13 dezembro 2004

Análise política

Nunca fui particular entusiasta do Governo de Santana Lopes. Aliás, quando PSL sucedeu da forma como sucedeu a Durão Barroso, sempre achei que era uma má solução e, sobretudo, uma péssima solução para PSL.
Nos últimos quatro meses, o Governo coleccionou demasiados "casos", houve demasiadas contradições internas, demasiados pontapés no ar, nítida falta de coordenação.
Também é verdade que todos estes "casos" foram potenciados por uma imprensa que, desde o primeiro minuto, entrou a matar contra PSL. A imprensa que "construiu" PSL foi a mesma que acabou por "descontruí-lo". Talvez porque tenha havido razões para isso. Talvez porque o problema esteve mesmo na forma como PSL chegou ao poder, num processo que dividiu o país a meio e que voltou meio país contra o Presidente da República.
O PR decidiu dissolver o Parlamento. Invoca os "casos" em que o Governo se envolveu. Invoca falta de credibilidade dos governantes. Invoca falta de estabilidade. Poderá Jorge Sampaio ter razão em tudo o que invoca. Poderá.
Mas há uma coisa em que PSL tem razão: no final do "guterrismo" a situação não era melhor do que esta, que ditou a queda do Governo. Havia ministros que saíam sucessivamente do Governo com críticas fortes à governação, havia uma situação económica que derrapava, havia aquilo a que o próprio Guterres chamou de "pântano político" e que o levou - ele próprio - a abandonar o Governo.
Nessa altura - em que nem sequer havia uma maioria parlamentar - Sampaio não usou de tanto rigor como aquele que agora adoptou. Não parto daqui para ficcionar sobre as íntimas motivações do PR.
Aquilo que verdadeiramente me preocupa, é a forma como José Sócrates e o seu núcleo duro, todos saídos do "pântano guterrista", reagiram à sucessão de acontecimentos. Aludem ao Governo ainda em funções como se se tratasse de um bando de adolescentes sem crédito. Poderão ter alguma razão. Mas também é verdade que Sócrates e o seu núcleo duro são os mesmos que, quando no poder, deixaram o país no "pântano". Falta-lhes legitimidade moral para serem tão duros nas suas críticas.
Por tudo isto, 20 de Fevereiro - aconteça o que acontecer - não me sugere grande optimismo. Mas a culpa deve ser minha - devo ser um pessimista militante... Sempre à espera de estar enganado.

3 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

Quando se chega à fase do "pior é impossível", está tudo dito.
Mas estará? Repesco um excerto de um post de Anaximandro, de 1 de Dezembro:

"Sócrates amigo, o povo não está contigo, o povo está é contra estes tipos, o que é diferente. Por isso não facilites e pensa bem. Medita no exemplo do teu ex-colega de debates televisivos e pensa no triste fim dos políticos de plástico. O povo já não vai em truques de imagem, sobretudo sem dinheiro no bolso. Sei que te estou a pedir o impossível, mas como és um rapaz esforçado e não te tenho por parvo, permite-me só esta pergunta, ó Sócrates: Será que julgas que duras mais que o Santana, tendo ao teu lado o inefável Vara, teu grande amigo, o bélico Lamego, o americano, o sempre leal Pina Moura e outros que tais, além dos barões e baronetes das distritais e dos autarcas habituais, que enterraram na lama o falecido governo do engenheiro?”

M.C.R. disse...

Vamos por partes: 1. PSL não teve toda a imprensa contra si (basta ver o DN) mas tão só o Público e em certa medida alguns editorialistas do Expresso.
2. aliás, e quanto a imprensa, PSL é um típico produto da imprensa do coração mesmo depois de ter conseguido desfazer um império editorial de que foi efémero proprietário.
3. PSL, por si, e por interpostos comparsas, desferiu os mais violentos golpes contra a liberdade de expressão e de opinião (pulmões da imprensa...) de que há memória no Portugal post 25 A.
4. Se é verdade que o governo de Guterres registou baixas, nenhuma teve a repercussão e a gravidade da demissão de Chaves que veio, muito simplesmente, dizer que as competências dos ministros não existiam ou existindo eram mutáveis a todo o momento: Chaves pinta não um governo mas um "não-governo" ou até um desgoverno.
5. aliás a sensação de "não governo" já vinha de anteriores, e públicas, guerras entre ministros.
6. Não foi Sampaio quem derrubou PSL. Foi PSL quem fez um longo, insólito e pouco edificante harakiri: parecia um lemming a correr para o precipício, valha-nos Deus!
7. A mais vulgar atenção ao que se passa obriga a não aceitar quaisquer comparações entre PSL e Guterres: est modus in rebus, que diabo!
8. Santana não é um adolescente estouvado mas apenas e tão só um político incompetente. Provou-o na Secretaria de Estado da Cultura, na Figueira onde deixou um par de palmeiras e um buraco orçamental, em Lisboa com o buraco dos restauradores e agora.
9. Não é seguro que, para Sócrates e sus muchachos, esta fosse a ocasião por que esperavam. Isto caiu-lhes em cima!...
Cordialmente, Marcelo Correia Ribeiro

jcp (José Carlos Pereira) disse...

As situações, apesar de tudo, não são iguais. PSL tinha à partida dois problemas sérios de legitimidade política que nunca conseguiu resolver – não fora a votos, nem no país nem no partido, e não lhe era reconhecia competência técnica e política para tratar dos assuntos do Estado. De facto, olhando para a sua longa carreira pública, qual era o legado de PSL? A sedução de certos círculos culturais, conseguida com a distribuição de apoios e galanteios? A recuperação de alguns equipamentos culturais, numa lógica populista e obreirista? A liderança inconsequente do Sporting, sob a tutela de José Roquette? As suas crónicas a metro no jornal “A Bola”? Um grupo de comunicação que rapidamente se esfumou? O oásis da praia da Figueira da Foz? A construção imobiliária na Figueira, com destaque para a acção de um empreiteiro que já trabalhara com as autarquias de Valongo, Gondomar e Marco de Canaveses? O processo do túnel do Marquês, em Lisboa? A recuperação frustrada do Parque Mayer? O casino de Frank Gehry? Os seus discursos inflamados nos congressos do PSD, que culminavam em estrondosas derrotas? Durante todo estes anos, onde explanou uma ideia estruturada sobre o país, a Europa e as grandes questões do nosso tempo? Todas as trapalhadas protagonizadas pelos membros do Governo ao longo destes quatro meses só vieram agravar as desconfianças e demonstrar que a dupla PSL/PP tratava do Estado com uma ligeireza incomportável.

Sócrates está a ser tomado como o contraponto de PSL, muito por culpa dos debates que travaram na RTP. Contudo, goste-se ou não do estilo, da pose e das suas exasperantes citações, tem que se lhe dar o crédito de seis anos de actuação como membro do governo, em que não teve medo de decidir e avançar, um pouco à revelia do “ar do tempo” guterrista. Na defesa do consumidor, contrariou a PT e as seguradoras, impondo-lhes a facturação detalhada e a actualização automática dos seguros automóveis. No desporto, ajudou a trazer o Euro 2004 para Portugal. No ambiente, enfrentou vários poderes, incluindo no seu próprio partido, mas decidiu sobre a co-incineração de resíduos sólidos (que Isaltino Morais meteu na gaveta). No ordenamento do território, lançou os programas Polis em várias cidades, que tinham como propósito revitalizar algumas das principais áreas urbanas do país.

O problema maior de Sócrates será a companhia da “tralha” que há muito ocupa as bancadas socialistas do parlamento. Será que vai ser capaz de transmitir uma mensagem de frescura e de rejuvenescimento e, ao mesmo tempo, contruir uma solução coerente de governabilidade? Vamos ver. Uma coisa é certa para mim: ao contrário do que para aí se diz, nestas eleições não há vencedores antecipados.