31 maio 2006

A JUSTIÇA NO CINEMA

Amanhã, dia 1 de junho, pelas 19h30m, na Sala Bebé do Cinema Batalha, no Porto, a Associação Jurídica do Porto irá realizar a quinta e última sessão do seu ciclo de cinema jurídico com a projecção do filme Relatório Minoritário (2002), realizado por Steven Spielberg.
A projecção do filme e posterior debate constituem uma aula do curso de cinema da escola de audiovisuais do Porto.
Cerca das 22.05H estará ao dispor de quem desejar um jantar-buffet pelo preço de 6 euros + bebidas a liquidar directamente ao restaurante. Cerca das 22 h 45 m, iniciar-se-à um debate com a presença de :

Carlos Melo Ferreira (professor universitário);
José Meirinhos (professor de filosofia na Faculdade de Letras do Porto);
Maia Costa (Procurador-Geral Adjunto colocado na Secção Criminal do S.T.J.);
Mouraz Lopes (juiz de círculo; mestre em processo penal pela FDUC; ex-director da P.J.)

Essas intervenções serão posteriormente divulgadas em livro, sendo que o mesmo poderá incluir artigos elaborados por qualquer participante do debate, mediante envio posterior para a A.J.P..

O conteúdo da culpa em direito penal; A noção filosófica do tempo e a sua repercussão na actividade jurisdicional; a problemática da prevenção criminal, dos limites ao direito de defesa, da fiabilidade de determinadas formas de investigação criminal; das garantias constitucionais do processo penal e, qual o equilíbrio entre necessidades de defesa da sociedade que podem causar sistemas totalitários e a defesa dos direitos individuais, são algumas das questões que podem ser discutidas a propósito deste filme .

Os gurus

É humilhante para os portugueses a percepção que do exterior se tem de Portugal como um país em contínua degradação e declínio ao longo dos últimos anos”. Quem proferiu esta afirmação, acompanhada de muitos lugares comuns sobre a economia nacional e as debilidades portuguesas, foi Jack Welch, por muitos considerado o melhor CEO (chief executive officer) da gestão contemporânea.

Ora, este guru da estratégia empresarial, que depois de deixar a General Electric ganha a vida a dar conferências e palestras por esse mundo fora, deve ter passado os olhos por uns papers que lhe arranjaram sobre o nosso país, de que ele certamente pouco tinha ouvido falar, e veio dizer umas banalidades que deixaram os pessimistas nacionais embevecidos. Francamente, remunerá-lo em largas dezenas de milhar de euros para vir cá dizer o que nós sabemos melhor do que ele parece-me uma oportunidade deitada fora. Teria sido bem mais útil se tivesse dissertado sobre as suas experiências concretas de gestão e relatasse aos nossos gestores algumas das boas práticas que implementou ao longo da carreira.

Mas como estamos em maré de seguir os gurus, fazem-se anunciar de novo os célebres mentores do Compromisso Portugal, essa estrutura inócua e sem escrutínio que junta uns gestores que gostavam de ser políticos (mas ir a votos é uma chatice...) e que acham que, do alto da sua sapiência, têm receita fácil para todos os males do país. Mais tempo de antena para os interesses pessoais e empresariais de António Carrapatoso, Diogo Vaz Guedes, Filipe de Bottom, Alexandre Relvas e alguns mais. É o social travestido de serviço público.

Um susto de País!



Lê-se hoje, no “DN”, que “Portugal continua a ser o país da União Europeia com mais casos de tuberculose – no ano passado, 3282 pessoas contraíram a doença”.

Segundo Teles de Araújo, o presidente da Associação Nacional de Tuberculose e Doenças Respiratórias, responsável por um estudo acerca desta autêntica “praga”, adianta duas explicações para que a tuberculose apresente valores tão altos. "Estar muito associada ao HIV/sida" - e haver também uma taxa elevada desta doença no País” e "atingir comunidades de imigrantes de países com grande incidência".
Além disso, afirma, "algo tem falhado nos esforços para travar o contágio. Porto, Lisboa e Setúbal lideram em número de casos e representam 60% dos doentes".

E pensar que há trinta anos a tuberculose tinha deixado praticamente de existir no nosso País, estando perfeitamente controlada!

Deveu-se à actividade do “SLAT” o fim desse flagelo. Foi por via do seu desmantelamento que essa peste renasceu. A juntar a outras, como a SIDA.
E que dizer da toxicodependência, "excelente" veículo de transmissão dessas doenças?!

E pensar que os portadores das mesmas pululam por aí, livremente, nas ruas das nossas (degradadas) cidades, em nome da sua liberdade inviolável!

Pergunto: e a liberdade e o direito da restante população a não ser contaminada? Não deve prevalecer?

Nota: a foto acima colocada corresponde à sede do antigo “SLAT”, sita no Cais do Sodré, Lisboa.

Portal "Interesses Difusos"

Iniciativa da Procuradoria Geral da República que vivamente se saúda!
Leia aqui a
Circular nº 6/06 e aceda aqui ao Portal, de que se transcrevem os objectivos programáticos:

«O Portal “ Interesses Difusos” tem por objectivo o apoio aos magistrados do Ministério Público, no âmbito da sua intervenção na defesa dos interesses difusos e colectivos.

Para o efeito, além da criação de bases de dados e documentais incidindo sobre áreas relativas ao ambiente, urbanismo, ordenamento do território, património cultural, saúde pública e defesa dos consumidores, pretende-se fomentar o estabelecimento de canais de contacto com entidades públicas e privadas, cujos conhecimentos especializados nestas áreas são de primordial importância para a intervenção do Ministério Público.

Os elementos de apoio disponibilizados não revestem carácter exaustivo, pelo que não substituem a consulta às bases de dados já existentes, de legislação, jurisprudência ou outras.

A informação seleccionada visa constituir um instrumento de trabalho de acesso fácil sobre a legislação base aplicável, súmulas de decisões mais importantes, em especial da primeira instância, referências bibliográficas, informações técnicas de entidades públicas, e links para bases de dados e sítios especializados.»

Chateado no calabouço 5

Exposição enviada ao Ex.º Director Geral de Segurança pelo recluso *** a propósito de arruídos provocados pelo bater de mãos nas paredes, nas próprias, assobios e outras formas ditas de comunicação prisional.

Ex.º Senhor.

***, aliás Bernardo, aliás Costa, aliás Justo, aliás “o chinês da praia de Carreiros”, de 29 anos de idade, casado e bígamo, detido a 30 de Fevereiro, p.p., por transportar em situação de “nítido agravo à moral pública” a secretaria da subsecção Porto-Foz do Movimento Nacional Feminino, vem por este meio expor e requerer a V.ª Ex.ª o que se segue:
1º foi o supracitado recluso repreendido verbalmente pelo guarda de serviço ao recreio do isolamento por nesse local se entregar á prática de “assobios folclóricos e sediciosos”;
2º dias depois voltou a ser repreendido com ameaça de calabouço e corte de sobremesa por em sua cela bater com os pés na parede ao mesmo tempo que com as mãos batia palmas
3º ontem mesmo, ao fim da tarde quando rapava o tacho da sopa com a colher regulamentar foi advertido que o não podia fazer porquanto era comprovável (sic) o intuito de comunicar com o detido da cela ao lado.

Por lhe parecer injustificado o procedimento do guarda de serviço, vem, por este meio, representar a V.ª Ex.ª os seguintes pontos:

I
Tendo em consideração o nº 7 do art.º 230º da Organização Prisional, aprovado pelo Decreto-lei nº 26.643 de 28 de Maio de 1936, inserto a p. 6 do “Horário e Regulamento da vida prisional”, secção “Deveres e Regalias dos Reclusos”, edição policopiada e s/d, que expressamente estatui:
II
“são absolutamente proibidos os cantos, gritos, palavras grosseiras ou qualquer forma de comunicação convencional com reclusos de outras salas”
III
Considera que nesta norma não são mencionados assobios, pancadas nas paredes ou bater de palmas.
Mais
IV
considera até que tais manifestações são permitidas pois que o art.º 7º já citado descreve em pormenor as actividades proibidas.
De resto,
V
não podem considerar-se as manifestações mencionadas na segunda parte do artº (... "ou qualquer outra forma de comunicação convencional”) como dizendo justamente respeito ás actividades ora em apreço porque
VI
Não são formas de comunicação convencional (o sublinhado é nosso) o que decorre não só da análise dos termos em si mas ainda do facto de se não poderem distinguir de actuações eminentemente pessoais tais como
a) palmada em qualquer parte do corpo para matar uma pulga ou qualquer outro animal similar;
b) assobio exclamativo perante fotografias ou histórias escandalosas ou divertidas (cuja entrada é expressamente autorizada pelo citado “Regulamento”);
c) batidela de mão na parede para sacudir o pó desta “de maneira a manter a sala escrupulosamente limpa, como é peremptoriamente determinado pelo “Regulamento”;
VII
Que não são formas de comunicação “apertis verbis” claramente o demonstra
a) a boa educação (que um estabelecimento prisional como este mais do que nenhum outro tem por missão fomentar) que as não permite;
b) os usos e costumes que a este respeito são totalmente omissos;
VIII
Muito menos se poderá aqui falar de convencionalidade da comunicação pois
IX
Ou convencionalidade tem aqui o sentido de convenção, acordo, mútua resolução comum e isso é impossível, porquanto os reclusos de celas diferentes não se conhecem ou, conhecendo-se, não combinaram ou, tendo combinado, estão de má fé e por isso caem sob a alçada de outro artº sendo-lhes aplicável a sanção correspondente que não é a que deu motivo a este requerimento
X
Ou convencional tem aqui o sentido (de todo em todo despropositado) de usual, costumeiro, habitual e então não se poderá de modo algum considerar “usuais” ou “habituais” assobios, pancadas nas paredes ou palmas.
Com efeito
XI
Os assobios utilizam-se para insultar o árbitro no campo de futebol ou para chamar animais, mormente cães, e não é crível que os presos comuniquem justamente insultando-se (este ponto não tem em linha de conta senão as comunicações entre presos. Se o assobio for dirigido a guardas a questão é obviamente diferente),
XII
As pancadas na parede utilizam-se para se saber da sua solidez, mas não será este o caso sub judice visto ser do conhecimento geral, “communis opinio” na feliz expressão dos canonistas (cfr. Por todos Braga da Cruz, “Lições de história de Direito Português, Coimbra, 1958, ed. copiografada), serem as prisões dotadas, et pour cause, de paredes sólidas o que de resto se compreende dado ser a região de Lisboa uma zona sísmica por excelência.
XIII
Poder-se-ia dizer, utilizando o pitoresco termo prisional que os presos telegrafam (sublinhado nosso). Contra isso bastará dizer que não parece crível terem os presos cultura especializada suficiente para dialogar em morse (excepção feita a telegrafistas, funcionários dos CTT, oficiais de transmissões, faroleiros e profissões similares)
XIV
Mas se for este o sentido da expressão “telegrafar” - de resto não compreendida, como se verá e já se viu nos termos legais em discussão – deverão os guardas ater-se à escuta dos sinais efectivamente trocados em alegado código morse, detectando as breves e as longas de modo a poder afirmar sem contestação possível o carácter telegráfico da manifestação em causa.
XV
No que respeita a palmas, elas usam-se, entre nós, como manifestação de louvor, apreço político etc., mas não consta que com elas se transmita algo mais do que o snobismo dos frequentadores de ópera, o facciosismo dos adeptos desportivos e o servilismo dos assistentes de actos públicos com discurso.
XVI
Para além desta refutação semântica, aponta-se estoutra de carácter mais vincadamente jurídico: a formula “ou qualquer forma de comunicação convencional” permitiria a quem aplica a lei actuar por analogia o que
XVII
Sendo o direito penitenciário um ramo do direito criminal não pode, sem grave entorse dos princípios deste direito ora referido, sancionar-se. O direito criminal conhece a regra do numerus clausus não tão rigorosamente quanto o direito das coisas mas de todo o modo com força mais que suficiente.
Mais
XVIII
Admitir esta extensão analógica levaria a todos os abusos pois poderiam ser sancionados espirros, tosse, quedas, vassouradas no chão, bater de talheres no prato, puxar de autoclismo, etc.
XIX
No caso em apreço, o recluso tem ainda a seu favor a letra da lei: com efeito o artº 7º proíbe a comunicação entre salas e não entre quartos o que, das duas uma:
XX
Ou se trata de uma omissão – e o recluso não a pode sem mais intuir urgindo preencher a lacuna pelo método apropriado.
XXI
Ou se trata de permissão de os reclusos de quartos vizinhos se corresponderem o que seria compreensível dado o humanitarismo do decreto 26.643, expresso, de resto, em tantas outras normas
XXII
Isto sem se conceder que as manifestações apontadas no nº 3º da presente exposição sejam formas de comunicação.
XXIII
Por tudo isto se requer
a) levantamento, por desculpas ao recluso, das repreensões verbais:
b) reexame e reelaboração do nº 7º do art.º 230º do Decreto lei 26.643 de 28 de Maio de 1936

P.D.


em Caxias 1971

A natureza da crónica






Se no próximo sábado, dia 3 de Junho, pelas 18h00, eu não estivesse aqui, estaria, com certeza, no Café dos Teatros!

(clicar no cartaz e nos textos para melhor visualização)

Justiça Administrativa agressiva?



O “postal” da nossa “Kami”, fazendo referência ao artigo do Dr. J. Latas, distinto Magistrado que, nos idos de 80, tive o prazer de conhecer, suscitou-me as reflexões que seguem; brevíssimas por certo, pois que estas páginas são de retemperação e não de tortura…

A garantia do recurso contencioso, leia-se a possibilidade de intentar uma acção, dirige-se contra actos que lesem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, fórmula que insinua, desde logo, uma dimensão subjectiva fundamental do "recurso contencioso": o direito ao recurso, leia-se de novo, o direito de acesso aos Tribunais Administrativos, constituindo assim uma tutela jurisdicional efectiva, é um meio de defesa das posições jurídicas subjectivas.
O nº 4 do artigo 268º da Constituição, destinado a especificamente garantir o acesso à justiça administrativa, para tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados, melhor diríamos, dos cidadãos, visa, essencialmente, tornar inquestionável o designado principio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa.

Ora, o Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) é tão recente… quem dele tem receio? Será que se avançou demais na sua formulação, potenciando uma intervenção “agressiva” dos particulares, paralisadora da actuação do Estado?

Eu creio, e é a minha opinião de administrativista (e não opinião “politica”), que se avançou demais na concepção de um Código do Processo dos Tribunais Administrativos muito garantístico.

No dizer de Vieira de Andrade, Ilustre Mestre da Escola de Coimbra, “alarga-se [com o CPTA] substancialmente a protecção cautelar dos administrados, que abrange quaisquer providências, antecipatórias ou conservatórias”.

Creio que, alguns de nós, ainda não souberam conciliar o passado com o presente; fazer a necessária “ponte” entre dois mundos, duas visões.

No caso, não se soube (ou não se pretendeu) fazer a conjugação entre algumas virtudes do sistema administrativista anterior e as potencialidades do novo sistema o qual, porém, deveria ser mais cauteloso nas suas fronteiras.

A bem da eficiência da máquina administrativa, que deve actuar (sempre) tendo em vista os superiores interesses da Nação, vale dizer, de todos nós.
Cabral-Mendes

Uma incorrigível falta de vergonha

A notícia referida neste post do Informatica do Direito (também referida, via Público, aqui) parece já não constar da Sic on line nem do site da Lusa. Por isso a transcrevo, chamando a atenção para o comentário que segue, com o qual nao poderia estar mais de acordo: parece que "isto já não vai lá às boas" !?!

«Na Sic On Line de hoje consta:
"Na conferência de líderes parlamentares, os partidos decidiram, por consenso, transferir o plenário para a manhã de dia 21 de Junho, às 10h00. As comissões, que habitualmente se realizam de manhã, serão realizadas depois das 17h00, hora a que termina o jogo. "Não prejudicamos os trabalhos da Assembleia da República. Ao transferir o plenário para de manhã e realizando as comissões depois do jogo, cumpriremos toda a nossa agenda de trabalhos", sublinhou o vice-presidente da bancada parlamentar socialista, José Junqueiro.
"É preferível termos uma sessão parlamentar eficaz de manhã do que termos uma escassa meia dúzia de deputados à tarde, o que desprestigiaria o Parlamento", frisou o vice-presidente do PSD, Montalvão Machado.
A alteração mereceu também a concordância do presidente da Assembleia da República, Jaime Gama. Os outros dois jogos da selecção nacional nesta primeira fase, contra Angola e Irão, serão disputados ao fim-de-semana. "
Lamentávelmente, para eles, senhores deputados não foi suficiente a cena triste que ocorreu próximo da Páscoa, com muitos a faltarem à sessão Parlamentar, alguns mesmo, depois de assinarem o livrinho de presenças. É legítimo que se pergunte, por onde anda, e para que serve, a tal comissão de ética? E, como a falta de vergonha é algo que continua, eis que esses senhores colocam num grau mais importante do que as funções que desempenham, um simples jogo de futebol. Que rico exemplo dão ao País. Foi para isto que eles foram eleitos? O que os impulsiona constantemente a fazerem, reíncidentemente, estas tristes figuras? Será que é legitimo reconhecer a todos os trabalhadores deste País que procedam da mesma forma (em ambas as ocasiões)? O que mais se seguirá?

O País necessita urgentemente de uma varridela, para que se evolua, nada mais me ocorre perante esta surpreendente e infeliz sucessão de trapalhadas. »

30 maio 2006

Navegando na blawgoesfera

O Sine Die continua um percurso diferenciado na blawgoesfera, pelas temáticas abordadas e pelo estilo das reflexões sobre as mesmas expendidas, muito para além dos sound bytes do momento e, sobretudo, para além das useiras lógicas mais estritamente corporativas. Pena é, já aqui disse e repito, que continue a não se abrir a comentários on line...

A ler regularmente, destaco, hoje, o post com este título:

(...) do “ poder excessivo dos tribunais administrativos”

O mundo não é legível (1)



fotografia de Mário Correia,
sem título porque, ao ser-lhe pedido, replicou, secundando Foucault:
"O mundo não é legível. Lê-lo é uma violência que impomos às coisas"

a mediocridade no poder

Faço hoje uma pausa num descosido diário político publicado segundo a oportunidade ainda que normalmente os textos tenham todos uma idade avançada.
E faço-o porque, os tempos que correm, exigem uma análise serena mas sem contemplações.
Aliás boa parte do queria dizer foi já dito por alguns dos principais expoentes do PSD, em vésperas de congresso. Se os leitores se recordam, algumas das figuras mais importantes e históricas do principal partido da oposição revêem-se encantadas nas medidas do governo Sócrates.
E o caso não é para menos. Sócrates está a governar tão à direita quanto lhe é possível. Que o Partido Socialista profundo não perceba isto é absolutamente irrelevante. Os actuais dirigentes do partido vão calando as vozes discordantes mediante uma atempada distribuição de benesses à custa do erário público. Nunca como agora se verificou uma aplicação tão extensiva do “spoil system” americano. A direcção do P.S. ocupou o aparelho de Estado e tem vindo a colocar todos os seus apoiantes neste, levando tal ocupação às últimas consequências. Hoje em dia, pode dizer-se sem receio que na Administração Pública central e nos postos desconcentrados desta até os lugares de simples chefe de secção são ocupados por membros do partido, simpatizantes ou por alguém de que é preciso calar a voz. Convém, todavia, fazer notar que esta ocupação se tem feito com cautelas especiais e sem ferir demasiadamente a clientela do outro grande partido, o PSD. Os militantes deste partido estavam também colocados em sectores chave da administração pública. O actual partido do governo optou, neste caso, por apenas “incomodar” os dirigentes de lugares estratégicos deixando o resto à freguesia social democrata pelo menos num primeiro momento. Sairão mais tarde logo que as leis orgânicas dos ministérios estiverem aprovadas. Aliás estas criaturas vão ser (já são) de grande utilidade para a prossecução das medidas actuais. O P.S. não quer assumir sozinho o ónus da política de direita que vem desenvolvendo e, sobretudo, que vai desenvolver.
Tudo isto passa por laminar, os corpos da administração publica, um por um, apelando a medidas de um populismo ultramontano que até ao momento tem anestesiado a opinião pública.
Foi assim com a magistratura judicial, a quem um ministro medíocre que já dera provas da sua insuportável incompetência num dos últimos governos socialistas tem feito engolir todos os sapos possíveis a propósito das férias judicias. O ministro bem sabe que o remendo a que recorreu vai ter consequências imprevisíveis mas desastrosas na tramitação dos processos. Sabe também que a medida de redução das férias judiciais não trará qualquer benefício aos cidadãos e tornará a vida dos advogados bem mais difícil. E que quando se fizerem as contas o mais provável será a verificação de atrasos acumulados na primeira instância. Mas isso de pouco o importa tanto mais que enquanto se discutem as férias judiciais, o ministério vai fazendo sair legislação avulsa de medíocre qualidade que passa incólume sem critica visível. E quando esta porventura se manifestar, já há uma pronta resposta: são os magistrados quem está a entorpecer as reformas urgentes e inadiáveis, cegos pelos privilégios que correm o risco de perder.
O sistema nacional de saúde começa a ser séria e perigosamente atacado não porque se fecham quatro ou dez maternidades, ou se permite a liberalização das farmácias. O grave é a reestruturação dos hospitais, o desastroso naufrágio dos centros de saúde onde não há médicos de família para uma enorme percentagem de pessoas, embora os cidadãos sejam obrigados a inscrever-se nos centros.
A classe dos professores começou já a ser atacada sempre em nome de princípios virtuosos, quais sejam a protecção dos alunos durante os tempos lectivos, mediante a mesquinha e estúpida regra das aulas de substituição que no dizer unânime de professores e alunos é apenas para inglês ver. Mas o público aplaude o ataque à preguiça dos professores.
Agora agitam a hipótese de pôr as associações de pais a classificar os professores. Se a moda pega, os presos condenados ainda classificarão os guardas prisionais... E os doentes (mesmo os mortos) os médicos assistentes. Sorte terão os médicos legistas dado que uma boa parte dos seus clientes já estão do outro lado e ainda se não descobriu uma mesa pé de galo convincente para inquirir as alminhas a caminho do purgatório.
O actual governo consegue mesmo pôr os portugueses a discutir as excelências do novo aeroporto da Ota, ou o comboio de alta velocidade. Relembre-se que esta alta velocidade é suposta ocorrer entre Lisboa e Porto ou seja num percurso de 300 quilómetros com duas paragens pelo meio. Não deverei andar longe da verdade se futurar que este investimento brutal que vai onerar as novas gerações, não retirará sequer meia hora ao tempo do actual percurso.
O que se afigura mais interessante nesta estratégia do salame que tanto resultado teve na ocupação soviética dos países de leste, ou seja a técnica de passo a passo ir ocupando sem especial alarido os postos do poder e ao mesmo tempo ir reduzindo de mil e uma maneiras a oposição ao silêncio, ao medo e depois à sua destruição pura e simples.
E parece ser essa, de facto a estratégia do actual governo: vão por enquanto lançando pequenas bombas à espera de reacção. Do andar da discussão tirarão as necessárias consequências quanto à rapidez da sua actuação.
Em bom português isto vai ser assim: a cada medida proposta corresponderá uma reacção que com o passar do tempo se atenuará pelo aparecimento de novas propostas igualmente susceptíveis de causar espanto e indignação. O governo Sócrates inaugurou um novo método de auscultação democrática da população e tomada de medidas políticas pelo cansaço dos eleitores.
Suponho que estarão convencidos que se cortarem os pés à direita pelo artificio de serem eles mesmos a tomar as medidas que a oposição poderia ser tentada a propor. Conviria lembrar a estes desastrados aprendizes de feiticeiro a derrota de Schröder na Alemanha e o destino igualmente previsível de Blair. As políticas de direita só são bem executadas pela direita. A verdadeira, a boa, e nunca por uma compósita equipa de mediocridades colhidas aqui e ali nas fileiras do P.S. Que ainda por cima parece sofrer, a par de incontinência verbal e propositiva, de incompetência generalizada.


29 maio 2006

Coisas do diabo

Entrámos no gabinete, os colegas e eu, Bom dia, Srª Drª Juíz e ela olhou-me e disse-me Nós já nos conhecemos de algum lado, não conhecemos?, e eu olhei-a, aquela cara é inesquecível, Claro, tenho a certeza que sim, mas não sei de onde!, e a Mma, sobrolho franzido, Pois, de um tribunal qualquer, mas acho que não só daí. E eu, já de sorriso rasgado, que ela é bonita, não resisto à blague, Talvez, Mma, talvez me conheça do cinema!, e acrescentei logo que também devia ser do cinema que eu a conhecia, e ela achou piada, porque teve piada.

Fizemos o julgamento. Foi há quanto tempo? Dois anos? Nunca mais a vi, falámos uma vez ao telefone depois disso, coisa um tanto atarantada, quase profissional (que pessoal não foi), soube entretanto que mudou de sítio, sei por onde anda e soube, até à consternação, que tinha mudado de vida, ou, melhor, de estado civil ou coisa que se pareça, razão pela qual nunca fui ao sítio por onde anda.

Chegado à consternação, entrei no exercício sempre difícil de começar a esquecer. Deletei o número do telemóvel, não fosse o diabo tecê-las, que o diabo é tendeiro e nestas coisas somos parecidos - o diabo e eu, entenda-se -, mas o diabo não tem emenda e pregou-me uma partida e hoje vi-a, à hora de jantar, no sítio do costume, mas, diabo!, que me deu para me sentar numa mesa diferente e virado para o plasma? Olhei uma vez. Olhei outra. Era mesmo ela, Boa noite, Srª Drª, Olá, Sr. Dr.. Ali, mesmo ao lado. O tipo em frente. Dela. Fixei os olhos no jornal, não consegui ler uma palavra, não me apetecia comer, um nó na garganta, e ela falava (pouco) com o tipo. E levantaram-se, Prazer em vê-lo!, e eu de voz sumida, Prazer em vê-la!, incapaz de mais, incapaz de lhe dizer o que me ocorreu, que o prazer seria muito maior se ela estivesse ali sozinha e que quem ia ao cinema com ela era eu.

"Não se descredibilize o sistema judicial”


O Conselheiro Simas Santos alerta que em Portugal “os juizes vivem na clandestinidade”

“O Governo não pode ser um elemento de descredibilização do sistema judicial”, afirmou o conselheiro Simas Santos, anteontem à noite, numa tertúlia promovida no Café Majestic, no Porto, pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP).
O juiz do Supremo Tribunal de Justiça fez aquele desabafo traduzindo o desagrado dos magistrados judiciais e do Ministério Público, perante a ideia lançada pelo Governo de que são “calaceiros” e “só se preocupam com as férias”. “Nos Estados Unidos os juízes são respeitados e dizem a lei, mas aqui os juízes vivem na clandestinidade”.
Preocupado com o facto de o poder executivo propor alterações atrás de alterações “sem discutir o modelo”, Simas Santos acentuou: “Se é o modelo que está mal, então mude-se o modelo, mas não se descredibilize o sistema judicial”.
O conselheiro realçou que a morosidade não é um fenómeno que afecte todos os graus de jurisdição, lembrando que nas relações e no STJ as decisões dos recursos são expeditas. Mas também admitiu a necessidade de os juízes do tribunal dos tribunais redigirem as suas decisões com clareza, para evitarem juízos injustos quanto ao sentido dos acórdãos.
Simas Santos desmentiu com a sua experiência pessoal uma crítica feita pelo presidente do conselho distrital do Porto da Ordem dos Advogados (OA), que preconizou o fim das audiências nos tribunais superiores. “Quando lá vou, alego e passadas duas/três horas, o acórdão é depositado na secretaria”, assegurou Silva Leal. “Já elaborei cerca 600 acórdãos e leio-os na semana seguinte à audiência”, garantiu Simas Santos.
Num aspecto conselheiro e Santos dirigente da OA estiveram em consonância. Silva Leal revelou às dezenas de participantes na tertúlia “Tenho ouvido desembargadores pugnar pelo de fim dos recursos da matéria de facto, o que considero um retrocesso e que, a consumar-se, violaria os direitos de defesa dos cidadãos”. Simas Santos acabaria por subscrever estas preocupações acentuando que “as Relações estão a ter muita dificuldade para apreciar a matéria de facto. Há uma rebeldia”, frisou.
(...)
ANTÓNIO ARNALDO MESQUITA, Público, 28MAI2006

Plus ultra



“O direito mais importante a salvaguardar é o direito à pensão”
José Sócrates, Primeiro-ministro.
“Todos os parceiros mostraram firme vontade de contribuir para um trabalho sério de concertação que garanta a sustentabilidade futura da Segurança Social”
Vieira da Silva, Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.
No suplemento de “Economia” do “DN” de 24 de Maio, afirma-se que a “ Segurança Social cobrou 152,5 milhões de euros em dívidas de contribuintes no primeiro trimestre, mais 362% do que o total recuperado em igual período do ano anterior. Os resultados trimestrais do plano de combate à fraude e evasão contributiva - que já atingiram 44% da meta fixada para o total do ano - levam o Ministro do Trabalho e Solidariedade a admitir que a Segurança Social registe um saldo positivo este ano, mesmo sem o contributo das reformas que estão em fase de discussão e cuja entrada em vigor só está prevista para 2007”.
Já aqui realcei o apreço que tenho por Vieira da Silva, de longe o melhor Ministro deste Governo.
Estive, numa espécie de “think tank”, reflectindo e debatendo acerca da Segurança Social, tema que interessa a todos nós. Sem acréscimo de meios, tem sido possível, através de eficazes e moralizadoras acções de fiscalização, recuperar importantes verbas devidas aos Cofres da Segurança Social. Já afirmei, por outro lado, que se houvesse maior solidariedade e coesão sociais, se todos contribuíssem para o “bolo comum”, tendo em vista assegurar um futuro digno para todos, e pautassem a sua conduta por padrões éticos, talvez nunca se tivesse chegado tão perto do autêntico precipício que é a eventual falência da Segurança Social!
Os políticos, milagres não fazem. Se não há uma economia em expansão, que absorva mão-de-obra, a fim de que esta possa, por sua vez, ser um contribuinte para o sistema de Segurança Social; se a nossa demografia está quase no ponto zero, não existindo uma substituição de gerações, como poderá então o Estado garantir, amanhã, o nosso dia-a-dia de aposentados/reformados?
Neste particular, lembro aqui os emigrantes (por vezes tão vilipendiados) e que são bem vindos, pois eles já estão a contribuir para a sustentabilidade do sistema. O Primeiro-ministro, José Sócrates, deseja concluir o processo legislativo para a reforma da Segurança Social ainda este ano, para que possa entrar em vigor em 2007. Considera que as medidas propostas pelo Executivo visam “dar confiança, credibilidade e segurança ao sistema público e universal de Segurança Social, pelo menos até 2050”.
O Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, encontra-se igualmente empenhado em garantir a sustentabilidade futura da Segurança Social.
Esperemos que as medidas apresentadas pelo Governo dêem credibilidade ao sistema de Segurança Social.

Aperto libro


" O bem-estar material não está intimamente ligado, nem é fatalmente proporcional ao grau de instrução do povo"
António Sérgio

Ser Professor é ofício que exige muito amor e verdadeira paixão. Creio que são atributos que hoje faltam no desempenho de várias áreas profissionais. Mas, para continuar a falar dos Professores, com “P” grande, estes estão num completo descrédito.

Não são respeitados pelos alunos e pelos respectivos pais (ambos padecem, em geral, de uma grande falta de cultura e completa ausência de valores!) e não são valorizados socialmente.

Lembro-me bem da minha “Primária”, da qual guardo boas recordações de uma Professora bondosa, meiga, e más recordações de uma outra que mais me parecia uma “bruxa”. Paz à sua Alma! Mas todos nós guardávamos respeito por quem nos ministrava os conhecimentos os quais, se o programa ainda se mantivesse nos nossos dias, diriam que o mesmo constituiria uma violência, pois as criancinhas não poderiam assimilar tudo aquilo: a aritmética, a gramática, a geografia, as linhas de caminho de ferro…

Os Professores marcam-nos muito. Aqueles que nos entusiasmaram, que nos fizeram sonhar e amar determinada área do saber, deles absorvemos tudo avidamente.

E que dizer das gratas recordações que esses nos deixam para toda a vida? Gostaria de aqui lembrar a minha Profª de Desenho do (antigo) Liceu, da qual esqueci o nome mas não o seu doce perfil, arrojado para a época, “tailleurs” brancos, com saias curtinhas, logo acima do joelho, e a sua emocionante entrada no pátio, de Mercedes também branco (lembram-se daquele modelo de táxi Mercedes que andou muitos anos na praça nos anos 50 e 60?) e o seu cabelo ao vento desenhando os contornos da nossa inocente paixão…

Eram tempos em que a Poesia habitava o nosso quotidiano de miúdos. Creio que hoje tudo é mais despido de beleza e de sonho. Mais cinzento, de pedra, assombrado.

Hoje faz-me muita “impressão” reflectir acerca da deterioração do ensino.

Tive professores fantásticos, embora "duros" (tive um Coronel em matemática, um Major dos “Comandos” em Físico-Química”) e tive as tais doces Professoras, românticas como à época era natural (creio bem…) que faziam vibrar os alunos com a sua beleza e com a paixão que sabiam empregar nas matérias que leccionavam: nunca sonhei tanto como nessa época…li tudo acerca da nossa literatura; mergulhava nesse mundo mágico e poético de Júlio Dinis, nas teias tenebrosas de Aquilino e de Camilo…era já a nossa língua portuguesa que eu amava...

Hoje verifico que existem “resumos” das obras maiores da nossa literatura, para serem adoptados nessas escolas de nome horroroso C+S, pois os actuais pedagogos devem considerar que é uma violência obrigar as crianças e os adolescentes a debruçarem-se sobre as mesmas em versão integral. Na verdade, elas não têm tempo: há que dedicar os tempos livres a fazer “downloads” da última música (?) que saiu, House, Acid House, Techno, Tribal, eu sei lá que mais, nomes que eu nem sei o que querem dizer, confesso… e depois vão “curtir” a noite numas caves obscuras, vão para as "acid parties" liquidar os últimos neurónios que têm…ora o que fará esta geração amanhã? Será que nos vai governar?

Eu lembro-me que os programas (do Liceu que é o que conheço por dentro) eram muito estruturados.

Tínhamos, a seguir à 4ª classe (uma senhora 4ª classe que hoje diriam retrógrada mas, pois, pois, pois sim, mas, apesar de tudo, saíamos de lá a saber tanta coisa!) o 1º e o 2º ano do Ciclo; exame para podermos entrar na fase seguinte: o 3º, 4º e 5º ano do Liceu: exame! E só depois, quem quisesse, o 6º e 7º ano e…exame! A Faculdade aí estava à porta! Mas tínhamos por detrás uma “bagagem” impressionante.

Hoje dizem que é a tal violência… Pois….é que os tempos não eram para brincadeiras. Ou se estudava, ou entrava-se na vida, a sério!

A sociedade, lembro-me, era cinzenta. Mas não havia a actual desorganização no sistema de ensino. Senhores: Organizem-se de uma vez por todas! Trinta anos a ensaiar experiências pedagógicas…Já é tempo!

Revejo, com saudade, uma fotografia que aqui tenho em casa, eu muito miúdo, aí uns cinco anos, na época do Natal, ora…anos 50, por aí, com meus pais, nos Restauradores, junto ao Hotel Avenida Palace, a rua muito limpa, a calçada linda, as pessoas todas aprumadas…nessa época, as profissões que hoje estão em crise (será uma crise meramente “virtual”?) eram sumamente apreciadas. E faço esta afirmação sem qualquer prévia elaboração de juízos de valor relativos ao então regime vigente.

Ora, num regime livre, mais perfeito, o esquema de ensino não é capaz de preparar para as várias áreas da vida?

Lembro-me que o Curso Comercial, quem o terminasse, tinha emprego garantido num escritório, a trabalhar em áreas como a contabilidade.

O Ensino Industrial preparava verdadeiros operários, que se especializariam nas várias vertentes da área: mecânicos, metalúrgicos, electricistas, por aí fora…

Acabou-se com esta diferenciação/especialização e os jovens deixaram de ter referências para a vida profissional.

Desembocou tudo em cursos que não têm saída, pois hoje em Portugal o que faz falta são Médicos, Enfermeiros, Engenheiros, Arquitectos (e então Arquitectos-Paisagistas nem me falem!!!), Químicos, enfim…

E agora?

Eu só posso dar a minha perspectiva de antigo aluno. Não havia desemprego de Professores, estes eram uma referência no nosso país: eram sumamente respeitados! As Escolas funcionavam a tempo e horas, sem dramas de horários, de currículos!

Pelo menos, pessoalmente, nunca dei conta de que a Escola funcionasse mal e nós, alunos, todos tínhamos interesse nas matérias.

Se funcionava, porque é que não se mantiveram os aspectos positivos?

A conclusão que retiro é a seguinte: o Homem tem de aprender, não a destruir, mas sim a construir, melhorando sempre!


Nota: quero aqui agradecer aos Drs. Coutinho Ribeiro e Marcelo Ribeiro, a evocação da referida classe profissional que marcou a minha geração, e a ajudou a descobrir horizontes insuspeitados. E que hoje, à semelhança de outras classes, está mergulhada numa vil e apagada tristeza. Sem qualquer prestígio.

A dança das cadeiras

"O ministro que trata dos da Justiça conseguiu, só com a dança das cadeiras, virar juízes contra procuradores. Ridícula paródia esta. Olhando para a polémica que se instalou, parece que aquilo onde põem a cabeça é menos importante do que aquilo onde sentam o rabo."

28 maio 2006

Onde estás ?


Onde estás, meu olhos,
minhas mãos cuidando
carinhosamente do percurso?

Onde estás, minha segunda pele,
meu sangue a arder,
meu coração buliçoso ?

Onde estás, noite minha,
minha noite profunda
e perdida de mim;
meu dia de canções,
meu mundo nítido de nexos?

Onde estás, meu corpo desejante,
meus seios teus,
minhas coxas tocadas,
meu sexo, finalidade de tudo?

Onde estás minha vida,
meu universo suspenso,
meu gozo, meu sentimento,
trêmulo, de mundo?

Onde estarás?


Silvia Chueire

Noite de naftalina

Ontem, foi dia de naftalina, como não se cansava de dizer a Ludovina, 6o maduros (uns mais do que outros, que também lá estavam os jovens Olga e JCP, ele pendurado no charuto), sentados à volta da mesa para mais um jantar dos antigos alunos da Secundária do Marco.

Tive de fazer esticar o dia para chegar quase a tempo. O treino de futebol do meu filho acabou às 18.30 H, tivemos de correr logo a seguir para o Marco, ainda fui levá-lo a casa dos meus pais, ajudei-o a tomar banho, dexei-o lá, e segui para o restaurante. A tempo, muito a tempo.

Lançaram-se as bases para a criação de uma Associação que tente dar algum sentido às coisas, que não se resuma a ser uma organização de comezainas, e eu, acicado, lá comecei a lançar provocações várias, para gozo dos presentes. Conclusão imediata: «Estás igual ao que sempre foste!».

Obrigado, malta. Gostei de saber que estou igual. Significa que já não vou mudar.

Só tive pena de não poder seguir com eles para a discoteca. Mas tinha que ir buscar o meu filho e regressar ao Porto. Fica para a próxima.

Estes dias que passam 26

Em nome dos meus companheiros antigos do bibe e do pião*

No tempo em que a escola era risonha e franca, tempo claramente conotado com as mais sinistras práticas, como adiante se verá, no tempo, convém dizê-lo, em os professores (e sobretudo os primários porque estavam por todo o lado, eram os mais numerosos e acabavam por ser para a grande maioria os únicos conhecidos) eram respeitados, meu pai, médico e vagamente João Semana (não tanto porque quisesse mas sobretudo porque naquele pobre meio piscatória não se podia fazer outra prática da medicina), agarrou-me pela mão um dia e disse-me - Hoje começa a escola. Vou ensinar-te o caminho. E lá fui, sete anitos, a alombar com uma mochila carregada de livro, caderno, lousa, lápis, caneta de aparo, enfim “os necessários”. Calcorreámos toda a rua Henrique Tenreiro, depois a inteira rua de Buarcos, passámos o Poço da Vila, o largo dos pescadores, o largo grande e finalmente depois de um larguinho mais pequeno e ao cimo duma ladeirinha, aí estava a escola do senhor professor Mourinha. O meu pai entregou-me aos cuidados de um homem ainda novo e disse-lhe “Se for preciso, dê-lhe umas palmadas! Depois deu-me um beijo e perguntou-me: – Sabes ir para casa?Sei. – Então está tudo bem. - E foi tomar a camioneta para a Figueira.
No primeiro dia de escola, aprendi a dizer três bons palavrões, a jogar ao “parado” e a usar as minhas bonitas botas de atanado para andar à pancada com uns tipos descalços, de roupinha remendada e provavelmente dados uma precoce luta de classes. Ai o gajo é rico? Toma que já comes.
O gajo rico(?), eu, também achava uma injustiça apanhar duas lamparinas só por ser o filho do senhor doutor. Pimba, arreava também, e usava as belas botas para canelões de grande qualidade.
Nesse mesmo dia fiquei amigo de alguns dos meus contendores, a saber o Ganhitas, o João São Marcos Amaro, conhecido por “Mantana”, o Joaquim José Romão e o Aranha Eires. Com eles, e durante quatro anos, partilhei tudo, mas eram eles quem mais dava porque, nas suas casas modestas, a palavra supérfluo era como visita de Páscoa: uma vez ao ano e por pouco tempo.
O professor Mourinho deu-nos, durante os dois anos que foi nosso professor, bastas lamparinas e, quando a coisa era pior, umas reguadas.
A terceira e quarta classes foram passadas noutra escola, também primária e também oficial, mas que ficava um pouco mais acima. Aí era o professor Cachulo quem mandava. O professor Cachulo também não era para graças: ali a miudagem tinha que aprender a ler escrever contar, fazer redacções, saber a história de Portugal, a geografia, os rios todos, as serras todas, as estações e apeadeiros do caminho de ferro (linhas do Norte, da Beira Alta, de Sueste, do Oeste, ramal daqui e dali, linha do Douro etc... tudo! Que eu saiba não me fez mal algum decorar aquilo tudo e se hoje ainda consigo perceber as canalhices de sucessivos governos é porque sei que terras que tinham caminho de ferro e já não têm isso significa mais dinheiro em estradas, gasolina automóvel etc...
De vez em quando o meu pai perguntava aos professores se ia tudo bem. Eles diziam que sim e o meu pai agradecia cortêsmente e avisava-me para continuar no bom caminho. O professor calava as minhas travessuras porque já me tinha ferrado as xulipas da ordem e o meu pai fingia que acreditava.
Depois foi o que se viu: os meninos vão para a escola no popó do papá ou da mamã, o professor não lhes sacode o pó dos fundilhos e as criaturas chegam ao fim da primária tão burramente virgens de conhecimentos como entraram. No secundário repete-se a receita e depois é o que se vê: nem estudantes nem cidadãos.
Agora uma senhora ministra entende que os professores, classe maldita e incompetente, devem ser avaliados pelos pais. Pelos pais que, ao que consta, depositam os filhos na escola o maior número de horas possível para as criancinhas não ficarem sozinhas em casa. Por pais que não querem, não sabem ou não podem acompanhar os estudos dos filhos. Por pais que acham que a escola tem de dar aos seus abencerragens a educação que a família não dá. Por pais que subitamente descobrem que entre a escola e a casa, há drogas à venda, há bandos a formar-se, há crianças a perder-se.
Mas se algum professor manda dizer que o menino não aprende, que é mandrião, que tem más notas, que vai chumbar, aí muda tudo de figura. É o professor que é incompetente, a escola que não cumpre o seu dever, os direitos da criança que não são respeitados. E subitamente junta-se meia dúzia de pais vociferantes e energúmenos, que ameaçam professores, fazem exposições ao Ministro e chamam jornais e televisão.
Claro que há professores que são um atraso de vida, uns miseráveis que não sabem ensinar, nem souberam aprender, que estão no ensino por todas as más razões e por uma ainda pior: o Estado contratou-os sem cuidar de ver, de verificar, de examinar as suas competência e conhecimentos. Também nunca os inspeccionou devidamente nem sequer entendeu discutir com os sindicatos as coisas que de facto interessam. Ou que apenas os obrigou a fazer umas coisas prodigiosas como aulas de substituição ou deixar passar criancinhas que não sabem nada. Destas responsabilidades do Estado ninguém cuida ou muito poucos. Da verdadeira qualidade dos professores idem.
E por isso agora vem a peregrina ideia de pôr os pais a avaliar os professores. Ora na maior parte das vezes, o que os pais querem é sossego. E que os filhos passem. E que não aborreçam demasiadamente os anjinhos do lar. E que não mandem fazer muitos trabalhos de casa. E que os conservem lá na escola, longe do vício enquanto a família, cá fora, labuta para pagar o carro, as prestações da casa, as férias em Espanha ou no Algarve.
E não vale dizer que há pais, médicos, engenheiros ou advogados. Eles, quando se juntam, são pais. Só pais de crianças inocentes, inteligentes que o professor persegue. Porque as “tomou de ponta”; porque é um reaccionário; porque é um perigoso esquerdista. Porque...é, ou parece ser, um pedófilo. Porque sim e porque não.
As associações de pais, pelo que se vê nos meios de comunicação social, vociferam muito, propõem pouco e valem menos. Mesmo quando (felizmente) há excepções. Entregar a estes órgãos voláteis e incontroláveis, o direito de inspecção e de voto sobre os professores é abrir a porta aos piores abusos e ao mais requentado populismo. Talvez seja também, como dizem os sindicatos, “comprar uma guerra terrível”. Não sei. Sei sim que nessa guerra não haverá vencedores.
Mas já há vencidos: os meninos. E é neles que uma vaga memória das pobres e honradas escolas primárias de Buarcos, dos professores Mourinha e Cachulo, dos meus amigos, hoje pais e avós de meninos que irão bem melhor do que eles à escola, que vejo pintar-se um terror enorme e cidadão. Acudam que estão a matar a escola! A nossa escola!

Vai esta para o Eires, o Ganhitas, o Joaquim João e o “Mantana” onde quer que estejam.

o título é uma citação de um grande poeta, grande cidadão e que me honrou com a sua amizade: Manuel da Fonseca

Só boas ideias

Há já uns anitos, estava a minha filha a frequentar talvez o 2º ou 3ª ano do ensino básico num conhecido colégio do Porto. Numa noite qualquer, vi-a com dificuldades para resolver um qualquer problema dos trabalhos de casa e decidi ajudar. Já não me recordo o que era. Só que eu também não consegui resolver e fiquei com dúvidas que alguém conseguisse. Para sossegar a criança e para tentar chamar a atenção da professora, decidi incluir no caderno uma nota que dizia: «Srª Professora: com o devido respeito de quem não percebe nada de ensino, creio que este exercício não tem solução. Com os melhores cumprimentos».

Dias depois, a professora interpelou a mãe da minha filha para lhe dizer: «Não gostei nada que o seu marido me tenha mandado um recado a dizer que eu não percebo nada de ensino!». A mãe ficou, obviamente, perplexa. Porque tinha lido o bilhete sabia que eu não tinha dito o que a professora percebeu. E explicou-lhe o sentido. E a professora percebeu.


Tenho dúvidas que um professor que não percebeu o sentido de uma tão clara mensagem, possa ter muito que ensinar. Mas, ainda assim, para mim os professores têm (quase)sempre razão. Daí que quando vou àquelas intermináveis reuniões de pais, fique calado, a tentar aprender alguma coisa, enquanto outro pais fazem longas dissertações de ciência sobre a teoria geral do ensino e outras coisas mais básicas, mas sempre intermináveis. Numa quase disputa para quererem demonstrar que eu sei mais do que tu sobre este assunto.


Tudo isto vem a propósito da anunciada medida governamental que pretende colocar os pais e encarregados de educação a fazer avaliações dos professores. Com o devido respeito de quem não percebe nada de ensino, parece-me uma ideia estapafúrdia. Duvido que a generalidade dos pais tenha, a não ser em casos extremos - que os responsáveis escolares serão os primeiros a levar em linha de conta - capacidade ou distanciamento para a tarefa.


Aceitar a ideia como boa, será o mesmo que defender que, no fim de cada julgamento, se dê aos sujeitos processuais um formulário onde, através de cruzinhas, se pronunciem sobre o desempenho dos advogados e dos magistrados. Ou será que esta era uma boa ideia?

27 maio 2006

não querendo meter-me numa discussão...

ou querendo...

Há um país dotado de uma imprensa forte onde, de facto, talvez convenha não mentir. Falo obviamente dos E. U. A. onde uma imprensa independente escrutina minuciosamentre os actos dos orgãos de poder. Neste caso do Governo. O Pentágono foi obrigado a abrir um inquérito sobre a estranha morte de 24 civis iraquianos (homens, mulheres e crianças) alegadamente mortos por uma explosão.
Feitas as devidas averiguações parece que foi um grupo de "marines" enfurecidos pela morte de um camarada de armas que resolveu dar uma lição não aos matadores do soldado mas a quem estava mais á mão. Duas testemunhas, duas crianças de 10 e 12 anos milagrosamente escapadas, já deram entrevistas e já foram ouvidas pelas autoridades. Tudo isto terá ocorrido em Novembro mas há alguns dias os jornais americanos começaram a noticiar o facto. Como lá não se mata o mensageiro mas procura-se antes saber o que ocorreu aí está o escândalo.

isto não tem nada a ver com casos eventualmente ocorridos em paragens infelizmente muito mais próximas
.

Farmácia de serviço nº 22

Para arejar o subsídio de férias

Como as leitoras terão reparado, o ministro Correia de Campos, acabou com o monopólio das farmácias. Agora quem quiser estabelece-se e depois logo se vê: quem tiver unhas toca viola.
Nessa perspectiva, entende este vosso criado que se tem de apressar a trazer mercadoria nova, atraente e baratinha para não perder a freguesia, que isto agora vai fiar muito fino.
Ora então tomem lá esta: Bach! O musico claro, e destes, pois eles são vários, o mais importante, ou seja, o senhor Johann Sebastian Bach. Em português dá João Sebastião Ribeiro, ou seja um primo meu e do nosso caríssimo Carteiro, que somos os únicos neste blogue a ter o aquático nome. Aquático e modesto: bem podíamos assinar Rio, mas não, ficamo-nos pelo mimoso ribeiro, correntinha refrescante, amável, que serve a sede de cada um e ainda dá uma pinga para os campos continuarem verdes.
Bom, voltemos às nossas encomendas: o Senhor (com letra grande e reverente) J. S. Bach deixou uma obra imensa a que poucos chegam, questão de morabitinos, é claro. É preciso muita guita para comprar aquilo tudo, as variações e fugas, as missas, as cantatas os concertos enfim coisa para encher no mínimo cento e setenta cd. Disse 170! E depois ainda é preciso espaço para guardar orgulhoso os discos. Contas feitas aquilo pode encher dois metros e meio por via das caixas, dos libretos, etc...
Perante este caro e desanimador panorama, a maior parte dos amadores de música, fica-se pelas variações, um par de cantatas, outro tantos oratórios e já está. E com uma surda inveja do fulano que tem tudo, em várias versões, as “goldberg” pelo louco inspirado do Gould e outros mimos.
Ora bem, este boticário, Ribeiro de seu nome (como o Carteiro, repete-se) tem a honra de anunciar o vero milagre da multiplicação dos discos a preço de saldo. A conhecida editora “Brilliant Classics” acaba de editar a “Bach Edition” todo o JSB em 170 discos dentro de uma caixa, com um cd ao lado onde se dá notícia de todos os músicos, orquestras instrumentos etc. O preço? Ah, ah, ah, vão ter que descer de linha para o saber: 90 €. Noventa euros! 18 brasas das antigas.
Mas querem mais? Segundo noticia o suplemento cultural do ABC donde respigo esta novidade, a Brilliant foi-se às melhores e mais modernas interpretações, com instrumentos de época e tudo. O baixo preço não implica menor qualidade, nada disso. Bom e barato.
E agora vocês, sempre mauzinhos, vão dizer que foram à FNAC e nada. Também eu! Mas não se preocupem. A Bach Edition está de facto a sair mas a comercialização a sério demora uns dias, eventualmente umas semanas. Entretanto, “ojo!” como dizem os manos espanhóis.
A feira do livro anda por aí: aquilo é normalmente um circo, cheio de monos, mas nunca é demais dar uma volta à cata de uma pérola. E pérolas há, valha-nos Santa Restituta, virgem e mártir que hoje se festeja (o Delfim morde-se todo por eu saber estas minúcias...). Quem se sentir com coragem para alguns clássicos tem ao seu alcance o “Satiricon” de Petrónio, a “Arte de Amar” de Ovídio e o “Paraíso Perdido” de Milton. Aquilo são coisas onde custa meter o dente. Mas em metendo, as coisas depois vão de carreirinha, e a gente diz que afinal aquela malta escrevia bem.
Volta e meia, meto aqui, um cheirinho de Brecht. Ora bem: a editora cotovia (passaroco simpático!) anda a pôr no mercado uma integral de Brecht ou pelo menos do seu teatro: já saíram três volumes. Leitura apetitosa e pecaminosa! Em tempos também apareceu um romance do mesmo Bertolt:”Os negócios do senhor Julio César” numa bela edição da Europa América. Noutro dia pareceu-me vê-la na montra de um alfarrabista. Se a virem, agarrem-na que vale a pena.
Finalmente, os amadores da grande poesia alemã, de Schiller a Rilke, de Goethe a Hölderlin, têm ao seu dispor os volumes intermédios das “Obras de Paulo Quintela” editados pela Gulbenkian. Desconheço se a fundação vai à feira mas se for, já sabem.
Por último e para quem por isto se interessa: aos domingos pelas 19.30 ou pouco depois, a televisão espanhola (canal internacional, visível na tv cabo) dá um programa documental e de discussão sobre a guerra civil espanhola (el laberinto español). Absolutamente fundamental. E às terças a RAI (para quem tem a power box da netcabo) dá pela mesma hora as aventuras do comissário Montalbano, herói das histórias policiais de Camilleri, de quem esta botica já disse todo o bem possível. Em Portugal este autor está editado na Difel.

a frase do dia (30 graus á sombra) pertence a Eça esse autor genial: "está de derreter os untos!"

Os meus silêncios

Estava para escrever sobre isto, mas desisti. Talvez porque tenha alma de escravo.

26 maio 2006

Alma de escravo

José Miguel Júdice - "Porque é livre como o vento" - no Público de hoje. Excerto da crónica:

«Os tempos estão podres. Mas, apesar disso - e nisso reside a esperança -, um pouco por todo o lado vai-se formando uma Irmandade de Homens Livres, vindos de partes diversas, muitos deles advogados, muitos deles habitados pelas memórias do que sofreram por causa de delitos de opinião, por causa de quererem resistir aos abusos e às prepotências, por estarem intoxicados pela liberdade e não pela podridão. Felizmente, e apesar de tudo, há sempre alguém que resiste, como escreveu um grande poeta pátrio, os que continuam a afirmar - pagando os preços inevitáveis - que a vida não vale a pena se tiver de ser vivida com alma de escravo, se deixarmos que nos cortem a raiz ao pensamento.»

Ab imo pectore... II - A (meia) Redenção


Pois é verdade. O nosso "Primeiro" lá se decidiu a enviar a GNR para Timor-Leste.
Com uma grande "tirada": "Portugal e Timor têm uma relação profunda cimentada na História, na língua portuguesa e na solidariedade".
Honra lhe seja feita! Assim, sim!
Vem no "DN" que "a missão, tal como tinha sido pedido pelas autoridades timorenses, será de "colaboração na manutenção da ordem pública e formação das forças policiais de Timor-Leste".
Só é pena que não seja o Exército ou a Marinha a estacionar por lá uns tempos: seria preferível aos horríveis australianos...
Na foto: Dili - Praia da Areia Branca.

Crónicas de um peixe fora de água

O Joaquim Pedro Cardoso da Costa teve a amabilidade de me enviar o convite que se segue. Eu não poderei estar, mas talvez algum incursionista de Lisboa se tente. Abraço, QP.
..........................
ENTRELINHAS tem o prazer de convidar V. Ex.ª para assistir ao lançamento do livro «Crónicas de um peixe fora de água» , da autoria de Miguel Poiares Maduro , que terá lugar no Café dos Teatros , na Rua António Maria Cardoso, nº 38, em Lisboa (Chiado), no sábado, 3 de Junho de 2006, pelas 18h00.

A apresentação da obra estará a cargo da jornalista Maria de Lurdes do Vale .

Será seguida de um debate com o autor do livro sobre " O papel dos cronistas: peixes dentro ou fora de água?" , em que participarão Rui Tavares, Pedro Mexia , Luciano Amaral e Pedro Lomba .
ENTRELINHAS (Jogo de Palavras, Lda.)
Apartado 30336
1401-991 LISBOA
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93 6237058 - 93 5930756

Ab imo pectore...


“Ali também Timor, que o lenho manda
Sândalo, salutífero e cheiroso”

Camões - Lusíadas Canto X ,Est. CXXXIV




Em 1961, quando em Angola, a UPA, a poder de machadadas, realizou uma autêntica carnificina, pondo fim a um projecto (ainda incipiente, bem sei…) de uma sociedade pluricontinental e plurirracial, António Oliveira Salazar deu um grito que ficou célebre na história: “Para Angola e em força!”

Ora, quarenta e cinco anos depois, e relativamente a Timor, que faz Portugal?

Culpado da tragédia que existiu em Timor, do qual fugimos atabalhoadamente, deixando um povo, inteiramente identificado com a nossa Bandeira (católico) à mercê da poderosa cruel (e muçulmana) Indonésia, Portugal que faz? Hesita, ou melhor hesitam os políticos (ou os politicões) em agir. Estranho que nas Bósnias foram mais firmes…é mais perto, mais cómodo…mais “cool”…

Sempre me fez muita “impressão” a questão de Timor, porquanto ao deixarmos ali esquecido todo um povo indefeso, provocámos o necessário caldo para o emergir de uma guerra civil, o que veio a suceder. De resto, foi o que aconteceu em todo o Império Português, com a nossa partida…Como são proféticas as palavras de Marcello Caetano, corria o ano de 1973: “Pobres populações nativas entregues à incompetência desses homens e abandonadas às lutas tribais!”

Foi o que aconteceu. Não soubemos fazer uma transição pacífica, suave, não se perdendo a cadeia de comando, por assim dizer…Mas o abandono de antigas possessões foi uma tragédia em geral. Veja-se o caso do Congo Belga: O Governo belga concedeu a independência. Foram celebrados acordos. Mas, o que sucedeu depois? Morticínios, sevícias…As Nações Unidas foram obrigadas a intervir com os seus “capacetes azuis” a fim de restabelecer a ordem, sem se livrarem, posteriormente, de acusações de terem conduzido uma ofensiva de grande violência para com os civis belgas…com efeito, muitos foram mortos, inclusive hospitais foram bombardeados…uma loucura!

A França também não conseguiu ver realizados os seus intentos, visados pelos acordos através dos quais reconheceu a independência da Argélia: Passados quatro meses sobre a independência, 900.000 franceses abandonaram o território onde a maioria tinha nascido. Hoje, a Argélia é um inferno (para o seu próprio povo, à mercê de grupos fundamentalistas terroristas).

Na África portuguesa, milhares de famílias perderam os seus lares, muitos a vida, e a desolação, a ruína, a destruição, a morte, abateram-se durante estes últimos trinta anos sobre territórios onde deveria ter sido feito o milagre da paz, do progresso, a tal sociedade onde todos deveriam ter lugar…Será que todo o continente africano deverá ser proibido ao homem branco? Não será isso também, um forte racismo de cor diferente?


O povo de Timor foi, porventura, o mais inocente puro e fiel à (antiga) Nação Portuguesa. Da actual pouco resta. De glória, de sentimentos, de honra.

Afinal, que significado assumem hoje estas palavras?

“Ó mar salgado/quanto do teu sal/ são lágrimas de Portugal/Por te cruzarmos quantas mães choraram…”

E desistimos?

Para Timor e em força!

Nota: a foto diz respeito a uma família timorense que passeia numa praia... .parece que nos acenam....

25 maio 2006

Rosa Mota

As declarações da inspectora da PJ, Rosa Mota, no julgamento da Casa Pia, são do mais demolidor que se pode ouvir para o crédito da justiça em Portugal. Pressionada pela própria direcção da PJ para salvaguardar Carlos Cruz? A ser verdade, é grave, muito grave. E explica muitas coisas...

Explicando melhor a tese sobre a entrevista

José e Kamikase discordam de mim, na apreciação que fiz à entrevista do Dr. Carlos Teixeira ao Correio da Manhã (Otávio Lopes). Estão no seu direito. E eu estou no direito de manter o que escrevi, ainda que sinta o dever de explicar melhor.

Comecemos pelo dever de reserva. E aqui, ocorre-me logo dizer que o famoso dever de reserva não deve servir para justificar uma coisa e o seu contrário. Em rigor, eu entendo que o Dr. Carlos Teixeira, que tão reservado se tem mantido ao longo deste já longo processo, devia ter continuado assim. E mais: entendo que escolheu o pior momento para dar a sua primeira entrevista sobre o assunto. Fê-lo numa altura em que estava por decidir se o pedido de recusa era procedente ou se o pedido de escusa justificado.

Ao falar nestas circunstâncias, o Dr. Carlos Teixeira colocou-se a jeito para as especulações. E para leituras que, porventura, não desejou. Repare: na mesma edição do Correio da Manhã (Joaquim Gomes) escreve:

«O ainda responsável pelo ‘Apito Dourado’ nem quererá abandonar o processo, mas sim obter uma espécie de ‘moção de confiança’ da parte da sua hierarquia, face a constantes diferendos que tem mantido com os arguidos e advogados, além do processo disciplinar devido a uma queixa de Pinto da Costa relacionada com a detenção ilegal, que além de infracção grave também é crime. A escusa poderá pretenderá dar a entender que não está motivado a perseguir ninguém e muito menos agarrado ao poder.»

É uma leitura legítima que o momento escolhido para a entrevista e a própria entrevista ajudam a legitimar. Atentemos nestes excertos da entrevista:

– O facto de ter sido o procurador responsável pela investigação do processo de corrupção na arbitragem fez com que fosse um alvo a abater?
– Não sei.

Ao responder «não sei», parece evidente que o Dr. Carlos Teixeira que dizer que sim. De outro modo, teria respondido que não, que não pode pensar uma coisa dessas apenas porque está a desempenhar o seu trabalho. E, já agora: um alvo a abater por quem?

– Desde que começaram as investigações teve sempre o apoio dos seus superiores hierárquicos?
– Não respondo a essa pergunta, pois implicaria um juízo de valor.

A pergunta é cirúrgica e não surge por acaso. São sabidas as divergências existentes no MP sobre a estratégia seguida neste processo. Não sei quem tem razão: se o Dr. Calos Teixeira, se quem discorda dele. Ao não responder à pergunta - fugindo a um juízo de valor - o entrevistado só conseguiu cimentar na opinião pública a ideia de que o apoio da hierarquia não tem sido o desejado. De outro modo, teria respondido, convictamente: «Claro que sempre tive o apoio dos meus superiores hierárquicos! Que outra coisa poderia acontecer quando é certo que estou a desempenhar as minhas funções com convicção, lealdade, isenção e ponderação e no respeito pela legalidade?»

- O actual procurador distrital do Porto, Pinto Nogueira, disse que no processo ‘Apito Dourado’ as investigações deviam ter sido concentradas em menos arguidos...
– Sobre essas questões não falo por terem a ver com o processo.

Não. Estas questões não têm a ver com o processo - têm a ver com a estratégia investigatória. E uma vez mais o entrevistado perdeu uma soberana oportunidade de explicar aos portugueses que não há qualquer divergência estratégica.

– O trabalho que desenvolveu está a ter a sequência que esperava?
– Não respondo. Se o fizesse estaria a fazer um juízo de valor sobre o trabalho dos outros colegas e não o quero fazer.

Uma vez mais: se o Dr. Carlos Teixeira estivesse de acordo com o trabalho de alguns dos colegas para quem remeteu certidões para instruir processos autónomos, tê-lo-ia dito com todas as letras. Ao esquivar-se outra vez na recusa de fazer juízos de valor sobre o trabalho dos colegas, só pode concluir-se que a sua não resposta significa que acha que o seu trabalho não está a ter a sequência que esperava. No que, aliás, até deve ter razão, tantas são as perplexidades que grassam por aí sobre alguns arquivamentos.

É por tudo isto que entendo que a entrevista, sendo uma boa "cacha" do CM, não foi muito útil ao entrevistado. Nem muito útil ao MP. Nem muito útil à Justiça. Nem muito útil ao povo em nome de quem se faz Justiça.

Mas se o MP entende que esta é uma forma eficaz de passar a sua mensagem, quem sou para discordar? Mas se o MP estiver errado, depois que não se queixe...

O novo Fascismo


Hoje, no suplemento de "Economia" do “DN”, vem noticiado aquilo que nós, Quadros da Administração Pública, vimos sofrendo na pele há muitos anos: Os quadros da administração pública “deverão ter perdido, desde 2000 até ao final deste ano, 9,9 pontos percentuais no seu poder de compra”.

Toda aquela argumentação de que os funcionários da Administração Pública estão bem pagos é pura falácia. Veja-se este cotejo com a (verdadeira) Europa, retirado da notícia:

“os funcionários portugueses estão na cauda da tabela, quando comparados com os seus congéneres dos Quinze. Estes valores situam-se abaixo dos cerca de 3 mil euros mensais praticados na Grécia e dos mais de 4 mil euros que vigoram na Irlanda, só para citar exemplos de países com níveis de desenvolvimento mais aproximados com Portugal. O segundo país com os níveis mais baixos, a Espanha, paga uma remuneração média de 2200 euros. E no outro extremo o Luxemburgo atinge os 5700 euros.”


Segundo ainda aquele jornal, “a perda de poder de compra tem afectado em particular os quadros da função pública, desde que em 2002 começou a praticar-se o congelamento salarial para os níveis remuneratórios superiores a mil euros. Isso explica que, enquanto um assessor principal perdeu 9 pontos desde 2000, um servente (categoria profissional mais baixa) tenha ganho 2,7% em termos reais. Uma discriminação que, para o STE, é um "tiro no escuro" quando se diz querer mobilizar os quadros do Estado.”

Nem mais! É esta a “nova” e “melhor” Justiça por que lutaram aqueles que fizeram o 25Abril?
Vilipendiados e mal pagos!

Se fosse Marcello Caetano a tomar estas medidas, era fascismo! (Que este sempre defendeu as funções do Estado, as suas prerrogativas, a Administração Pública e os seus Funcionários).
Agora, o que lhe havemos de chamar?

Mas que País tão surrealista!...

Luandino Vieira à semelhança de São Francisco, ou as voltas que a Vida dá...


Segundo o “Correio da Manhã” (este jornal está hoje aqui muito badalado…) o escritor angolano (por opção, uma vez que ele nasceu em Vila Nova de Ourém) Luandino Vieira, recusou o Prémio Camões e os respectivos 100 mil euros, alegando “razões pessoais e íntimas”.

Segundo o mesmo jornal, apenas o escultor José Rodrigues, que acolhe o escritor no seu Convento de S. Paio, em Vila Nova de Cerveira, não se surpreendeu.


Relata José Rodrigues que ele vive “ como um franciscano”. Parece que se retirou (fisicamente) do Mundo mas “continua atento a tudo o que acontece”.

Segundo o escultor, Luandino Vieira “passa os seus dias a passear pelos montes, a falar com os passarinhos e os animais e a escrever cartas”.

Faz-me lembrar São Francisco, filho de um rico comerciante de tecidos, que renunciou definitivamente aos bens materiais, dando à sua vida um novo rumo, tornando-se o Santo dos pobres e humildes e protector dos animais…dando, no fundo, valor àquilo que é, na verdade, essencial nesta nossa peregrinação: o amor, a amizade, a solidariedade. E desprezando as ilusões deste mundo…

Eu creio que, neste pequeno círculo do Incursões, também vamos, de certo modo em paralelo com o caminho de São Francisco e, para as nossas “girls” incursionistas, à maneira de Clara de Assis, realizando esse desiderato de fraternidade…

A notícia continua, chamando a atenção para o facto de Luandino continuar a escrever. Prepara uma obra intitulada ‘O Livro dos Rios’, primeiro volume da trilogia ‘De Rios Velhos e Guerrilheiros’, a lançar em Novembro.

Parece-me que vou ficar atento…

Carlos Teixeira no Correio da Manhã - leitura obrigatória


Correio da Manhã, on line, secção de Desporto (?), hoje, 5ª feira: uma inopinada entrevista com o discreto Dr. Carlos Teixera, recusado e escusado Procurador no processo "Apito Dourado", recusado de forma ainda não totalmente explicada e escusado de forma ainda menos explicada. Boa malha do Correio da Manhã, sem dúvida, que conseguiu tirar o Dr. Carlos Teixeira das catacumbas e pô-lo a falar. Ou a escrever, creio. Quem olhar a entrevista com olhar atento, percebe que se trata de uma entrevista por escrito.

Sendo uma boa malha para o jornal, a entrevista do Dr. Carlos Teixeira, em termos noticiosos, é uma verdadeira não-entrevista. Nas linhas do que diz - escreve -, não consegue dizer o que quer que seja (dever de reserva?). Por isso, aconselha-se a ler as entrelinhas. E aí percebe-se alguma coisa, digo eu, que sou um especulador. Percebe-se que o Dr. Carlos Teixeira não diz, mas solta umas insinuações pelo que não diz. Sério! - vale a pena ler a entrevista.

Entendamo-nos. Eu nunca falei com o Dr. Carlos Teixeira. Cumprimentamo-nos, na semana passada, num evento público. Sou advogado de um dos arguidos no tal processo em que o Digno Procurador é acusador (recusado e escusado). Mas não é nada disto que me preocupa. O que me preocupa, é precisamente o que o Dr. Carlos Teixeira não diz, mas insinua. Nada que eu possa explicar por palavras minhas. Por favor, leiam a entrevista.

24 maio 2006

toco-te

toco-te a face de pedra,
a face úmida de pedra-lava.
tiveste origem vulcânica,
pressinto-a no teu silêncio.

toco-te a face fria,
antiqüíssima e triste.

toco-te como se pudesse dar-te vida,
como se minha voz cantasse
uma canção que só tu ouvisses.
não ouves ?

toco-te como se a letra
que desce pelos meus dedos
trouxesse a ti uma dança de palavras,
o movimento leve de uma balada
a desconstruir teu corpo pétreo.

toco-te para que, vivo,
possas dizer-me murmúrios do vento
deslizando pelas minhas costas
até os meus ouvidos.

toco-te a face de pedra.

silvia chueire

Diário Político 22

As saudades do Império e os terrores da adolescência europeia
ou

A unidade vale bem todos os sacrifícios incluindo o das liberdades formais

ou ainda

Ai Jesus que vem aí a europa!



Uma das mais deletérias e duráveis ideias que boa parte dos portugueses tem de Portugal é a de que este jardim à beira mar plantado não é exactamente europeu: a Europa seria algo que está para lá dos Pirenéus e da qual estamos separados pela Espanha donde não vem bom vento nem bom casamento. D. Afonso Henriques e o torneio de Arcos de Valdevez, Aljubarrota, os Filipes, as incursões espanholas dos séculos XVII e XIX, o Marquês do Pombal retorquindo ao embaixador de Espanha "Mesmo depois de morto são precisos quatro homens para tirarem um homem de casa", Olivença, arreigaram entre a lusa e fera gente um natural sentimento de superioridade que os factos sempre desmentiram e o melhor da inteligêntsia de ambos os países nunca aceitou. Dito de outro modo: os portugueses, porventura até para resistirem ao centripetismo ibérico e iberista, insularizaram-se desde muito cedo e, rejeitados pela terra safara, lançaram-se ao mar, fixaram-se teimosamente onde puderem, aculturando e aculturando-se com espantosa rapidez ao contrário do que sucedeu com a grande maioria dos restantes colonizadores que não quiseram, ou não necessitaram, de fazer o mesmo.

O império arrastou-se penosamente durante cerca de quatrocentos anos mais por culpa dos autóctones que por virtude dos conquistadores que raras vezes viram a corte, o governo e o país demasiado interessados, ou sequer atentos, às suas necessidades, pedidos ou propostas. Afonso de Albuquerque, António Enes ou Norton de Matos para não citar outros (e seria uma multidão) deixaram a esse respeito testemunhos insuspeitos e abundantes. O império lá seguia atraindo escassos emigrantes, enviando os ouros e as especiarias, comprando panos e pagando funcionários. Teciam-se neles as malhas da riqueza alheia, funcionando os colonos como capatazes de interesses estrangeiros e como intermediários entre as grandes multinacionais avant la lettre e os nativos que uma política de administração local brutal mas inteligente arrancara aos laços tribais quer pela mestiçagem quer pela assimilação. Não será demasiada ousadia pretender que a duração das colónias se deve mais a estes factores (e ao que então se chamava, desdenhosamente, cafrealização dos brancos) do que à política colonial.

O império durava e é isso que interessa para demonstrar que depois do sobressalto patriótico do Ultimato se reacendeu o slogan "Portugal não é pequeno", frase que andava acompanhada de um pitoresco mapa da Europa coberto pelo das colónias mostrando á lusitana grei que, se tivéssemos querido, teríamos, eventualmente, tratado espanhóis, franceses, alemães e outros periféricos como pretos e que só a nossa vocação marítima nos tinha impedido dessa tarefa perfeitamente ao nosso alcance. O império acabou como se sabe, da mesma maneira dessorada e patética que fora seu apanágio enquanto persistiu: veio a tropa fandanga, enterraram-se os mortos, esconderam-se os feridos, premiou-se a oficialagem, silenciando-se os Wiryamus por lá praticados, a inépcia demonstrada na mata e nas cidades, celebraram-se soleníssimos acordos que não valiam sequer a meia folha de papel almaço em que fora rabiscada a sua primeira versão.

Vieram também -e ninguém contava com eles, nem sabia, de resto, quantos eram...- os retornados. Brancos tisnados pelo sol, mestiços, mulatos, pretos, indianos, homens, mulheres e crianças, aturdidos pelos tiros de canhão que as diferentes facções se brindavam de esquina para esquina, surpreendidos por ainda se encontrarem vivos, desesperadamente agarrados a uma sacola com uma muda de roupa e um punhado de notas subitamente sem valor.

A direita nem sequer se podendo organizar para os receber, e a esquerda, tratando-os como pestíferos, forçaram-nos, discreta e rapidamente a entranhar-se pelos novos sertões da pátria quase desconhecida, sem organização que, unindo-os, os tornasse perigosos: em Portugal não houve pieds-noirs mas apenas sobreviventes determinados a passar despercebidos e tornar-se economicamente independentes. A eles se deve o renascimento de muitos terrunho de província, sangrado pela emigração interior ou para as europas; a eles se deve o relançamento de muitas pequenas indústrias, o reforço da capacidade turística, algumas novas modas culinárias como essa inenarrável lampreia de caril ou a das codornizes ao piripiri; a eles se deve em parte a saudade do império, compartilhada por muito boa gente que nunca, sequer, foi de longada até às Berlengas.

É dessa que tratamos, da terceiro-mundista que vê em toda a pele escura um sinal de inequívoca bondade natural, que abandonou a conferência de S. Vicente de Paula para se dedicar à causa dos explorados e oprimidos, que defende a nova ordem mundial da informação e compreende os excessos naturais de algumas revoluções em marcha. O chamado mundo ocidental é para esta curiosa espécie de apóstolos um depravado monte de riquezas pilhadas um pouco por todo o lado, um sócio leonino dos segundos e terceiro mundos, o reino secular da luciferina democracia parlamentar em oposição aqueloutro, futuro, em que as conquistas de uma dezena de revoluções não passam de liberdades formais. O Papa é um conservador autoritário enquanto Komeini é apenas um revolucionário excessivo que conduz o seu povo desde terras do Xá-Faraó até às colinas onde o leite e o mel correm de parceria com o tchador, a charia e a justiça dos pasdarans. O dr. Soares é um aliado objectivo e subjectivo da direita revanchista enquanto o senhor Robert Mugabe do Zimbabue é o singular descobridor das virtudes objectivas, e adequadas às actuais circunstâncias históricas, do partido único. Para estas criaturinhas simples e piedosas o pé desmanchado da Luisinha Carneiro é realmente mais importante do que a fome na Etiópia. Chama-se a isto em linguagem de cassete discutir primeiro Portugal e os problemas portugueses Há Walesas recalcitrantes no paraíso polaco? Trata-se apenas de uns catolicões trauliteiros e anti-aggiornamento!

A Amnistia Internacional publica listas gigantescas de perseguidos na Letónia? está infiltrada pela CIA e pelo FBI e propala atoardas inverificáveis que, no melhor, apenas se reduzem a amável admoestação a um punhado de nacionalistas exaltados, ainda impregnados do espírito dos antigos cavaleiros teutónicos! E etc... etc...

Compreender-se-á que a esta espécie de pessoas a entrada de Portugal na Europa, fons omnia injustitia, desagrade. Não se resignam a ser parte de um todo muito maior, a ser dez entre trezentos milhões, a ser como os belgas ou os dinamarqueses para já não falar dos do Luxemburgo. O bom seria continuar a exportar os emigrantes, receber-lhes cá as divisas, mandar para lá o vinho, o concentrado de tomate e os têxteis e continuar o alegre carnaval político em que os generais se mascaram de presidentes e os presidentes de oficiais às ordens dos generais; o melhor seria pagar os salários em atraso através dos cofres de estado e encher estes ao sabor da canção os ricos que paguem a crise; nada mais útil e produtivo para a nação do que ter empresas públicas falidas em vez de deixar reconstruir os monopólios.

O orçamento deve ter a forma de biberão e os cidadãos, na antecipação da tanga, devem usar fraldas sob o olhar atento, meigo e firme do Estado-nurse. Os artistas serão protegidos pelo expediente simples de só se passarem séries nacionais na televisão, a música portuguesa será obrigatória entre as nove da manhã e a meia noite, os teatros não precisarão de ter público para se manterem. Os buracos das ruas serão tapados com portuguesíssimas sardinheiras e todos, todos sem excepção terão direito a usar o dr. antes do nome e a aparcar o carro em zonas de estacionamento proibido.

A forma mais radical desta mansa loucura consiste em, reclamando-se da herança lusitana, acentuar a especificidade dos heróis do mar nobre povo em oposição à Europa e, especialmente, à CEE.

De facto consta que neste capítulo ninguém se conforma com as perdas de Arzila ou de Luanda. Vigora o mito dos povos irmãos (que, entretanto, arranjaram outros familiares bem menos fraternos, diga-se de passagem...), a ideia de um radioso futuro compartilhado que se resumiria ao regresso aos trópicos para se voltar a acocorar à sombra da árvore das Patacas.

E de nada serve argumentar que, em menos de vinte anos, emigraram mais portugueses para o triângulo França, Luxemburgo, Alemanha do que em século e meio para África.

Dizer que em cinco anos entraram mais portugueses em Espanha do que em quatro gerações em Cabo Verde, S. Tomé, Guiné e Timor é despiciendo. "Para África e em força" (Salazar dixit) é a palavra de ordem. Perguntar como, para quê, porquê e com quem é considerado ofensa e não merece resposta.

A Europa é que não! Ou porque a CEE é apenas um aglomerado para mais trocas comerciais, ou porque é o fim da nossa identidade cultural ou finalmente porque a unificação europeia é, apenas e só, a tentativa desesperada e derradeira de salvar o capitalismo para construir um bloco (outro!!!) contra o estado do proletariado e os seus aliados.

Do outro lado também há quem se desgoste da Europa que aí vem. Treme-se pela perda do bolo-rei e pela desnacionalização do cozido à portuguesa. Essas europas nórdicas, que aí vêm, decotam-se em demasia, têm a mania da igualdade dos sexos (e de oportunidades) descrêem do poder divino dos senhoritos e do poder temporal dos senhores abades.
Parece que fornicam a qualquer hora e por mero desfastio e não, como se deve, para cumprir a exigência bíblica "crescei e multiplicai-vos". Credo! Livres-pensadores! Pedreiros livres! Só lhes falta ser democratas!!!

Por enquanto, e para prevenir, vão-se aliando democraticamente e pondo o anel ppd no dedinho mimoso cds. Amanhã, se tudo lhes correr de feição, põem-nos a nós uma argola no nariz e mandam-nos para a engorda até ao dia, clemente e misericordioso, em que a choupa do magarefe nos acutilar o cachaço. É pró que estamos!


Dezembro 1981

Nota: celebra-se por estes dias o “dia da Europa”. O clima é, dizem-me, de desencanto: os lusitanos que deram um salto gigantesco no tempo e na modernidade graças aos dinheiros europeus (e mesmo assim mal aproveitados!) parece que andam também desanimados. As modas tem destas coisas: há que estar sempre com a última de Paris ou Londres. Por outro lado, entre o indigenato local corre, expande-se como mancha de azeite, uma perigosa ideia de rever o passado, de esquecer as responsabilidades, tratando de alijar borda fora quer o colonialismo cretino quer o anti-colonialismo pateta que foram moda até há pouco. Paciência! E uma outra bem mais perversa: os emigrantes que vêm cá fazer o que (desde Nicolau Clenardo) ninguém quer fazer são um mal, sejam eles pretos – os piores – brasileiros – tudo prostitutas! – romenos –ladrões – chineses –perigosos ou outros de difícil classificação. Há países e povos que conseguem ser pequeninos em tudo, chiça!
2. Uma leitora, Olá Cristina!, num e-mail amável, previne-me que não há diário político nº 13. Tem carradas de razão: tratava-se de dois textos sobre Clinton enquanto galã atrevido que estão prontos a ver se têm lugar aqui. É que são um pouco desbragados, se é que está a ver o que quero dizer...
Eu sei que no parco de leitores que me atura há um, o dr Cabral Mendes a quem alguns dos meus arreganhos sobressaltam. Todavia, educadamente, vai-me dando a réplica. Não se espantarão se lhe dedicar este texto que terá (suponho) mais de metade da idade dele!