O escrito que aqui aparece publicado neste jornal de grande difusão, se não fôra isso, não mereceria sequer ser lido. Mas, porque aí teve guarida, sabe-se lá porquê, suscita um breve comentário, mesmo no espaço deste humilde blogue.
Não tanto pelo que nele se diz. Praticamente reproduz ideias requentadas que ciclicamente teimam em vir ao de cima e que desde há muito se julgavam definitivamente sepultadas no limbo da sucata obsoleta. E, talvez por deformação profissional, limita-se a pouco mais que citar um conhecido administrativista do passado, ainda por cima indisfarçavelmente ressentido pelo estatuto de arguido, a que ele e mais algumas pessoas, tidas por intocáveis, se viram sujeitos, quando os melhores constitucionalistas, como Gomes Canotilho, Vital Moreira ou Jorge Miranda, já se deram ao trabalho de esclarecer qual o verdadeiro papel do Ministério Público nos tribunais.
O que mais custa observar, na prosa de tão iluminado juiz, é a mentalidade deleteriamente doentia que o anima. Fala de “agentes” e “funcionários” como se de algo de ignominioso de tratasse, esquecendo-se que também os juízes são, antes e acima de tudo, agentes e funcionários da Justiça, no sentido nobre e genuíno destes termos. E alcandora-se a um falso estatuto de “casta”, qual divindade parida por um ignoto meteorito pré-histórico caído do Além, como se os demais habitantes terráqueos não passassem de seres de inferior dignidade. Fala desdenhosamente de “promotores de justiça” como se estes, exactamente porque o são, não fossem tão indispensáveis à realização da justiça como os passivos “decisores de justiça”, que julgam o que lhes é levado. Confunde, obtusamente, a respeito da autonomia do Ministério Público, tal como o poderia fazer em relação à independência dos juízes, a titularidade da qualidade com a função da mesma, como se esta não fosse complementar daquela. Exclui da responsabilidade civil do Estado uma das magistraturas, precisamente a que o representa, como se só os juízes fossem Estado. Desdenha soberanamente do actual modelo de processo penal, sem argumentação, como se fosse uma autoridade ofuscante de nomes tão prestigiados como Figueiredo Dias e outros. E critica a nomeação de uma "insignificante" académica, para mais discípula, para a direcção de uma Escola, que só coutada de juízes deve ser, para enaltecer a excelência para o cargo de um juiz desembargador ou de um juiz conselheiro, seus émulos.
Eu, que tenho orgulho de já ter sido “agente do Ministério Público”, como poderia ter sido um modesto “funcionário de justiça” ou um simples trolha – não é essa condição que lhes retira a dignidade, a mesma dignidade, de que os juízes também gozam –, córo ao ler os dislates destes novos soberanos e senhores do mundo. E enojo-me ao ver tanta cagança (desculpem-me o termo) pelas bandas da Justiça.
Escritos como o dado a lume não merecem ser rebatidos, a não ser ao estilo brejeiro como o deste “Agente do Ministério Público”. Se alguma coisa merecem é serem objecto de estudo num qualquer consultório psicanalítico, para que o mal se não alastre subtilmente e se não torne epidemia.
Não será altura de os anunciantes do Pacto da Justiça, ou outros responsáveis, avançarem para a unificação das magistraturas, mantendo a separação das funções? Se elas se iniciam num tronco comum, no Centro de Estudos Judiciários, e se unificam, em grande parte e com bons resultados, no Supremo Tribunal de Justiça, por que se hão separar ao longo da vida? Não seria essa a melhor forma de pôr fim a estéreis rivalidades corporativas e escusados atritos que só entorpecem a realização da Justiça?
Não será altura...?
26 outubro 2004
Não será altura…?
Marcadores: Gastão
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3 comentários:
Esta pérola opinitiva de PPG deveria ser alvo de resposta vigorosa do SMMP, pois já não é a primeira vez que PPG ataca toda a classe dos magistrados do MP.
Aliás, noutra pérola opinativa publicada no Expresso em Agosto, PPG chega ao cúmulo de se dizer contra a criação de DIAP's porque tal implicaria mais promoções no MP ... isto quando se sabe que juizes do mesmo curso do CEJ em 5/6 anos chegam a juizes de circulo, ao passo que os MP's marcam passo 10 e 15 anos para chegar a procuradores...
Na minha opinião, é um erro deixar passar tais artigos, a pretexto da irracionalidade dos mesmos. Aliás, é por serem tão polémicos que têm o tempo de antena que têm (e cada vez terão mais), pelo que será bom responder, não obviamente no tom de PPG, mas sem deixar passar tais atoardas como se nada fosse.
A. Beirão.
«Velas a ruins defuntos?»
O escrito do gouveia merecia era uma tomada de posição do CSM, que se preocupa mais com outras questões.
Quanto à oportuna e lúcida sugestão/proposta de Gastão: é bem verdade que talvez a única solução ideal para desanuviar o problema das picardias, rivalidades e corporativismos passasse pela unificação das magistraturas. O paradoxo é que esse processo iria provocar outro momento de conflitualidade ou mesmo de ruptura.
Aos poucos vai-se entendendo a ideia de Laborinho em querer um COnselho unificado para as magistraturas. Embora o modelo italiano (que no porcesso penal nos serviu de base de trabalho) de organização judiciária não seja de seguir à risca, o mesmo contém virtualidades, parece-me.
O papagaio PPG ( não consigo evitar este tipo de linguagem chocarreira com ideias/tipo, deste calibre), merece a atenção individual de quem se pronunciar sobre o que ele escreve.
Pedir a intervenção do SMMP, talvez seja demais. O SMMP deveria lutar por melhores condições de trabalho e remuneração. É para isso que os sindicatos servem. Não me parece que devam servir para defenderem ideias avulsas em prol de uma "classe". Mesmo que sejam ideias sobre o Estatuto.
Mesmo que sejam um fórum, deveriam deixar aos participantes individuais as despesas das opiniões.
Quanto ao CSM, nada há a esperar.
Por um lado, há a liberdade de expressão que deve ser assegurada, mesmo a abencerragens como o PPG. Por outro, só quando ele fala/escreve na qualidade de "juiz de círculo", é que o CSM deveria dizer: "alto aí, ó "juiz de círculo"! Se queres o penacho da beca posta, vai para o círculo trabalhar e se quiseres escrever, fá-lo por tua conta e risco, sem emporcalhares os juizes em geral, com ideias peregrinas de lugares mal frequentados" . Assim é que devia ser!
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