Na década de 80, era eu jovem jornalista de "O Comércio do Porto", escrevi uma peça de comentário onde manifestava que não gostava de Cavaco Silva. A crónica - julgo que tinha como título "Cavaco Silva: fatalidade ou destino?" - não caíu bem e só terá sido publicada por distracção da chefia de redacção.
Ao longo dos tempos, não mudei muito de opinião em relação a Cavaco. Entrevistei-o uma ou duas vezes, em situações rápidas e sempre achei o homem demasiado distante, o que não se conjuga muito com as minhas características.
Cerca de oito anos depois destes episódios, cruzei-me duas ou três vezes com o então primeiro-ministro na Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares, quando, por pouco tempo, desempenhei as funções de ajudante de ajudante de ministro. Continuei a ter dela a mesma ideia de distanciamento. Mas fiquei a conhecê-lo melhor, pelas conversas que ia ouvindo nos almoços de gabinetes. E fiquei a saber que Cavaco não perdia tempo com o aparelho do PSD - limitava-se a governar.
Não gostei de Cavaco quando, pouco depois, foi pouco solidário com Fernando Nogueira, que eu já conhecia de Coimbra e por quem sempre tive grande estima.
Hoje, porém, quando olho para o passado, sou obrigado a aceitar que Cavaco foi o último verdadeiro estadista que Portugal teve. E talvez o tenha sido, precisamente, porque conseguiu manter sempre aquele distanciamento que me perturbava.
Este fim de semana, no Expresso, Cavaco disse o que muitos nós já aqui dissemos, que a mediocridade apossou-se da classe política e que é o momento de saltar em frente, obrigando os incompetentes a dar lugar aos competentes. Dito por Cavaco, a ideia tem seguramente muito mais força do que quando é avançada por qualquer um de nós. Pode ser que surta efeito. Mas duvido. Como me dizia há dias um amigo jornalista, às tantas teremos que aguentar ainda com mais uma geração de incompetentes na vida política para, a partir daí, começar a inverter o ciclo. Não sei é se o país aguenta até lá. Como também não sei se o país, entretanto, não fará um parêntesis no futebol e na Quinta das Celebridades, para dizer que já basta de tanta incompetência.
Da minha parte, um modesto contributo: volte, Prof. Cavaco, está perdoado.
29 novembro 2004
Cavaco
Marcadores: carteiro (Coutinho Ribeiro)
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3 comentários:
Fiz um curto comentário ao seu post no meu.
Elogio da Ompetência
Por EDUARDO PRADO COELHOO FIO DO HORIZONTE
Segunda-feira, 29 de Novembro de 2004
O título tem um ar científico, mas que vem por alegoria: "Os políticos e a lei de Gresham". Isto significa várias coisas. Em primeiro lugar, que o autor do texto é economista, isto é, tem uma competência específica que é transportável do domínio económico para o domínio político. Até porque hoje a capacidade económica é fundamental para o exercício de qualquer actividade política. Em segundo lugar, lembrando que "a má moeda expulsa a boa moeda," vem mostrar que há uma espécie de determinismo que leva a que "os agentes políticos incompetentes afastem os competentes". E, em terceiro lugar, é a partir de este diagnóstico implacável que Cavaco Silva lança um apelo transversal a toda a classe política. O diagnóstico tem uma lógica envolvente: "o afastamento das elites profissionais (e também das elites culturais) da vida político-partidária, ao contribuir para a deterioração da qualidade dos agentes políticos, prejudica a credibilidade das instituições democráticas e a ética do serviço publico, aumenta os erros dos decisores políticos face aos objectivos de bem-estar social definidos e favorece os comportamentos políticos em função de interesses particulares ou partidários, em lugar do interesse nacional, Daqui resulta menos desenvolvimento e modernização do país, mais injustiças sociais e maior desencanto dos cidadãos em relação à democracia".
Na realidade, nós sentimos quando uma pessoa passou da esfera partidária para a esfera do interesse nacional. Não é que se tenha desvinculado de ideologias. Mas essas ideologias afirmam-se em função do país e não em função do partido ou em função de interesses pessoais. Homens como Mário Soares, Cavaco Silva, Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa, Adriano Moreira ou Pacheco Pereira, têm certamente visões extremamente diferentes do que é o interesse do país: os seus posicionamentos ideológicos estão longe de coincidir. Mas todos eles visam algo que os define como homens livres, não comprometidos, capazes de pensarem pela sua própria cabeça. Em contrapartida, gente como Rui Gomes da Silva (para o qual se levanta o problema de saber se a tem), Henrique Chaves, Morais Sarmento, Guilherme Silva, parecem um bando de pistoleiros coxos, dispostos a tudo para salvarem a cabeça do chefe e por conseguinte a sua própria cabeça. São competentes na incompetência generalizada a todas as coisas.
O que Cavaco Silva veio dizer não é propriamente uma novidade. Há anos que sentimos esta degradação da qualidade da vida política - fenómeno internacional, é certo, mas que entre nós atingiu proporções assustadoras. Com um governo Santana Lopes e Paulo Portas estamos a tocar o fundo à lata. Podemos compreender as razões formais que levaram Durão Barroso e Jorge Sampaio a agirem de modo a termos este desastrado governo: mas dificilmente aceitaremos, num plano de puro instinto irracional, que o país tivesse chegado a este ponto.
É perfeitamente possível vermos um cálculo estratégico neste artigo de Cavaco Silva. Mas a verdade do que nos diz mete-se pelos olhos dentro: é preciso que os políticos competentes expulsem os políticos incompetentes.
Caro carteiro: siga o conselho do Alberto Caeiro!
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