de solidão forçada e violenta, povoaram-me os dias, fizeram-me esquecer a desgraça, o desânimo e a violência.
O facto de haver cada vez mais leitores participantes nas “correntes...” é um prémio ao trabalho da Manuela Ribeiro e do Francisco Guedes que, aliás, bisa, com a “literatura em viagem” de que, espera-se, terá este ano a 3ª edição em Matosinhos. E premeia o apoio da Câmara Municipal e de todos quantos na Póvoa do Varzim (e cada vez são mais) entendem a festa da escrita como algo já habitual e necessário na pequena cidade.
Não estive lá para ver a entrega do prémio deste ano ao Rui Duarte de Carvalho, escritor admirável. Vai daqui um abraço, abraço de leitor agradecido desde “Fui lá ver pastores” que, pormenor sem importância mas grato, refere o meu trisavô José Costa Alemão, autor de um relatório mais ou menos etnográfico que a família desconhecia.
Também falhei as despedidas a um par de amigos que, espero, voltarei a ver para o ano. E outros que só agora conheci como o Leonardo Padura, autor que venho seguindo fielmente desde “Morte em Havana” (Asa, 2000). Ou JJ Armas Marcelo que leio semanalmente no suplemento literário do ABC (a única coisa legível no ABC, o suplemento, entenda-se, e não apenas o JJAM) e que estava louco por ir ao Porto encher-se de mariscos e peixe. Peixe ou marisco, perguntei-lhe? “Los dos, uno de primero e otro de segundo!.” Ora aqui está quem não tem frio nos olhos. Nem falta de apetite.
Que significado deveremos atribuir a este lento mas, parece, seguro, aumento do interesse pela leitura? Moda? Regresso a hábitos da elite educada do século XIX que lia e sustentava revistas e autores (não se esqueça que Camilo amassou uma fortuna que lhe permitiu jogar em todos os casinos do norte, maugrado as suas lamúrias, que a vida literária dado o reduzido número de alfabetizados parecia sólida, e que o papel dos literatos era claramente mais importante do que hoje)?
Há todavia uma constatação a que se não pode fugir. Este “elan” de leitura, de edição e de distribuição (novas livrarias mesmo se feitas por vezes à custa de pequenas que desaparecem), manobras perigosas do capital de risco sobre o pequeno negocio das editoras ditas literárias, tem uma origem puramente privada. Em matéria de leitura, o Estado, nos últimos anos, limitou-se a continuar a política da criação de bibliotecas. É muito e é pouco. É muito e isso poderá verificar-se daqui a alguns anos quando houver resultados verosímeis quanto ao aumento de leitores. É pouco no que toca a alguns problemas ligados à fiscalidade sobre a edição e comercialização do livro. E é duvidoso quanto à política do preço único que é alegremente furada pelas fnacs, pelas grandes superfícies, pelas feiras do livro informais, pelos grandes grupos livreiros recentemente constituídos que criam “cartões de leitor” e que, convém sublinhar nunca defenderam o pequeno comércio livreiro. À uma porque “pequenas livrarias” dignas desse nome não existiam em Portugal (ao contrario da França ou da Espanha, para só citar esses exemplos). O que havia por aí era uma espécie de pequenas papelarias com meia dúzia de romances de sucesso à consignação. Isso não era defensável nem se defende com leis sobre o preço único. Nos países onde ela foi primeiramente introduzida tratava-se de defender a edição de qualidade, a edição de pequena venda que nunca por nunca chegava a essas pequenas livrarias. E depois porque o preço fixo não fez aumentar ou sequer manteve a edição minoritária. Esse milagre, se milagre há, deve-se ao esforço conjunto e teimoso de um punhado de leitores e de alguns editores. E mesmo assim, basta ir a essas “feiras informais” de que já aqui se falou noutro postal, mais abaixo, para ver a que preços anda alguma da melhor poesia traduzida em Portugal. Desinteresse de leitores? Nem por isso. Falta de visibilidade? Seguramente. Os espaços expositivos nas livrarias são ocupados pelos best-sellers, pelos romances de autores na moda chamem-se eles Sousa Tavares ou Saramago. Ou seja, os autores que justamente não precisam de evidência são os que ocupam os locais a que não acede um Enzensberger de que ainda anteontem comprei um romance de que nunca tinha ouvido falar para já não falar dum Fajardo, dum Tonino Guerra, de um O’Henry, de um Pedro Paixão, de um Segalen de um Durrell, de um Böll, tudo compras feitas a rastos de barato no Mercado da Fruta.
Algum(a) leitor(a) dirá que não é pelo desenvolvimento da leitura que “isto” anda para a frente. Não estou tão seguro disso. Os livros não são tudo mas esta patente iliteracia da elite política e económica portuguesa é um mau sinal. Um péssimo sinal. Mas a isso havemos de voltar.

na gravura: Vlaminck de que acaba de abrir uma grande exposição no Museu do Luxemburgo, Paris. A fascistice dos últimos anos não pode, não deve esquecer a genialidade das grandes anos deste fauviste.

20 fevereiro 2008

Tesouraria da CML vai ter que esperar pelo dinheiro fresco

O Tribunal de Contas recusou o Visto ao célebre empréstimo que a CML pretende realizar. O resultado foi o Presidente da Câmara ficar muito contrariado e mostrar algum desagrado para com o Tribunal de Contas, que, no seu entender, teria excedido as respectivas competências, uma vez que ousou pronunciar-se sobre o mérito do contrato.

Confesso que não entendo a reacção de António Costa na medida em que ele próprio não tinha grande segurança no procedimento adoptado, como prova o facto de ter mandado acompanhar o processo, submetido a Visto, de pareceres jurídicos externos, um dos quais, segundo a comunicação social, da autoria de Vital Moreira.

Quem não ficou surpreendido com a decisão do TC foi o Presidente da Associação Nacional de Municípios, que viu nesta recusa de Visto uma oportunidade para pedir maior abertura da lei para as Câmaras recorrerem ao crédito.

De leitura do Acórdão do TC não restam dúvidas sobre a justeza da decisão. Interessante é observar que o ex-ministro António Costa rapidamente assimilou o discurso dominante, no sector autárquico, que pretende reduzir o papel do TC ao mero controlo da legalidade. Ora, como há muito tempo e muita gente se interroga: Se o sistema de controlo apenas comportasse a avaliação da legalidade, então quem avalia o mérito (eficiência) da gestão?

19 fevereiro 2008

Grande Expectativa…

Segundo a Lusa o secretário-geral do PSD, Ribau Esteves, anunciou hoje que a direcção social-democrata decidiu realizar uma auditoria administrativa e financeira às contas do partido desde 2001, por uma entidade externa e independente.

Por sua vez em última hora, o Expresso afirma que Ribau considera "desleixo" na situação que originou o financiamento ilegal da Somague e que Menezes pede auditoria ao PSD de Durão Barroso.

Se a tudo isto somarmos o espanto de Santana Lopes, relatado hoje no Publico, por Luís Filipe Meneses ter declarado não aceitar o acordo entre PSD e PS para a nova lei eleitoral autárquica, só podemos concluir, a tempestade alastra…

PSD condenado

O Tribunal Constitucional divulgou hoje que decidiu multar o PSD numa coima de 35 mil euros, no caso do financiamento ilegal realizado pela Somague, nas eleições autárquicas de 2001.A este valor acrescem os 233.415 euros que o PSD recebeu de apoio indirecto daquela empresa, através do pagamento de material de campanha, e que terá de entregar ao Estado. Quanto à Somague foi condenada a pagar 600 mil euros. No que respeita à responsabilização individual, o Tribunal Constitucional, que deliberou a 13 de Fevereiro sobre o assunto, condenou José Luís Vieira de Castro, secretário-geral adjunto para a área administrativa e financeira do PSD, fixando-lhe uma multa de 10 mil euros, o mesmo montante que Diogo Vaz Guedes, presidente do Conselho de Administração da Somague terá de pagar.Este é o primeiro caso de financiamento ilegal de um partido político que chega ao Tribunal Constitucional e que merece uma condenação.

in Público on-line, 19-02-2008

um Portugal de sarjeta

As circunstâncias em que se deram as mortes ocorridas hoje na sequência das chuvas são especialmente chocantes.

Será que algum dia vão dar ouvidos a
Ribeiro Teles?

"É PRECISO UM PLANEAMENTO ADEQUADO"
Correio da Manhã – O que se passou hoje é culpa da Natureza ou do Homem?
Ribeiro Teles – A culpa é toda da acção humana. Intempéries sempre houve. A culpa é da total inexistência de planeamento urbano.
– O que poderia então ter sido feito para prevenir?
– Não se pode evitar as tempestades, mas pode prevenir-se as consequências. O pior é não haver planeamento ou ser esquecido.
– A que tipo de planeamento se refere?
– Como é possível haver cidades-região, subúrbios cada vez mais alargados, sem prevenir uma articulação entre sectores? É preciso articular habitação, produção alimentar, lazer e matas como na Natureza.
– Costuma dar o exemplo dos logradouros. Porquê?
– Qualquer cidade europeia moderna tem cuidado com os logradouros. São essenciais para uma drenagem saudável da água das chuva."

Quanto às declarações do Ministro do Ambiente, no que respeita à responsabilidade das autarquias neste desastre, estou tentada a dar-lhe razão, pelas razões referidas no Corta-fitas:

"Hoje de manhã acordei com a minha garagem completamente inundada, mesmo depois de os bombeiros, contaram-me os vizinhos, lá terem estado desde as cinco da manhã. Eu perguntei logo se não se devia ligar para a administração do condomínio e tentar pedir explicações. Disseram-me que não. Parece que a água que inundou a garagem proveniente da chuva torrencial que caiu durante a noite não entrou ali por qualquer defeito de construção, mas sim, dizem os bombeiros e os meus vizinhos (em quem acredito), porque o escoamento nas ruas estava entupido por falta de manutenção. E agora pergunto: onde vai parar o dinheirão que somos obrigados a pagar de taxa de esgotos à CML se o os esgotos simplesmente não são limpos? Se houver quem queira avançar com uma daquelas petições online para pedir a devolução dos valores pagos nas últimas taxas, eu alinho. Entretanto, por uma vez, sou obrigado a concordar com um ministro deste Governo. Até arrepia."

O editorialista do DN discorda, apesar de concordar que:
"Segundo os especialistas contactados pelo DN, é mesmo a falta de limpeza das sarjetas uma das grandes responsáveis pelas cheias. Pode parecer trivial, mas não é. Claro que a chuva caiu com muita intensidade em muito pouco tempo. E é nessas alturas críticas que ter um sistema de escoamento bem limpo e a funcionar se torna ainda mais importante. "

Casa Pia - 5ª sentença condenatória

Depois das condenações de António Sanches, João Beselga, Luís Godinho e de oito arguidos no caso do Parque, o Tribunal da Boa-Hora proferiu ontem a quinta sentença condenatória em casos de abusos sexuais na Casa Pia.
Arlindo Teotónio, ex-monitor da Casa Pia de Lisboa acusado de 32 crimes de abuso sexual de duas crianças surdas-mudas da instituição, foi ontem condenado a uma pena única de cinco anos e seis meses de prisão

artigo detalhado no DN

Operação Arrastão

"Nos sucessivos depoimentos de Ana Maria, foram relatados factos susceptíveis de descredibilizar a versão de Carolina, ligando-a ao líder do Benfica, Luís Filipe Vieira, e denunciando uma suposta ligação próxima com Maria José Morgado e um inspector da PJ, que a teria induzido a moldar os seus depoimentos contra o dirigente do F. C. P.
Este testemunho de Ana Salgado criou uma ideia de descrédito sobre a investigação do processo Apito Dourado, sob a alçada da equipa especial, razão pela qual o procurador-geral da República ordenou uma investigação ao "teor e circunstâncias" do depoimento, ainda a correr a cargo do magistrado Agostinho Homem. "

excerto desta notícia do JN (negritos meus)

Deve ser uma investigação altamente complexa, pois mesmo a cargo do ex-vice procurador-geral da República a "coisa" arrasta-se e arrasta-se.

Curiosamente, segundo fontes geralmente bem informadas - e parafraseando, de forma muito livre, Hortênsia Calçada, coordenadora do Diap do Porto, hoje em conferência de Imprensa sobre o "caso Bexiga" (conferência esclarecedora, mas não com as truncagens feitas logo de seguida pela maior parte da comunicação social), mas indo um pouco mais atrás no tempo e à causa das coisas - não fosse o episódio Ana Salgado - o arrastão - e os motivos que levaram os magistrados do Diap do Porto a requererem autorização para "defenderem a honra" nem teriam, sequer, ocorrido...

para ouvir a música clicar aqui.

18 fevereiro 2008

A Nova Fiscalidade Local - Novos temas para debate

A nova Lei das Finanças Locais ampliou os poderes fiscais dos Municípios. Um desses poderes traduz-se na decisão dos órgãos municipais decidirem sobre 5% do IRS gerado nos respectivos concelhos. Ou seja se um município prescindir desses 5% isso significa que a população desse concelho vai ter uma redução na sua taxa de IRS de 5%. Se o município fixar a taxa em 2,5%, então, a sua população terá uma redução de 2,5%; Se fixar em 3%, então, a redução é de 2% e assim sucessivamente.

É óbvio que este instrumento fiscal nas mãos das autarquias pode constituir um interessante instrumento na atracção de residentes (mesmo que virtuais) e no fomento da concorrência inter-autarquias. A exemplo do que pode suceder com a fixação da taxa do Imposto Municipal sobre Imóveis.

No que respeita ao IRS verificou-se que, neste primeiro ano de aplicação da lei, dos 308 Municípios, apenas 48 decidiram beneficiar as respectivas populações com reduções mais ou menos significativas na taxa de IRS, sendo que a imensa maioria das Câmaras vai arrecadar os 5% em proveito próprio. Tudo isto se passou num imenso silêncio, apesar de um ou outro órgão de comunicação social ter abordado o assunto, a posteriori, mas sem impacto local que se conheça.

De qualquer modo, esta inovação na LFL é uma medida louvável, que pode introduzir um novo tema no debate em futuras eleições autárquicas – o tema da fiscalidade.

A ser assim, os partidos e os candidatos a Presidente de Câmara devem ser confrontados com o que pretendem fazer em matéria da fixação das taxas de IRS, IMI, Derramas e outras receitas que são decididas na esfera local, designadamente tarifas (água, saneamento, …) e taxas (recolha de resíduos sólidos, taxas de disponibilidade disto e daquilo, …).
Deste modo, pela primeira vez, teremos uma campanha eleitoral para os Municípios que também se ocupará da receita, isto é, do esforço financeiro que cada família faz para financiar a actividade local.

15 fevereiro 2008

O leitor (im)penitente 33


GUEDES, RIBEIRO
& RESTANTES POVEIROS....


Isto é um telegrama, nada mais. Um recado urgente para leitoras com tempo e dadas ao feio vício solitário da leitura: a Póvoa (do Varzim, claro) está cheia de sinistras figuras de escritores & adjacências. Falam que se desunham, há uma mini-feira do livro (só novidades) estão cá os do costume (desde o Onésimo ao Manuel Rui passando por Eduardo Lourenço ou Maria Manuel Viana, que lhe tomou o gosto), os de de vez em quando (Leonardo Padura ou Almeida Faria para não falar em JJ Armas Marcelo, olá homónimo!) e a habitual tertúlia de editores e críticos: Manuel Valente, João Rodrigues, Carlos da Veiga Ferreira, o Francisco Bélard e a malta do Expresso). Está o escriba em representação dos leitores compulsivos (e gordos...) e estreia-se absolutamente o Pimentinha, João Pimenta de seu vero nome, um dos actuais contertúlios dos fins de manhã na Leitura 2 (às quartas-feiras: logo à entrada tomando uma bica, murmurando sobre o mundo, olhando as raparigas que passam, cheirinhando os livros, enfim o costume).
Ou seja, a Póvoa está em festa. E está de parabéns. As “correntes d’escritas” já levam nove anos!!!
A Câmara Municipal abre os cordões à bolsa e não se queixa! É para que saibam. Uns falam de amor à cultura, outros, simplesmente, vão fazendo cultura.
A Manuela Ribeiro e o Chico Guedes sempre a dar-lhe! Que as mãos não lhes doam, que as bênçãos sempre escassas deste povo leitor e prazenteiro os livrem de impingens, escrófulas, mau-olhado e restantes maleitas feias. E da cegueira, vá, que para ler, além de coração, é preciso olhos.

*A estampa: continua a saga da biblioteca que cresce imparavelmente, invade todos os espaços menos cheios e ameaça escorrer para o andar de baixo. Aqui a livralhada sobre surrealismo dadaísmo e outras maluquices...

14 fevereiro 2008

Au Bonheur des Dames 114


Resposta urgente à “comadre” Luísa, Luísa “ventoinha”, que conheci caloirinha nos Gerais a fazer babarem-se de admiração os milhentos “doutores” e outra macharia, bedéis e archeiros incluídos, que a viam passar, belo pedaço de mau caminho, apanhada fresca e viçosa pelo “ventoinha”, rapazola de muitas manhas e já por aqui mencionado.

Ó Luísa, então tu escreves meia dúzia mal contada de palavras, e espantas-te por eu pensar que era o Luís, parco de palavras e cabelo?
Tu que mal ligas os motores pareces um tsunami de palavras que até a mim calavas?
Tu que vencias professores, investigadores e directores da faculdade de Economia pelo simples e eficaz expediente de lhes opores um barragem de obuses em forma de frase curta e encadeada, com aquele tom de voz que só por simpatia se poderia classificar de contralto?
E agora tiveste o desplante de avaramente mandares um escassa linha de texto como se já te faltassem dedos e língua e engenho e carinho por este velhorras que viu, comovido, nascerem-te filhos, cuidados, esperanças e sorrisos? Que recebeste nas casas várias de Coimbra com o sal das boas vindas, um abraço e um catarata de palavras que daria para fabricar electricidade a uma cidade do tamanho de Paris?
Foi bom, é bom saber de ti, de vocês e dessa misteriosa revista do IC de Macau que nunca vi mas que há-de ser excelente porque a mão certeira do ventoinha tem um toque especial. Dali só sai coisa boa. Mandem a revista, raios, que eu pago!
E recebam desde já beijos, abraços e demais manifestações de carinho que a moral vigente permita e a santa madre igreja sancione com um benévolo imprimatur ou, pelo menos, um nihil obstat
Vosso, como sempre,
mcr, futuro viajante à cidade do nome de Deus

alegria

o poema
tantas vezes hesita,
tantas vezes estremece nas minhas mãos
a procurar palavras.

é grande a alegria
quando se deposita nelas.


silvia chueire

Diário Político 77


Os mares do sul


São traiçoeiros os mares do sul. O azul intenso que lhe atribuem pode fazer esquecer algum vermelho, algum negro, ou outra cor qualquer.
Vem esta a propósito de Rui Tavares que na última página do “Público” vem insurgir-se contra quantos acham pouco interessante esta nova moda de pedir desculpas políticas por ocorrências do passado. Pede-se desculpa aos judeus pelos massacres ocorridos há séculos em Lisboa ou em qualquer outra parte, pede-se desculpa aos índios pela conquista do faroeste, pede-se desculpa aos arménios ou aos tasmanianos. Perdão, a estes não, porque já não há nenhum.
Tavares esforça-se honradamente por rebater os cépticos, arguindo com o simbólico (e a política, diz ele, é também isso) e com um outro e mais sério argumento que é o do reverso do orgulho pelo passado. Quem se orgulha das Descobertas, diz Tavares, por força que deverá convir que houve excessos, crueldades, infâmias e crimes. E vítimas, evidentemente. É verdade mas creio que mesmo neste contexto, Tavares baralha dados. As vitórias têm sempre uma outra leitura que é a derrota dos outros. Ou a hipótese de derrota nossa se as coisas não tivessem corrido bem.
Agora foram os australianos. A coisa é simples: descoberta a Austrália, os primeiros colonos, quase todos forçados, aliás, logo que se viram à solta foram liquidando por estupidez, ignorância, ambição ou qualquer outra razão pouco edificante os aborígenes. A pontos destes estarem reduzidos a dois centos de milhar de indivíduos pobres, escorraçados e infelizes.
Agora o governo vem solenemente pedir desculpa. O primeiro ministro chegou a ajoelhar diante de uma anciã. Multidões choraram. Eu mesmo comovi-me. Mas só um bocadinho. É que lembrei-me que em vez de discursos talvez fosse tempo de um par de acções: devolver as terras aos seus donos ancestrais. As terras e não uns matos desagradáveis e improdutivos. Criar um programa de ajudas económicas para se poderem constituir empresas produtivas dirigidas pelas comunidades que ainda existem. Programas educacionais a serem geridos pelas mesmas comunidades. Discriminação positiva no acesso a empregos público e a lugares de representação política. Etc...
Actos primeiro e depois palavras: ou res non verba. As desculpas são simpáticas mas se nada mais se fizer (ou se se fizer pouco) a coisa cheira a hipocrisia.

Timor! Eu não gosto de falar de Timor. Por várias razões. À uma, noventa por cento dos preopinantes que têm assinatura timorense em jornais e revistas é de uma ignorância gritante quanto á história da colónia. Fale-se-lhes de Celestino da Costa e perguntam quem é?. Idem se lhes referirmos Cal Brandão, o homem de “Fumo, guerra em timor”. Verdade se diga que era branco, oposicrático, advogado e já morreu. E o mesmo se diga do tenente Pires
Timor apareceu no imaginário post-colonial português por via de uma desgraçada, escusada e criminosa guerra civil promovida por insensatos, consentida por uma potência colonial impotente que inclusivamente abandonou à sua sorte os poucos militares que lá estavam, e que por milagre não morreram, e finalmente porque a Indonésia, depois de uma longa maratona de conversações sem êxito, acabou por entrar na zona. Com brutalidade? Sem dúvida! Com cumplicidades internas? Absolutamente. E mais que muitas. E com o agrément de quase toda a gente, Portugal incluído. Pelo menos in imo pectore. O resto é fantasia. O barquinho ridículo com Eanes a bordo que prudentemente se ficou por águas internacionais a deitar florinhas ao mar, as marchas folclóricas cá, as velas e tudo o resto. A ideia de resto foi copiada a papel químico de outras não menos brilhantes. Portugal que nada fizera contra a ocupação japonesa, que não protegeu nem apoiou os resistentes dessa altura, que não desenvolveu minimamente o território, que nunca percebeu (ou fingiu nunca perceber) o fenómeno indonésio e a teoria que estava subjacente de unificação das milhentas ilhas desde Java à nova Guiné, do Bornéu a Sumatra, incluindo Bali ou Timor. Isso foi proclamado pelo Presidente Sukarno, recebido festivamente em Lisboa antes de ser derrubado pelos generais contra os quais aliás conspirou. A Igreja católica inventou uma Indonésia muçulmana ameaçadora como se não houvesse vinte e não sei quantos bispos na Indonésia além de protestantes, para não falar na panóplia completa das grandes religiões asiáticas. O povo apaixonou-se por Timor, noiva longínqua e por Xanana o seu profeta. Esse mesmo Xanana, a ferros numa cadeia horrível e fazendo filhos a uma senhora australiana e sua actual mulher. Nas prisões indonésias o regime parecia ser menos duro do que nas portuguesas...
Entretanto Timor era governado por cavalheiros com nomes portuguesíssimos. Cavalheiros que certamente sabiam das exacções militares. Cavalheiros que por lá continuam, ao que sei. Todos ou quase todos. Como a Igreja, campeã popular e exemplo da mais verrinosa resistência às mais simples precauções quanto a relações sexuais. Haja quem recorde a objurgatória do bispo Belo contra os preservativos.
Timor é governado (enfim é isso que consta) por partidos cujos dirigentes vêm quase todos das burrices de 75. Sejam eles a Fretilin por quem as virgens portuguesas desmaiavam de solidariedade ainda há pouco tempo, ou os outros que apareceram como as formigas depois da chuva e da saída dos indonésios.
Só que Timor é, tem sido, um pais sob protectorado. Australiano sobretudo ainda que travestido de internacional. O cheiro do petróleo é embriagador. Só que uns cheiram-no e outros vendem-no. E não são os timorenses. Um comentador que poderia passar por cínico se não tivesse razão dizia que os australianos depois de terem eliminado os seus pretos se preparavam para eliminar os que estivessem mais próximos. A saber os timorenses.
Todavia, mesmo com as tropas australianas, as coisas em Timor, não correm como se esperava. Falta de leitura da história pregressa do território. E das mais de cem campanhas “de pacificação” portuguesas. Se lessem, saberiam que o governo colonial local, usava o expediente de atacar um chefe tribal de cada vez. Com a ajuda de outros chefes tribais a quem se oferecia o saque e as cabeças. E assim sucessivamente.
As tropas australianas podem dar para policiar Dili e redondezas. Foram ineficazes para prender Reinado, agora morto, sem se saber exactamente por quem e como. Também não se sabe se Xanana e Horta eram alvo do mesmo grupo ou de grupos diferentes. Também se não percebe como é que ninguém excepto uma sobrinha do presidente dá pelo assalto á casa deste. E que é que faziam as tais forças internacionais, que não intervieram. Enfim ninguém sabe grande coisa, se é que alguma vez se saberá.
Duma coisa porém podemos estar certos: isto não foi o principio do fim das dificuldades mas apenas o fim do princípio delas. Ou seja: piores tempos poderão estar para vir.
E para isto parece que já há um consenso entre os novos protectores e alguns dos protegidos. Há que aumentar a intervenção dos estrangeiros. Se isto não é o velho argumento dos colonialistas radicais não sei o que será.

Tata!
Acaba de vez com a mentira.
Afina o teor que vibra ainda
e se lamina ao sol da desventura!
Mata!
Ressuscita!
Desce a Timor!


*Rui Cinatti: Invocação ao Tata Mai Lau (in Paisagens Timorenses com vultos, 1974)
Cinatti foi um verdadeiro amigo de Timor onde permaneceu por vários anos até ser proibido de lá viver por ordens do poder colonial. Fez juramento de sangue com dois clãs timorenses e tem o seu nome ligado a duas plantas timorenses que estudou e descreveu.

13 fevereiro 2008

Au Bonheur des Dames 113


Amigos velhos,
livros idem
e a mesma velha conversa
de bica aberta


Escrevinhei aí em baixo umas larachas sobre a “venda de livros” do Mercado da Fruta (coisa que ocorre também em Lisboa e que genericamente consiste numa espécie de venda de fundos editoriais, de colecções “descontinuadas”, ou de saldos de livros que tiveram pouca saída) e logo me saltou um comentário, simpático além de verdadeiro, sobre a minha impenitente mania da livralhada. Assinava-o um(a) “Ventoinha”. Gato escondido com o rabo de fora, ou nem isso sequer que o casal Ventoinha (Luísa e Luís) é conhecido de uma gigantesca roda de amigos, coimbrinhas na maior parte, malta de 69, da Centelha, dos livros, da Associação Académica e de mais uma série de pequenas e saborosas aventuras.
Fizemo-nos adultos nesses anos de vinho e rosas, de chumbo e medos, de desafio e solidariedade. Foram anos abençoados, imperdíveis, que acaso revelaram o melhor de nós mesmos. Dessa época que já lá vai, pontuada por mortos, muitos mortos já, alguns na guerra, sobra ainda um belo grupo de sobreviventes e com isto quero significar não os escapados à gadanha da mesquinha mas apenas todos quantos mantém acesa a pequeníssima vela da dignidade, da indignação, da recusa aquele “modo mesquinho de viver”, malta que não embarcou nas delicias da “sociedade afluente” a qualquer preço, mulheres e homens que ainda têm vergonha da miséria que nos cerca, da laparotice dos políticos, do vira-casaquismo, e dos Abranhos todos (e são muitos, uma multidão...) que se criaram connosco mas já não estão connosco.
Não estou a fazer a apologia da intransigência, do esquerdismo “a outrance” (era o que faltava...) mas apenas daqueles mínimos, muito mínimos, que andam esquecidos por um bom e nutrido grupo de “neocons” que fizeram com mais desplante e rapidez do que verdadeiro arrependimento a viagem da esquerda “pura e dura”, para a glorificação do liberalismo mais soez e boçal a troco de prebendas, de um bocadinho de poder, de uma fotografia na imprensa cor de rosa, de um emprego de assessor de um biltre qualquer, municipal, ministerial ou meramente cultural. Confesso que me vai faltando a pachorra para estes pobres conselheiros e brigadeiros que louvaminham os governos medíocres e que se julgam os ideólogos desta nova mistela que é centrão cinzento e tristonho que nem sequer nos tira do cú da Europa.
Falava, ainda ontem, disso, com o Zé Barata, perdão, o Professor Doutor José Barata que se confessava farto de remar contra a corrente. E depois, pimba!, aí está ele a preparar um belo e exaustivo livro sobre a história do teatro universitário onde, para meu espanto, não falta sequer um aderecista, um ajudante de cena, um humilde elemento de apoio. O Zé desencantou meio mundo, entrevistou outro tanto (só faltou o Alexandre exilado em Liége á sombra de uma Constanze que o atura e estraga de mimos), arranjou papeis, recortes, fotografias, cartazes, criticas, programas, apontamentos eu sei lá o que mais. Só não desenterrou mortos. E a Gulbenkian, outra vez ela!!!, abriu os cordões à bolsa ou prometeu abrir, o que é o mesmo porque aquela gente, honra lhe seja, só tem uma palavra. Ontem, vi o livro começar a nascer, nas mãos de um jovem e talentoso designer que, por acaso, é enteado de outro militante destas faenas políticas, éticas e teatrais. O mundo é pequeno!
E ao fim da tarde, um dos Ventoinhas a dar sinal de vida, lá dos Orientes. Pela brevidade há-de ter sido o Luís, livreiro de mão cheia (oh para que serve um canudo em Direito!) um dos que construíram a Unitas, cooperativa livreira e, mais tarde, a livraria Finisterra, para já não falar da saga da editora “centelha” a única editora, julgo, cujos sócios não só não recebiam dinheiro mas pagavam para aquilo funcionar. A Centelha publicava poesia e política, tudo ao molho, como se os poetas, na altura jovens, e os pensadores de uma esquerda desalinhada e iconoclasta (que desapareceu, boa parte dela, sob a pata dos aparelhos totalitários de esquerda e de direita) fossem tão urgentes como o pão pela manhã e amor pela noitinha. E eram. E são.
Saravah, manos Ventoinhas! Se alguma vez me pilharem por essas terras chinesas podem ter a certeza que é mesmo só para vos ver que, para mim, do Oriente, bastam-me os livros, alguma gravura japoninha e os filmes do mesmo sítio. A menos que me saia um prémio gordo e, na ida para a Nova Zelândia (com que sonho desde que li o Júlio Verne) possa fazer escala em Macau. De outro modo, não! A Índia não me puxa, pese o Sandokan, Bali idem e os mares do sul já não são habitados pelos fantasmas de Gauguin, Brel, London ou Corto Maltese.
Ou então, dá-me outra e meto-me no Transiberiano. O transiberiano ainda me seduz. Leituras (outra vez!!!) do Verne e do Cendrars: a “prose du transibérien et de la petite Jeanne de France”. Oh quantos sonhos! Eu não me envergonho de Vos dizer que li este poema imenso com o coração aos saltos e os olhos marejados. Fui pelo livro: “Du monde entier” (poesie/gallimard) comprado em Setembro de 67(!!!) por 21 escudos! Dez cêntimos actuais! Meu Deus, há quantos anos e há quanto dinheiro. Com 21 escudos, nesse ano da graça de 1967, almoçava-se decentemente no “Mandarim” (lembram-se Ventoinhas?) com direito a bebida, sobremesa, café e provavelmente um café para os amigos que aparecessem: por exemplo o Horta Pinto, outro que tal, desses tempos difíceis...
E depois de oito dias de viagem por essas terras sonoras e infamadas pela tirania estalinista chegar ao Pacífico e descer esse mar assombrado pela recordação de Magalhães até alcançar essas terras roubadas ao mar onde os Ventoinhas, fartos desta pequenês, encontraram um porto de abrigo onde recebem fidalgamente amigos de passagem.
Que lhes chegue, à falta de presença física, este abraço e esta duvidosa promessa: algum dia...

a ilustração: mais um troço da biblioteca que procura casa condigna onde os livros possam estar todos juntos e quentinhos.

12 fevereiro 2008

o leitor (im)penitente 32


Vem uma criatura das estranjas com o baú carregado de livros, catálogos e tudo o mais e pimba!, cai-lhe em cima um saldo de livralhada no Mercado Ferreira Borges.
Nem de propósito! É que vale mesmo a pena ir lá cheirar. Este que estas custosamente vai dedilhando, tem a pobre casa transformada num armazém de livros. Pois mesmo assim ainda encontrou umas dezenas largas de volumes para ajudar à sua iminente ruína.
E não falo de livrecos. Falo de excelentes edições, de Handke, de Tonino Guerra, de Ondjaki, de Luandino, de Mailer, de Durrell, do Marías e de mais um bom cento de autores dos bons que por má venda estão aqui a rastos de barato.
Quem quiser os best-sellers do momento escusa de ir. Não há, et pour cause. Também não faz mal que regra geral é literatura light a pedir uma ASAE urgente ou nem isso. Ao fim e ao cabo se há quem tem pachorra para os ler que os leia. Como dizia um amigo meu, Proust todos os dias também cansa.
Leitorinhas, asinha, asinha ao velho mercado da fruta. Há lá um livro para vocês. E se o encontrarem, desçam mais um bocado e leiam-no ao glorioso sol de inverno numa esplanada da Ribeira, com um “cimbalino” ou um “fino” a acompanhar. E um namorado a tiracolo. Os namorados são úteis: podem ir buscar o carro ao parque, ajeitar o guarda-sol ou simplesmente fazer companhia. Fosse este escriba mais novo e oferecia-se mas assim permite-se este desenfastiado tom enquanto pensa, como bom figueirense:
Quem não rema já remou; quem não tanoa já tanoou.

*a gravura: mais um par de estantes de uma biblioteca que procura casa maior e condigna para se instalar convenientemente

11 fevereiro 2008

A ilusão Obama

Há muito que ando para expressar a minha opinião sobre o que se está a passar nas primárias para as eleições dos Estados Unidos. Contrariamente à “onda” que se instalou naquele país e também na opinião “vinculante” da Europa, eu, se fosse americana, não optaria por Obama em detrimento de Hillary Clinton, de forma alguma. E até tenho alguma dificuldade em entender o que se passa, sendo que a única explicação que encontrei até agora foi a força da imagem sobre o conteúdo. Poucos sabem ou se interessam verdadeiramente em saber quais as propostas de Obama. Interessam mais a imagem que fica reforçada por frases tocantes e empolgantes. Melhor dizendo, palha embrulhada na imagem de mudança.

Ora hoje, no Diário Económico, li um artigo que me encheu as medidas sobre esta questão. O título que acima se apresenta “A ilusão de Obama” e o seu autor é João Marques de Almeida. Nele o autor responde à pergunta, que ele próprio formula, de saber porque é que “a maioria dos europeus apoia o candidato culturalmente mais próximo de Bush” e “que dá menos importância à Europa”. A quem interessar, o artigo pode ser lido aqui.

Antes tarde do que...

Kami,


Tudo no blog ficou excelente! E eu fico aqui pensando como é que, mesmo com a perna quebrada, vc tem paciência para esta coisa toda.

Um abraço grande,


Silvia

10 fevereiro 2008

Carlos do Carmo " Fado da Saudade"

Como é sabido, o "Fado da Saudade" cantado por Carlos do Carmo, que integra a banda sonora do filme Fados de Carlos Saura, venceu o prémio para a melhor Melhor Canção Original dos prémios Goya. Vi o filme e recomendo-o vivamente.

No seguimento desse acontecimento Carlos do Carmo fez um comentário, em resposta a uma questão que lhe colocou um jornalista, a propósito do pouco impacto que teve essa nomeação ao nível nacional. E o comentário, bem ao tom compreensivo e irónico que o caracteriza, realçava a ideia que no nosso país apenas as desgraças e as tricas são notícia de relevo. Destacamos o que é mau e passamos rapidamente pelo que é bom. É uma verdade. Na blogosfera então é quase uma verdade absoluta.

Mas relembrar isso não é o meu objectivo neste momento. O que eu gostava de dizer é que o Carlos do Carmo é das pessoas que mais me fascina ao nível do discurso. Ou seja, delicio-me a ouvi-lo. É de uma sabedoria, de uma sensatez, de uma energia, de um optimismo e força de vontade invulgares. E consegue transmitir tudo isso com um calor humano muito forte, como ninguém.

A minha questão é: porque é que nenhum canal de televisão se lembrou ainda de o colocar no ar como figura central, com tempo de antena próprio?
Deixem-no falar, divagar, como por exemplo, acontecia com o Vitorino Nemésio. Temos tanto a aprender com ele…

09 fevereiro 2008

Au Bonheur des Dames 112


Regressar também tem o seu pequeno encanto.

Por exemplo:
Ver que o Manuel Sousa Pereira já "levantou" em barro a figura principal para um grande monumento a construir em Vila Nova de Cerveira.
Ele acha que esta primeira abordagem o não envergonha. Eu acho que se pode sentir vaidoso do até agora feito: há aqui força, alegria e "ofício". Mas eu sou suspeito: somos amigos e, às vezes, isso pode abrandar o nosso sentido crítico.

O segundo momento de gozo: tomar um bom café, uma bica, um cimbalino, o que quiserem, aqui na esplanada em frente ao jardim e ao lado de casa. Aliás dois cafés. Um para lembrar e outro para confirmar.

E depois ser recebido pelas gatas Ingrid Bergman e Kiki de Montparnasse. Não estavam zangadas com a nossa ausência nem fizeram fosquinhas. Vieram para o nosso colo como se nunca estivessemos estado fora. Neste momento dormem aqui ao lado, num maple esticadas e juntas.

Para os interessados nas exposições Picasso ("Os picassos de Picasso" -Museu Reina Sofia) e Modigliani (Museu Thyssen-Bornemisza) aqui se informa que tem até Maio para as ir ver. 6 e 18 de Maio, respectivamente.

Para pessoas com a minha venerável idade, outra boa notícia: o Reina Sofia é de borla para os maiores de 65 anos. Boa malha! Se isto continua ainda iremos ser pagos para ver as exposições.

na gravura: Manuel de Sousa Pereira, figura humana, 1ª fase (em barro). Não está mal, não senhor...

Realmente é descuido de Bexiga

http://grandelojadoqueijolimiano.blogspot.com/2008/02/justia-portuguesa.html#links

Para que votei no Bastonário?

Nas eleições para a Ordem dos Advogados, não tive dúvidas em votar no Dr. Marinho Pinto. Antes de mais, porque se impunha um voto de protesto contra quem se instalou no governo da Ordem, que deixou há muito de servir os advogados e a advocacia.

Mas começo a ficar preocupado, quando vejo o Bastonário a intervir sobre assuntos que me parecem que não são os prioritários para os advogados portugueses. O cargo não deve ser usado para propalar as convicções políticas ou ideológicas do titular.

Esperava, e muito, que o Dr. Marinho Pinto pusesse ordem na Ordem e que colocasse ao serviço dos advogados, designadamente implementando ferramentas que nos permitissem, aos advogados de prática isolada, continuar a servir a Comunidade.

Assim, onde está a formação para os novos desafios da informática jurídica ? Onde podemos obter vantagens na informatização dos escritórios ? Para quando uma base de dados completa, fiável e operacional de toda a legislação em vigor? Onde estão as propostas para que os sistemas jurisdicionais sejam justos, equilibrados e confiáveis?

Em que é que os milhões do orçamento da Ordem contribuem para o sucesso da advocacia?

A Câmara dos Solicitadores presta um bem melhor serviço de informação e apoio aos seus associados.

07 fevereiro 2008

Au Bonheur des Dames 111


Há bancos e bancos...

Hoje continuámos a ver Modigliani. Desta feita na Fundação Caja Madrid aqui a dois passos do hotel. De facto, a Caja Madrid está associada ao Museu Thyssen nesta empreitada de mostrar Modigliani no seu contexto histórico e artístico. Assim, na Caja, mostram-se vários amigos e companheiros do pintor, bem como os seus nus, alguns desenhos e as escassas paisagens que pintou.
Tem aliás graça o facto de três pintores terem pintado a mesma paisagem do sul de França. Assim de repente só recordo Soutine além de Modigliani. Como é possível ver-se uma paisagem tão diferentemente e, ao mesmo tempo, tão semelhante!
Esta segunda parte da exposição tem outro especial atractivo para mim. De facto, desde há algum tempo ando a ler uma série de coisas sobre o período 1900-1930 (de que também já aqui falei brevemente): textos sobre Montparnasse, os surrealistas, Appolinaire, Cézanne, Kiki de Montparnasse (madrinha de uma das minhas gatas e autora excelente de umas memórias de grande qualidade que mereceram um dos dois únicos prefácios que Hemingway escreveu e pintora de talento). Pois bem esta exposição vem mesmo a jeito para ilustrar ainda mais esse período esplendoroso da arte e da cultura ocidentais, provavelmente o mais fecundo do seculo XX.
Junte-se a isso, que para mim não é pouco, o facto desta exposição ser absolutamente gratuita e veja-se (com tristeza...) que diferença abissal vai daqui para aí.
Aí os bancos podem eventualmente pagar uma parte de uma exposição. Mas cobram depois a entrada que eles não foram feitos para perder sequer um cêntimo. Fundações com origem neles é uma miragem à engenheiro Mário Lino, se é que me permitem juntar a personagem a este texto. E a Caja Madrid não é caso único antes pelo contrário.
E há quem me leve a mal este vago iberismo de que vou dando alguma pequena prova!
Amanhã vou passar por uma enorme exposição de Picasso. A colecção do museu Picasso de Paris que entrou em obras! É no Reina Sofia aqui a dois passos. E daqui a pouco abrem mais umas quantas mostras para aproveitar a ARCO e o movimento dela resultante.
Ambas as exposições estarão até Maio se não estou em erro, meados de Maio! Vale a pena dar um salto a Madrid, o problema é que há sempre coisas demais para ver...
E daqui a meses começam as comemorações da guerra peninsular, do 2 de Maio de que já há livros por todo o lado. Até nisso temos sorte: estamos instalados no coração da cidade revoltada. O mesmo é dizer da cidade que assistiu ao século de ouro. Com um pouco de imaginação ouvimos por estas ruas de nomes tão antigos o rumor das espadas, as discussões literárias, os mentideros sobre o Rei ou os Reis de Filipe III até Fernando VII o desastrado rei que, mesmo assim, foi o emblema da revolta de 1808. A dos que diziam “vivan las ca(d)enas!”
Honra nos seja que para essa guerra também contribuímos.

* na gravura: escultura de Zadkine, contemporâneo e amigo de Modigliani (e também presente na exposição)

Gordos & Larocas

A ler aqui, no JN.

(In) compatibilidades

As declarações do bastonário da Ordem dos Advogados, António Marinho Pinto, sobre as incompatibilidades entre o exercício da advocacia e a função de deputado deixaram meio mundo incomodado e outro meio verdadeiramente atónito, por nunca se terem lembrado disso. Mas a verdade é que ser legislador (ou participar, ainda que indirectamente, na feitura das leis) e ao mesmo tempo poder usar essa informação privilegiada nas suas relações de trabalho é uma situação de clara vantagem para os próprios e para os seus clientes. Para além das facilidades concedidas a quem tem acesso aos corredores do poder.
Contudo, não é só na advocacia que estas questões se colocam e a sua banalização põe em risco a confiança que os cidadãos (ainda?) têm no sistema político. Um recente exemplo veio a público nos jornais de ontem (ver aqui), em que surge um deputado do PSD, até há pouco presidente da Distrital do Porto, a vestir a pele de consultor da administração de um investidor privado na área da saúde e a dizer que o licenciamento do Ministério da Saúde “…deverá chegar dentro de dias ou até dentro de horas”.
Pode ser tudo legal e completamente transparente, mas ficam as dúvidas (que se manteriam se os papéis se trocassem e o deputado fosse de outro partido na esfera do poder): e se o partido do deputado fosse Governo? e se o ministro fosse um companheiro de partido? e se o deputado puder usar da sua influência junto do Governo, mesmo sendo de partidos diferentes? e será que um outro qualquer consultor, que não tenha um pé na política, poderia afirmar peremptoriamente que a licença ministerial estava para chegar?

Um país assim vale a pena

Lê-se no JN de hoje e fica-se com a certeza de que somos um país moderno:

«O Tribunal de Famalicão, designado como o "tribunal do século XXI" pelo Ministério da Justiça, não tem condições de espaço em sala de audiências para a realização de um julgamento com 14 arguidos e 11 advogados. Esta é a razão pela qual foi adiado, ontem, o início das audiências de um caso de alegado ataque de vandalismo a uma discoteca local. Os juízes consideraram não haver condições de "dignidade" para realizar o julgamento e deram indicações para o secretário do tribunal resolver o problema. (...)»

Cada um no seu CITIUS

Esta coisa de mandar peças processuais e respectivos documentos para os tribunais, e entre tribunais, e entre advogados, até me parece boa. É que, para além de outras vantagens, parece que vai permitir reduzir o preço dos encargos (o que me deixa um bocado de pé atrás, mas, pronto...). Mas que isto vai implicar muitas mudanças nos escritórios dos advogados, lá isso vai. Habituemo-nos, pois, e esperemos que o sistema funcione um bocado melhor do que as videoconferências. E que tudo o resto.
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06 fevereiro 2008

El poder del fútbol

A entrevista que o ministro dos Negócios Estrangeiros da Colômbia, Fernando Araújo, deu ao Diário de Notícias de ontem é elucidativa sobre as condições que teve de suportar durante o longo sequestro de que foi alvo.

Poder sentir, pelas suas palavras, que os relatos radiofónicos do futebol português, lá bem longe dos Montes de Maria, eram uma preciosa ajuda para “matar” o tempo e manter a cabeça distraída, merece que nos regozijemos com esse facto. Aqueles que estão sempre prontos a depreciar o futebol deviam aprender que há poucas coisas que aproximem tanto os povos como o futebol, um desporto popular, sem fronteiras, fácil de entender e de que (quase) todos gostam.

Saber que no seu cativeiro, Fernando Araújo acompanhava e gostava do meu FC Porto, é um motivo acrescido de orgulho e de satisfação. Sobretudo por recordar que, durante o seu sequestro, ocorreu a última vitória internacional do FC Porto, precisamente frente à equipa colombiana do Once Caldas, derrotada na final da Taça Intercontinental, no Japão, em finais de 2004.

Au Bonheur des Dames 110


De Madrid para o Manuel Sousa Pereira
e para quantos esta interessar


Pois é Manecas. Estamos em Madrid como dois cucos em ninho quente e emprestado. De mim já sabes como sou e quanto gosto desta “villa y corte” como se dizia no antigamente. Agora a CG é que nem te digo. Não anda: flutua! Gosta de tudo e de mais alguma coisa. Por ela, ficávamos já aqui a cantar lunduns com uma caneca à frente para as moedinhas. E nem sequer se queixa dos trajectos a que a obrigo. É que temos poucos dias e quero mostrar-lhe o mais possível...
Estamos instalados no umbigo da cidade, aí mesmo onde o “dois de Maio” ocorreu. Só por isso já Madrid merecia uma serenata mas há mais, muito mais.
Do nosso modesto hotel vemos a Igreja de San Giner onde estão, julgo, os ossos de Lope, Vitória, e não sei quem mais. E ao lado há um pequeno librero de viejo. Estás a ver como me sinto bem, não? Claro que há um pequeno problema: o diabo da igreja, em chegando as sete da matina, avia um quarteirão de badaladas próprias para acordar um morto, quanto mais este vivo. Fora isso, está tudo a correr de feição. Faz sol, um belo sol, por sinal, o frio aguenta-se bem e como estamos em pleno umbigo da cidade velha está tudo perto. Daqui aos museus são dez minutos de passeio, mesmo parando nalguma livraria (e hoje explorei a “António Machado” que está melhor do que nunca...).
Imagina, querido amigo, que abriu ontem uma exposição no Thyssen-Bornemisza dedicada a Modigliani e os seus contemporâneos. Eu ia com a alma num credo, temendo bichas tremendas, o costume nestas coisas. Qual quê! Entrámos como quem entra no moinho da Joana, nas calmas, sem gente e, em cinco minutos, estávamo-nos a babar diante dos quadros do livornês e das obras dos seus amigos e contemporâneos. Ela era Braque, Gris, Picasso, Cezanne sei lá quem mais. Ou melhor sei, e porr isso te mando estas novas de alegria: Brancusi, Manel, o teu Brancusi!
Ó que falta nos fizeste, tu que serias capaz de explicar tantas coisas desta escultura puríssima, levíssima, densíssima...
A CG estava já a cinco metros de altura. Tive de a agarrar firmemente não fosse o diabo da mulher, ganhar altura e escafeder-se sabe-se lá para que estranhas latitudes.
Almoçámos no museu, claro. E um belo almoço convém dizê-lo: bem servido, a bom preço, regado com um tinto jovem destas terras castelhanas, um vinho inteiro e intenso, produto destes campos que foram talados para dar bons soldados, os dos tércios da Flandres, homens secos, austeros, sofredores e corajosos, que depois mostraram de que madeira eram feitos no tal dois de Maio, em que, de mãos nuas ou quase, afrontaram o melhor exército do mundo. E que mais tarde haveriam de defender esta cidade das hordas franquistas, cantando sob as bombas...
O resto da tarde passámo-lo nas colecções residentes do Thyssen... E digo colecções porque ao lado da do barão (sumptuosa!!!) há da viúva, Carmen (Tita) Cervera. E aqui abra-se um parêntesis. Esta mulher, esta senhora!, tem gosto, tem inteligência, tem dedo, tem generosidade. A colecção dela, muito centrada no final do século XIX e no XX principalmente é um prodígio! Estão lá os melhores e representados com grande acerto e qualidade.
Ó que distancia entre esta colecção que se mostra sem contrapartidas e essa misturada que encheu um centro nacional e que está lá, pesporrenta, desinteressante, boa para atrair papalvos a comer-nos as papas na cabeça. Vai nisso também a distancia infinita entre o Madrid cultural e Lisboa a da triste sina, entre uma mulher culta e uma criatura que deve pensar que o dinheiro justifica tudo, compra tudo e desculpa tudo.
Parafraseando, bem que podíamos aqui dizer: É a cultura, estúpido!
Mas não vale a pena, isto é remar contra a corrente, Manel, é para isto que fomos fadados, para aturar esta gentuça que, mesmo a esta distância, incomoda e irrita. Com tipos destes nem é preciso emigrar, a pátria é já um lugar de exílio.
Mas deixemos isso, que por quatro dias “Madrid me mata”. No regresso, carregados de catálogos, cartazes, livros, parámos na Porta del Sol para uma cervejinha. À nossa frente um grupo de mariachis tocava coisas mexicanas, entre elas o “cielito lindo”. A CG nem acreditou quando me viu juntar-me ao coro naquela dos gorriones e dos corazones. Nem eu, aliás.
Como nota final: estreei a minha condição de sexagenário: tive um gordo desconto no museu: deu para a garrafa de vinho que bebemos todinha, benza-a Deus. Ah nem tudo é mau nisto de ter sessenta e seis aninhos. Amanhã há mais Modigliani na Caja Madrid, mais um desconto, espero, e mais um vinho, produto da mais alta civilização nossa, mediterrânica, do sul. Para esquecer os bárbaros e o deserto que eles trazem colado à carteira. E ao (mau) hálito...
Um beijo da CG que dorme aqui ao lado enquanto dou ao dedo e oiço da rua uma banda cigana a tocar “when the saints...
E um abraço do teu
mcr, à solta em Madrid que bién resiste, como un gorrión acrata.

*na gravura: “o beijo” de Constantin Brancusi