10 outubro 2004

(De)FORMAÇÃO

Consta que na semana passada, duas altas individualidades do mundo académico, uma também com responsabilidades políticas directas sobre a casa, estiveram no CEJ como conferencistas da fase inicial do XXIII CURSO DE FORMAÇÃO DE MAGISTRADOS (juízes e procuradores).
Tratou-se, nem mais nem menos, do constitucionalista Jorge Miranda e do "expert" do poder judicial Paulo Rangel, a quem se teria pedido que dissertassem sobre as instituições judiciárias e suas fontes de legitimação.
Um e outro, diz quem assistiu às respectivas intervenções, foram peremptórios na afirmação de que o poder judicial é apenas constituído pelos juízes e que o MP deveria estar sob a tutela do poder executivo, dele fazendo parte integrante e recebendo ordens concretas e precisas.
Embora à revelia dos comandos constitucionais vigentes e do que vem sendo recomendado pelo Conselho da Europa e pela própria ONU, tais posições, apesar de surpreendentes, devem ser encaradas sob o prisma de pensamentos exteriorizados por pessoas livres, não passando de meras opiniões, aliás, pouco consistentes e mal explicadas, designadamente quanto às ordens que o executivo devia poder dar ao MP.
De qualquer modo, tendo em conta o universo dos destinatários e as responsabilidades dos oradores, é caso para dizer que melhor começo não podia ter sido proporcionado a quem, como os auditores, iniciava o seu estágio, em que o contributo para uma opção profissional mais conscienciosa, por supostamente mais esclarecida e livre, figura entre os seus principais objectivos.

5 comentários:

Anónimo disse...

Creio que um secretário de estado adjunto do ministro da justiça, a dizer o que disse, deveria dizê-lo em sede política e não fazer de uma lição no CEJ um balão de ensaio. Creio que nem toda a gente do PSD estará de acordo com tal.

Cronista Oficioso da 3R disse...

Algumas perguntas / dúvidas:
1ª O Tomas ouviu? ou foi alguém que ouviu que lhe disse, ou foi alguém que ouviu alguém que ouviu...?
2ª Estamos perante uma citação, ou perante uma interpretação, por exemplo o intérprete acha que se alguém afirma que o poder judicial é integrado pelos juízes isso implica que o MP...
3ª Tomas a propósito de questões desta natureza também seria importante saber se se está a falar de direito vigente ou do direito que se preconiza.
4ª É algo estranha a referência a pessoas livres seguida de «não passando de meras opiniões, aliás, pouco consistentes e mal explicadas, designadamente quanto às ordens que o executivo devia poder dar ao MP»...
5ª já agora o sr. secretário de Estado numa instituição que depende do respectivo ministério é um ilustre constitucionalista ou um dirigente político? Está a falar do direito ou de um programa político.

Um comentário: a precisão é saudável (pelo menos a propósito de questões constitucionais e de imputação de afirmações mesmo que outra seja a cultura dos seminários, com mais ou menos dogmas), e alguns comentários podem ser impertinentes (como o que agora subscrevo o é inequivocamente) se o facto que lhes deu origem afinal for um não facto.

Cronista Oficioso da 3R disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Não seria mais fácil para todos, especialmente para os magistrados que o integram, acabar definitivamente com a autonomia do Ministério Público? Eis algumas das vantagens que uma tal solução poderia ter:- em qualquer situação menos simpática para o Ministério Público (impasse ou fracasso nalgum processo mais mediático, aumento da pendência processual, prescrições, etc, etc), mais não seria necessário senão endereçar a responsabilidade directamente à tutela política;- por isso mesmo, ao reivindicarmos mais meios, talvez passássemos a ser ouvidos;- havendo ordens (mais ou menos) concretas no sentido de se arquivar ou acusar neste ou naquele (tipo de) processo, haveria sempre forma de dar conhecimento de tais ordens à comunicação social, colocando o seu autor e partido, no mínimo, numa posição desconfortável;- seria menor a tentação de alterar a legislação processual penal sempre que a sua aplicação se revelasse perigosa para os representantes dos interesses instalados, isto na medida em que, na maior parte dos casos, tais alterações têm apenas tido como consequência impedir que o Ministério Público (e os tribunais), com toda a sua autonomia, desempenhe cabalmente as suas funções.
É que, não curando das razões substanciais que a justificam, quem muito tem beneficiado com a autonomia do Ministério Público, sejamos honestos, é a classe política. Com efeito, sem que se tenham obtido resultados significativos no combate à criminalidade económico-financeira, essa incapacidade(e outros) tem sido apresentada à opinião pública (com êxito) como sendo da exclusiva responsabilidade do Ministério Público. Sem autonomia poderíamos não ter mais resultados (sendo que, porque tão escassos os já alcançados, dificilmente teríamos menos), mas cada um de nós, enquanto magistrado, teria a vida menos complicada. E, em último caso, poder-se-ia sempre exigir que a titularidade da acção penal voltasse para o juiz de instrução criminal, o que, seguramente, nos deixaria mais tempo disponível para as coisas boas da vida - para além de, num quadro de perda de autonomia do Ministério Público, em nome da igualdade dos cidadãos perante a lei e os tribunais, ser uma solução dificilmente rebatível, seria interessante, para variar, assistir ao confronto (que seria quase diário) entre a classe política e, já não o PGR, mas muitos Ruis Teixeira, Filipas Macedo e outros que tais.
Em suma, se calhar não vale a pena esperar pelo PS - acabe-se já com a autonomia do Ministério Público. Os seus magistrados, se calhar, até agradecem.

Cronista Oficioso da 3R disse...

Obrigado Tomas fiquei esclarecido (e já agora estava definitivamente muito menos informado do que o Tomas sobre o que teria sido dito, porque simplesmente não o sabia)
Mas então se falaram em ordens concretas devem propor a alteração da Constituição, o que no caso do Rangel se percebe pois a Constituição é sempre um empecilho para um governo do género do do sr. Santana (embora também muito útil: «a Constituição é que nos impede de trabalhar»).
Já o caso do Jorge Miranda será mais curioso, não se lhe conhecendo propostas reformistas nesta matéria, e revelando muitas vezes algum desconhecimento da mesma, permito-me ter algumas dúvidas sobre se se pronunciou (pelo menos com inteira consciência) com soluções acabadas... e tão reformistas da sua querida Constituição.

De qualquer modo o LC colocou os termos do problema, e o último anónimo avançou com algo que se calhar não deixa de ser verdade a autonomia não será do interesse do grupo profissional dos procuradores. Mas e o interesse da sociedade que parece que é o que preocupa o LC? será que o que acontece noutras áreas e as sucessivas reacções epidérmicas dos vários espectros partidários à perseguição penal dos seus não dá alguma ideia do que seria um processo de controlo governamental ou seja partidário?
De qualquer forma como a coisa está não parece que deva continuar (mas pode)... ineficiência generalizada, irresponsabilidade, será que sabem do que se tem passado nas varas criminais de Lisboa e mesmo noutros círculos menos badalados (e a constituição pelo Conselho dos colectivos)...