Novembro de 1998. Viena. O avião aterrou numa pista com um enorme rebordo de neve. A minha vida estava no auge, aos 38 anos, com uma casa fabulosa, um carro fabuloso, uma família fabulosa, uma carreira auspiciosa. Aeroporto de Viena. As malas teimaram em não chegar, desviadas, perdidas. Paciência, haveriam de chegar, como chegaram, depois de termos comprado o essencial para sobreviver. Uma viagem de 3 ou 4 dias, já não me lembro, tempo que se fartava para ir à casa de Mozart, para respirar o ar frio, para ir ver as livrarias onde até os livros de direito tinham capas bonitas. Um passeio pelo jardim onde o Natal começava, um passeio pela neve espessa que rangia sob os passos. Enquanto isto, ela sobrevivia aos debates sobre comunicação social, eu aproveitava os tempos livre para ler Costa Andrade e para ir tirando notas para um livro que queria escrever, sentado no bar do hotel, mesmo ali, no centro da cidade, enquanto ia ouvindo cantores de rua, cantores de vozes extraordinárias, sentados entre montras de lojas de roupas de marca.
Jantares caros, ainda que simples, numa cidade muito cara. Concertos apenas para convidados - eu não era convidado - levaram-me a regressar à rangente neve, percorrer as noites até à zona dos bares e das enormes canecas de cerveja. Eu, que não falo alemão e pouco mais inglês, fartei-me de conhecer gente, sobretudo a Natasha, lindíssima menina austríaca que - pasme-se! - falava português, porque trabalhava com portugueses do Parlamento Europeu e estava em Viena para sobreviver a inúteis debates sobre comunicação social.
As noites complicavam-se. Porque a vida é complicada.
Foi difícil o regresso. Não sei o que deu àquela hospedeira da Air France para me dar a mão, no avião, porque achou que eu tinha medo das aterragens. Talvez tenha sido o meu olhar de cãozito tímido... Paciência, o olhar...
Meses depois, tudo o que era fabuloso desabou.
Novembro de 2004. Recebo mensagens SMS estranhas sobre viagens aos sítios onde fui feliz e onde fui infeliz. Adivinhei com facilidade estranha: eram mensagens que vinham de Viena. Não, não eram da Natasha. E eu hei-de voltar a Viena. Desta vez, para ser feliz.
28 novembro 2004
Hei-de voltar a Viena
Marcadores: carteiro (Coutinho Ribeiro)
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1 comentário:
Coincidência: estou a ouvir "Take this waltz", do Leonard Cohen, que fala de Viena. Volta a Viena. Com a condição expressa na última frase.
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