07 novembro 2004

FOLHETIM DE DOMINGO (em formato de blog)

por marinquieto

Capítulo VII


Saiu às 08 horas, quando o dia ainda resistia ao avanço da noite. Tinha decidido ir a pé. Pelos seus cálculos demoraria cerca de meia hora a chegar à rua onde morava Açucena. Já não conseguia aproveitar nem entreter mais o tempo em casa. Daria uma volta maior, aproveitaria para saber qual a moda para a próxima estação nas lojas das marcas internacionais que se instalaram na Rua das Acácias para venderem fatos de banho quando ainda nem sequer a Primavera se afirmou - o que acaba por ir ao encontro das nossas fantasias, mas casacos compridos quando ainda sentimos no corpo o calor do Verão ... E convinha contar com a possibilidade de o nº50 ficar na outra ponta da Rua do Paço. Mas o mais importante era que pôr-se a caminho encurtava o tempo de espera. Encarava este nervosismo, na sua idade, como capacidade de enfrentar com entusiasmo novos desafios, como um desejo de ser surpreendida. Três anos a ouvir histórias de que já nem o princípio era novidade, que escorriam como baba de bocas que tinham deixado de ter hálito, já tinham chegado.
Chegou junto do nº50 faltavam 10 minutos para as 9. Era um prédio com três andares, com direito e esquerdo, mas não lhe tinha sido indicado o andar nem o lado. Como iria sabê-lo? Foi até ao fundo da rua para fazer horas. Os carros abrandavam ao vê-la passear sem destino numa rua de habitação daquela classe média que aspira a ser o metro-padrão social, média mesmo, que não era passagem para lado nenhum, cujos condutores, chegados do emprego à procura de lugar para estacionar, marcavam o território esticando o pescoço e rodando com altivez a cabeça na sua direcção, mas sem a elegância das girafas. O que noutras circunstâncias até a teria divertido, naquele momento fê-la sentir-se só. Eram 9 horas. As campainhas situadas em bateria do lado direito da porta não tinham a identificação dos residentes, que, no entanto, se permitiam espreitar os transeuntes a partir de casa. Escolheu o andar do meio por lhe parecer ser a opção mais equilibrada num prédio sem elevador e, para compensar, o lado esquerdo por ser o sentido inverso à rotação dos ponteiros do relógio. Tocou.
- Está?
- Mas eu conheço-a!?
- É Açucena?
- Sou! Mas eu conheço-a!?
- Sou Ângela Novais. Lembra-se que combinámos vir hoje a sua casa, às 9 horas?
- Sim, sim ... suba.
Quando chegou ao átrio do segundo andar já a porta do 2º esqº estava aberta.
- Mas eu também a conheço ... Não sabe como tenho pensado que gostava de voltar a falar consigo.
- Que coincidência!
- Depois da conversa que tivemos naquela esplanada junto ao mar, ser a minha primeira cliente, desculpe lá!, é antes uma ironia.

Sem comentários: