por marinquieto
Capítulo II
Angela Novais já tinha publicado o anúncio há três dias, na secção de ofertas dos classificados, e começava a achar que a sua ideia não tinha futuro. Ou então que não era aquele o local certo para se oferecer. Até que recebeu uma chamada. Uma voz feminina. Não podia perder esta oportunidade.
- Boa tarde.
- Boa tarde.
- Estou a telefonar por causa de um anúncio que li no jornal.
- Sou eu própria.
- Sabe, achei uma ideia original. Uma bela ideia. Fazia falta. Como lhe veio à lembrança?
- Temos todos a ilusão de um dia poder escolher uma profissão. Em que façamos aquilo de que gostamos. Que nos dê gozo. E se for útil, tanto melhor. Achei que era agora, ou nunca mais. Já fiz coisas bem diferentes na vida, algumas vezes com grande entusiasmo no princípio, mas que invariavelmente acabei por abandonar com grande desencanto, enfado mesmo. Desta vez não temo o desencanto, temo não conseguir sequer começar. O seu telefonema foi o primeiro que recebi.
Devia ter dito isto? A verdade é que não conhecia a voz de lado nenhum. E não estava a transmitir uma imagem muito confiante de si própria. Podia ser-lhe prejudicial. Mas, por outro lado, nunca se tinha arrependido de ser franca com pessoas em quem confiara ao primeiro contacto. Uma qualidade que fazia parte da sua história de sobrevivência. Uma voz aparentemente segura, gutural, que não tinha revelado a menor surpresa ao ser atendida também por uma mulher apesar de o anúncio o não fazer adivinhar. Apenas aproveitou a oportunidade para dar a justificação que ninguém lhe iria pedir. Fê-lo porque precisava de a ouvir. E sentira que só por acaso não tinham os papéis trocados.
- E vou ser a primeira a ouvi-la!
- Mas.
- Não. Isso não. Não lhe vou dizer quais são as minhas preferências. Às nove horas. Espero-a para jantar. Rua do Paço nº 50. O meu nome é Açucena.
Não se lembrava de alguma vez ter estado tão nervosa como naquelas três horas. Até que ponto a realidade iria reproduzir as suas expectativas? Agora acreditava, mas também sabia que não tinha com quem dividir as responsabilidades de um fracasso. Por isso esta primeira vez a estava a deixar mais tensa do que outras.
Iria viver de um velho desejo, cada dia mais presente - que gostassem de a ouvir. Seriam muitos os que lhe iriam franquear a casa, uns para partilhar os seus autores e trechos preferidos, outros pedindo-lhe que os surpreendesse. A leitura passou a ocupar as suas noites.
03 outubro 2004
FOLHETIM DE DOMINGO (em formato de blog)
Marcadores: L.C.
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5 comentários:
Pensando em "voz" alta:
No Capítulo I deste "Folhetim de Domingo em formato de blog", a narradora dizia, a dado passo: "Continuava a ler durante a noite, agora não para os outros, mas como se fosse - em voz alta."
No presente Capítulo II a narrativa fala-nos de Ângela Novais, que "Iria viver de um velho desejo, cada dia mais presente - que gostassem de a ouvir. Seriam muitos os que lhe iriam franquear a casa, uns para partilhar os seus autores e trechos preferidos, outros pedindo-lhe que os surpreendesse. A leitura passou a ocupar as suas noites."
As duas personagens até agora afloradas (femininas ambas - se é que são diversas,ideia que a técnica narrativa utilizada parece inculcar)têm em comum um gosto ou hobby(?)algo invulgar.
E se o I Capítulo não gerava especial curiosidade no leitor sobre o desenrolar da história (podendo até pensar-se, mau grado o epíteto de folhetim, que marinquieto nos iria animar os domingos com short stories), é agora com mais expectativa que aguardo o desenrolar deste prometido novelo, para tentar desembaraçar-lhe os nós e ligar-lhe as pontas.
Quem sabe se marinquieto reabilitará este formato folhetinesco há muito caído em desuso? Ainda é muito cedo para antecipar créditos à autora, mas parece-me que "a coisa" promete e, ao menos e desde já pela ideia, parabéns a marinquieto!
Procurei o primeiro, mas não o encontrei...
Foi publicado no passado Domingo, pelo que basta ir ao arquivo de Setembro (link à esquerda)
Foi publicado no passado Domingo, pelo que basta ir ao arquivo de Setembro (link à esquerda)
Merci, Anonymous. Irei lá.
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