Não têm sido fáceis os dias. Não trabalho nem deixo de trabalhar, não vou ao escritório, mas atendo telefonemas porque não consigo ter o telemóvel desligado muito tempo, os clientes não perdoam e eu lá os vou "chutando para canto" com a cordialidade que posso. Também telefonam os meus pais e os amigos que às vezes não atendo, porque não ando com disposição para falar com eles, para não ter que contar pormenores das últimas desgraças, narrativas essas que apenas têm o condão de abrir feridas que quero fechar, ou pelo menos tentar que doam menos.
Acordo tarde, depois de noites mal dormidas. Vegeto por casa, vejo a Volta a Portugal na RTP1 e leio livros suaves, que não estou com disposição para coisas mais pesadas, depois saio de casa, vou ao centro comercial - eu que odiava centros comerciais...! -, que cada vez mais se tornou uma extensão de minha casa, a cantina e a sala de estar, leio os jornais e janto.
Volto a casa. Espreito este blog e outros blogs, às vezes dá-me para dizer alguma coisa, quase sempre demasiado intimistas para a filosofia do sítio, outras vezes calo-me, com a televisão como pano de fundo, em qualquer canal, porque o canal não interessa quando se está completamente absorto e se ruminam perplexidades. Por volta da meia-noite, começa a dúvida: saio ou não saio?
Pondero as coisas. Se fico em casa, a minha companhia é a tartaruga que a minha filha de 13 anos me legou quando decidiu ir embora, há dois meses - depois de três anos de enormes abraços -, porque eu não estava disposto a educá-la com regras que não eram as minhas. A tartaruga não fala, o que é uma vantagem, mas também não me apetece falar com ela, porque ainda não cheguei a esse ponto e porque ela me faz lembrar a minha filha e o tempo em que aqui estava e eu não tinha estes dilemas. E faz-me lembrar também o meu filho, que não vivia comigo, mas que é a minha cara chapada e que, na sua imensa doçura, tinha medo da tartaruga. Bem. Às vezes acabo por sair de casa, vou ao sítio do costume, vejo as caras do costume e o grande desafio é não caír nas tentações dos simulacros de amores que se esgotam em horas e que, na manhã seguinte, se transformam em pesadelos e deixam uma enorme sensação de vazio. Preciso mesmo de sair daqui durante uns dias, embora saiba que, quando voltar, estará tudo na mesma, que continuarei com os mesmos dilemas. Ou - quem sabe? - talvez não...
(reparo agora: é quase meia-noite)
06 agosto 2004
Intimismos
Marcadores: carteiro (Coutinho Ribeiro)
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7 comentários:
Dizem que a Fortuna é uma roda, e como tal gira, e por isso as fases menos boas acabam por passar (e depois há que conseguir a arte de fazer a roda girar devagarinho, devagarinho, de modo a que as fases boas durem, e que haja tempo para as consolidar contra as adversidades). Um grande beijo para ti, meu querido amigo.
Deixe o Porto, siga o conselho da Madame Min...
Olha que às vezes andamos mesmo distraídos. Nem vemos uma série de coisas bonitas. O barco da Kamikaze ali em cima, por exemplo, que lembra algo tão simples como a felicidade ser feita de coisas pequenas como o azul do céu. Ou as conchas, que só precisam de ser abertas para lá dentro se encontrarem tesouros...
Não sei se essas últimas e poéticas palavras sobre tesouros dentro de conchas por abrir serão as mais adequadas ao estado de espírito do carteiro, know what I mean?
Compreendo a msg. de 1poucomaisdeazul: creio que foi o que tentei transmitir neste postal de 22 de Maio e que com estima relembro ao Carteiro
Minúsculos Balões
São coisas reduzidas,
minúsculos balões a que me prendo:
a mansidão da tarde tão gentil
como criança dormindo ao fim do dia,
o puro silêncio da noite
inviolado pelo som do lápis,
uma maçã vermelha sobre a mesa
seduzindo como paraíso e a seu lado
redondas tangerinas líquidas
São coisas reduzidas,
são invisíveis fios que me seguram:
balões
a apetecer pequenas fomes
Ana Luísa Amaral
"Coisas de Partir"
Gótica, 2001
É preciso coragem, por mais que se diga que o blog é um lugar protegido, para certos intimismos. Gostei de lê-lo.Mesmo. Um abraço.
Caro Anónimo, não duvido que o Carteiro tenha entendido; é coisa que vem de outras conversas.
Que poema tão bonito, Kamikaze.
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