31 outubro 2005

Sonhos, enjoos e desilusões

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Na noite passada, dormi mal, coisa que, não sendo extraordinária, teve uma interessante particularidade: nos últimos tempos tenho sonhado tanto de noite, que estou a chegar a um estado de grande refinamento, uma vez que já não me limito a sonhar: consigo ir gerindo os meus sonhos à medida da minha vontade, ainda que - verdade seja dita - nunca consiga levar o meu bom sonho até ao fim. Acaba sempre quando eu mais queria que ele seguisse o rumo que lhe vou definindo.

Farto de sonhos mal acabados, levantei-me cedo. Mal-disposto, pois claro, porque eu acordo sempre mal-disposto, mesmo que não sinto a frustração dos bons sonhos inacabados. E foi mal-disposto que fui tomar o pequeno almoço e ler o Público. Apelativa manchete. Comecei a ler o cerne da questão, aquela coisa relacionada com o processo de Felgueiras. Pouco tempo depois, estava enjoado. Não, não era da úlcera - era do que lia. Senti uma revolta imensa, por entre o enjoo. De tal forma, que decidi voltar para casa. Deitei-me no sofá e acabei de ler. Tinha um prazo para cumprir, hoje, e só por isso acabei por voltar a sair de casa, horas depois, rumo ao escritório, onde também não tive razões para ficar bem disposto.

Durante o jantar pensei na vida. Depois do jantar, continuo a pensar na vida. A notícia do Público atravessa ininterruptamente o meu pensamento quando penso sobre a vida. E - muito mais do que em qualquer outro dia - senti uma enorme pena de mim, pena de ser como sou, pena de ser um crédulo, pena de ter sido educado assim, pena de não ter aproveitado as grandes oportunidades da vida, mesmo quando nem sequer eram incursões na ilegalidade mas apenas de ética duvidosa.

Tenho pena de mim. Sobretudo porque aos 45 anos já não vou a tempo de mudar. Nem tenho estômago para isso.

Não voltarei a escrever aqui nem em lado nenhum sobre justiça. Foi, aliás, quando comecei a pensar a sério no que é a justiça e a suspeitar as coias de que agora estou certo, que deixei de participar em debates públicos sobre o tema. Por isso, minha estimada administradora, sempre que, por distracção, eu escrever aqui sobre justiça, faça o favor de me remover.
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CHOQUE

Acabo de ouvir Marques Mendes (na SIC Notícias) dizer que Portugal precisa de um choque de vida. Não sei em que é que essa impactante frase se traduzirá, concretamente, no pensamento de MM. Mas sei que, por mim e por ora, o que eu queria era não ter tantos motivos para entrar em estado de choque quase de cada vez que leio/ouço as notícias diárias cá do burgo...!
E destas, sobretudo as que se referem àquele mundo que eu gostava de poder continuar a acreditar ser um reduto de honorabilidade - as do mundo da Justiça!
Mas como se já não bastassem todas as muitas que se vão lendo e ouvindo, uma pequena parte das quais também glosadas aqui no Incursões (v.g. nos comentários a este postal), eis que o Público de hoje e depois a Lusa proporcionam uma autêntica terapia de choque... em várias frentes - a menor das quais não foi a de ficar a saber o teor de conversas entre o ex-marido de Fátima Felgueiras e um Juiz Conselheiro, objecto de arquivamento liminar pelo Vice-Procurador Geral da República.

Que mais será ainda preciso (para além, também, do que bem referiram MST(*) no Público de 6ª feira e António Barreto no Público de Domingo) para que os sindicatos das magistraturas percebam que o seu discurso de revolta jamais será compreendido pelos demais cidadãos enquanto não visar, para além das más condições de trabalho, questões realmente estruturantes para a efectiva (re)credibilização da justiça (para a qual a falta de tapetes e afins, que me desculpem, não me parece empecilho) ??? Até quando continuarão, autistas, a esconder a cabeça na areia?

Compreendam que me continue a não apetecer escrever muito sobre estes temas (devo ter esgotado a "verve" em comentários a posts, quando começaram as "hostilidades", logo após o anúncio da intenção governamental de encurtar as férias judiciais). E fiquem em melhor companhia com o Compadre e o que vem escrevendo, designadamente nos mais recentes comentários ao tal postalito do carteiro que, apesar de estar em dia de pouca inspiração (ou por isso mesmo...) deu aso a interessante debate.

(*) MST desta vez, para variar no que aos temas de justiça respeita, acertou em cheio.

Farmácia de serviço nº 14

PICANTE Q. B. (e quanto convenha!)


"Nunca lá fui!"

Viajem aos mares do sul

Joaquim Namorado

"Tratou com o Camorim,
Calecut, imperador,
Suas bravatas, enfim,
eram dum urso de côr
."


Grandezas de Portugal
estância CXLIX

Capitão Joaquim António Pereira

Ponhamos que a fosforescente Crazy Grazy engana bastante: a gente tira-lhe a bissectriz e pensa -"esta governa-se com meia dose infantil!". Engano absoluto e de danosas consequências para quem, amável mas ignorante, a convidar para comer uma bucha: a personagem pertence à classe das frieiras, subclasse frieiras com bicha solitária, ramo cabe sempre mais uma empadinha! Deus, todo poderoso mas distraído, concedeu-lhe dose tripla de apetite, dentição completa e um total descaramento na hora de passar o babete à volta do pescoço: gosta de tudo incluindo fígado de porco (nisto batendo o meu venerável amigo Rui Feijó que exceptuava esta porcina miudeza do seu voracíssimo cardápio. Este Rui, ancião guloso de comidas e de sexo feminino em geral, não suportava a passagem fatídica do meio dia -tocavam as doze badaladas e ele caía numa aflição que só lhe passava com a primeira pratada de sopa... Com a CG é o mesmo: entre as seis refeições diárias está prostrada pela fome!).

"Mas se a criatura é um ogre desse jaez há-de ser mais volumosa que a enciclopédia luso-brasileira com suplementos anuais e tudo" - dirão os escassos leitores que, por penitência me aturam. Erro, queridos paroquianos, erro crasso que a desinfeliz de gorda apenas tem as orelhas e mesmo assim...Em que transformará ela as provisões que enfarda á tripa forra é mistério mais difícil que o da trindade e olhem que este é dos mais arrenegados.

Mas não é da ziguezagueante CG que queremos tratar mas tão só de um pratinho de que ela me pediu a receita que aqui se assentará.

Tomai pois apontamento ó voláteis filhos de Deus que o que se segue dá pelo nome de caril de camarão. Aqui para nós, que ninguém nos ouve, caril é apenas a mistura de ervinhas e condimentos que, em molho, embebe qualquer conduto (camarão, caranguejo, galinha, porco e carneiro) e acompanha com arroz branco. Consta que os indianos o inventaram para, muito picante, matar a fome pelo simples expediente de pôr a língua do indígena a arder de tal modo que a vítima já só pensa em beber água.

Comece-se como recomendava o falecido Dr. Carlos Moreira, mestre de direito constitucional, pelo princípio: a menos que se conheçam as doses exactas dos componentes, o pó de caril há-de obter-se em qualquer comerciante indiano e não comprar-se já amortalhado em frasco: a diferença de aromas e sabores é enorme e paga a pequeníssima diferença de preços.

Outra recomendação que deve ser respeitada: os camarõezinhos hão-de ser grandes. O médio, tipo camarão da costa, deve reservar-se para um mano a mano com muita e boa cerveja de barril. Consoante o parceiro que se tem pela frente pode comer-se a meias ou pedir doses individuais. Este último expediente foi-me imposto depois de um frente a frente com o falecido António Mendes de Abreu, flor dos amigos a quem só não se perdoa a velocidade com que aviava estes crustáceos. Ia eu nos primeiros cem graminhas e já o Toninho averbava, no prato, os cadáveres de meio quilo. A partir dessa tarde fatal as nossas relações passaram a pautar-se pelo princípio "amigos, amigos, camarão à parte".

Portanto camarão bom de ver e melhor de apalpar! (A regra, de Camilo José Cela, tem, originariamente, como objecto as mulheres mas como o camarão goza da fama de afrodisíaco também dá...) Nada de miolo de camarão a menos que se use tal artigo apenas com o fim de engrossar o molho. Em contrapartida pode ser do congelado, selvagem ou cozido. A diferença estará na cozedura final: o primeiro aguenta 8 minutos no máximo enquanto o segundo não há-de ser supliciado por mais de cinco.

Vejamos o rol dos necessários, para quatro pessoas, segundo receita antiga e saborosa: 2 tomates bem maduros, 2 cebolas grandes, 4 dentes de alho, 2 paus de canelas, 4 colheres de azeite, 1 maçã (se possível) reineta (e, querendo, 1 manga), 1 pitada de coentros e 1 frasco de leite de coco.

Passemos ao capítulo das regJelly Roll" Morton ou Teddy Bucknerras gerais de aviamento: tudo isto há-de ser cozinhado com vagares de sátiro velho, uma cervejinha para combater os calores e um entretém para a puxar (o entretém que ocorreu às amáveis mas estouvadas leitoras é para depois nunca para antes!!!) O fundo musical põe alguns problemas a quem não goste de música indiana, aliás inexistente nas discotecas portuguesas. O meu conselho atira para algum jazz "New Orleans", "Jelly Roll" Morton ou Teddy Buckner: música vigorosa, bem disposta um vago cheiro a casa de meninas no French Quarter e a comida "cajun".

Então vai ser assim: ao som do "Tiger rag" pelam-se e desgraínham-se os tomates. Sempre em "New Orleans" picam-se as cebolas e o alho. Vai tudo junto para a panela onde ferverá um quarto de hora ao som malicioso de Morton, a quem as "meninas" ( e elas lá saberiam porquê...) apodavam de "Jelly Rol"...À cautela mete-se o pó abençoado, mas não todo, que nisto há que proceder como o verdadeiro guerrilheiro: apalpa-se o terreno à falta de coisa mais palpável e vai-se, lenta mas inexoravelmente, ganhando posições, quebrando a vontade de resistir do inimigo que isto de culinária é como na guerra: persistência e apetite...

Já o aroma do estrugido se vai insinuando, aleluia, pela casa toda quando, num audacioso golpe de mão, se acrescenta a maçã esmagada à qual os mais malandrecos agregam uma manga bem madura. Sempre fervendo, ainda que num lume compassado e vivace chega a altura de se juntar o leite de coco e os dois pauzinhos de canela. A música é obviamente outra: Teddy Buckner, trompetista poderoso -comece-se com "Martinique" e com mão bailarina dêem-se duas voltas ao rescendente cozinhado e, já agora, zás!, afinfe-se com os coentros.

Ainda que se esteja a sacrificar aos deuses hindus (e eles são tantos) convém não citar Vatsyiayana e o seu dificultoso Kamasutra - já não há pachorra nem ginástica - se bem que seja permitido um pouco de Tagore: duas ou três passagens de "O jardineiro". Imprescindível, porque a cozinha é de pé que se faz, a citação da estrofe XXV: "E os meus pés não podem com o meu coração!" Doravante o cozinhado faz-se por si, a sábia volúpia do lume brando vai agregando cheiros e sabores - assim se foi fazendo (e faz-se!) a grande música seja ela de Bach, Mozart ou Ellington.

Entretanto, tem a palavra o arroz: sem estrugido se fazem o favor! Este arroz quer-se branco e ungido numa calda de água e leite de coco. Para que os grãos se soltem usar-se-á uma gordura: q.b. de manteiga ou margarina. Sal pouco.

Chegam os convidados - se os houver (e que há-de melhor, em volta da mesa do que amigos, risos, memórias e um vinho antiquíssimo e civilizado?)- é tempo de rectificar temperos e fazer entrar na molhanga rescendente o regimento camaroeiro que tanto trabalho deu a descascar. A bicharada terá quatro a cinco minutos de cozedura, tanto basta para trocar sabores e cor com o caril. Exceptuam-se os camarões crus que pedem mais três minutos que os anteriores patrícios. À mesa comensais e que seja pelos vossos e meus pecados. Comam-lhe bem e bebam-lhe melhor como aconselhava o pretendente Ciro aos chefes dos Dez Mil mercenários gregos que deram nome à retirada e a posteridade a Xenofonte de Atenas.

Bom apetite!

A Exma Srª Dr.ª Crazy Grazy, também conhecida por doris Ibarruri, cartomante velocipédica, primeira recipendiária desta modesta receita, decerto dará o seu imprimatur a que com ela se brinde o Ilmº e Exmº Sr. Dr. FBC, curry maker. Em se tratando de gente boa há lugar para todos...

ESCOLAS DE GAMANÇO

Bem treinadas pelo exemplo dos seus maiores, as JOTAS aí estão para nos garantir que a obra de Isaltinos, Felgueiras, Varas e quejandos não ficará inacabada. Leiam o Público de hoje ( infelizmente, só Local Lisboa), sobre uma associação de estudantes (da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa) controlada por uma das tais JOTAS, que recebia do Banif, em troca de lhe fornecer os dados pessoais dos estudantes, obrigando-os a abrir lá conta para se fazerem sócios. Claro que tamanho talento não pode ser desperdiçado, esperem uns anos e lá os veremos nos governos e conselhos de administração a darem-nos lições sobre os nossos exorbitantes privilégios !

30 outubro 2005

29 outubro 2005

Interlúdio no blog Ciberjus

Rhapsody in Blue

quadro e música dedicados ao F.B.C.

estes dias que passam 2

Incursões 1 el pais 0: não é por nada mas foi só hoje que o grande “el pais” noticiou a morte de Antonio Soriano. Então muchachos? Andamos distraídos?

Mas o “el pais” é sempre um grande jornal. E hoje as notícias que traz fazem bem à alma. Ora vejam: em 2003, o PSOE perdeu o governo autonómico de Madrid porque dois dos seus deputados se passaram com armas e bagagens para o colo do PP (uns tais Tamayo e Teresa Saez). Finalmente sabe-se que um endinheirado empresário ligado ao PP se encarregou de os alojar num hotel a expensas suas nos dias anteriores à votação, sob a protecção de um “segurança” privado mitómano que posteriormente se fez passar por agente da secreta espanhola e agora confessou tudo.

Também do “el pais” respigo outra notícia que diz muito à minha geração, aquela que viu (e se comoveu com) “La hora de los hornos”: cerca de trezentos militares e polícias torcionários que praticaram crimes infames na Escudela Superior de Mecânica de Armada (Argentina) foram acusados pela Procuradoria Argentina, depois do Supremo Tribunal deste país ter revogado as Leis de Perdão e Ponto Final que exculpavam a militaragem facínora que surdiu do pântano graças às juntas ditatoriais.

Doutros sítios vem a notícia da acusação ao senhor Lewis “scooter” Libby. O cavalheiro entendeu denunciar uma agente da CIA. De nada lhe serviu ser chefe de gabinete do vice-presidente americano. Para já tem um processo às costas por obstrução à justiça, perjúrio e falso testemunho. Entretanto demitiu-se.
Este exemplo podia e devia ser seguido noutras geografias. Todavia a falta de sentido de estado e um modo brejeiro de entender a política parece prevalecer: não se vê sinal de vergonha sequer de arrependimento.

Finalmente: em França, quarenta anos se passaram sobre o rapto e o assassínio de Mehdi Ben Barka, líder marroquino oposicionista e principal dirigente da Tricontinental. O processo foi reaberto agora. Será desta vez que se conhecerão os nomes dos verdadeiros responsáveis?

Quem estas traça quis homenagear o esforçado e simpático JCP. Então não é que a sua croniqueta baseada na mudança de hora coincidiu (quase) com a mudança propriamente dita?

Paul Eluard

Promenade

Habitude de courir,
Terre couverte et découverte,
Plus petite qu'un empire,
Bien étendue,
Mienne ici et là,
Ailleurs aussi,
Avec le geste pour rire
De cueillir
Les arbres et les promeneurs,
Leurs ombres et leurs cannes,
Le sol partout divisé.

Paul Eluard (14Out1895 - 18Nov1952)

Alguém me explica?

...

  • Associação Sindical quer ver Governo a explicar o alegado envolvimento de Alberto Costa na tentativa de influenciar um juiz, em 1988, em Macau. A ser verdade, o governante deve pedir «a demissão», refere Baptista Coelho. Ministro está «disposto a explicar» e não ignora o «timing» da notícia.

É o que se lê nos jornais de hoje. E eu questiono: se os senhores juízes têm o direito de pedir a demissão do ministro (por actos alegadamente praticados quando nem sequer era ministro), os ministros também vão poder passar a escrutinar a acção de magistrados concretos? Não atentará isto contra a separação de poderes?

28 outubro 2005

O "caso Felgueiras"

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Andam todos preocupados com as greves e as coisas (também) importantes passam ao lado, até num blogue com as características do Incursões. Vejamos: o Tribunal da Relação de Guimarães decretou que o processo de Fátima Felgueiras voltasse à fase de instrução, em consequência de ter declarados nulas algumas das escutas telefónicas feitas no âmbito do processo, bem como inadmissíveis as provas colhidas através de declarações dos sujeitos processuais que denunciaram o caso feitas na qualidade de testemunhas e que, posteriormente, foram constituídos arguidos. Não sei se a invalidade de tais provas põem ou não em causa a substância do processo. O que se sabe é que, pelo menos em teoria, o novo juiz de instrução pode decidir não pronunciar Fátima Felgueiras. Imagine-se que é isso que vai acontecer. Como sairá a imagem da justiça de tal situação? Como se irá convencer o cidadão comum - aquele em nome de quem a justiça é administrada - de que a autarca não teve razão em ter viajado para o Brasil, antes de ser presa preventivamente? E como se irá convencer o cidadão comum de que, afinal, o processo não é - como a autarca reclama - uma infâmia?
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É claro que quem se mexe nos mendros do direito sabe que as coisas não são assim tão lineares. Mas esses são poucos. E como se irá explicar que o processo pode ir ao ar porque houve erros clamorosos de quem dirigiu o processo?

Au bonheur des Dames nº 12

Horário de verão ou
Uma história de amor adiado com final feliz

Vai esta para o JCP, companheiro de blogue
E leitor que se espanta com a terra do Autor.
(E não conhece ele da missa senão o intróito)

Ora oiça, e oiça bem, JCP, esta história fresca, fresquíssima a saltar na areia, naqueles anos de ouro e rosas, na praia entre a Ponte do Galante e Ferro de Engomar. É uma história verdadeira, tão verdadeira e simples como a sardinha, rainha do mar, sustento de ricos e pobres, mais de pobres, digo eu, que naqueles tempos a comiam esticada entre duas fatias de casqueiro, ou de broa das Alhadas, acompanhada por um copo de vinho, daquele vinho tinto que se cultiva em terras pobres e de areia do Paião.
Mas basta desta conversa de molha tolos, amigo JCP e vamos à história tal e qual ma contou K., amigo velho e colega da escola de Buarcos que, com o Ganhitas, o João “Mantana”, o Aranha Eires, o Joaquim João Romão ia comigo aos figos na mata de Sotto Mayor. Permita, amigo JCP, que também a eles dedique esta historieta, dê-lhes com a sua habitual generosidade, uma boleia que, por uma vez e durante o quarto de hora de leitura, sejam os seus nomes conhecidos pelos parceiros deste blogue, tudo doutores e doutoras, gente fina mas boa como a primeira cereja de Maio (que também as roubávamos, pois claro, em quintais vizinhos), mas essa fica para outra vez e agora “à barca que temos gentil maré”.
Estávamos pois nesse compincha, K., que gastou meias solas nas ruas que vão da Praia, mais propriamente de Palheiros (era assim que se chamava o baluarte construído por ordem do espanhol Filipe II para cruzar fogo com o forte de Santa Catarina que fecha a barra e as muralhas de Buarcos que vigiam a enseada) até Buarcos terra de pescadores devotos da Senhora da Encarnação, melhor dito até à Escola Primária onde oficiava o professor Cachulo a quem devemos tudo e perdoamos tudo (e neste perdão vai um cabaz de reguadas, gritos, conselhos, rogos e emocionados abraços na hora de fazermos o exame da quarta classe. E lágrimas que o professor atribuía invariavelmente a um cisco que lhe entrara matreiro nos dois olhos ao mesmo tempo. Nos dois olhos, senhor professor? Que queres, rapaz isto aqui é terra de naufrágios e milagres!...).
K. fez-se rapaz nessa terra e nesses anos em que os meninos iam à escola de tamancos e usavam sacas de lona, produto barato muito em voga em terra de pescadores. Chegados os dez anos, foi para o liceu municipal Bissaia Barreto. E com o liceu mudou tudo: agora palmilhava uns fartos dois quilómetros para sul depois de durante quatro anos ter feito idêntica distância para norte. No liceu já não havia tamancos nem sacas de lona mas em contrapartida havia meninas. Em turma separada, claro, mas suficientemente perto para falar, conversar, tocar caderninhos com “inquéritos” com perguntas atrevidas que iam desde qual a flor de que mais gosta até “namora alguém”, “ama alguém”, “escreva as suas (dele/dela) iniciais” e por aí fora...
Come é bello il primo amore
Mas dois anos passam depressa e ao fim deles K., acabado o primeiro ciclo (o único que havia na terra) foi para Coimbra e daí com a família jornadeou por terras bem mais distantes que para esta história não vêm ao caso. Mas voltou, claro. Mais velho, caloiro na Universidade, começou de novo a fazer férias na cidade que era a sua e que teimosa e longinquamente ainda o é.
Ora foi num desses verões que duravam três meses quase que, na praia de sempre, diante das mesmas casas (stesso mare, stessa spiaggia, lembra-se da canção JCP?) que se cruzou com R. (v. desculpe esta mania das iniciais mas estas histórias pedem cautela, prudência, manhas de índio sioux, que na terra, naquela terra, um amorico de verão dá lenha para todo o inverno e se for caso disso, junta-se-lhe mais molho e dá para umas quantas mais estações invernosas). R., portanto, R. de olho azul e cabelo preto, pretíssimo: ou seja um perigo público absoluto, mar de bandeira preta aos quadrados brancos!!! Está a ver a coisa, JCP? K., armado em carapau de corrida, regressado de lonjuras inimagináveis, caloiro fresquíssimo, a veranear, hospedado na pensão Beira Mar como se já fosse um verdadeiro adulto, sem parentela por perto e R., em flor, ali à mão de semear, sem namoro visível. Foi tiro e queda, JCP.
Tiro e queda é um modo de dizer, que na passagem dos cinquenta para os sessenta, a virtude escrevia-se com V grande e o cúmulo dos atrevimentos não passava dum bejinho à sorrelfa, ou em dias mais clementes, quando o resto do grupo já regressara a penates para almoçar talvez houvesse tempo para uma mão mais distraída mas, alto aí e para o baile.
O Verão, todos os verões, infelizmente, chegou ao fim com este idílio em banho maria, como convinha ao tempo e aos costumes. Depois... depois foram os anos tumultuosos de universidade, outra gente, outras guerras, K em Coimbra, R em Lisboa, ferias trocadas, o raio do Algarve enfim o desencontro. Façamos, um zapping de uma boa dúzia de anos: K., cresceu, casou descasou, vamos encontrá-lo de advogado numa grande cidade. R. idem, aspas, aspas, mas desta feita ali a temos, de médica, na terra natal. Por espantoso que pareça, K., continua de longe em longe a ir à terra por escassos dias, ver amigos, comer uma caldeirada com o Ganhitas e restante pandilha mas a verdade é que nunca cruzará R. até que. Até que...
Mesmo advogando K. não ganha juízo. Mete-se em política, defende presos, implica-se mais do que deve, a pontos de, volta que não volta, fazer uns fretes: ele é alguém que tem de passar a fronteira e lá vai K. de motorista e passador, com a ajuda generosa de um certo Manuel S, de quem alguma vez se falará, são uns recadinhos da cadeia cá para fora, uns papéis a guardar, um livro a imprimir, enfim, o trivial da militância política da época. Ora, num desses sucessos vê-se K. incumbido, dado ser figueirense e ter família na terra, de levar uns papéis e um par de instruções a alguém, clandestino na zona de Buarcos. Como é habitual, K., para o encontro que se fará em local público ainda que pouco frequentado fora do verão (o café da Sacor, frente ao ténis clube) tem duas hipóteses: chegar às três ou às quatro da tarde. K. deverá vir de carro, abastecerá nas bombas e deixará o carro ali enquanto pretexta ir tomar um café. O seu contacto estará lá dentro, numa mesa a jogar xadrez sozinho. K. pede a bica, olha em volta e dirá as brancas dão xeque mate em três jogadas. O contacto reponta, convida-o a sentar e zás o encontro realiza-se, os papéis dentro do “Primeiro de Janeiro” ficam na mesa e K desanda despedindo-se e prometendo voltar alguma vez para um xadrez mais folgado.
K. chega à Figueira, sábado: projecta visitar os tios, ver amigos, jantar onde lhe der na gana e no dia seguinte preparar o encontro. O programa, porém, só em parte é cumprido. À saída da casa dos familiares K. e R. encontram-se. Durante duas longas horas, na Caravela contam-se doze anos de vida, de encontros e desencontros. E tão bem o contam que, uma vez mais, o padroeiro dos figueirenses lhes resolve dar uma segunda oportunidade: K. e R. não a desaproveitam: têm aquela conta pendente e mais vale agora do que nunca.
Chega o fatal dia seguinte com estonteante rapidez para K. Ou melhor K. dá-se conta que o domingo chegou às duas horas e vinte minutos da tarde! Abençoados sejam os inventores da clandestinidade que prevêem sempre uma segunda hora de recurso para os encontros. Da serra da Boa Viagem até ao centro da cidade é um esticão mas K. pára nas bombas da Sacor às três em ponto da tarde. Pára, manda encher, espreguiça-se, olha em volta e a primeira pessoa que vê à porta do café é o conhecido agente Simões, o pide mais conhecido de quantos assolavam os cafés da praça da República em Coimbra. K. sente-se perdido, disfarça, diz duas a abater ao gasolineiro e deixa-se ficar por ali. O agente seguramente que o vê mas, espanto dos espantos, não dá um passo. Espera, sem dúvida, que o alvo da armadilha entre no café e se dirija ao solitário jogador de xadrez, imensamente só diante de três meliantes mal encarados em mesas vizinhas.
K. paga, “entra na viatura e arranca na direcção de Buarcos” (relatório nº 251/73/SC, datado de Coimbra e secção central, ... Direcção Geral de Segurança)
Ninguém, a começar por K., que tinha sobradas razões para o esquecer, se lembrou que nesse exacto dia começara a vigorar a hora de verão isto (sic) a mudança de hora efectuar-se-á adiantando os relógios de sessenta minutos à 1 hora UTC do último domingo de Março ....
Ainda hoje K., que agora recorda continuamente, está convencido que se salvou daquela por milagre de amor ocorrido na terra que Você JCP, como sempre certeiro, qualificou de “fantástica”.

JCP isto foi o máximo que se arranjou para lhe oferecer e para desenjoar do Ministro e da guerra dos magistrados. É pouco mas de boa vontade. que quer Você: um pilriteiro não dá peras dá pilritos. Portanto contente-se com este. Um abraço.

Desmotivado para algumas conversas

...
Pois é, cara Kamikaze, é verdade, tal como li em comentário seu abaixo, que ando um bocado fugidio. E desta vez, trata-se, apenas, de falta de motivação para entrar na acesa discussão sobre as greves dos magistrados e as causas que lhe estão na origem. Já não tenho paciência para o assunto e, tanto quanto me parece, anda tudo tão embebecido com o assunto, que presumo que não haja paciência para outras conversas.

Sobre o candente assunto, já por aqui fui dizendo o que pensava. E penso mal. Continuo a prezar muitos magistrados individulamente, mas espisódios como aqueles a que vamos assistindo têm-me levado a prezar menos as magistraturas enquanto corpo. E acredite que prezava muito, tal como, também, por várias vezes garanti aqui, ao ponto de as considerar como o mais importante pilar do regime, ou o último reduto de confiança do povo.

Talvez os magistrados estejam a colocar-se numa situação em que, a final, serão eles os principais prejudicados. E isso não é apenas um problema deles. Continuo a achar que magistraturas desprestigiadas são um mau sinal para o regime. E o que me parece óbvio é que são os próprios que colocam a cabeça a jeito para que tal aconteça.

Dou um exemplo. Há muito tempo, por aqui, sugeri que as brilhantes cabeças que pensam o direito e que nos presenteiam com o seu saber nestas colunas, apontassem cinco medidas para melhorar o estado da justiça. A sugestão - exceptuando duas ou três excepções - foi tratada com desprezo total. Já não sei se alguém escreveu ou só me disse por outra via, meio a sério meio a brincar, que a minha sugestão era apenas um pretexto para dar pistas ao Ministro da Justiça (então JP Aguiar Branco) sobre a matéria. Obviamente, não era. Era um exercício sério com vista a tentar contribuir para discutir aquilo que realmente interessa. Ou, melhor, que eu julgava que interessava. Porque, hoje, percebo que aquilo que realmente interessa é a questão dos benefícios e privilégios que os magistrados garantem que não têm e que o governo (em que não votei) entende serem excessivos.

Continue-se, pois, nesse registo. Entretanto, o barco vai-se afundando. E todos vamos com ele. Mas será que isso é verdadeiramente importante?

Pela minha parte, ainda resisto. Sem especificar, posso até garantir que tenho levado muito a sério a necessidade de contribuir um pouco mais para o país. Faço-o da forma que posso. Quixotescamente, talvez. Como quixotesco será este meu postal. Mas Vexas já estão habituados e, por isso, não se espantam.

Para reflectir

Uma história já muito conhecida mas muito interessante:
Três pedreiros responderam da seguinte forma à questão: "O que faz?"
Responderam:

- O primeiro: "ganho a vida"
- O segundo: "talho pedras"
- O terceiro: "construo uma catedral"

Moral da história:
No trabalho há quem se centre: em si próprio; nas tarefas; na missão.

num céu ainda carregado, eis umas résteas de azul

Alberto Costa e a Independência dos Tribunais

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A entrevista a José António Barreiros

e o artigo de Adriana Vale (O Independente) podem ser lidos aqui.

(E aqui a reacção da Associação Sindical dos Juízes )

Uma pergunta

Ando intrigado com a seguinte questão:

Como é possível defender que as actuais medidas do Governo colocam em causa a independência do poder judicial e, ao mesmo tempo, considerar que aquele poder, e nomeadamente os juízes, eram independentes antes do 25 de Abril, como sempre defenderam os mais altos responsáveis da magistratura no pós 25 de Abril?

Casamayor

27 outubro 2005

Um pouco mais de...azul

Sim, eu sei que está escuro lá fora e que as nuvens andam carregadas. O tom deste blog anda, também ele, carregadíssimo. A má vontade contra este Governo, e em especial contra o ministro da Justiça, faz-se sentir a olhos vistos.
Não sou operador da justiça e confesso que tenho muitas dificuldades em entender a greve dos magistrados sob outro prisma que não seja a defesa do seu estatuto e das suas regalias. Há, de todo o modo, um claríssimo défice de comunicação dos magistrados que faz com que o (tão) desprotegido cidadão comum não consiga entender esta greve.
Por isso, no meio desta turbulência, resta-me desejar um pouco mais de... azul. Um reflexo de acalmia, de tranquilidade e de ponderação antes da acção que se exige, na justiça e em tudo o mais.

As massas

“O Ministério da Justiça disse "não dispor de dados sobre a adesão, uma vez que a assiduidade dos magistrados não é controlada por nenhuma entidade". (DN, 26/10)

Estas declarações não me mereceriam comentário – já são tantas as piscadela de olhos aos mais básicos sentimentos de inveja por via de falsidades – não fosse ter a associação Sindical dos Juízes Portugueses divulgado aos sócios o seu entendimento de que “Não há dever de comunicação da adesão à greve” .

Diz a ASJP: "O n.º 1 do art.º 597.º do Código do Trabalho, dispõe «A greve suspende, no que respeita aos trabalhadores que a ela aderirem, as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à retribuição e, em consequência, desvincula-os dos deveres de subordinação e assiduidade". (...) Por conseguinte, quando alguém adere à greve está a abster-se de prestar a sua actividade a coberto da suspensão do dever de assiduidade, do qual está desvinculado, situação juridicamente diversa da falta ao serviço, que só se verifica enquanto exista o referido dever de assiduidade.» Daí que não se aplique o dever de comunicação, previsto para as faltas ao serviço, nos nºs 1 e 5 do art. 10º do EMJ.

É formalmente engenhosa a formulação, ou não fossem os seus autores... juízes! Mas que se cuidem, pois tais formalismos podem virar-se contra os formuladores:
a ser seguido este entendimento, ainda vamos ver Alberto Costa não só a proclamar que afinal foi muito baixa a adesão à greve (e só não nula porque houve adiamentos de diligências e julgamentos que foram referidos na comunicação social), como a ter (mais um) fácil pretexto para virar a população contra os magistrados: a divulgação de um privilégio até agora insuspeitado - o "direito" a fazer greve sem perda de remuneração!

E lá teremos então, quando os juízes forem em massa devolver as massas indevidamente recebidas - alguém duvida que o farão? -, mas já tiver ficado a ideia de que com elas se abotoaram, os inevitáveis desabafos sobre a dificuldade de fazer passar a mensagem!

Havia nexexidade?

26 outubro 2005

Alberto Costa e a Independência dos Tribunais

Um pouco mais de verdade II

Em Junho passado coloquei dois postais no Incursões, o 1º intitulado "Alberto Costa e a Independência dos Tribunais" e o 2º intitulado "Um pouco mais de verdade", onde se relatavam e documentavam os antecedentes e os "consequentes" da exoneração, em 1988, do cargo que o actual Ministro da Justiça então desempenhava em Macau - o de director do Gabinete dos Assuntos de Justiça.

Neste último postal escrevia, a dado passo: "ABC recorreu para o STA (processo n.º 26308, da 1ª Subsecção da 1ª Secção) deste despacho de exoneração não fundamentado de Carlos Melancia. ABC ganhou a causa por vício de forma do despacho e ganhou ainda... uma gorda indemnização."

Ei-lo agora, integralmente na blogoesfera e integralmente elucidativo, o acórdão do STA!

Será que muitos dos que em Junho consideraram os meus posts altamente inoportunos (fizeram-mo saber nos comentários e por email) terão ainda a mesma opinião, ou terão finalmente começado a vislumbrar a gravidade do que esteve/está em causa - agora que até fazem uma greve em nome da defesa da independência do poder judicial?

estes dias que passam 1

Morreu António Soriano. Dita assim, a secas, a notícia passa despercebida. Morre tanta gente, todos os dias.
Mas Antonio Soriano foi o fundador da "Librairie Espagnole" de Paris. Essa mesma que estava na Rue de Seine e que acutalmente mudou para a Rue Littré.
A livraria espanhola (como a "joie de lire" do François Maspero ou a Globe na Rue de Buci, infelizmente desaparecidas) eram farois duma outra cultura e duma outra esperança no tempo em que acreditava(mos) nos lendemains qui chantent.
A cultura espanhola deve muito, imenso, a Soriano que naquela trincheira de Saint Germain des Prés vendia os grandes poetas (Cernuda, Filipe, Aleixandre ou Lorca) e os grandes pensadores da diáspora que se seguiu ao fim da guerra civil.
Portugueses, espanhóis, brasileiros ou hispano americanos encontravam-se sob esse tecto acolhedor, discutiam horas infindáveis e saíam dali de alma lavada...
Antonio Soriano! Don Antonio! Hasta siempre, compañero.
*
O caso do financiamento irregular do partido de Chirac chegou ao fim. Ao contrário de certos países que conheço, foram condenados vários políticos conhecidos. Escapou Gerard Longuet mas não se pode ter tudo.
*
O queijo "feta" só pode ser produzido na Grécia. Boa malha, mas já agora, conviria que o vinho do Porto só pudesse ser feito em Portugal. O que não é o caso...
Ou será que o governo grego é mais competente que o seu homólogo lusitano? Há quem não se espantaria com esta hipótese...
*
Cada vez que ponho um comentário aparecem umas letras patuscas e uma "ordem" (???) para as reproduzir num espaço logo abaixo. Alguém terá a gentileza de me explicar para que serve aquilo? O compadre esteves está dispensado porque cheira-me que ainda sabe menos desta jigajoga do que eu... Um abraço compadre.

26 de Setembro 2005

dados finais da adesão à greve do MP

A solidariedade dos magistrados do MP docentes no CEJ

dados do 1º dia de greve dos juízes

Comunicado da ASJP

Eduardo Souto Moura na Exponor

Integrado no programa de actividades da Concreta – 21.ª Feira Internacional de Materiais de Construção e Obras Públicas, a decorrer na Exponor entre os dias 26 e 30 de Outubro, o Arq. Eduardo Souto Moura proferirá uma conferência integrada no ciclo “(I)materialidade na Arquitectura Contemporânea”.
A conferência terá lugar no próximo dia 28 de Outubro, pelas 18 horas, no auditório da Exponor e será uma excelente oportunidade para ouvir o reputado arquitecto portuense, autor de obras emblemáticas como a Casa das Artes, no Porto, a Pousada de Santa Maria do Bouro, em Amares, a reconversão do edifício da Alfândega do Porto e o novo estádio de Braga, falar sobre os novos rumos da arquitectura contemporânea.

Respostas ao indignado Sócrates

de VLX, no Mar Salgado:
-----------------"se o engenheiro da Câmara pode..."

de JTRP no Verbo Jurídico:
----------------------------------"É falso!"

25 outubro 2005

aviso

Os cidadãos leitores deste blogue e que se revêem na candidatura de Manuel Alegre à Presidência da República deverão consultar quanto antes o site www.manuelalegre.com
Está lá tudo o que para já é necessário e fundamentalmente o modelo de proposta do candidato. São precisas assinaturas que aqui é tudo paisanos, sem estrutura partidária de apoio. Brevemente, aproveitando a boa vontade dos bloggers incursionistas darei mais notícias.

25 de Setembro 2005

os números da greve do MP
(análise percentual: ver aqui)

Comunicado do SMMP relativo ao 1º dia de greve

Site muito útil!

http://www.eusou.com.pt/

24 outubro 2005

DECIDI ADERIR À GREVE!

Decidi aderir à greve dos magistrados do Ministério Público, marcada para os dias 25 e 26 de Outubro, porque não posso admitir que o Governo tenha como política para a área da justiça o afrontamento indiscriminado dos profissionais que aí exercem funções, e a utilização populista de mesquinhos sentimentos de inveja para impor sem diálogo e sem convincente justificação medidas que afectam o seu estatuto socioprofissional.
Entendo que a forte adesão à greve é um importante sinal de protesto que pode abrir o caminho à compreensão de que só pelo diálogo se podem mobilizar aqueles de quem depende o funcionamento do sistema de justiça para as profundas reformas de que necessita.

RELAÇÕES COM A COMUNICAÇÃO SOCIAL

MAIS UMA VEZ ... (reedição de post de 12 de Setembro
*
A três dias do reinício da actividade judiciária normal, reafirmo o que já disse noutro lugar:

A Procuradoria-Geral da República deveria definir como prioridade ao seu Gabinete de Imprensa a tarefa de preparação de linhas gerais orientadoras das relações dos magistrados com a comunicação social, que lhes proporcionarão um melhor apetrechamento e garantirão, nos aspectos essenciais, uniformidade de procedimentos.

Sugiro a consulta de The Media – A Guide for Judges (editado pelo Gabinete de Imprensa dos serviços do Lord Chancellor – Inglaterra, Julho de 2000); e também as “Linhas de Orientação [do Exérciro Português] nas Relações com os Órgãos de Comunicação Social” (publicadas no livro Exército e Imprensa, de Miguel Machado e Sónia Carvalho, Ed. Prefácio 2004).

MAS SERÁ ESTA IDEIA ASSIM TÃO ESDRÚXULA?

O fascínio do dinheiro

Recomendo vivamente a leitura da crónica de Pedro D'Anunciação no último "Expresso", na sua habitual coluna "Zapping". A sua crítica televisiva aborda esta semana a forma como alguns entrevistadores tratam os banqueiros deste país, tomando os exemplos das entrevistas de Maria João Avillez a Horta Osório e de Judite de Sousa a Ricardo Salgado, em contraponto com a maneira como os políticos são tratados nos media.
O que nos banqueiros é doce, apaziguador e de um enlevo extremo, em que cada palavra dita é recebida como a mais pura verdade, já nos políticos assume um tom invariavelmente agreste, inquisidor e desconfiado. O político é alguém de quem devemos sempre suspeitar, que tem colado a si um selo de incompetência e de falta de rigor. O banqueiro é sério e responsável, incapaz de cometer um erro ou uma ilegalidade. Só mesmo por negligência...

A menorização do Ministério Público

O jornal Público de sexta feira relata:

“O Governo está a fazer todos os esforços para demover os juízes de fazerem greve nos próximos dias 26 e 27. Na passada segunda-feira, o primeiro-ministro, José Sócrates, o ministro da Justiça, Alberto Costa, e os presidentes dos vários tribunais superiores promoveram um encontro reservado com os dirigentes da Associação Sindical dos Juízes, para tentar chegar a acordo sobre os motivos que levam os magistrados judiciais a fazer greve nesses dias”.

O extraordinário esquecimento do Ministério Público neste processo, põe-nos a pensar: como foi possível chegar aqui?
Esta absoluta secundarização da magistratura do Ministério Público (impensável há alguns anos) para além de causas externas tem, obviamente, importantes causas internas que urge assinalar (e inflectir). Apontamos três:

- O total alheamento das estruturas superiores do Ministério Público do processo de formação dos seus magistrados, preferindo sempre a quantidade à qualidade (culminando, aliás, com a ideia desastrosa de um curso especial), assistindo passivamente à saída paulatina do CEJ de quem tinha ideias, peso interno e projectos sobre formação.

- Um sindicato dependente da inspiração exclusiva do seu presidente, sem capacidade de se renovar com abertura e qualidade e de fazer emergir novas figuras com dimensão judiciária, ultrapassando as fronteiras da sua própria magistratura.

- Uma Procuradoria-Geral fechada sobre si própria, sem capacidade de gerar reflexão interna/motivar o corpo que dirige e sem qualquer estratégia de (boa) comunicação com a opinião pública.

Com este panorama agora, não há greve que nos valha.
E talvez venhamos a precisar dela mais tarde ...

Casamayor

23 outubro 2005

jurar


um homem jura com seu corpo,
sua vida,
o amor por uma mulher.
prega suas palavras naquele corpo
até que se torne campo ,
flores , frutos,
oceano , sussurros.

um homem jura com suas palavras,
e suas palavras são sua fortuna.
jura com seus olhos,
até que o amor trespasse sua vida
e ela seja seu destino desvendado.

um homem jura a si mesmo,
até que acredita.



silvia chueire

Incontornável

In A Revolta das Palavras:

"Matai-vos uns as outros!

Voltei! E logo para me irritar! No dia em que o Ministério Público lança o que chama de uma «mega-operação» de busca eu vejo na imprensa que, por causa dela, andam na Procuradoria a pôr processos-crime uns aos outros e a dizê-o em comunicado, para que conste. Mais, dizem que a dita operação ainda não conduziu, entre os buscados, à constituição de arguidos. Bravo! O saldo é positivo: uma operação destas e os únicos arguidos por junto são os próprios investigadores, por causa do triste segredo de justiça! Ah! E uma bela fotografia no «Diário de Notícias», já me esquecia.

José António Barreiros

*
In Grande Loja do Queijo Limiano, a propósito do post de JAB, agora com ilustração:

"Ainda a propósito deste assunto, algumas notas.

A primeira, para notar que não é preciso atribuir a nenhuma cabala ou conspiração aquilo que pode (facilmente) ser explicado pelo desleixo, pelo laxismo, irresponsabilidade ou pela incompetência.

A segunda, para notar que, em campos opostos, Ricardo Espírito Santo Salgado e Cândida Almeida, partilham de uma mesma filosofia de vida, a do relativismo moral. Se, na passada terça-feira à RTP, Ricardo Salgado tudo resumia a uma ou outra 'negligência', ontem a responsável máxima do DCIAP, e das operações em curso, resumiu a monumental gaffe que permitiu ao BES saber que não era o único investigado, a uma mera e inócua 'falta de atenção' numa performance televisiva das mais vergonhosas de todos os tempos para a credibilidade da Justiça portuguesa.

Recorde-se que ontem foi o dia em que Souto Moura, com a falta de tacto e habilidade habituais, veio queixar-se, a propósito da operação judicial em curso, da comunicação social, das fugas de informação e da violação do segredo de justiça, ao mesmo tempo que deixava nos jornalistas o onús, e mais um round de processos, por estes se recusarem a revelar - sistematicamente - as fontes, só que, e o mundo é cruel, agora sabe-se quem foram as fontes...

Entretanto, e a reboque da pressão mediática, e do ridículo, só hoje é que a PGR resolveu 'clarificar' aquela que deveria ter sido a primeira coisa a ser dita por Cândida Almeida - se tivesse a mínima noção das coisas e da responsabilidade do cargo que ocupa - quando confrontada com os factos - que no processo de averiguações (à violação do sigilo) anunciado por Souto Moura estaria incluído também o próprio DCIAP de modo a averiguar da inocência da gaffe.

Que não haja dúvidas - as investigações em curso são das mais importantes jamais realizadas, mas se chegarem a algum lado, não será por causa de algums dos responsáveis nominais de topo - entre os quais se inclui Cândida Almeida - será apesar deles. Falta-lhe o mínimo dos mínimos de sensibilidade para perceber o que está em jogo, e actuar em conformidade, mas, sobretudo, falta-lhes o essencial - falta-lhes a humildade, a humildade de reconhecer que são humanos, que não estão acima do povo, mas que actuam em seu nome. Ontem, em breves instantes na TV, que pareceram uma eternidade, se dúvidas havia ficaram todas dissipadas. Obviamente que ainda ninguém colocou o lugar à diposição, certamente por 'falta de atenção'."

Manuel

21 outubro 2005

Au Bonheur des Dames nº11

Dois presuntos abatidos
desaparecido um terceiro

Na cidade em que passei a infância não há segredo que se mantenha por muito tempo. São assim as terras pequenas que preguiçosamente se aninham entre mar e serra à espera de um verão tumultuoso que ressuscite o Casino e a praia. As pessoas conhecem-se quase todas de tanto se cruzarem pelas mesmas ruas, lojas e cafés pelo que qualquer novidade por pequena que seja é alvoroçadamente acolhida, analisada e ecoada para quantos estejam ao alcance de voz.

Nada tenho contra este costume que alíás obedece a dois princípios que o meu querido amigo Márinho Santos sintetizou brilhantemente ha já muitos anos:
1º Dizer bem é supérfluo.
2º Os amigos não têm defeitos.
Como se vê o genial Mário explica em nove palavrinhas o enraízado hábito da má língua, do soalheiro que é o principal garante da coesão comunitária de uma pequena sociedade. Não só o define na primeira proposição como lhe estabalece os precisos limites na segunda. Os amigos, parentes e aliados, também têm a vida devassada mas com discrição. À volúpia do prazer de saber acresce esse modesto mas forte gozo do segredo.

Eu sei que, dentre os poucos leitores que me são fieis, haverá algum que torça o nariz a tanta tolerância mas convirá preveni-lo que ela se funda numa sólida experiência de vida. Mais: temo o dia em que a curiosidade de vizinhos e conhecidos esmoreça pois isso apenas significará o advento de uma cultura de ensimesmamento e solidão.

A história de hoje foi já contada um bom par de vezes e, como de costume, distraído que sou, esquecida quase outras tantas. Fixo-a agora nesta folhinha breve diluindo em pseudónimos farfalhudos as personagens envolvidas cujos nomes de resto mal recordo.

Ora então é assim: em princípios de sessenta aportou à nossa cidade um senhor doutor e respectiva mulher. Além da licenciatura que ostentava, o cavalheiro (que de um gentleman se tratava) fazia gala de ilustres antepassados e maneiras impecáveis. Isto e uma mulher bastante mais nova, elegante e muito bonita já daria, como calcularão, pano para mangas. Todavia, porventura por descender de vinte gerações de ociosa fidalgaria, o dr Smythe-Vasconcellos entendia ser o trabalho algo que lhe não quadrava: à uma isso fatigava-o, depois obrigava-o a privar com clientes pouco educados e, finalmente, gostava de dormir até tarde.

Convenhamos que o programa de vida de Vasconcellos com dois LL era sedutor e, apesar de elaborado por alguém convenientemente conservador, tinha um ligeiro ressaibo revolucionário, mais propriamente, lafarguiano. Só que o mal chamado direito à preguiça presssupõe a existência de uma qualquer fonte de rendimentos que nos permita barrar de manteiga o pãozinho quotidiano. Ora vinte gerações de Smythe-Vasconcellos tinham, pouco a pouco exaurido, o cofre familiar. O dinheiro, ao contrário dos bons modos, gasta-se com certa rapidez e não se reproduz sem esforço.

Ou reproduz-se, mediante certas condições. E é aqui que entra em cena um segundo actor: nas pequenas cidades há sempre um oligarca local empreendedor forrado a dinheiro e com fome de carne fresca. O dono desse dois sólidos atributos chama-se neste vaudeville provincial Nogueira Simão, já não está na primeira juventude, tem mulher, filhos e uma longa lista de amantes no passivo.

À vista da Vasconcellos é tiro e queda: ataque picado ao solo como um Mig 21. Femme du monde e sem frio nos olhos, Mafalda está pelos ajustes desde que Vasconcellos também esteja. E este está, obviamente. O trio organiza-se em boa paz que é tudo boa gente. N.S. paga as contas, Mafalda paga com o abençoado corpinho que Deus lhe deu e Smythe apara os cornos com a displicente elegância herdada de vinte gerações de Vasconcellos.

A cidade tomou conhecimento como lhe competia e, habituada e tolerante, aprovou o negócio, comentando-o abundantemente e comparando-o com os anteriores amancebamentos de Nogueira. Tratava-se de gente bem educada, discreta e com meios pelo que a boa sociedade local avalizou a situação fazendo de conta.

Porém, nestas comédias de boulevard nada é tão simples como parece. E a complicação surge num segundo acto com a aparição, aliás esperada, de um catalisador a quem vamos chamar Francisco ou melhor Xico. Xico tout court como convém a homem novo e do povo, bem parecido e sem meios de fortuna. Assalariado ainda por cima, ou trabalhador por conta alheia como, modernamente, se diz. Xico é chefe de mesa num restaurante médio, famoso pelos petiscos que serve e onde, volta que não volta, se acaba a noite depois da canasta no Club ou do pé de dança no Casino que só assim se poderiam conhecer Mafalda e Xico.

Nesta cidade de prodígios costuma dizer-se que quem não rema já remou e quem não tanoa já tanoou. Desconhece-se a propensão dos dois pombinhos para as artes náuticas mas em contrapartida sabe-se, de ciência certa, que Mafalda entendeu conceder a Xico os mesmos favores que por casamento e conveniência concedia ao marido e ao amante. Para a juventude universitária local, impecuniosa e anticapitalista, isto tinha o sabor do temps des cerises vindouro e era uma clara confirmação do processo histórico na sua feição mais radical: o proletariado tomava de armas e bagagens o último reduto da velha ordem e atirava para os cafundós da história a aristocracia decadente e a burguesia conquistadora.

Infelizmente nem o marido complacente nem o amante generoso comungavam deste ponto de vista: entendiam a intrusão de Xico como gravosa para os seus interesses tanto mais que a este sobrava em ímpeto juvenil o que neles, já muito rodados, ia começando a fenecer. E deram em ter ciúmes do terceiro homem.

Vasconcellos entendeu que o segundo par de chavelhos exigia resposta viril e decidida pelo que desancou a adúltera. Nogueira igualmente enxovalhado e vendo o seu investimento também transformado em chifres muniu-se de um pistolão e foi por Xico.

É, porém, por demais sabido que às cidades de pequena e média dimensão não estão concedidos dramas mas tão somente uma que outra tragicomédia.
E foi assim que entrando Nogueira Simão aos tiros no plácido restaurante em que Xico oficiava conseguiu este escafeder-se por milagrosa e oportuna porta das traseiras. O tiroteio se bem que nutrido teve parcos efeitos que o medo e a mão trémula do atirador diminuiam a eficácia vingadora da pontaria.

Testemunhas deste OK corral português afirmam que as balas atingiram e fizeram tombar alguns presuntos pendurados no tecto. E é aquí que ocorre a maior divergência na história que venho debitando. O proprietário do estanco declarou que além dos dois presuntos danificados desaparecera um terceiro.

Talvez se possa esclarecer o mistério deste desaparecimento se conseguirem interrogar algum dos bem dispostos esquerdistas já referidos que nesse dia prodigioso lanchavam no estaminé. Consta que não só se retiraram sem pagar para (como terão alegado mais tarde...) não ser alvo da artilharia do senhor da terra mas que, sob casacos, levariam um volume suspeito com a forma de viola. E como nenhum era músico...
Este texto da série "Heimat" vai oferecido a António Manso Pinheiro, ao seu irmão Alberto, aos manos Cardoso e ao Rodrigo Santiago. E em memória de Alfredo Soveral Martins, adoptivo filho da terra, meu amigo e D. Juan perigossímo

20 outubro 2005

A SEIVA

A vida é uma flor que se esvai
em seiva
e fecunda a terra
que lhe há-de acolher
as pétalas.


Deixa que te surpreenda
na raiz do dia
esse líquido espesso e quente
e vem
rebolar-te nele comigo.

Do outro lado

Cavaco Silva apresenta hoje a sua candidatura à Presidência da República. Dez anos depois da derrota face a Jorge Sampaio e depois da falta de coragem para se apresentar de novo contra Sampaio há cinco anos, Cavaco, o político-que-quer-fazer-parecer-que-não-é-político, volta ao palco de onde nunca saiu para tentar o “assalto” à Presidência.

Cavaco tem, naturalmente, toda a legitimidade para querer ser Presidente. Apesar dos “tabus” e do aparente desdém pela política e pelos políticos, Cavaco tem há muito a ambição de ser o supremo magistrado da República. Não trabalhou para outra coisa durante estes dez anos, mesmo se teve de ser inconveniente para os seus correligionários. Aliás, a lealdade nunca foi uma das suas virtudes – que o digam Francisco Balsemão, Fernando Amaral, ex-presidente da Assembleia da República, Fernando Nogueira e tantos outros. Até Santana Lopes, esse peculiar líder, tem fortes razões de queixa.

Há mais de vinte anos, era eu um jovem militante e dirigente da JSD, escrevi no jornal do partido um artigo muito crítico sobre Cavaco Silva e os seus apaniguados, que então moviam uma oposição cega e desleal à liderança e ao governo de Francisco Balsemão. Apesar disso, quando Cavaco ascendeu a líder do PSD, o meu primeiro voto em eleições legislativas contribuiu para a sua vitória e para a sua designação como primeiro-ministro. Contudo, cedo confirmei que aquela forma de estar e de governar, o quero, posso e mando, o “raramente me engano e nunca tenho dúvidas”, nada tinham a ver comigo. Entreguei o cartão de militante durante a campanha eleitoral para as legislativas de 1987, que deram a primeira maioria a Cavaco, porque já não conseguia rever-me nesse partido, na sua liderança, nas suas posições e nos seus projectos.

A verdade é que a minha viagem para terrenos mais à esquerda já havia começado e foi influenciada por vários factores – os meios universitários que frequentava, as leituras, a realidade urbana que reencontrei depois de alguns anos a viver num meio mais fechado e conservador, a intensa campanha eleitoral das presidenciais de 1985/86, uma maior preocupação com as questões sociais e a distribuição da riqueza num período de graves dificuldades económicas. É certo, porém, que as características impressivas da liderança de Cavaco contribuíram muito para me empurrar mais para a esquerda nesses meados dos anos oitenta.

Hoje, não sei ainda em quem vou votar nas próximas presidenciais. À esquerda, o panorama não é animador. Se nas eleições anteriores escolhi convictamente Mário Soares e Jorge Sampaio, revendo-me no essencial das suas presidências, neste momento apenas sei em quem não vou votar.

19 outubro 2005

Algo me escapa…


Reconheço que a minha cultura relativamente ao processo penal aumentou consideravelmente deste que cheguei a esta praia aconchegada de muitos mares, que é o Incursões. Não posso, todavia, dizer que este aumento de conhecimento foi proporcional a um aumento de segurança e tranquilidade face à justiça. Bem pelo contrário. Vou pasmando com o que me apercebo de certas leis e de certas formas de as aplicar.
Um dos grandes espantos tem a ver com “a questão da total impossibilidade de aproveitamento da prova produzida em sede de inquérito, e da incompreensível obrigatoriedade de apenas ter em conta a prova produzida em julgamento” transcrevendo um comentário de MATA-BORRÃO, que espero não se importe com esta incursão no seu texto. Quando li pela primeira vez sobre este tema, pensei: “percebi mal”. E, talvez para me enganar, a bem da minha tranquilidade, achei melhor não me esclarecer. Mas eis que, nos comentários a um post aqui no Incursões, fui confrontada de novo com esse facto.
O que gostaria é de aperceber. Certamente que a fundamentação deste procedimento terá alguma consistência, espero. Gostaria de a conhecer e, sobretudo, gostaria muito que este tema fosse aqui debatido porque me parece que esta questão é muito, muito importante.

Educação e cidadania

O bando dos quatro

Há quem acuse a comunicação social de ter promovido o bando dos quatro (Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro, Isaltino e Ferreira Torres) pela abundância de referências, entrevistas e notícias que deles transmitiu. E, por isso, defenda um código de conduta que constranja os jornalistas a não darem importância a esse tipo de personalidades.
Creio que há neste raciocínio um paternalismo social que iludiria as perversões do sistema. Como diria Vaneigen, “é preciso tornar a vergonha mais vergonhosa expondo-a à publicidade” para que se gere a necessidade de uma regeneração. A consciência do escândalo cria o mal-estar social que nos abre para um debate sobre os valores. Só a indiferença banaliza o mal. E, por isso, a publicidade do espectáculo grotesco dado pelo bando dos quatro, teve como consequência um sobressalto cívico nacional que esvaziará o seu sucesso local e já obrigou os partidos a promoverem uma alteração das regras de candidaturas independentes.
Mas o problema não será resolvido apenas com mais exigências nos critérios da elegibilidade de grupos de cidadãos. São necessárias profundas reformas que promovam o sentido de Estado e moralizem o funcionamento dos partidos. A “cultura” de poder no interior dos partidos tem funcionado como uma escola de tráfico de interesses privados. Como explicar a lógica dos “jobs for the boys” ou, p. ex., os balúrdios gastos, com jantares e passeios, nas eleições internas dos partidos, sem pôr a hipótese de redes de interesses que acompanham os candidatos?!... E as candidaturas de Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro e Isaltino não deverão o sucesso eleitoral às máquinas de interesses que conseguiram montar?!...
É elucidativa a explicação que Ferreira Torres dá: ao responsabilizar a Mota/Engil pela sua derrota, o que ele quis dizer é que não conseguiu transportar do Marco para Amarante a sua máquina de interesses. E ao pretender-se transformar esta perversidade numa normalidade manifesta-se a desorganização do sistema e penalizam-se os autarcas honestos, como se receou acontecer a Armindo Abreu.
Um sistema político desorganizado desorienta a vontade dos eleitores e abre as portas à corrupção e ao sucesso da demagogia populista de um qualquer “bando” dos quatro.

18 outubro 2005

Diário Político 5

A pp. 14 da edição de terça feira, 18, o Público traz a 3 colunas um texto de Isabel Arriaga e Cunha sobre a visita de Estado de Sampaio à Bélgica. Com destaque e em caixa vem : custos da visita de Estado são... segredos de Estado e em resumo apenas diz que o MNE não revela os custos da viagem. E que o assessor de Sampaio, João Gabriel, também se não descose.
Isto recordou-me um texto de 89 e que se reproduz tal e qual:

Modesta contribuição para o saneamento das contas públicas pelo recurso ao expediente da contenção forçada das despesas sumptuárias do estado e em homenagem a Sua Majestade El Rei D. João V de saudosa memória, R.I.P.

Oferecido pelo autor aos exmos senhores Drª
A M M, Drª. Amélia Campos, Drª.
Regina Valente, Doutor (por extenso)José
Valente e Engº José Portocarrero e ainda ao
menino John Mikter e extremosos pais.


Noticiam os jornais que o actual presidente da república tem gasto demasiado dinheiro dos cofres do Estado nas deslocações que faz ao estrangeiro. A crer nas fontes geralmente bem informadas, que o redactor anónimo cita, as três últimas viagens (a França, à URSS, e a Espanha) custaram práticamente tanto quanto a campanha de publicidade do novo hospital do Restelo inaugurado, se não nos falha a memória, pela senhora Ministra da Saúde, dias antes das últimas legislativas.

Compreende-se a apreensão dos defensores do erário público - o dinheiro esbanjado na estranja é dinheiro fugido ao circuito económico interno, não se reproduz, não minora o angustioso deficit da agricultura portuguesa, não é reinvestido nas OPV que fazem a glória da nossa bolsa e o espanto das congéneres mundiais.

Pior ainda: na URSS muito bom e valioso escudo foi aplicado a salvar a debilitada economia de guerra soviética podendo mesmo dizer-se - foram feitas contas minuciosas! - que a comitiva do dr. Mário Soares pagou 43 obuses de 155, o mesmo é dizer, 227 paraquedas de seda artificial ou ainda o pré mensal de 1382 soldados afegãos, fieis ao governo de Kabul (fieis, pelo menos, até ao momento de receber o pré).

Isto para não falar no que significou a deslocação a Espanha: à saída do avião de regresso a comitiva vinha ajoujada com o peso de garrafas de Carlos III, pandeiretas, navalhas de ponta e mola, caramelos, baralhos de cartas, números antigos da "Penthouse" espanhola, queijo manchego e chouriços "Revilla"!!!

"É um escândalo", comentou uma anónima fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros. E acrescentava "Pedi ao marechal Spínola que me trouxesse uma embalagem de "Maderas de Oriente" e ele diz-me, com desfaçatez, que aproveitou os últimos trocos para comprar uma garrafa de "Marquês de Riscal" na free shop de Barajas!!!"

Aturdido retorqui-lhe: "Mas os jornais espanhóis, do El Pais ao ABC, vieram cheios de notícias, de fotografias do Dr. Soares e da mulher ..."

"Ora, ora," repontou-me, "A Isabel Preysler sai mais vezes num só dia na "Hola" que o Dr. Soares toda a semana. Nas Necessidades somos pragmáticos - sair na "Hola" ou, pelo menos, na "Interviu" junto à página das raparigas nuas, claro, vale dez editoriais do Juan Luis Cebrian!"

E concluiu: "Além do mais este foguetório à volta do Chefe de Estado e dos seus mínimos passos está a criar no país um indescritível culto da personalidade, princípio condenável aos olhos do governo e da opinião pública esclarecida sobretudo quando, como se sabe, e graças aos esforços do Dr. Durão Barroso, se assiste, pela primeira vez na nossa história, ao espectáculo de uma direcção colectiva, coesa, forte, sem prima dona visível nem tenor destemperado".

Temos assim que, por ocasião da próxima visita de estado a França, se poderá ler no "Le Monde" a seguinte notícia: "O presidente da República portuguesa e comitiva chegaram a Paris com quatro horas e meia de atraso em relação ao calendário previsto. Falta de trocos nas portagens da auto-estrada demoraram, desnecessariamente, os dois autocarros em que viajavam os ilustres visitantes. Aliás, e durante o percurso de dois dias por terras de Espanha e França, registaram-se outros atrasos dada a indisciplina de vários membros da comitiva nos self-services em que se restauravam.

O presidente português está instalado no "Saint Pierre", hotelzinho de duas estrelas na Rue de l´École de Médicine. Fontes da embaixada lusitana garantiram-nos que o quarto presidencial tem casa de banho completa com banheira e tudo –asseveram - Nunca nos passaria pela cabeça dar ao mais alto magistrado da nação um quarto só com chuveiro. Aliás o local é óptimo fica a dois passos da librairie Gibert onde se compram livros a preço de saldo e o metro Odéon está a cinco minutos no máximo. Por outro lado a nossa ilustre delegação pode, sem fadiga, amesendar-se em qualquer dos restaurantes tunisinos ou gregos do quartier de St Séverin que o senhor presidente bem conhece por ter sido frequentador assíduo da antiga livraria de François Maspero, "La joie de lire". E, para cortar cerce qualquer boato de menos estima ou consideração pelo Dr. Mário Soares, estou autorizado a revelar que, se acaso S.ª Ex.ª quiser almoçar na "pizzeria Pino", poderá encomendar queijo Gorgonzola pese embora o facto de cada dose custar quatro francos! E não nos ficamos por aqui. Se por acaso o senhor presidente não quiser queijo nem por isso fica a perder e poderá trocá-lo por meia garrafa de vin du pays.

A embaixada está igualmente autorizada a pagar o café do senhor presidente na esplanada do "Deux Magots" o que só por si representa uma despesa de 13,20 francos. Caso S.ª Ex.ª queira gratificar o garçon o pourboire sairá das verbas consignadas à Casa Civil da Presidência. Quanto à comitiva recomenda-se a bica no "Mabillon" que tem preços mais em conta.

Igualmente se previu a aquisição de uma carte orange válida para 1ª classe, fazemos notar, para o casal presidencial. Os membros da comitiva receberão, cada um, um carnet de 10 bilhetes de 2ª classe.

O banquete que o presidente da república oferecerá ao seu homólogo francês terá lugar no "chez Fernand", nos Halles, que foi a casa que se comprometeu a fornecer um menu turístico de qualidade ao preço mais vantajoso: 49 francos por pessoa, service compris, com direito a sopa de cebola ou terrine, steack garni ou coq au vin, doce ou queijo.

Cremos assim que S.ª Ex.ª se sentirá mais próximo da laboriosa comunidade emigrante" - rematou o nosso informador. E finalizando: "Está previsto um espectáculo nocturno no "Caveau de la Huchette". O porteiro é português e, bem conversado, fará um desconto de 10 francos aos cavalheiros enquanto as senhoras só pagarão meio bilhete."

1989 ?

Os meus escassos (mas fieis!...) leitores desculparão a referencia aos francos mas estes textos têm a idade que têm o que à falta de outras qualidades mais interessantes lhes confere alguma respeitabilidade.

O meu testemunho

Já aqui referi que fui candidato às recentes eleições autárquicas na minha terra, o Marco de Canaveses. Não foi a minha primeira experiência, mas serviu-me para verificar mais uma vez que, ao contrário do anátema criado, ainda há quem se envolva na actividade política por aquilo que ela tem de mais nobre: a defesa dos valores da cidadania, da participação cívica, dos princípios e ideais em que se acredita. Há muita gente com vontade de participar e de se envolver politicamente sem nada querer em troca.
Quem participa numa campanha eleitoral assiste a um pouco de tudo. São os interesses económicos e empresariais que se movimentam em torno das candidaturas, a defesa de determinado candidato em função da promessa ou da expectativa de emprego, o alinhamento em função do que se pode vir a ganhar ou a perder no clube ou na associação que se dirige, a coligação de interesses que rapidamente se forma em volta dos que “cheiram” a vitória. É a lei da vida.
Contudo, também é possível ver muitos cidadãos, independentes ou possuidores de cartão partidário, dedicarem uma parte substancial do seu tempo e das suas energias a lutar por um projecto em que acreditam e no qual se revêem, sem estarem à espera de quaisquer contrapartidas pessoais. Gente simples e generosa, mas que acredita que a sua força pode ajudar a mudar terra em que vive. Esta participação é um claro sinal de vitalidade do regime democrático e acontece com particular ênfase nas eleições autárquicas, que são invariavelmente as mais participadas, quando o cidadão comum se sente mais envolvido e comprometido com o resultado eleitoral.

17 outubro 2005

O CEJ e a “Academia”

O Jornal Público de sábado reporta um discurso da Sra Directora do CEJ, na conferência Eurojustice que decorreu em Lisboa.
Neste discurso, para além de uma série de estafados (e questionáveis) lugares comuns sobre formação (“cultura judiciária comum” das magistraturas, “abertura a novos saberes”, “formação não estritamente jurídica”, “a formação não é um direito mas um dever”) que deram a bela reforma já analisada aqui neste outro post, a Sra Directora do CEJ avança com a ideia que a formação especializada deve passar pela criação de uma “academia” especialmente vocacionada para esta tarefa.
Vá-se lá saber porquê à margem das agendas das associações sindicais (mais preocupadas em produzir inextricáveis explicações para a greve) assim vai a magistratura perdendo o pé da sua própria formação. Qualquer dia estamos todos obrigados a estar sentadinhos na Academia a ouvir mais uns bem encaixados professores da faculdade. Acordem!

Casamayor

Cadernos de Viagem



Um novo blog a visitar.

16 outubro 2005

Formar na concepción tridimensional del derecho

“[L]a formación que reclama el nuevo paradigma constitucional no puede limitarse a técnicas de descubrimiento de la norma aplicable sino que ha de responder a lo que Cappelletti refiere como la concepción tridimensional del derecho, que abarca, en primer término, la identificación del problema social que la intervención jurídica pretende resolver, en segundo lugar, la respuesta o solución normativa y, por último, las consecuencias o resultados que sobre la sociedad se derivan de tal respuesta."

da comunicação feita em 2001 pelo juiz Javier Hernández Garcia(*), num encontro de docentes das escolas de magistratura espanhola, portuguesa e francesa, sobre o tema formação de magistrados.

(*) citado por Rui do Carmo num oportuno e expressivo post que pode ser lido na íntegra no Mar Inquieto.

educare

A publicação de uma carta aberta aos professores portugueses, da autoria de Maria Emília Rodrigues e José Carlos Callixto, está a dar origem a um interessante debate no portal educare.

Obrigada à Amélia pela dica.

15 outubro 2005

tornar


tornar a ver os passos
para os quais ensurdeci.
tornar a senti-los,
caminhar com eles devagar,
as pálpebras a caírem
sobre o rubor do dia.

reencontrar a calma,
a fúria do amor.
a noite alimentada de palavras
a abrir-se sobre a tarde.
o vinho derramando-se nos copos,
tudo a conjugar-se nos corpos,
puros.

tornar a mim, meu amor,
tornar a ti.


silvia chueire

14 outubro 2005

Diário político 4

A revolução de Outubro foi em Novembro

Há setenta e um anos, mais dia menos dia, ocorreu a revolução de Outubro assim chamada porque, com a característica desconfiança pelo Ocidente, que sempre animou os povos daquela região, o calendário registava um atraso de dias. Deixemos a outrem o dilucidar deste mistério na contagem do tempo registando, apenas, o facto objectivo de, para o leitor menos versado nestas miudezas, usando a mesma terminologia haver este gap entre os calendários em uso a leste e a oeste. Atribuamos tal diferença ao indefensável progressismo de um qualquer papa ou ao respeito que os russos nutrem pela tradição o facto é que, em termos práticos, o proletário ocidental (espécie em vias de extinção) tem a incómoda sensação de o tempo se escoar mais lentamente na pátria dos trabalhadores. Será um pouco como andar de avião de leste para oeste: se formos suficientemente depressa chegamos ontem a S. Francisco da Califórnia e, com sorte, poderemos encontrar Jim Morrison em Haigh Ashbury.

Vem tudo isto a propósito do "pretenso atraso" com que o Dr. Álvaro Cunhal reconheceu que na URSS tinha havido uns atropelos à legalidade socialista. O Dr. Cunhal, secretário geral do PCP, reconheceu frente às câmaras da RTP que o falecido camarada Jossip Vissaronovicht Djugatchivilli (mais conhecido por pai dos povos, Zé dos bigodes ou Stalin) tinha abusado da receita salazarista dos safanões dados a tempo, que tinham sido abusivamente perseguidos um par de kulaks, os tatars da Crimeia, os mencheviques mais teimosos e irredutíveis, os socialistas revolucionários e, mesmo, alguns dos companheiros do pai fundador do estado soviético Vladimir llicht Ulianov a quem a posteridade reconhece sob o nome de Lenin (o homem do Lena). Estarão entre eles Bukarine, Kamenev e Zinoviev já que parece manter-se a tese de o assassinato de Trotsky (Bronstein no civil) se dever ao acto tresloucado de um amador de picaretas supostamente chamado Ramon Mercader. A desgraça, aliás, ocorreu no México, país violento e de terramotos onde a vida humana tem escasso valor haja em vista o que fizeram ao imperador Maximiliano homem de bem que só queria a felicidade dos indígenas a quem fizera dom da sua augusta pessoa.

Parece pois assim confirmado, e oficialmente, o que, até há bem pouco tempo, era apodado de ataque ao socialismo, grosseiro erro histórico, manobra da propaganda capitalista, anti-comunismo primário, etc...etc... O Dr. Álvaro Cunhal, último abencerragem do Kominform, insuspeito de qualquer pacto com a burguesia garantiu-o alto e bom som.

Mas disse mais. Ficamos todos a saber que os atropelos à legalidade socialista estiveram, durante cinquenta anos, escondidos ao PCP e aos seus dirigentes numa nova versão científica e dialéctica do segredo de Fátima.

O partido, ou melhor os seus dirigentes, submetido à longa noite fascista portuguesa não sabia, sequer suspeitava, que na pátria dos trabalhadores se tivesse cortado o pio e a garganta a quem quer que fosse.

Imagino o Dr. Cunhal numa das suas numerosas viagens a Moscovo, numa roda de amigos, preguiçosamente, à hora da vodka "E fulano de tal?" E a resposta pronta de um qualquer secretário do comité central do PCUS: "Está a banhos em Novossibirsk ou em Arkhangel" -"!Pois então quando regressar dê-lhe um abraço cá do Álvaro. E que, quando passar por Praga, me bata ao ferrolho para um bacalhau com todos! É a Cândida Ventura que o faz com azeite vindo de Beja. Um regalo!"

Ou então um nosso célebre intelectual entre duas palestras na sede da União dos Escritores. -"E aquele rapaz que escreveu "Um dia na vida de Ivan Denissovitch?" Ao que o senhor Cholokov responderia: "O Soljenitsine? Ganhou uma bolsa de estudos para Irkutsk e ninguém o tira de lá. Adora a Sibéria e diz que não consegue escrever sem neve. E depois pode fazer ski todo o ano..."

Foi assim seguramente durante todos estes anos. A inteligentsia mais radicalmente progressista ia à URSS como os peregrinos vão a Roma. Via o Papa de lá, aviava quilos de caviar preto, litros de Stolichkaya e comprava matrioshkas na rua Arbat. À noite assistia à enésima apresentação do Lago dos Cisnes no Bolshoi e regressava maravilhada da terra onde corria o leite e o mel.

Durante todos estes anos os esquerdelhos desviantes, as víboras lúbricas e restantes provocadores não passavam de crápulas destinados ao caixote do lixo da história. Os inocentes úteis quando, pour la forme, se atreviam a balbuciar, sotto voce, que, enfim, talvez Brejnev não fosse um escritor tão brilhante como o prémio Lenin da literatura pressupunha, eram acusados de fazer o jogo da reacção, de desestabilizar Billancourt ou o Barreiro de não distinguir o essencial do ocidental, enfim de não serem capazes de superar os seus complexos pequeno-burgueses.

Recomendava-se-lhes muita autocrítica e muita ginástica sueca para que desta nova teorização do mens sana in corpore sano saísse resplandecente e virtuoso o novo homem socialista.

Agora porém tudo é diferente: agora os erros são clamorosos, agora a verdade já não é aquela a que temos direito mas a sempre revolucionária.

Os enganozitos históricos dos últimos 70/80 anos não passaram disso mesmo - o povo que é sereno, agora, tem não só a possibilidade de saber mas, sobretudo, de verificar que o partido e o seu líder também erram, também são humanos e boa gente e que só pequenas disfunções resultantes de calendários diferentes travaram o acesso geral, universal e gratuito à verdade verdadeira modelo 1988.

1988

feito por d'Oliveira, antiga víbora lúbrica e desviante hoje em dia apenas vagamente desviante que os anos passam e a filha-da-putice circundante não dá para mais...

Revista do Ministério Público Nº 103 - em distribuição







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HOMENAGEM A SEBASTIÃO ALBA


Hoje de manhã apareceram-me lá dois agentes da GNR, graduados. Um deles falava; outro ia tomando notas. Sugeriram que eu fosse para a Assistência Social, ali estaria bem, eles conseguiriam isso.
Imaginas-me numa sala a ouvir velhos (os que falam, que os outros babam-se) à espera do almoço?
Passei quase toda a minha vida por universos concentracionários: o internato do colégio Luís de Camões, na Beira, em Moçambique; a Casa da Reclusão que significa “prisão militar”; hospícios, o de S. João de Deus em Barcelos; o de Miguel Bombarda em Lisboa.
Os agentes disseram-me que voltavam para me persuadir.
À saída digo-lhes: “encostem a porta, por favor”.
De repente, ocorreu-me uma fábula de Esopo (grego que foi traduzido pelo fabulista francês La Fontaine) e chegou até nós por Bocage. Um lobo passa, com as costelas salientes, nos flancos, por um cão de pêlo muito luzidio. Diz-lhe o cão: “Tu escusas disso, pá!”. O lobo ouvia. “Tenho ali a casota para me abrigar da chuva; refeições e as festas dos filhos da casa que gostam de mim”.
O lobo reparou numa depressão que havia à volta do pescoço desse cão, no pêlo.
“Que é isso, pá?”
“É da coleira ...”
“Ora, ora ...”

Sebastião Alba (Dinis Albano Carneiro Gonçalves) morreu em 14 de Outubro de 2000 (http://web.ipn.pt/literatura/letras/machad18.htm; http://www.macua.org/livros/sebalba.html)

13 outubro 2005

Dá mesmo que pensar

Excerto deste post no Verbo Jurídico

Paradoxos
(...)
5. Ora, os Juízes de Círculo, nos termos do art.º 129.º da LOFTJ, "são nomeados de entre Juízes de direito com mais de 10 anos de serviço e classificação não inferior a Bom com distinção". Ou seja, em regra, um Juiz de Círculo - ainda que interinamente - não tem menos de 35/36 anos de idade, enquanto o Juiz de Comarca, considerando a frequência da Universidade, o CEJ e o estágio não terá menos de 28/29 anos de idade (na melhor das hipóteses).

6. Há tempos, surgiu um movimento que punha em causa a alegada eventual reduzida idade dos Juízes. Que não tinham experiência de vida, que eram demasiado novos, que deveriam ingressar na carreira quando estivessem na meia-idade, por causa da maturidade necessária ao julgamento.

7. Todos nós sabemos que a experiência de vida e a maturidade não se medem aos anos, ao saber livresco ou à dispersão por profissões. O certo, porém, é que os membros do tribunal de júri que não são magistrados judiciais, podem ter qualquer idade (desde que maiores de 18 anos), qualquer profissão (não jurídica), podem nem ter qualquer «experiência» e o seu "voto", a sua "decisão", na composição do Tribunal de Júri tem precisamente o mesmo valor que o voto e decisão dos magistrados judiciais de carreira.

8. Não ponho em causa nada do referido no ponto anterior. Embora entenda que existem pormenores que carecem de alguns retoques. Mas ainda não ouvi ninguém insurgir-se contra o facto de um jovem de 20 anos ou um estudante, "sem experiência de vida", "sem maturidade", sem a tal «meia-idade», poder ser membro do tribunal de júri, sendo o seu voto exactamente do mesmo valor do Juiz com 35 ou mais anos de idade... (com a tal experiência e maturidade...). Então, só o Juiz de carreira, por o ser, é que não pode ser jovem ?

por JTRP