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16 fevereiro 2009

Farmácia de Serviço 48


É cada vez mais irregular o horário de abertura da “farmácia”. O boticário está velho, esquecido e, aqui para nós, duvida bastante da eficácia das suas receitas. Todavia, e antes de fechar de vez o estaminé, lembrou-se de deixar três apontamentos. Como de costume, só fala do que sabe, só recomenda o que já viu, leu, ouviu. Em muito contados casos, e é o caso da exposição, louva-se em notícias e criticas várias todas concordantes.
E comecemos pela música: setenta discos (70!!!) da inolvidável Callas a menos de € 0,50 cada diz-voa alguma coisa? Não vos desperta a vontade de, por um único e irrepetível momento, mandar a crise dar uma volta ao bilhar grande de mão dada com o senhor inginheiro, e “despilfarrar” uns morabitinos? Que diabo são setenta cd dessa enorme diva. A cerca de 30 euros por junto!
The complete studio recordings of Maria Callas (1949-1969)", EMI. Com o aval do Teatro alla Scala de Milão, ainda por cima. Peçam-nos via amazon.fr. que foi de onde os mandei vir. E depois digam qualquer coisinha...

Escuso de vos recomendar “Ofício Cantante” do Herberto Helder. Ou melhor, recordo-vos que é uma reedição da obra completa, versão 2009. E digo isto porque a aquele mafarrico reelabora constantemente os seus textos pelo que poderão estar certos que muitos dos mais conhecidos poemas aparecem em nova versão. A edição é da Assírio & Alvim e anda pelos quarenta e tal euros. Vale-os absolutamente, claro, tanto mais que o livro vem com encadernação de editor o que o protege mais. Quem quiser encomenda-o ao “Pátio das letras” em Faro. A almirante fluvial Kamikaze terá todo o prazer em vo-lo enviar.

E agora uma novidade, novinha, acabadinha de sair do forno: “la ninfa inconstante” de Guillermo Cabrera Infante, esse cubano prodigioso, desaparecido há cerca de três anos e que nos deu “Tres tristes tigres” e “La Habana para un infante difunto” (acabo de escrever isto e vejo que o mesmo se escreve na contracapa. Raios!, já não se pode ser original). A “ninfa...” é uma obra póstuma. Nem sempre são recomendáveis estas cavadelas no espólio de um escritor desaparecido mas aqui estamos em presença de algo que vos encantará. A edição, bem bonita, corre a cargo da Galáxia Gutenberg/Círculo de Lectores. Anda pelos 20 euros. O Corte Inglês encomenda-a.

Não é uma novidade mas é uma raridade. Ou melhor, é uma reedição facsimilada de uma raridade: “Proverbe”. Proverbe foi uma revista dadaísta dirigida por Éluard que publicou seis números entre Fevereiro de 1920 e Julho de 1921. Os originais, escassos, escassíssimos tem preços estratosféricos, claro. Como tudo o que toca o surrealismo e o dadaísmo. Para mais informação consultem www.editions-dilecta.com ou a velha amazon.fr. não é barato, não senhor: cerca de 23 euros por uns fascículos magrinhos mas excelentes.

E agora um para os soixante-huitards assanhados. Para os que ainda não depuseram as armas. Para os que se divertiram. “Harakiri 1960-1985, les belles images" (Hoebeke). Para quem não saiba, Harakiri (journal bête et méchant) foi uma das melhores e mais agressivas revistas desse tempo prodigioso. Cavanna, Wollinsky, Cabu, Reiser, Delfeil de Ton entre outros colaboraram neste panfleto monumental. A bem-pensância horrorizada criticava-lhe o mau gosto, a ferocidade, a intransigência sei lá que mais. Imperdível. Imperdível sobretudo porque o poder proibia vezes sem conta a revista até que a forçou a mudar de nome. Trata-se de uma sólida edição ilustradíssima de 320 páginas formato grande. Pour lecteurs avertis, como se diz para os filmes ousados... 28 euros!

Quem pode vai a Paris ver o Chirico (Chirico et la fabrique des rêves) ao Musée d’Art Moderne. Impressionante, ao que leio. E Paris é sempre uma festa. E pode aproveitar para ver a exposição Paris capital de la photographie no Jeu de Paume. Ao fim e ao cabo voltamos um pouco ao tempo da publicação de Proverbe. E da invenção do século XX.

E agora, muito à puridade, uma dica: entrou na tipografia, ou no que quer que seja, “Máscaras da Utopia (história do teatro universitário em Portugal, 1938-1975)” de José Oliveira Barata, ex-professor catedrático em Coimbra. Será a Gulbenkian a editar. Já li as primeiras 200 páginas de um total de 370, e roí-me de inveja. Porque raio não fui eu a escrever este livro? O Zé B é um velho amigo e discutimos muito o livro á medida em que o ia escrevendo mas a surpresa da versão final é extraordinária. E a iconografia é simplesmente esplendorosa. Só a Gulbenkian é que poderia atrever-se a um lançamento destes. E o teatro universitário português merecia este belíssimo estudo. E os leitores, vocês, também!

10 dezembro 2008

Farmácia de serviço 47


100 anos!


há cem anos, dia por dia, nasceu Olivier Messiaen, um dos mais importantes, senão o mais importante, músicos francêses do seculo XX.
Diria, aliás, um dos mais importantes compositores do século XX. Mundiais! Pela novidade da sua obra, pela clareza dos seus propósitos, pela força das suas convicções musicais e outras.
O boticário que estas vai ajuntando não é um especialista em música contmporânea, não é, de resto especialista em nada, mas muito menos em nesta música. A orelhinha nasceu-lhe tarde e a más horas para a música contemporânea e tem certa dificuldade em ouvir e perceber obras posteriores aos primeiros anos do século passado. Todavia, consegue comover-se com a música deste grande "kantor devant Dieu", com o seu profetismo e a sua fé exarcebada.
E não podia, não podia de modo algum, não deixar constância do seu respeito e admiração pelo autor do "quatuor pour la fin du temps" concebido, escrito e dado em primeira audição num campo de concentração militar em 1940. Aí acima está o programa. Mas é mais do que um programa, ou melhor é um verdadeiro programa: uma aposta na vida contra a morte, na liberdade contra a opressão, na paz contra a guerra.

12 novembro 2008

Farmácia de Serviço 46


O boticário anda relapso. E triste. Não passa um dia, vá lá uma semana, em que não lhe morra um amigo. Por exemplo o Tony Hillerman, autor de romances policiais delicadíssimos, belíssimos, todos ou quase passados nos territórios da tribo Navajo (Diné ou Dinah, como eles se apelidam) e os seus heróis são polícias tribais.
Cada um dos romances é parte de um tratado sobre a cosmogonia surpreendente deste povo, uma aventura, um despaísamento que valem a viagem. Quem quiser saber mais que vá pelos livrinhos que andam entre nós publicados pela Caminho. Com B Akunin ou Andrea Camilleri, Hillerman é uma nova e exaltante cara do novo romance policial.

E que dizer do passamento de Miriam Makeba, nome ocidentalizado de uma mulher sul africana que assinava em pelo menos dez linhas? Que com ela morre alguma da mais exaltante música que nos acompanha desde os anos sessenta? Que ela, e Hugh Masekela, com quem trabalhou, deram a conhecer a fascinante música sul-africana, a música de Spokes Mashiane, os kuela, o jazz sul-africano, os impressionantes coros da nação zulu enfim um mundo sonoro que agora anda subavaliado pela designação world music? Qual world qual quê? Música, grande música, ritmo e cor a dar por um pau, música para cantar, para dançar, para amar.
Miriam morreu no palco. Ou quase. O ataque fatal apanhou-a no camarim depois de uma actuação generosa e emocionada. E solidária! Cantava para apoiar um autor perseguido pela máfia, ou pela camorra. Ou pela n’dranghetta, vá-se lá saber. Cantava porque nessa terra ignota alguns pobres emigrantes africanos tinham sido alvo de violência. Cantava porque essa era a sua arma, a sua vida, a sua razão de ser.
Recomendam-se (meramente indicativos): “An Evening with Belafonte” (B000063RVN); “Her Essential recordings: The empress of África” B0000E1P334; “Miriam Makeba en concert” 2B00007BH7J.
(e não esqueçam o branco Johnny Clegg que também deu o litro quando isso significava risco, perigo).
Passam 20 anos sobre a morte de Jacques Brel. Tempo mais que oportuno para comprar “Les 100 plus belles chansons” uma caixa (de metal, se faz favor!!! de cinco discos por menos de 30 euros, enfim 29,98!
De Brel já se disse tudo. Eu acrescentarei que o “devo” (outra vez!) à Maria João Delgado e um pouco às manas Feijó que cometem este mês os respectivos aniversários. Como de costume esqueci-me mas elas já sabem do que a casa gasta. E são pacientes!
Hoje, aliás ontem, passaram 90 anos sobre o armistício que pôs fim (?) à 1ª Grande Guerra. Nunca mais!, dizia-se depois daquela sangueira. Nunca mais? Bastaram uns escassos vinte anos.
A Grande Guerra, esta, foi uma guerra miserável (como todas as guerras mas aqui mais) onde se fusilaram milhares e milhares de soldados “pour l’exemple”. Ainda hoje se reabilitam soldados e oficiais pelas infâmias que não cometeram mas que pagaram com a morte. Quem quiser saber mais vai já ao blog do João Tunes que aborda o assunto com a habitual honestidade e dignidade (agualisa6.blogs.sapo.pt) e onde já produzi um comentário.
Quem quer ir um pouco mais longr, compra o Figaro hors serie La Grande Guerre, 1918-2008) São oito euros, traz mapas, artigos e bibliografia e está nos quiosques.

Quem tiver uns cacausinhos para arejar vai para Paris ver uma bela exposição de Rouault (Pinacotheque) ou os desenhos de Durer e Leonardo (e muitos outros) na École des Beaux Arts, sob o título “figures du corps”.
Mais baratinho, Madrid no Thyssen: a guerra e as vanguardas: tudo sobre o futurismo e adjacências. Um regalo.
Os amadores de televisão e de policiais inteligentes têm na RAI 1 às segundas, pelas nove horas mais uma série de filmes da serie Montalbano: outro regalo. A Sicília, Camilleri, um punhado de bons actores e histórias bem contadas. Em italiano, previne-se já.
Ainda para conhecedores da bela língua: já saíram e estão à venda os 9 primeiros volumes de Tutto Dante, dito (magistralmente!) por Roberto Benigni. Calma aí, malta, que estes nove volumes são apenas os referentes ao Inferno. Benigni recita, explica, comove, entusiasma-se, gesticula, faz piruetas e restitui-nos um Dante tão próximo, tão familiar, tão nosso (tão de Buarcos, diria eu...) que a malta não despega.

A gravurinha do dia intitula-se Navajo constelations e é uma maneira simples de homenagear Tony Hillerman

18 julho 2008

Farmácia de serviço 45


Sugestões para um Verão preguiçoso

O Verão (insisto em escrever com maiúscula) dá para tudo. Para a praia, para umas mariscadas (que os cidadãos estão cheios de cacau graças ao sábio governo que temos), para muita preguiça e alguma leitura. E música, claro. Quanto mais não seja para ouvir no Ipod (os cidadãos nadam em cacau etc, etc...).
Ora comecemos pela livralhada entretanto saída.
Istambul” de Pamuk. Para este vosso criado, uma das melhores obras dele. Acaba de sair a tradução portuguesa, não há desculpa.
Os amadores de história pátria e que provavelmente pouco sabem das guerras peninsulares que estejam descansados. Voltou a ser reeditado o primoroso José Acúrsio das Neves, “História geral das invasões francesas...” que Vasco Pulido Valente (Ir para o Maneta) tanto enaltecia.
A rapaziada mais dada à política pode escolher entre uma embevecida hagiografia de um primeiro ministro de oiro ou a palavra de um homem de bronze: Flausino Torres: “diário da Batalha de Praga”. Vão por este, que mais seguro. A obra foi anotada e coligida pelo neto, o Paulo Torres Bento. Os amigos da Marcela e do Zé Bento (e são ainda tantos) que como eu viram o Paulo ao colo dos pais bem que se podem babar. O miúdo tem a quem sair e sai mesmo.
Quem não tiver caído para o lado com as loas primo-ministeriais à cleptocracia angolana pode começar a tentar perceber a história daquela desgraçada colónia. E pode começar pela biografia do Viriato da Cruz que, até como poeta, era infinitamente melhor do que o finado presidente Neto A obra é coligida por Edmundo Rocha, ele mesmo um velho combatente angolano.
E dois poetas para terminar: Nuno Júdice: “Geografia do caos” e Alberto Pimenta: “Imitação de Ovídio”.
Para os ouvidos delicados das leitorinhas gentis nunca é demais propor um Sinatra (“At the Sands”) ou mais gravemente uma jóia de Gesualdo (fourth book of madrigals for five voices) ou até “secular vocal music” de um certo Sigismondo d’Italia, cavalheiro que viveu entre 1580 (?) e 1624. Ambos os discos são, obviamente, da “brilliant classics”.
Estes tipos da “brilliant classics podiam pagar-me uma avença dada a propaganda que lhes faço. Mais duas colectâneas, desta feita de jazz: “Kind of Baker” e “Kind of Getz” respectivamente do enorme Chet, trompetista de primeira água e do não menos brilhante Stan, saxofonista generoso e leal. Qualquer das colectâneas traz 10 (dez!!!) discos. O preço? Uma surpresa agradabilíssima. Nem é preciso ser rico como um português para os comprar. A “brilliant” é assim.
E uns dvd para amenizar as noites sem programa?
Se os leitores são daqueles que já estão fartos de filmes muito modernos, uma passagem pela amazon ou alapage impõe-se. Essa malta descobre filmes que mais ninguém descobre: “Été violent” (Zurlini) publicado por “les grands classiques du cinema italien”, “L’année derniere a Marienbad (Resnais), “Universal”, “A double tour” un Chabrol demasiadamente esquecido, tanto que só se consegue a referência via internet sob o nome de Belmondo e finalmente “La Chair” seguido de “L’audience” ambos de Marco Ferreri na colecção “les films de ma vie”.
Obviamente poderia indicar outros porventura mais famosos mas justamente por isso dou-vos estas dicas. Valem a pena e sempre se sai dos caminhos mais que batidos.
Incidentalmente, para ver clássicos do cinema ninguém, hoje em dia, precisa de equipamentos pesados e caros, como uma cinemateca prometida para o Porto. Vai uma aposta em como não a fazem? Ou fazendo-a não será uma cinemateca mas apenas um vago entreposto de fitas em saldo. Não será assim que se conseguirá essa coisa simples e eficaz que é (ou era) um bom cineclube. Como o do Porto. Abandonado por todos: espectadores e poderes públicos, ainda que estes últimos sejam os menos culpados. Nesta história o que mais impressiona é a generalizada ignorância dos peticionários e a incrível petulância de quem só agora despertou para as angústias cinéfilas da cidade. Há eleições à vista...

* na gravura: fotograma de "Verão violento" Trintignant e Eleanora Rossi Drago! Que bonitos!

30 junho 2008

Farmácia de Serviço 44


dois incursionistas "instalados"

A Filipa César, uma artista instalada desde há anos em Berlin, resolveu pegar nas histórias clandestinas de quatro "passadores" de fronteira nos anos já longínquos de 1972/1974, filma-los no local e por aí, misturar, baralhar e o que mais se verá (e que os visados desconhecem).
A estreia é a 5 de Julho como se vê.
A autora, a fundação que a subsidiou, a galeria que a expõe chamam ao acontecimento "instalação" .
Os instalados, hoje senhora e cavalheiros respeitáveis, puxaram pelas meninges e pela memória e falaram para a câmara que os visava ameaçadoramente. O resultado ver-se-à.
Na Ellipse Foundation (contemporary art collection) Rª das Fisgas, Pedra Furada, Alcoitão Cascais. Desde 5 de Julho até 14 de Setembro.

Para a petite histoire: eis os "passeurs" ora "instalados": Cândida Alves Simas Santos, José Teixeira Gomes, Manuel Simas Santos e Marcelo Correia Ribeiro.

Na gravura: convite reproduzindo o mapa de Estado Maior dos locais por se contrabandearam fugidos à polícia política, clandestinos políticos e desertores.

13 maio 2008

Farmácia de Serviço 43

Robert Rauschenberg (1925-2008)

82 anos era já uma bonita idade mas custa sempre perder um amigo, um mestre, um artista, alguém que admiramos. O jovem Dada, o idoso pop despediu-se hoje. Fica uma obra empolgante,
rica (as mais das vezes feita com recurso a materiais recuperados) e fica sobretudo uma lição de rigor.
Era o último de uma geração de grandes nomes da arte americana na segunda metade do século XX: Willem de Kooning, Jasper Johns ou Roy Lichtenstein.
Juntos revolucionaram profundamente a percepção que tínhamos dos Estados Unidos e dos seus artistas. Mais: influenciaram também muitos artistas europeus e asiáticos contribuindo para uma ideia menos eurocêntrica dos caminhos da criação artística.

01 abril 2008

Farmácia de Serviço 42


Mau sinal?

Já por aí se falou da súbita concentração do sector editorial. Editoras conhecidas, estabelecidas no mercado há longo tempo, começaram, subitamente, a ser alvo da cobiça de grupos empresariais que nunca tinham mostrado qualquer sinal de se interessarem por uma actividade tão marginal.
Repentinamente dois grupos do exterior e um interno (Bertelsmann, círculo de Leitores) começaram a oferecer somas relativamente altas por pequenas casas editoras (em Portugal todas as editoras literárias são pequenas...). Prometiam dinheiro, manteriam os editores anteriores, despediriam um mínimo de pessoas, enfim, metiam o Rossio na Betesga.
Pessoalmente, o boticário desconfiou. Vender livros não é vender comida ou remédios. Os livros são objectos não essenciais para 99% dos portugas e só quem anda nisto há muito é que sabe das dificuldades de editar e vender.
A recente saída de Manuel Alberto Valente da Asa (grupo Leya) vem dar razão às desconfianças. Conheço o MAV desde os seus anos de estudante ainda em Coimbra. Segui-lhe o percurso logo que começou a dedicar-se á edição. Vi-o na D. Quixote e depois na Asa. Apreciei-lhe o trabalho, o faro, a dedicação, a cultura e sei, ou saberia, dizer-vos quantos sapos ele engoliu para poder publicar os autores que realmente valem. Traduzi alguns poucos livros para ele, temo-nos encontrado por aí e a conversa cai sempre no mesmo. A livralhada que se edita por amor, a que se edita para ganhar cacau para com isso editar os que se venderão mal e por aí fora. O Manel sai da ASA (grupo Leya) alegadamente de motu próprio. Há uns meses, no enterro do Eduardo Prado Coelho eu dissera-lhe que não acreditava que ele se aguentasse. O Manel como de costume discordou. E como de costume, enganou-se. Só queria ter as mesmas certezas quando jogo no euro-milhões.

Deixemos as tropelias das editoras nouvelle formule de lado e pesquisemos: Vamos dar uma voltinha pelos brindes dos jornais.
Anda por aí em venda um “Atlas de Portugal” de saídas semanais. Vai no 9º volume em 20 projectados. Para mim está bem, é fácil de ler, interessante e bastante completo.
Uma outra edição ligada a jornais é “Os anos de Salazar”. Vai no 5º volume e pelo andar da carruagem também deve vir a ter cerca de vinte. Iconografia excelente, artigos eficazes, fiável, colaboradores que se têm distinguido no campo da história contemporânea.
Finalmente, no capítulo do cinema, uma colecção que não sendo a minha é também a minha quanto mais não seja porque a estou a comprar: “grandes realizadores/cahiers du cinema”. Também semanal, o filme traz um livro. Não estão lá todos os grandes mas isso seria quase impossível. Escolheria um que outro filme diferente mas, quem sou eu?, a colecção é boa e vale a pena.
Sem ter nada a ver com jornais, anda por aí à venda uma colecção de “westerns”. Para maluquinhos como este vosso criado, é um petisco. Ainda agora saiu mais um Ford dos velhinhos, dos pouco conhecidos, mas uma fita das arábias. “Western” puro e duro, com a malta a morrer competentemente calçada. Ao pé do que por aí se vê, aquilo é cinema. E isso me basta.
Não há bela sem senão. A cavalo dado também se deve olhar o dente. Anda por aí uma colecção de biografias gratuitas de “personalidades” do século XX português. Percebe-se mal o critério da escolha mas isso é de somenos. Os textos são fracos, a iconografia paupérrima e nem o facto de serem de borla justifica tudo. Nota final: medíocre.
Os amadores da música clássica já devem saber que a Brilliant Classics (sempre ela!) juntou mais uma integral às de Beeethoven, Bach, Mozart, Chopin et alia: Brahms. Como de costume excelente e a bom preço. 60 discos, €58,57, na Amazon. Deve estar a chegar com o luso e habitual atraso à FNAC.
Esta edição da Farmácia leva o número 50, número redondo, e devia intitular-se Pharmacia. Por várias razões. Primeiro porque o remendado “acordo ortográfico” é, pior do que um erro, uma estupidez. Pensar que com uma ortografia diferente e facilitada vamos entrar no “mercado das grandes línguas mundiais” é uma imbecilidade catatónica e diz tudo sobre uma certa maneira de ser português: muita parra e pouca uva. Segundo porque, à semelhança de todos os anteriores acordos celebrados, vamos cedendo na ortografia mas o outro acordante vai mudando (como mudará outra vez, não tenham dúvidas) as regras do jogo até mais outro desacordo e mais outro (e pior) acordo. Terceiro porque com o novo acordo nem um só livro a mais irá ser exportado para o Brasil. Não é a grafia que os incomoda é o resto, semântica incluída. Em vez de nos gabarmos dos duzentos e tal milhões de luso falantes dos quais apenas dez são nossos deveríamos olhar para o lado e perguntar-nos porque raio de razão holandeses, suecos húngaros ou noruegueses são mais cultos, mais instruídos, mais leitores, mais escreventes e, já agora..., mais ricos do que nós.
Pessoalmente, declaro-me em estado de rebelião civil contra o acordo que obviamente não seguirei. É um gesto inútil, claro, mas menos inútil do que escrever fato por facto, ou algo do mesmo teor.

PS que não tem nada a ver com isto: quatro mortes, 4: o r(inh)o Santos, figueirense, homem de coração e de espírito, humor que se queria ácido mas acabava terno, o Zé Rita, companheiro de futebol na praia, caloiro no mesmo ano que eu e um imoderado gosto pela vida, João Taveira da Gama, do velho CITAC um social-democrata que era mesmo social democrata, viveu como quis mas a da gadanha não perdoa, Jules Dassin, um realizador de cinema talentoso e corajoso. Mc Carthy não o venceu e os “rapazes do Pireu” na voz de Melina Mercuri ainda soam aos nossos ouvidos.

Na gravura: imagem de "Never On Sunday", "os rapazes do Pireu" por cá, um filme de com DassinMelina Mercuri, grande, grandíssima actriz e mulher de coragem e de princípios.

03 janeiro 2008

Farmácia de Serviço 41


Sobre a Pharmacia

Entra no seu terceiro ano esta série. Melhor dizendo está lá quase. Em boa verdade, acabo de me certificar, foi em Março de 2006 que começou a Farmácia de Serviço. Tratava-se de, num blog de acentuadas características jurídicas, introduzir pequenas chamadas de atenção para o ar do tempo noutras disciplinas menos graves mas igualmente vitais.
Com uma outra pequena característica: nunca se pensou numa agenda cultural, sequer em referir coisas particularmente importantes do ponto de vista cultural. Nada disso. Ou muito pouco disso. Essa forte responsabilidade ficou reservada para os cavalheiros e damas que tem escritório com tabuleta e porta aberta para a praça das Letras, Artes & Similares.
O cronista é apenas alguém que gosta de ler como gosta de sardinhas, de pintura como de passear pela praia e por aí fora. Para a cultura com C maiúsculo, très a la page, já dei e há muitos anos, tantos que nem me lembro. Fartei-me de ver, criaturas pomposas carregadas de conhecimentos profundos e respeitáveis, ao par das últimas escolas, dos últimos “chismorreos”, das modas evaporantes que duram menos do que as mariposas, discorrer gravemente sobre assuntos que espantavam o público e o faziam fugir a cem à hora. Ou então, igualmente penoso, vi, de nariz apertado pelos dedos que me restam, e são todos, felizmente, louvaminhar as piores inconsequências, as facilidades, o tradicional lusitano, a cultura dos retroseiros e daquele ministro pacóvio que veio ao porto dançar com as vendedoras do Bolhão perante o olhar entusiástico do senhor Dr. Rui Rio, outro que tal.
Ou seja: a Farmácia tem navegado entre escolhos e nem sempre se safou de algum encontrão, de alguma roçadela. Não foi a pique e essa não é a sua menor vitória.
A seu favor tem apenas esta coisa simples: nunca, ou rarissimamente, se recomendou poção que o boticário não tivesse provado. Livros, discos, exposições, concertos e tudo o resto passaram pela rasa do patrão da loja. Há melhor? Seguramente! Esqueceram-se acontecimentos, obras e situações importantes? Sem dúvida. Mas aqui escreve-se para gente normal com alguma inclinação pelas artes e letras. Sem excluir essa outra e importante: a cidadania. E seguindo a máxima de um senhor bispo de Viseu que recomendava aos seus fregueses tomar a religião como se toma o sal na comida. Nem muito nem pouco, apenas o necessário.
Dito isto passa-se ao balanço do ano que se finou. E pelos mortos começamos: morreram três pessoas que merecem uma palavra: A Fernanda Botelho, uma escritora que nunca se pavoneou mas que escrevia com o próprio sangue, ou algo semelhante. O Alberto Lacerda, outro que passou despercebido a tantos, a quase todos, mas que em matéria de poesia “tinha a noção da galinhola” se a citação me é permitida. E o Eduardo Prado Coelho, um amigo de trinta anos que li diariamente, que me irritou vezes sem conta, com quem discuti in mente tantas vezes, que me enfureceu duas ou três, que me comoveu mais do que eu quereria, que tinha espírito, humor, fragilidade, ingenuidade, inteligência, apetite, vontade de viver tudo em quantidades excessivas. Ainda há uns tempos esteve aqui em casa, contando-me peripécias da sua movimentada vida sentimental que me fizeram rir a bandeiras despregadas ao mesmo tempo que me maravilhava com a sua inocência e ingenuidade e com a sua bem humorada confissão. Faz falta o EPC, faz falta o gordinho, faz falta aquela sua perpétua inquirição, a paixão pelas ideias, aquelas negaças que ele fez à maligna, como se fora um toureiro (!!!) desajeitado mas valente. Irritei-me, já o disse, com a sua defesa desta pobre imitação de socialismo praticada por esta pobre imitação de governo, mesmo sabendo que, tête-a tête, o EPC lhes disse um par de verdades. Está morto e apodrece um dos espíritos singulares da segunda metade do nosso século XX. Não deixa herdeiros e esse será o pior dos seus veniais pecados.
Não vou falar do Ministério da Cultura. Hoje alguém contactava-me indignado com um abaixo assinado contra a Ministra. Propunha outro abaixo assinado a favor. Disse-lhe que não assinava o primeiro por o desconhecer e o segundo por conhecer a obra feita. Isabel Pires de Lima terá qualidades, será uma queiroziana de mérito mas não tem jeito para aquilo. A sua navegação de cabotagem pelas costas rochosas da cultura é feita de erros e de errâncias, fez o frete vezes demais, foi inconsistente nas batalhas em que se meteu (e perdeu...) chegou tarde e a más horas às conclusões acertadas (quando chegou) numa palavra foi ainda pior em termos de comunicação do que outro nortenho que também se estampou nas lides ministeriais: Fernando Gomes.
Não tenho o menor gosto em dizer isto porquanto tinha dela uma boa impressão e julgava a equipa da cultura adequada aos dias que se vão vivendo. Já não o julgo. Demorei demasiado tempo porque antepus sentimentos pessoais a uma “análise concreta da situação concreta”, como diria um dos maîtres a penser da equipa ministerial... que provavelmente já dele se esqueceu, mas isso é outro falar.
Também não me parece oportuno babar-me sobre esse cavalheiro, barão da finança, que dá por Berardo. Estou farto, fartíssimo, de lhe ouvir patacoadas, acho que de benemérito não tem sequer o ar, a colecção é pirosa, o uso e abuso de Belém só foi possível num país como este que, subitamente, descobre o cheiro do dinheiro e o venera destemperadamente. Tinha de ser um governo “socialista” (boa piada!...) a dar de mão beijada um espaço para aquilo. Que há lá coisas boas? Claro que há. Mas também há muita lantejoula e isso daqui a pouco tempo será evidente. Deixem-nos poisar...
Em contrapartida, celebremos como se deve (e não se celebrou) os gestos discretos que estão no nascimento de duas instituições culturais: O Museu de Arte contemporânea de Elvas onde estaciona a excelente “colecção Cachola” e a fundação António Prates, em Ponte de Sor. Ora aqui estão iniciativas cidadãs de alta qualidade, de desinteressado patriotismo (feia palavra!) e de claro sentido cultural.
Não vou referir a desinspirada observação de uma ministerial criatura que regougava dislates sobre o facto da colecção Berardo colocar Lisboa no coração dos percursos culturais peninsulares. A pobre mente não deve saber de Bilbao, de Valência, de Madrid, de Barcelona, de Mérida e de mais dez cidades onde a palavra cultura se pronuncia mais simplesmente, menos sonoramente e menos impudentemente.
A televisão surpreendeu tudo e todos com duas realizações: Joaquim Furtado e António Barreto mostraram que cá também se pode usar a televisão para coisas interessantes, como sejam meditar um pouco sobre nós próprios e a nossa circunstância.
Uma mulher desarmada tem mostrado que em matéria de ONG se podem fazer milagres: Isabel Jonet é o rosto da persistência e da organização. O Banco contra a Fome é eficaz, chega a tempo e e não faz dez por cento do espalhafato de outras organizações cujo nome se omite. De propósito.
Outra mulher mostrou como a força de vontade, à falta de meios mais substanciosos, pode servir de base a uma história de êxito: Irene Pimentel ganha o “Pessoa” e ganha o público. A sua “História da PIDE” merece ser lida. Pela seriedade, pela sobriedade, pela honradez.
Uma última palavra sobre esse espantoso negocio da compra de editoras. De repente os fiananceiros, ou financistas se quiserem, descobriram que as editoras podem ser um bom negócio. Editor falido (enfim com mais cem amigos...) da Centelha só tenho pena de não termos chegado vivos até hoje. Provavelmente teríamos dito não ao maná mas isso ter-me-ia enchido de gozo. Todavia, pergunto-me: as editoras dão mesmo dinheiro? Há assim tanto leitor por aí à solta a comprar livros à doida, como um certo mcr que eu conheço e que nem se atreve a dizer quantos livros comprou em 2007? É que ainda pode haver alguma lei contra os perdulários e aí ficaria como os fumadores: pendurado no pelourinho, réu reincidente. Livra!
E tenham bom ano (os que até aqui chegaram).

A gravura: não tenho nenhum amor pela cocaína mas não resisto a pensar que neste momento os cocainómanos são mais bem tratados do que os fumadores. Injectam-se à vontade, vão buscar a sua dose tranquilamente, aos lugares do costume, conhecidos de toda a gente, até da polícia, pedem uma moedinha que poucos recusam com medo de represálias, tem salas de chuto e vão ter ainda mais, custam mais dinheiro do que os amadores do cigarro, volta e meia roubam e podem mostrar-se ás criancinhas das escolas sem receio de serem confrontados com a ASAE. Essa mesma cujo director rapa de cigarrilha num casino. Já agora: Os casinos são instituições de utilidade pública reconhecida? Além de sacarem o dinheiro aos parvos que os frequentam (muito dinheiro!) ainda têm direito a lei própria sobre o tabaco? gand'a país!!!

* Sou ex-fumador pesado (4 maços/dia) há mais de dez anos. Abandonei o tabaco sem razão alguma: sentia-me bem, não tinha catarro, tosse, falta de ar, nada. Decidi deixar de fumar e pronto.
** Não se referem outras figuras desaparecidas porque isso foi a seu tempo feito nesta ou noutras secções que também assino. De livros falar-se-á com vagar no "leitor (im)penitente"


30 novembro 2007

Farmácia de Serviço 40


Ai os livros... (mais do mesmo!)

Eu tinha jurado a mim próprio que este ano ia ser de vacas magras. Pouca compra que o que por cá o que mais há é livros em lista de espera.
Mas o vício espreita a cada canto e as oportunidades saltam-nos ao caminho descaradamente.
Desta feita foi uma coisa que provavelmente vos despertará alguma reminiscência: A “Residência de Estudiantes” essa extraordinária instituição madrilena onde nos anos trinta se encontraram Lorca, Dali, Buñuel, Cernuda, Altolaguirre e Bergamín. Para não falar noutros frequentadores, Alberti à cabeça.
Agora a “Residência” é uma fundação muito embora ainda hospede por curtos espaços de tempo escritores e artistas. E é também uma editora! E que editora! Tenho aqui, acabadinhos de chegar, fresquíssimos portanto, cinco títulos de encher o olho e esvaziar a algibeira: “Luís Buñuel, el ojo de la libertad”, “Alberti, sobre los angeles”, “Ruedo Ibérico, un desafio intelectual”, “Luís Cernuda, álbum” e “Pablo Neruda, álbum”. Estes dois últimos são foto-biografias, muito ilustradas, capa dura, uma delicia. O Alberti é um catálogo lindísimo (como o Buñuel...) mas traz incluído o famoso livro que lhe dá título em fac-simile. Finalmente o catálogo do Ruedo ( e deve haver por aí alguém que lhe tenha frequentado a livraria em Paris, na R. de Latran) resume uma aventura a que nós portugueses deveríamos também estar gratos pois aquela casa e aquela editora também dedicaram alguma atenção às nossas desgraças. A Residência tem um belo site (www.residencia.csic.es) mas quem quiser encomendar fará melhor em telefonar. As pessoas de lá são atenciosas, entusiastas e percebem portunhol.
Sempre de Espanha, três novidades dignas de atenção: “sagas islandesas de los tiempos antiguos” (recolha de quatro sagas que à vista desarmada, não constavam de nenhuma recolha que eu conhecesse (e juro que conheço uma boa dúzia...). A responsabilidade da tradução é de Santiago Ibañez Lluch e a editora é a Miraguano. Sai a 15€. Um pouco mais caro deverá ser o último Reverte: “Un dia de cólera” (Alfaguara): o dois de Maio revisitado por um prosador ágil e competente. Finalmente é de chamar a atenção para o prodigioso Javier Marias de que se publicou há dias “Veneno y sombra y adios” terceira e ultima parte de “Tu rostro mañana”.
Passados os Pirinéus, suponho que já aqui referi uma revista chamada Telerama, muito orientada para as notícias do mundo dos espectáculos nomeadamente a televisão. Saindo dessa trivialidade a Telerama apresenta um copioso número de “hors-serie” de altíssima qualidade. Dei por eles graças a um admirável “René Char” e descobri depois que, de Brassens a Chagall, de Tati a Cézanne, de Verne aos Renoir pai e filho, há ainda disponíveis mais sessenta títulos. (www.telerama.fr) Com sorte e choradinho eles fazem 6€ por exemplar.
Na farmácia anterior referia a editora musical “brilliant classics”, um fenómeno de preços baixos e alta qualidade. Então não é que eles publicaram mais um caixote com as integrais sinfónicas de 12 conspícuos cavalheiros (Mozart, Beethoven, Haydn, Schubert, Mendelsohn, Schumann, Brahms, Mahler, Nielsen, Chostakovitch, Borodine, Dvorak e Muzio Clementi (1732-1832, de que nunca ouvi falar! )) São cem discos por 85€... Esperemos que a Fnac de cá se lembre de mandar vir. Senão já sabem: abeillemusique.com.

29 novembro 2007

Farmácia de Serviço 39

Consumismo natalício

O Natal ronda-nos a porta e boa parte das pessoas esfrega as meninges à procura de uma ideia para sair da monotonia dos presentes sempre iguais. E, já agora, presentes não muito caros que o forno, como dizem os vizinhos do lado, não está para bolos.
Esta botica não tem grande variedade de artigos. Isto é artesanal pelo que não procurem demasiadas coisas. Para isso há os chineses, a FNAC e outras catedrais do consumo. De todo o modo não creiam que arrenego da FNAC. Era o que faltava. Volta e meia há lá belas surpresas e será por aí que começaremos.
A livralhada na FNAC é o trivial. Aquela malta arrisca pouco e não está para aturar as pequenas edições, mormente de poesia. Mas na música a coisa fia mais fino. Com sorte poder-se-ão encontrar alguns mimos e dentre eles, sempre se recomendarão algumas antologias da Callas, a inimitável. Há para todos os preços desde um duplo chamado “una voca poca fa” (Black Box BB229) até a edições completas ou quase.
Anda também por lá uma colecção “Quadromania” que, por parcos maravedis, oferece duas óperas diferentes em versão integral. Alguém me disse que ouviu o volume que traz “A sonâmbula” de Bellini e a “Lucia de Lammermoor” de Donizetti e que ficou muito agradado. Eu segui-lhe o conselho e já aprontei um presente com estes dois conjuntos.
Por menos de 50€ anda pelas mesmas paragens o caixote dos “50 ANOS da Harmonia Mundi”: soberbo!
Para voos um pouco mais altos mas ainda acessíveis (?) aí está em todo o seu esplendor a caixa com a “Integral” de Beethoven, uma produção da Brilliant Classics.
Finalizemos com a colecção “Les trésors du Jazz” (Le Chant du Monde”). O 1º “coffret” é de grande qualidade, garanto-o porque o ouvi. Aliás, tenho por hábito só recomendar o que conheço.
Abandonemos a FNAC e passemos à importação: quem resolver explorar a abeillemusique.com encontrará excelentes surpresas sobretudo nas edições “Opera Rara”. A “Opera Rara” é como o porco: aproveita-se tudo: saiu agora na colecção “Il salotto” o volume 11º : La Serenatta. Pela parte que me toca já o mandei vir.
Ando há muitos anos atrás de “kwelas”, essa música suburbana da África do Sul. Recomendo três autores de grande gabarito: Spokes Mashiyane, Hugh Masekela e Donald Kachamba. Do primeiro há um título glorioso: “King Kwela”. No mercado de 2ª mão anda pelos 90€ (!!!). Quem quiser uma introdução a esta música vigorosa procure “A long way to freedom”. Está na Amazon.fr
E agora a livralhada. Para além do imperdível “Ir para o Maneta”, um exercício de inteligência, só uma dica: “Kalevala”. Eu sei que isto parece difícil. Não é. Leiam duas páginas ao calhas e depois digam-me o que pensam. Para quem não sabe, o “Kalevala” é uma espécie de rapsódia, ou um poema constituído por centos de poemas de raiz popular. Ah, esquecia-me, é finlandês. Mas em tradução portuguesa: um doido chamado Orlando Moreira leu aquilo, espantou-se, e vai daí traduziu a coisa a partir de várias traduções em línguas menos estranhas. Eu não sei finlandês, nem o vou aprender, era o que faltava nesta idade mas há muitos anos, quase 30, caiu-me na unha uma edição deste longo poema. Em francês na edição absolutamente louvável de Jean-Louis Perret (Stock Plus, Paris 1978). E fui lendo devagar devagarinho. Acabei a leitura oito anos depois, em Murnau, entre bávaros bebedores de cerveja e malta estudante do Goethe-Institut. Conheci aí uma finlandesa (honny soit...) que primeiro espantada e depois interessada me forneceu um par de explicações sobre o autor, Elias Lönnrot. Este cavalheiro percorreu a Finlândia de lés a lés recolhendo centenas ou milhares de canções populares que depois com espírito de cerzideira uniu. O resultado é prodigioso. A editora chama-se Ministério dos Livros e começa bem, muito bem. Com estrondo. Leitores e Amigos: folheiem o livro, leiam uma ou duas páginas e façam um favor a vocês mesmos: comprem aquilo que não se arrependerão. É para ler devagar, ao sabor do acaso, com a idade esta poção só melhora. A edição é bonita, o livro vem encadernado, a letra é gorda e na tradução sente-se muito amor pela literatura. Mesmo quando (e acontece) se discorda de um ou outro termo...

04 novembro 2007

Farmácia de Serviço 38


O Natal aproxima-se. Já pensaram na vossa prenda? Na prenda que devemos dar a nós próprios para não ficar a remoer pensando que demos tudo a todos e nos esquecemos de nós que ao fim e ao cabo também mereceríamos qualquer coisinha?
Se responderam sim, ainda bem: provam que não são tolinhos desses de atar, de esconder, de esquecer.
A caridade, bonita virtude teologal pode muito bem começar ou, pelo menos, continuar, por nós mesmos.
Esta botica, cada vez mais merencórea e faltosa, abre as portas especialmente para a época festiva. Em boa verdade deveria recomendar-vos uns mimos de boca, um presuntinho dos de longa cura, o vinhito para acompanhar, não há coisa mais triste que uma bela lasca de presunto que se tem de comer a seco, ou com água que é a mesma coisa. Ou uns salpicões mimosos, desses que agora se vendem em Trás-Os-Montes a preço de oiro fino. Umas alheiras das verdadeiras dessas que são feitas em casa, de um porquinho conhecido, já sei que vão dizer que isto é uma afronta à cultura judaica mas resta saber se a alheirinha vem mesmo dos marranos ou se é coisa mais antiga. Ou se vindo, cedo incorporou o porco, daí não veio mal ao mundo, antes pelo contrário, até a terá melhorado, mas enfim, passemos adiante que atrás vem gente.
Vamos para alimento mais espiritual que agora anda tudo a fazer ginástica, jogging, pilates e não sei que mais tontices. Andem mas é a pé, mandem o pópó às malvas, e verão como perdem o pneu e o resto. Andar nesses ginásios é não perder peso e engordar a bolsa do dono.
Portanto aqui vão uns discos que além de serem baratos (porque são muitos) são bons, retintamente bons. E comecemos por uma extraordinária antologia, um cacharolete de grandes intérpretes russos: Sviatoslav Richter, Emil Gilels, Lazar Berman, Evgeny Kissin, David Oistrakh, Leonid Kogan, Viktor Tretiakov, Gidon Kremer, Mistilav Rostropovich e Daniil Shafran. Estes cavalheiros são agora editados numa caixa de 100 (cem!) discos sob o nome de Russian Legends (legendary russian soloists of the 20th century) mais uma criação da Brilliant classics (menos de 80 euros na Amazon.fr!!!!)
Por quarenta euros anda na mesma vendedora uma caixa da Harmonia Mundi com 50 cds. Alguma da melhor música barroca e montes de coisas boas, ou seja cada disco por 80 cêntimos!
Os amadores de jazz também são contemplados. Por cá nas fnac andam cinco caixas dos “trésors du jazz” produzidas por André Francis e Jean Schwart. Trata-se de uma pequena história do jazz e chama-se a atenção sobretudo para o volume 3º relativo a 1952 que ganhou todos (ou quase) os prémios possíveis e que traz dois extras relativos a outros volumes. Um auditor baba-se e goza que nem um cabinda.
Sempre nesta onda, uma caixa com 10 Milles Davis a 9, 95!!!
Finalmente, para quem quer começar a ter jazz e não está para grandes trabalhos apareceu um caixote, um caixotão com 168 cds com o título “the ultimate jazz archive” que obviamente já cá canta. (Aliás eu só excepcionalmente recomendo artigos que não tenha já. Não é por nada mas assim sei do que falo.) Ainda só ouvi os primeiros quatro discos portanto não vou além do que já disse de bem.
E para a nostalgia, tão de moda, na época natalícia? Pois uma pitada do grande folk americano: uma caixinha com três discos de Woody Guthrie, Josh White e Pete Seeger. Chama-se “american folk heroes” e é editada por uma enigmática “Soho records” ou algo que o valha. O que tem graça, ou melhor, o que não tem graça nenhuma é que perguntados por Pete Seeger nenhum de três vendedores em duas fnacs me soube sequer dizer quem era o gajo.
E alguns livrinhos, quentes a sair do prelo: A quid novi, editora atrevida, acaba de lançar uma colecção a quatro virgula tal euros, sobre campanhas militares portuguesas. Aljubarrota, guerra peninsular, guerra lusa castelhana em tempos de Afonso e João o II, rei grandioso, a par de Dinis e muito poucos mais, e as batalhas que consolidaram as fronteiras durante os primeiros anos deste país que merecia melhor governo. Ainda só meti o dente no Aljubarrota (Luis Miguel Duarte) mas o provado aprova-se. LMD escreve com desenvoltura, simplicidade e inteligência. Querem mais?
E um enorme livro reeditado: “Debaixo do vulcão” de Malcolm Lowry. Parece que se trata de uma nova tradução mas isso não deverá ter grande importância. A antiga, dos anos sessenta já mostrava um escritor genial. “Debaixo do vulcão” tem contudo um defeito e gordo: acabamos de o ler e ficamos com uma vontade horrível de mais Lowry e zás aí vai uma corrida por outros títulos só apanháveis em alfarrabistas ou em línguas da estranja. Lowry é um vício que pega de estaca e já se sabe no que isso dá: mal estar na bolsa, irritação por não se poder escrever daquela maneira, ânsias por novo livro, desespero porque a obra é escassa enfim, o costume. E à boleia do Lowry porque é que não passam por uma editora porreirinha chamada “cavalo de ferro” e se atiram a um cavalheiro chamado Haldor Laxness, um prémio Nobel antigo, islandês e interessantíssimo? Aposto que iriam gostar.

ilustrando a bíblica sentença "os últimos serão os primeiros" a gravura é um retrato de Laxness, esse islandês digno dos das sagas

11 setembro 2007

farmácia de serviço 37


A EMOÇÃO EM ESTADO PURO

A receita de hoje, vai parecer bem magrinha a quem (se há alguém aí desse lado) frequenta este estaminé. Tempos duros, difíceis, tempo de vacas magras e políticos gordos, mas isso é outro falar, cala-te boca, juízo, juizinho, que ainda te arrependes que “os de cima”, como dizia o B. B. (o de Augsburg, já falecido...) ainda te açulam a canzoada que medra por essa jornalada, atrás de tudo o que mexe, parece que é por via da iníqua liberdade de imprensa, da nossa imprensa ainda ontem saída da mordaça e com hipóteses de para lá voltar, uma imprensa bisbilhoteira é uma imprensa má, irresponsável, carteira profissional em cima deles, chicote, “knut” para citar um saudoso e desmilinguado ex-militante do partidão que agora professa uma sã aversão às extravagancias da liberdade, enfim deixemos isto que não vale a tinta metafórica que neles se gasta.
E vamos ao que interessa, Eric Tanguy, diz-vos alguma coisa? A mim também não dizia nada, raspas de nada até há uns dias em que ainda sem saber o nome da criatura vi um extraordinário Michel Blanc recitar acompanhado de uma orquestra um texto que me pareceu lindíssimo. Texto e música, já agora. Música da boa, pelo menos para mim, que não sou assim tão boa boca como isso. Numa segunda vez, também em zapping, voltei a apanhar este trecho. Sempre no mezzo, se não erro.
Raios parta isto, murmurei in imo pectore, que diabo será isto?
O diabo que, como sabem, anda de monco caído, com a desclassificação vaticana do inferno, agora ouve toda a gente. E já não é preciso vender-lhe a alma para ele, anjo decaído e decadente, fazer um jeito. E fez.
Apanhei, de cabo a rabo, o monodrama (é assim que lhe chamam) Senéque, dernier jour.
Recitante Michel Blanc acompanhado pela Orquestra da Bretanha. Música de Eric Tanguy sobre um libreto de Xavier Couture.
Tentei ver se há disco por aí. Niente, pelo menos nos locais do costume nem sequer na abeillemusic...
Para quem conheça os costumes do programa mezzo é fácil perceber que eles voltarão a transmitir este concerto. Não o percam. Uma pessoa faz as pazes (se é que alguma vez as cortou...) com a música contemporânea.

A gravura é de um disco de Eric Tanguy

18 agosto 2007

2ª adenda à farmacia de serviço 36


um disco que revolucionou o jazz:

perdido
salt peanuts
all the thungs you are
52nd street theme
drum conversation (Max Roach)
cherokee
embraceable you
hallelujah
sure thing
lullaby of birdland
I've got you under my skin
hot house
night in Tunisia

Estão aqui os temas tocados nessa mágica noite do Massey Hall (15 deMaio de 1953) por um quinteto de génios de que se dão os nomes: Dizzy Gillespie (1917-1993), Charlie Parker (1920-1955), Bud Powell (1924-1966), Charles Mingus (1922-1979) e Max Roach (1924-2007).
A história do jazz está pejada de momentos excepcionais, de milagres irrepetíveis como verdadeiros milagres que são. Este pode não ser o mais glorioso mas que está nos cinco primeiros não tenham dúvidas.

adenda à Farmácia de serviço 36


Max Roach


Os grandes músicos nunca morrem.
Andam em digressão por aí.

17 agosto 2007

Farmácia de Serviço 36


Nos velhos tempos de Coimbra, corria num pequeno grupo, mais outro!, que se reunia no “Mandarim” uma anedota que tinha por herói o pai de um dos seus membros. Reputado amador de música, o senhor ***, tinha as suas manias, os seus ódios e as suas paixões. Parece que a sua vasta cultura musical tornava difícil qualquer discussão sobre as suas opiniões. Opiniões fortes, constava.
A questão ter-se-á mesmo exacerbado a tal ponto que, confrontado com um adversário mais coriáceo, sobre Beethoven, o referido melómano terá exclamado:
Beethoven? Por vezes inspirado mas sempre ordinarote!
(Se non e vero è ben trovato...).
Ora bem, amadoras (e amadores) da grande música, o vosso boticário nem em férias descansa, pensa em vocês todas, nas que só ouviram o “für Elisa” até às que conhecem o querido Ludwig nos seus mais íntimos pormenores.
Todas (e todos, ao fim e ao cabo ainda terei algum leitor) ganharão em saber que a excelsa editora “Brilliant Classics” se atirou à edição de uma integral do Mestre. Depois de Mozart, Bach e Chopin eis uma integral beethoveniana a baixo preço: 100 discos por 99€!!!
E, perguntarão as leitoras astutas e fartas de cair no barrete dos saldos, quem é que toca? A orquestra de Quadrazais de Baixo?
Nada disso, gentis! Nothing but the best. Gulda, Masur, Brendel, J.P. Rampal, Colin Davis, Grumiaux, von Dohnanye et alia!
Tenho uma larga série de Beethovens na discoteca, as obras mais conhecidas claro e mais umas tantas ou quantas mais para melómano. De todo o modo ainda me faltam obras que de certeza me custariam mais do que os 99 bazarucos aí no mercado discográfico. Vou pois mergulhar de chapa nesta integral. Fico com repetidos? Ora, ora. Há sempre um amigo que não se importa de receber como prenda um disco já ouvido.
Uma prevenção: a integral sairá em França a 13 de Setembro. É provável que chegue cá lá para Outubro ou Novembro. As mais apressadas podem entretanto consultar o site www.abeillemusique.com ou a www.chapitre.com, entre outros para encomendar.

19 julho 2007

Farmácia de Serviço 35







Nikias Skapinakis


Quem se der ao trabalho de ler o último "JL" (Jornal de Letras Artes e Ideias, nº 960) terá a grata surpresa de se deparar com uma "autobiografia" de Nikias. Não há que enganar: é na última página.
Escrita num tom desenfadado, retrata, todavia, uma vida exemplar de um pintor exemplar.
Nikias é efectivamente um dos nossos "grandes" e, como tal, é normalmente esquecido por alguns rapazes que adoram de tal modo a novidade que se esquecem dos ingredientes com que ela é feita. Não que Nikias (ou Pomar, ou Lanhas ou Batarda ou o Jorge Pinheiro) sofra(m) com isso. Os "amadores", isto é as pessoas que gostam mesmo de pintura, estão atentos e de cada vez que uma mostra do Nikias tem lugar é um ver se te avias. Eu bem gostava de "pôr" aqui uma serigrafia que me faz companhia desde os anos 70. Como ainda não sei fazer isso, fui buscar este "Delacroix no 25 de Abril" à internet.
Espero que gostem.

PS: o "JL" já vai no número 960! Num país tão ao avesso isto é de certeza o quarto segredo de Fátima: como é que foi possível chegar até aqui?

16 julho 2007

Farmácia de Serviço 34


Aldous Huxley

1894-1963

Duas ou três Graças
Sem olhos em Gaza
Admirável mundo novo
Regresso ao admirável mundo novo
etc...

Quem tiver pachorra procurará nos alfarrabistas as obras indicadas ou outras. foram editadas por Livros do Brasil na colecção Dois Mundos. Mais recentemente, houve uma reedição do Admirável Mundo Novo na colecção "mil folhas" a cargo do "Público".

25 maio 2007

Farmacia de serviço 33


Feirar na feira


Feirar: 1. o mesmo que enfeirar; transaccionar (Houaiss).
2. Comprar na feira (GDLP).
3
O mesmo que enfeirar; .fazer compras na feira ou fora dela (Cândido de Figueiredo ).

Desculpem o recurso às autoridades dicionaristas mas há um leitor (atrevido!) que me acusa de usar palavras inexistentes, esquisitas ou difíceis.

A feira está por aí a rebentar. A leitorinha prevenida vai até lá já com a lista feita. À cautela aqui vão umas sugestões que as férias (olha uma palavra com o mesmo étimo de feira) estão a anunciar-se e nada melhor que um guarda sol, cadeira confortável, muito mar e um livro para ler.
1 Erico Veríssimo. Esse mesmo, o do “Olhai os lírios do campo” mas agora em tom maior como convém a uma grandíssima e belíssima saga: “O tempo e o Vento”. Ou seja, a vida de várias famílias ao longo de um século (aliás mais) no Rio Grande do Sul. As guerras de ocupação e fixação de fronteiras, a revolução farroupilha o nascimento de um poderoso Estado do Brasil de onde vieram alguns dos mais notáveis políticos brasileiros. Saiu agora o segundo volume: “O Retrato”. Não percam. É absolutamente fascinante, está pejado de personagens fortes, já nem falo nas mulheres..., e para glória dos trinetos (a minha geração) aparece lá um certo dr. Winter. Eu não resisto a desvendar quem é: nada mais nada menos do que o médico prussiano, Ernst Richard Heinzelmann, nascido em Havelberg a 4 de Janeiro de 1820. Convidado a vir para o Brasil chefiar uma missão de combate a um par de doenças tornou-se cidadão brasileiro por decreto do imperador Pedro II e constituiu família neste pais e naquele Estado. Razões bur(r)ocráticas de um funcionário do Registo Civil impediram o meu pai de juntar este nome aos restantes de família.
Jorge Amado e Guimarães Rosa, consideravam Erico um grande escritor, uma leal amigo e um homem de grande qualidade. Basta ler a esse respeito o que Amado escreve sobre Veríssimo em “Navegação de cabotagem”.
2. E aqui está a segunda sugestão: “Navegação de cabotagem” o mais delirante livro de memórias que conheço. E o mais bem humorado... São às centenas as histórias sobre um gigantesco conjunto de escritores, pintores e músicos que encheram os anos 20 a 60. De todos os lados, todos os continentes, todas as línguas. Uma espécie de história intelectual da inteligentsia desses anos. Imperdível. Aconselhei este livro a um largo par de amigos que ainda hoje me agradecem!
3. E agora um velho amigo meu, trota-mundos, poeta, jornalista de viagens, romancista e historiador: Fernando António Almeida. Dele acaba de sair “Fernão Mendes Pinto”, que tem por base a tese apresentada há trinta e tal anos na universidade de Liége. Quem, pela feira, der com “Esmirna, cidade azul” ou “Marina noiva da vida”, arrisque que são duas agradáveis novelas.
4 Julgo que a “Taschen” não tem barraquinha na feira. Se tiver atirem-se a “Description de l’Egypte” (que é nada mais nada menos do que o sumptuoso relatório ilustrado da expedição científica que acompanhou Napoleão) e a “Berlin” um recentíssimo livro sobre esse especial lugar do meu contentamento: “Berlin, the spirit of Berlin” (há também em francês e alemão, 50 €).
5 Terminemos este pequeno périplo com António Faria, cineasta e escritor (“Emenda e soneto” para quem se lembra): “Linha estreita da liberdade (a Casa dos Estudantes do Império)”, Colibri ed.
A “casa”: um espaço mítico nos anos sessenta. O ponto de encontro dos estudantes vindos das colónias e dos seus (muitos) amigos metropolitanos. Ficaram lendárias as festas que lá se faziam, onde pela primeira vez se ouviram as “coladeiras” de Cabo Verde os a “marrebenta” de Moçambique! E os kwelas da África do Sul... A casa foi o viveiro de muito dirigente africano mas foi ainda mais um espaço de descoberta de uma outra realidade social e cultural. Foi na casa que primeiro se editaram Craveirinha ou Viriato da Cruz para já não falar em Luandino Vieira.
Ler hoje a história dessa associação de estudantes violentamente encerrada em 1965 é ler uma página de liberdade, da liberdade possível desse tempo.

Post-scriptum que não tem nada a ver: em tempos que já lá vão, a instâncias de um qualquer amigo comum, cometi a imprudência de emprestar vários livros editados pela Casa dos Estudantes do Império a uma pessoa que, dizia-se, andava a estudar literatura africana. Até hoje, várias décadas depois, os livros se bem que assinados ainda não regressaram ao seu lar de origem. Este é o primeiro aviso (e ainda não traz nome nem sexo de quem ilegitimamente os mantém na sua estante) no sentido de se obter a sua devolução: os leitores e amigos lisboetas fariam o favor imenso de fazer circular este apelo entre os seus conhecidos sobretudo se especialistas de literatura africana: mcr, o generoso (ou o parvo) requer imediato envio da sua propriedade. Senão...

Hoje, dia do jantar dos incursionistas, saem duas gravuras roubadas respectivamente aos livros citados (Berlin e Description...)

17 maio 2007

adenda à Farmácia de serviço 32

someone is going 'round....

alguém anda por aí a escrever livros!

alguém anda por aí a inocular nos cidadãos ordeiros, nas familias trabalhadoras, nas instituições democráticas e nos mais amplos estractos populares o péssimo hábito da leitura.

previnem-se todos quanto esta lerem dos efeitos eventualmente perigosos decorrentes do simples manusear de um objecto em forma de livro que ao lado se reproduz.

não comprem! não procurem! não encomendem! não leiam! não vejam!

se por absoluta infelicidade alguém entrar em contacto fisico com o objecto que aqui se reproduz fotograficamente deverá seguir o seguinte procedimento: lavar as partes em causa com uma mistura de óleo de amêndoas amargas, duas partes de água destilada, uma pitada de corno de rinoceronte asiática num excipente de café solúvel e vitamina C - serve cecrisina.

il y a quelq'un qui rode...

atención a los merodeadores...

achtung...

este texto falsamente atribuido a mcr, não é de mcr, pessoa que respeita a ordem estabelecida, as autoridades constituidas e a bem pensancia oficial

16 maio 2007

Farmácia de Serviço 32


O Pedro Sousa Pereira continua a fazer das suas. Desta feita ilustrou mais uma história de Jorge Araújo, outro que tal. Já tinham feito a meias “Comandante Hussi” (Quetzal) e por aí já lhes chegaram excelentes criticas e, acaso, um prémio. Desta vez reincidem com uma história fabulosa (o Araújo tem uma imaginação transbordante e o Pedro responde-lhe à letra com uns desenhos que só é pena ficarem tão pequenos quando impressos) sobre um bando de garotos patriotas em Cabo Verde. É de ler e chorar por mais!
Este Pedro é, logo se vê pelo tom babado, uma espécie de sobrinho, filho dum escultor que de vez em quando qual fantasma de Canterville visita estas páginas. Conheci-o no dia em que ele anunciava à paternidade a sua chegada a uma espécie de maioridade: “Pai, já calço quarenta e cinco!”
Fora isso e o facto de usar gabardina na praia, nada o distinguia dos adolescentes chatíssimos que circulavam pela praia de Moledo. Com o tempo fez-se um excelente jornalista e um óptimo ilustrador. É por isso e não por ser filho de quem é, ou por calçar 45 biqueira larga, que tem entrada aqui na farmácia. Aqui, já se disse, só entram mezinhas de comprovado efeito clínico. Para favores dirijam-se aquele escárnio que agora o Público edita e que substitui o desinfeliz mil folhas. Ou seja, o jornal de referência foi de cila para caribdis no que toca a suplemento cultural.

Na gravura: o novo livro da dupla Araújo & Pereira. Ó malta, eu é como se lá estivesse, mas como já li o livro, baldo-me à multidão que vos vai ouvir.