Ao LC., ao Nicodemos, ao Gastão, à Kamikaze, ao compadre Esteves e a todos os que me leram, agradecimentos e saudações pré-socráticas. O camarada compadre Esteves tem toda a razão, vê-se que me conhece bem, tal como aos meus colegas e seguidores, mas arranjou-me um pequeno sarilho. Passo a explicar:
Ressuscitar em Portugal ao fim de quase 3.000 anos é muito bonito, mas o problema são as dracmas. Com o meu currículo, pensei que seria fácil arranjar emprego e comecei a entrar em tudo o que era concurso. Ganhava sempre, mas chamavam os piores classificados. Estou a ver a funcionária : “Pois é o sôr Camândrio tem é excesso de habilitações” ou então a outra, ao ouvido “ Sabe sôr Escamândro, a menina que foi escolhida é amiga de um ministro, tá a peceber ?” (Este “tá” traiu-a como “santanete”). Acabava eu de perder o lugar de auxiliar de limpeza numa escola C+S, quando um jovem licenciado em filosofia no desemprego me reconheceu e revelou a terrível verdade: “Ó Professor Anaximandro, o mestre não faz nada em Portugal sem um cartão partidário!”. Não podia ser e interpelei-o já exaltado: “Mas então não estamos numa democracia ?” e o rapaz : “Claro que sim. Mas isto agora está simplificado. Vai-se votar (quando vai) e os tipos que ganham sacam tudo, empregos e reformas chorudas, carros, comissões, viagens, gajas, tudo…” e punha-se a cantarolar meio doido, a imitar os Abba “The winner takes it all…” . Tinha desculpa coitado, depois de ter passado três anos a ensinar geometria em Castro Marim, uma máquina qualquer no ministério enlouquecera, engolira-lhe o nome e mandara-o para a rua. Estavamos nisto, quando o rapaz teve uma súbita iluminação e me chamou à parte : “Só há um sítio, onde talvez o mestre possa entrar sem cartão…”. “Diz-me rapaz, onde fica então esse oásis de liberdade ?”, e ele : “Na Comunicação Social, na PT, no DN, na TVI, puseram os patins a uma série deles, todos com cartão, só que…”.
Ajudou-me a fazer um currículo à maneira, em que me apresentava como um velho inofensivo, que inventara o ápeiron, uma marca de cosméticos conceituada internacionalmente. Quanto à oposição de contrários, o melhor era não falar que podia parecer comunismo. Em vez disso, fez-me indicar os meus passatempos favoritos, o signo e o ascendente, enfim que tinha um bom astral. Desta vez, chamaram-me logo e assim arranjei a assessoria de que vos falei : total liberdade para criticar o governo, desde que não entre na crítica fácil e destrutiva.
Compreende agora o compadre Esteves que com o seu comentário não vou durar muito neste emprego. Mas que seja, direi o que penso. Na verdade, fomos nós os primeiros a conceber a Natureza como um todo governado pelo princípio da necessidade, segundo leis próprias que era possível conhecer, de acordo com um sistema de luta de contrários. Como reconhece no seu comentário, abrimos o caminho a Hegel, a Feuerbach e ao “saudoso Karl Marx”. Acompanho-o plenamente na sua admiração por esse rapaz de Trier, meu seguidor. Também ele se lançou à aventura de entender o mundo, construindo uma explicação fundamentada e coerente, que nos seus elementos essenciais está longe de ter sido superada. Tem obviamente as limitações inerentes ao tempo e ao lugar, eu por mim falo, e os seus escritos, como os de qualquer autor, não podem ser tomados como dogmas, mas analisados no contexto em que foram produzidos. Além do seu valor científico, foi um homem que estudou honesta e arduamente e que, passando dificuldades, nunca se vendeu, o que não podem dizer os que o seguiram cegamente e agora o acham totalmente ultrapassado. Mas o rapaz de Trier conhecia o processo : “Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência”. Saudações pré-socráticas.
Ressuscitar em Portugal ao fim de quase 3.000 anos é muito bonito, mas o problema são as dracmas. Com o meu currículo, pensei que seria fácil arranjar emprego e comecei a entrar em tudo o que era concurso. Ganhava sempre, mas chamavam os piores classificados. Estou a ver a funcionária : “Pois é o sôr Camândrio tem é excesso de habilitações” ou então a outra, ao ouvido “ Sabe sôr Escamândro, a menina que foi escolhida é amiga de um ministro, tá a peceber ?” (Este “tá” traiu-a como “santanete”). Acabava eu de perder o lugar de auxiliar de limpeza numa escola C+S, quando um jovem licenciado em filosofia no desemprego me reconheceu e revelou a terrível verdade: “Ó Professor Anaximandro, o mestre não faz nada em Portugal sem um cartão partidário!”. Não podia ser e interpelei-o já exaltado: “Mas então não estamos numa democracia ?” e o rapaz : “Claro que sim. Mas isto agora está simplificado. Vai-se votar (quando vai) e os tipos que ganham sacam tudo, empregos e reformas chorudas, carros, comissões, viagens, gajas, tudo…” e punha-se a cantarolar meio doido, a imitar os Abba “The winner takes it all…” . Tinha desculpa coitado, depois de ter passado três anos a ensinar geometria em Castro Marim, uma máquina qualquer no ministério enlouquecera, engolira-lhe o nome e mandara-o para a rua. Estavamos nisto, quando o rapaz teve uma súbita iluminação e me chamou à parte : “Só há um sítio, onde talvez o mestre possa entrar sem cartão…”. “Diz-me rapaz, onde fica então esse oásis de liberdade ?”, e ele : “Na Comunicação Social, na PT, no DN, na TVI, puseram os patins a uma série deles, todos com cartão, só que…”.
Ajudou-me a fazer um currículo à maneira, em que me apresentava como um velho inofensivo, que inventara o ápeiron, uma marca de cosméticos conceituada internacionalmente. Quanto à oposição de contrários, o melhor era não falar que podia parecer comunismo. Em vez disso, fez-me indicar os meus passatempos favoritos, o signo e o ascendente, enfim que tinha um bom astral. Desta vez, chamaram-me logo e assim arranjei a assessoria de que vos falei : total liberdade para criticar o governo, desde que não entre na crítica fácil e destrutiva.
Compreende agora o compadre Esteves que com o seu comentário não vou durar muito neste emprego. Mas que seja, direi o que penso. Na verdade, fomos nós os primeiros a conceber a Natureza como um todo governado pelo princípio da necessidade, segundo leis próprias que era possível conhecer, de acordo com um sistema de luta de contrários. Como reconhece no seu comentário, abrimos o caminho a Hegel, a Feuerbach e ao “saudoso Karl Marx”. Acompanho-o plenamente na sua admiração por esse rapaz de Trier, meu seguidor. Também ele se lançou à aventura de entender o mundo, construindo uma explicação fundamentada e coerente, que nos seus elementos essenciais está longe de ter sido superada. Tem obviamente as limitações inerentes ao tempo e ao lugar, eu por mim falo, e os seus escritos, como os de qualquer autor, não podem ser tomados como dogmas, mas analisados no contexto em que foram produzidos. Além do seu valor científico, foi um homem que estudou honesta e arduamente e que, passando dificuldades, nunca se vendeu, o que não podem dizer os que o seguiram cegamente e agora o acham totalmente ultrapassado. Mas o rapaz de Trier conhecia o processo : “Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência”. Saudações pré-socráticas.
1 comentário:
Ah, ótimo, o texto. : )
Silvia Chueire
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