Por SIMAS SANTOS, Juiz Conselheiro do STJ, no Cum grano salis:
«O Centro de Estudos Judiciários está novamente na ordem do dia.
Mais uma vez se questiona, e sobre pressão de sectores da magistratura judicial, a existência de um “tronco comum” na formação de magistrados, numa perspectiva corporativa que se recusa a reconhecer a integração que o trabalho judiciário exige das duas magistraturas, quer a nível técnico, quer a nível da compreensão do que se deve esperar de cada uma delas no tarefa comum: administrar Justiça em nome do povo.
E se deixa na sombra a questão maior: a de configurar o CEJ como uma Instituição de Formação Profissional destinada a, como o nome indica, transformar juristas em magistrados, facilitando o acesso às mundividências que serão convocadas no seu trabalho, à compreensão do papel do magistrado hoje, da raiz constitucional do seu munus, da importância dos direitos humanos, mas também da indispensável eficácia da sua acção, na consabida certeza de que só a “justiça” atempada e prática constitui verdadeira Justiça.
O que impõe que se dê a devida importância às metodologias, aos saberes fazer correspondentes, em detrimento da repetição dos conteúdos das disciplinas jurídicas dos curricula das Faculdades de Direito e que uma Instituição de Formação Profissional de Magistrados não pode deixar de ter como apreendidos. E também aos conhecimentos tecnológicos, à gestão de agenda, à gestão prática do processo, na certeza de que tais conhecimentos “comezinhos” poderão contribuir de forma imprescindível para diminuir a duração média dos processos que tem constituído um “nó gordio” do nosso sistema de justiça.
Nesta óptica seria desejável que se importassem instrumentos fundamentais da formação profissional em qualquer área, como a supervisão e a formação de formadores, sobre os quais se tem improvisado na formação de magistrados, mas que têm sido estudados e testados v.g. nas ciências da educação.
Por outro lado, a dinâmica gerada pelo Acordo de Bolonha, não obstante as dificuldades e hesitações detectáveis na sua implementação entre nós, não pode ser deixada de lado nesta matéria de formação de magistrados. Na verdade, estará aqui aberta uma janela de oportunidade para ser introduzido no ensino das Faculdades de Direito um segundo ciclo de formação (1 ou 2 anos conforme o modelo adoptado), de mestrado em Direito Judiciário, que poderia constituir um pressuposto necessário para o acesso à formação profissional como magistrado ou advogado. Assim se poderia apurar a aprendizagem dos conteúdos sobre os quais vem insistindo o CEJ e a Ordem dos Advogados, e iniciar uma primeira selecção dos candidatos às magistraturas e advocacia.»
8 comentários:
Este texto é um ponto de partida para uma discussão séria e urgente acerca da formação de magistrados. Oxalá seja entendido assim e as pessoas se inspirem. A ideia de criar um mestrado parece-me interessante, mas o cerne da questão continua a ser o corpo docente do CEJ. Que terão de mudar radicalmente de métodos. Ainda não há muito quem assistiu a exames de acesso exprimiu a sua estupfacção: os magistrados que integravam o júri interrogavam os candidatos a auditores com questões teóricas e os universitários confrontavam-nos com questões práticas. Os papéis pareciam invertidos e as posturas revelam que algo não estará bem nos júris de acesso ao CEJ.
Saúda-se com agrado o contributo do Dr. Simas Santos para o debate em curso s/ formação de magistrados, tendo focado uma questão crucial e frequentemente esquecida: a do estatuto e da formação dos formadores.
Quanto ao anónimo que antecede, só um coisa: os docentes do CEJ não fazem orais nas provas de acesso. De todo o modo, concordo que a perspectiva dos júris de tais provas deve ser essencialmente prática - voltada para a aplicação da lei ao caso concreto.
mangadapaca
O caminho que isto está a seguir preocupa-me...
Será que ninguém pensa que se poderá a estar a complicar o simples?
Toda esta preocupação com a "formação" (entre aspas pois é palavra que não reputo de séria) há-de conduzir inexoravelmente à desvirtuação completa das magistraturas.
Topicamente:
a) Criará castas (formadores) e super-castas (formadores de formadores, ou selecionadores de formadores ou avaliadores de formadores ou o que quer que seja);
b) Subverterá (ainda mais) o espírito de magistratura - o magistrado deixará cada vez mais de responder perante a sua consciência, para passar a orientar a sua actividade no sentido imposto pela "formação";
c) Edificará uma excelente estrutura de "controlo" da actividade das magistraturas (uma espécie de "conselho de arbitragem");
d) Potenciará o perigo da "formação" degenerar em deformação e formatação.
Sem querer ir muito mais longe, fica só mais uma achega: alguém tem alguma ideia sobre quais as razões que levaram à obrigatoriedade de os candidatos à advocacia frequentarem aulas na "OA" e quais os resultados práticos de tal "formação", ao fim de todos estes anos?
Será que aqui ninguém conhece o edificante hábito do CEJ de utilizar os auditores como "batedores de palmas" para colóquios do mais esotérico, cuja única utilidade é promover e enriquecer o currículo dos oradores e dos "formadores" que os organizam?
Nesta matéria, penso que o "back to the basics" seria o caminho a seguir (embora esteja certo que não será o seguido): a formação de magistrados dever-se-ia basear na auto-responsabilidade e fazer-se com outros magistrados, na comarca (e não com magistrados que de tanto gostarem da magistratura o deixaram de ser para passarem a ser "formadores"), sendo assistida por acções de formação de frequência facultativa, cuja qualidade compelisse à frequência. A avaliação incidiria sobre o trabalho de magistrado efectuado.
O comentário é sensato e traduz uma crítica frequentemente dirigida à formação de magistrados e, concretamente, ao CEJ.
Importa reflectir sobre a matéria, não esquecendo que
a formação de um auditor se divide em três momentos:
- 6 meses no CEJ;
-12 meses nos tribunais;
- 3,5 meses no CEJ.
Cada momento, designado ciclo, tem funções diferentes.
No 1º ciclo far-se-à uma primeira aproximação à actividade judiciária, privilegiando-se o tratamento de casos concretos.
No 2º ciclo a formação compreende a participação nas actividades judiciárias, sendo o primeiro contacto do auditor com a "vida do tribunal".
No 3º ciclo procura fazer-se uma síntese entre os ensinamentos recolhidos no CEJ e aqueles apreendidos nos tribunais.
Importa reconhecer a importância destas três fases e perceber o sentido de cada uma delas.
É tão relevante o trabalho dos docentes do CEJ, como o dos formadores dos tribunais (não esquecendo que estes trabalham muitas vezes sem condições e sem remuneração).
Não se queira reduzir tudo à prática e não se abuse da teoria. Da sua simbiose resultará uma formação técnica sólida alicerçada num profundo conhecimento da realidade social.
Lemoncourt
EsclarecimentoZinho:
a formação de que fala Lemoncourt é a inicial, à qual, se seguem 8 meses de estágio nos TRIBUNAIS, junto de magistrados formadores.
Mas dos 12 primeiros meses nos tribunais, dois e meio são de férias e metade dos restantes são passados numa magistratura que não aquela pela qual o auditor optará. Resultado: 9,5 meses de CEJ
12 de prática
4,5 para nada...
No Texto o que é proposto é exactamente a retomada do núcleo essencial da formação e a referência às Ciências da Educação tem um conteúdo preciso: reforçar o papel dos formadores (que são os magistrados que estão nas comarcas), com o devido enquadramento mas não formatção, pois que é fundamental na formação dos magistrados (de qualeur formação) o desenvolvimento pessoal do formando, a sua autonomia e o sentido crítico. E também a compreensão que é fundamental saber fazer e não conhecer muitos conteúdos....
Relembro que já muito foi escrito e debatido aqui no Incursões, sobre o tema Formação e Mgistrados,podendo encontrar os links para esses textos e comentários aqui.
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