É o título da crónica de JOSÉ MANUEL MEIRIM no Público de hoje:
1. O Conselheiro Souto Moura encontra-se em férias. A sua assessora de imprensa (a "jornalista" no dizer subliminar do procurador-geral da República) apresentou a sua demissão. E pronto.
Assegure-se o leitor de que não tive a oportunidade de ter conhecimento, mesmo que parcial, do conteúdo das cassetes.
Assegure-se ainda que sempre fui contrário à existência de assessor de imprensa - à semelhança dos gabinetes ministeriais e de outros órgãos e entidades públicas - no órgão superior do Ministério Público, a Procuradoria-Geral da República (PGR).
A sua existência suporta-se na peregrina tese de que, no contacto com a imprensa, determinadas situações havia em que, não sendo possível a um magistrado pronunciar-se, o mesmo não aconteceria com um assessor de imprensa.
2. Para quem, como eu, trabalhou na PGR durante um quarto de século, é muito triste constatar a progressiva deterioração dessa casa e, por via disso, consequentemente, do Ministério Público, não obstante - estou certo disso - o esforço de muitos funcionários e magistrados.
A Procuradoria-Geral da República é hoje em dia - todos o dizem em voz baixa e todos o sabem - uma casa sem alma. O Ministério Público, por seu turno, está - todos o dizem em surdina e também todos o sabem - há muito tempo órfão de liderança.
Prova cabal do que se afirma é que, ao contrário do que sempre sucedeu no passado em momentos graves da vida do Ministério Público, nenhuma acção de solidariedade e de apoio ao procurador-geral da República (encontro, almoço, jantar ou algo de semelhante), nem uma única voz - em comunicado, artigo de opinião, etc. - proveniente do Ministério Público se fez ouvir aquando das notícias acerca da possibilidade da sua exoneração. Pelo Ministério Público ecoa um silêncio ensurdecedor, misto de expectativa e de esperança.
O "episódio" das cassetes não é mais do que um pormenor - grave é certo -, um indicador a juntar a tantos outros que, infelizmente para todos nós, se têm sucedido a um ritmo bem acelerado, durante o mandato do actual procurador-geral. Não está em causa - e disso não curamos - a capacidade intelectual, a honestidade e honra do Conselheiro Souto Moura. O que se encontra em crise é que não tem - nunca teve - perfil para liderar uma instituição e uma magistratura com tão importantes incumbências constitucionais e legais. O procurador-geral da República tem que possuir, desde logo, capacidades de liderança acima da média. Ora tal, como é patente, não se vê no Conselheiro Souto Moura.
3. Temos para nós como bem provável que o Presidente da República, bem pondera - de tempos a tempos, quando sucedem as gafes e tudo o resto - a exoneração do procurador-geral. Só que esse acto representaria, em certa medida, a confissão de um erro próprio, sempre difícil de assumir, e seria além do mais um acto inédito na democracia portuguesa. O Presidente trata a doença com paracetamol e anti-inflamatórios, quando o paciente necessita urgentemente de uma intervenção cirúrgica. Agora, para de novo nada se resolver, adiantam-se argumentos de duvidosa relevância e claramente reversíveis.
O procurador-geral da República deve permanecer em funções por razões ligadas ao normal (?) desenvolvimento do "processo Casa Pia", pelas alterações a introduzir - mediante um pacto de regime ? - na legislação penal e processual penal. A Justiça, adita-se, ficaria decapitada.
Como qualquer treinador de futebol não hesitaria em subscrever, é "preciso evitar a desestabilização da equipa".
A meu ver, e julgo não ser difícil que muitos me acompanhem - nem que seja em voz baixa -, a Justiça já não tem cara há muito tempo e bem está por apurar - tendo em conta a praxis até ao momento - o "peso" que terá o actual procurador-geral no futuro andamento do "processo Casa Pia" e nas reformas legislativas que mais uma vez se anunciam como "salvadoras do estado da Justiça". Bem pelo contrário, entendo que o Presidente da República deveria - não fossem as suas próprias razões de consciência (a que não é alheio o ex-ministro da Justiça António Costa) - exonerar o actual procurador-geral, procurando assim dotar a PGR e o Ministério Público de uma liderança forte que pudesse oferecer um capital de esperança para o bom andamento do "processo Casa Pia" e para tudo aquilo que constitui a actividade do Ministério Público.
4. Se o Presidente da República não pode ou não quer assumir o erro da nomeação do Conselheiro Souto Moura para funções para as quais não tem o perfil adequado, poderíamos (ingenuamente, é verdade) esperar que o procurador-geral da República renunciasse voluntariamente ao cargo.
Mas, aqui chegados, surge o argumento de sempre: renunciarei se tiver algo que me pese na consciência (versão actualizada da história do professor que pedia aos seus assistentes para que, quando o achassem velho ou louco, lho dissessem, para ele se afastar).
Há todavia um erro de petição nesta maneira de pensar. Não é a consciência de Souto Moura, que ele próprio ajuíza, que deve ser a medida exclusiva do seu agir. Estando em causa a Justiça e o Estado de direito democrático, é sim a consciência de todos nós que, dia após dia, se sente bem preenchida de legítimas preocupações.
5. Uma última palavra já que, é quase certo, o Conselheiro Souto Moura nos acompanhará até ao final do seu mandato, isto é, Outubro de 2006. Nessa altura, caso não ocorra outro erro de casting, o novo procurador-geral da República terá um desafio ímpar: reconstruir, a partir dos destroços, a Procuradoria-Geral da República e o Ministério Público.
PS: A assessora de imprensa do Conselheiro Souto Moura (agora "a jornalista") já se encontrava em funções, segundo o procurador-geral da República, aquando da sua posse. Quatro anos de trabalho estreito volvidos e o capote do Conselheiro Souto Moura surge, agora, numa postura nada nobre, sem pinga de chuva...
3 comentários:
Ninguém sabe o que o sr. J.M.Meirim andou a fazer durante «um quarto de século» (tanto??) na PGR (nomedamente durante o mandato do dr. Cunha Rodrigues), mas vê-se o que tem de fazer agora: alinhar no coro dos tribunos, «senadores» e opinantes da imprensa que, a todo o custo, querem a cabeça do Dr. Souto Moura.
Não há dúvida: o pudor é um bem escasso.
Qual pudor?!... O sistema não tem pudor, tem interesses.
As ilações que este senhor (?) tira da falta de organização de iniciativas corporativas de solidariedade e a desfaçatez com que se arvora em porta-voz daquilo que diz ser o sentir do MP é de pasmar.
Ver mais comentários ao artigo aqui
Enviar um comentário