por marinquieto
Nas horas que se seguiram, Açucena procurava reproduzir o poema, de que tinha guardado apenas uma imagem gráfica forte e um sentimento de fusão. A leitura apressada e sobressaltada não lhe permitira reter na memória senão o gesto e o momento. Assistia ao saltar das palavras – fantasia, fogo, beijo, espera, lento, corpo, maré-cheia – sem que conseguisse ir além da confirmação da sua euritmia.
Incapaz de lhes transmitir serenidade para que se pudessem entrelaçar sem pudor. Escreveu-as, porque tinha a esperança de que prendendo-as ao papel as sossegava e conseguiria encontrar o encadeamento perfeito. Ilusão! Não só as palavras não se deixaram prender, como descobriu que não existe um encadeamento perfeito. E, ao envolver-se com elas, tinha também descoberto que um poema é uma longa hesitação entre som e sentido*.
Para Eduardo já tinha sido uma grande ousadia dar-lho a ler. Tomar a iniciativa de lho entregar, mesmo que pela via impessoal do correio electrónico como chegou a pensar, excedia em muito a sua capacidade de combater a timidez que o tolhia. Ficou à espera que fosse agora ela a provocar o jogo de acasos que os levasse a encontrarem-se de novo. O que demorava.
Foi num dos dias seguintes que Açucena, ao ler o jornal, encontrou o anúncio de Ângela Novais. No mesmo dia em que Eduardo, já não suportando a privação, lhe havia enviado, logo pela manhã, um sms:
Percorre-nos um receio calado* Paul Valery
quando o tempo do silêncio vai além
do eco da última palavra.
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