05 julho 2004

O CINTO DE CASTIDADE

Giovanni P..., siciliano, comparece num tribunal de Brooklyn para responder pelas sevícias graves que infligiu à esposa. Inquirido sobre os seus motivos, explica - em dialecto anglo-siciliano - que a mulher violou o cinto de castidade que ele a obrigava a usar, cortando-o com a tesoura. Confusão do juiz, dos jurados, do auditório: Cinto de castidade? Que vem a ser isso? - Ninguém o sabe, e o siciliano, encavacado, não pode, ou não ousa, explicar. A audiência é suspensa, e o pretório em peso corre a um museu local para estudar um exemplar ali existente da (por eles, ou para eles) nunca vista maravilha.
Satisfeita a curiosidade e remediada a compreensível ignorância da Justiça, o julgamento prossegue:
«Por que razão é que tu forçavas a patroa a usar esta coisa tão bárbara?»
«Porque ela é napolitana, e muito ardorosa!» explica o acusado.
«Talvez por ter nascido perto do Vesúvio, não?», comenta o magistrado, piscando o olho aos senhores jurados, por cima das lunetas severas. Borborigmas de riso... «Mas ela é-te infiel? Ou tens algum motivo para o suspeitar?»
«Nenhum! Ela é-me fiel, tenho a certeza, e boa rapariga. Mas vale mais prevenir que remediar, sabe Vossa Honra? Por isso a castiguei. No lar, quem manda é o homem.»
Ouvida por sua vez, a mulher declara que conhecia o esconderijo onde o marido guardava a chave do seu cárcere-de-pudor, mas nunca a foi lá buscar. «E porque não?» interrompe o juiz. Porque isso seria enganá-lo, mentir-lhe. Só tirava o cinto na presença e com autorização dele. «Hum!» faz o juiz. Preferiu revoltar-se, e assumir a responsabilidade do seu acto. Como o cinto de couro a incomodava muito, foi-se a ele com a tesoura e rasgou-o de alto a baixo. Génios! A sova deixou-a quinze dias de molho. Oh lavas de Vesúvio! Oh castidade!
Sobre isto, o tribunal condena o réu a três meses de cadeia (pena suspensa) e o juiz faz à esposa um criterioso sermão sobre a higiene e os direitos da Mulher.
Ainda há juízes em Brooklyn. E cintos de castidade!

José Rodrigues Miguéis, in O Espelho Poliédrico

Nota: Este post pretende ser um contributo para a formação contínua dos magistrados, já que o CEJ tem descurado este aspecto da formação.

15 comentários:

Anónimo disse...

Dois amigos:
- Francamente, João - diz o primeiro. - Não entendo por que você insiste em colocar cinto de castidade em sua mulher cada vez que viaja. Me desculpe, mas com aquela cara e aquele corpo, quem é que vai querer comê-la?
- É que quando volto para casa, sempre dou a desculpa de que perdi a chave!

josé disse...

Ahahahahah!

No livro do Clinton, My Life ( título original...)há a narrativa acerca do "affair" com a Mónica Lewinski. Segundo o Clinton, o assunto, inicialmente, foi tratado para se obter a definição a contento das partes sobre o que seria o "acto sexual", a fim de evitar que alguém falasse em alhos e outros compreendessem bugalhos.
Foi por causa desse putativo equívoco que o Clinton declarou solenemente na TV " I never had sex with that woman!"

Porque será que me lembrei disto, a propósito desta anedota?

Primo de Amarante disse...

Conclusão: a curiosidade não aguça o engenho.

Anónimo disse...

Ó néscio ...

O carteiro é que a sabe toda;

as bonecas (mesmo que não insufláveis) não fazem mal nem à saúde, nem à carteira...

Anónimo disse...

Ó néscio ...

O carteiro é que a sabe toda;

as bonecas (mesmo que não insufláveis) não fazem mal nem à saúde, nem à carteira...

Primo de Amarante disse...

caro carteiro: as coisas têm de ser levadas com mais calma. Não é preciso tanta violência. Arrancar!... Já nem é preciso desapertar!

Zu disse...

Vê-se mesmo que estes comentários são escritos por homens. Eu posso rir com a história contada, mais o caso da ida à Grécia e a anedota da Távola Redonda. Mas revolta-me até mais não que seja possível ainda haver quem recorra a coisas como cintos de castidade e mulheres que se sujeitem a eles. É exactamente pela mesma razão que ainda é possível haver um juiz que considere como atenuante para um homicídio o facto de a vítima se negar a ter sexo com o assassino. E por isso não sou capaz de ler isto e ver apenas o lado cómico da questão.

Manuel disse...

K.O. técnico...

Primo de Amarante disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Primo de Amarante disse...

Poderímos perguntar: com base no mesmo direito,por que não conta anedotas anti-machistas ou de afirmação feminista?!... Mas também é certo que pode não querer entrar nesse jogo e apenas colocar a questão no registo dos princípios. É um "direito à elevação" do discurso. Um direito que se situa quse no palno do direito à indignação. Aceito e, como sou popperiano, aprendo com os erros.
Entretanto, gostava de sublinhar, embora pareça parodoxal, o meu apreço por esse tipo de comportamento. Sempre defendi que o vinculo aos princípios é uma afirmação da dignidade.

Primo de Amarante disse...

Carteiro, isso é falta de prática.
Terei sido nesta tirada "inconveniente"!?... Que Deus me perdoe.

Zu disse...

Ó carteiro, isso deve ser só questão de arranjar óculos, ou um monitor melhor. Sejamos optimistas ;)

Caro Compadre Esteves, sentido de humor não me costuma faltar. Já a memória para me recordar de anedotas, porém, vai falhando. Mas não sou capaz de olhar para um cinto de castidade sem me zangar e ter vontade de, no mínimo, esbofetear quem obriga ou quer obrigar uma mulher a usar semelhante coisa. Não é uma questão de feminismo, mas de dignidade humana. É-me difícil fazer humor com questões dessa natureza.
(Mas lá que a anedota do rei Artur tinha piada, tinha)

Primo de Amarante disse...

Eu também previa que a comadre lá no fundo também achava piada. No nosso tempo, essa coisa do cinto de castidade só pode ser entendida como metáfora. É certo que não sei bem para quê!... Lembrei-me, agora: eventualmente, para, p.ex., aplicar a Santana Lopes. Quem o ouve, fica com a impressão de que sempre usou cinto de castidade.

Zu disse...

Compadre, já alguma vez viu um cinto de castidade? Eu já: medieval, de ferro, dá calafrios só de pensar que alguém usou tal coisa. Mas brinquemos. Por mais que tente, não consigo imaginar nem o PSL, nem nenhum homem com um cinto desses (questões de ordem "técnica" ;))
Não ouvi a entrevista que o PSL deu, mas ouvi falar da sua frase sobre antes ser D. Juan que D. Quixote. Só mostra a sua ignorância: D. Juan, além de conquistador, era cobarde e tinha mau carácter. Mil vezes ser o sonhador D. Quixote, que lutava por causas justas, ainda que com armas inapropriadas...

Primo de Amarante disse...

Em todos os tratados de história esse "intrumento de segurança" dos cavaleiros aparece. O tal PSL fala para "encantar" e não para comunicar. Votava para que lhe aplicassem um cinto vocal.