27 maio 2004

"Quem se lembraria?"

A crónica de Artur Costa, hoje, no Jornal de Notícias:


António Pinto Leite escreveu um artigo no último "Expresso" sobre Justiça, quando decorria a semana da chamada "Galeria dos horrores", em que, com notável bom senso e equilíbrio, colocou algumas questões pertinentes - o que não quer dizer mediaticamente ruidosas. Não escamoteando a ineficiência do sistema de justiça, Pinto Leite soube distinguir essa ineficiência, devida a causas estruturais, do zelo, dedicação e abnegação com que muitos, senão mesmo a maioria, dos que desempenham funções nos tribunais exercem o seu múnus. Um esforço inglório, como salientou, pois os resultados do seu labor perdem-se na frustração geral, que é a ineficiência do sistema. A propósito, alvitrou que muitos deles mereceriam ser condecorados pela forma abnegada do seu desempenho Ora, aqui está uma afirmação contra a corrente, proferida por quem sabe, digna de aplauso, não por razões corporativas, mas pela preocupação revelada pelo autor de ser justo e opinar com probidade. Nos tempos que correm, em que o que conta é, sobretudo, o sensacionalismo mediático e a conformação da opinião pública através dele, não é pequena virtude essa de ter a coragem de falar contra a corrente e de tornar visível o que normalmente não passa pela ribalta e se não vê. Nem mesmo as entidades oficiais o vêem; nem sequer os que têm responsabilidades a vários níveis no aparelho judiciário, mais interessados em apontar o dedo a bodes expiatórios. Mas quem é que, fora de critérios mediáticos e de interesses do grande público, estaria interessado em descobrir o valor de tantos os que trabalham insanamente na obscuridade dos gabinetes e secretarias mal amanhadas? Quem se lembraria de lhes dar uma medalha?

3 comentários:

josé disse...

Comecei a ler a crónica e a pensar: é desta! O "desta" seria um escrito a preceito sobre o verdadeiro assunto da crónica de Pinto Leite. E esse assunto é o problema da gestão dos tribunais e dos serviços. Para Pinto Leite, haveria muitas vantagens em tentar perceber como funciona, numa sociedade de advogados, a divisão de tarefas em que as pessoas fazem aquilo para que estão mais treinadas, com métodos de gestão adequados às necessidades.

Era mais sobre estes assuntos que eu gostava de ter lido- e ainda não perdi a esperança.

Kamikaze (L.P.) disse...

Apoiadíssimo,José!
Este escrito de Artur Costa corre o risco de, de tanto defender a corporação, acabar por contribuir para que fique tudo cada vez mais na mesma, ou seja, mal...
Objectivamente, justifica a despreocupação que vem sendo patenteada pelos órgãos de gestão das magistraturas relativamente à necessididade de, urgentemente, implementarem métodos de análise e gestão de quadros modernos e ficazes. Creio que só com a implementação desses métodos se alcançarão níveis gerais de produtividade e eficácia que façam a Galeria dos Horrores passar à história e se contribuirá, no possível, para motivar os que - também os há - não merecem qualquer medalha...
No artigo do DN referido abaixo neste Incursões, "MP encalhado nas secretarias", o procurador-geral distrital de Lisboa parece ser do entendimento que um reforço de quadros do MP (180!) e dos funcionários judiciais, resolveria todos os problemas de pendências. Admito que sim, no imediato, se fosse possível uma "injecção" de 180 magistrados do MP e dos funcionários em falta, todos tecnicamente bem preparados e socialmente motivados... mas não só não é possível (e se o fosse teríamos então a manchete subsequente: "Juízes encalhados"...) como os problemas que afectam, seriamente, o sistema de justiça, não se reconduzem a um mero problema de falta de quadros.
Aos órgãos de gestão deve exigir-se mais do que uma visão de curto prazo e que reconduza todos os problemas do sistema de justiça à questão do excesso de pendências. A redignificação do sistema de justiça passa também por aí.

Kamikaze (L.P.) disse...

O estado do debate no CSMP (sessão de 26 de Março)- in Boletim Informativo nº 66 No ponto relativo à situação dos quadros de magistrados e funcionários do Ministério Público, o Dr. Dias Borges depois de ter procedido à apresentação do documento (memorando) contendo dados estatísticos relativos tanto à situação existente como à proposta para alteração dessa mesma situação, representou ao Conselho os graves problemas com que se debate o Ministério Público relativamente às enormes carências de funcionários.
Referiu-se, ainda, na sua intervenção, à gestão deficiente dos quadros de funcionários do Ministério Público e à necessidade de introdução de uma maior flexibilidade nessa gestão, alertando, mais uma vez, para a indispensabilidade de se melhorar o sistema informático. Ao nível da legislação processual penal e quanto à actuação do Ministério Público aludiu, também, à importância de ver facilitada a aplicação das novas formas processuais.

O Dr. Arménio Sottomayor mencionou na sua intervenção, para além, das dificuldades práticas que se constatam na aplicação das novas normas processuais, o problema da carência de funcionários de apoio às Procuradorias da República bem como a falta de formação específica desses mesmos funcionários. Relativamente à situação dos tribunais de família e menores do Porto referiu-se o mesmo à gritante desproporcionalidade existente entre as duas magistraturas e, ainda, à enorme carência de funcionários, salientando aqui que a actual «ratio» entre as duas magistraturas é de 6,9 funcionários para a judicial e 1,80 para o Ministério Público.

O Dr. Braga Temido referiu a necessidade de se uniformizarem os métodos de trabalho no Ministério Público, o que, nomeadamente, se poderia alcançar com informatização capaz e apropriada. Chamou, ainda, a atenção para o facto de a autonomia dos tribunais superiores, ser também um factor a considerar, no sentido de que ela não pode agravar a situação quanto aos funcionários que trabalham com o Ministério Público, sendo neste capítulo (dos funcionários) absolutamente necessário redefinir os quadros. Mais referiu a necessidade de criação de novos DIAP’s.

O Dr. Luís Verão, por sua vez, referiu vários aspectos bem patentes no documento estatístico apresentado pelas PGD’s e alertou o Conselho para as muito deficientes condições de trabalho nas instalações da Procuradoria-Geral Distrital de Évora.