15 julho 2004

Maria de Lurdes Pintasilgo

É tema do artigo de opinião de Artur Costa, hoje, no JN:

Gostaria de tê-la visto a ocupar a cadeira da Presidência da República. Teria sido uma oportunidade única, essa, de colocarmos à frente da mais alta magistratura da Nação uma mulher, que mais do que nenhuma outra - e sem ofensa para tantas outras mulheres de reconhecido mérito - merecia ocupar esse lugar. Com ela, a política era diferente, muito distanciada dos jogos de bastidores e da urdidura de interesses em que normalmente ela se enreda ou com que se confunde, modelada por astúcias e habilidades que, sem dúvida, têm muito a ver com um domínio e um "savoir-faire" muito masculinos.
Ela dizia o que pensava sem rodeios, sem ponta de artifício, e com uma densidade de pensamento que deixava a milhas de distância o discurso político tradicional, normalmente muito redutor e simplista, deixando quase sempre o ressaibo da insatisfação em quem o ouve com ouvidos exigentes. E tinha a paixão do fazer, de mudar as coisas, mas de uma forma sincera e autêntica, sem pretensões a carreira política.
Não de uma forma cega, mas fundamentada na sua vastíssima cultura humanista, ela que tinha, do ponto de vista académico, uma formação técnica. Isso, essa paixão do fazer, acreditando no que realmente pensava e fazia, a sua generosidade aberta e compreensiva eram uma sua marca inconfundível, mas talvez fossem também uma marca da tal maneira feminina de estar na política e na vida (não sei). Essa era também a sua fragilidade.
Uma "outsider", que assustava muita gente (homens e mulheres, algumas, talvez, feministas puras e duras, dessas que vêm à televisão brandir o seu feminismo bacoco), primeiro, por essa vontade de mudar as coisas, depois, por ser mulher, sem no-lo estar sempre a lembrar.

1 comentário:

Primo de Amarante disse...

Conheci tão de perto, quanto A.C., Lurdes Pintasilgo. Sinto, como ele, a profunda admiração por L.P. Tinha uma concepção de política que não era meramente instrumental, mas como um projecto que se destina a diminuir o sofrimento e a tornar o nosso País, mais justa e mais humano. L.P. sentia a política com a razão e com os sentimentos e, ainda, com as paixões de quem a vive com todas as energias do mundo da vida.
Para A.C. a minha admiração e consideração pela coragem do seu artigo.