01 dezembro 2004

Sócrates amigo, o povo não está contigo


Andava eu esta tarde entretido a medir o perímetro da terra, quando aquele jovem filósofo desempregado que me ajudou, Parménides II, assim lhe chamo, me interrompe aos gritos de alegria: “Mestre, mestre, acabou o reinado das santanetes, o paraíso do astral, vamos poder ter enfim um governo a sério em Portugal”. Estranhando-lhe a rima artificiosa, adverti-o: “Parménides II, como é isso possível, se tu próprio me explicaste ontem que os partidos, que se sucedem no poder no vosso paí não passam de agências de empregos e de negócios, entrepostos de empreiteiros de obras públicas, onde reina a mediocridade e o oportunismo. Estavas decerto a exagerar…”. E o Parménides II embatucado: “De qualquer modo, mestre, surge agora uma nova oportunidade, está tudo em aberto, talvez o Sócrates consiga fazer alguma coisa, quem sabe, o mestre conhece-o bem…”. E eu: “Parménides II há aí alguma confusão, conheço é o outro, o da cicuta, por causa dele é que fiquei com este rótulo ridículo de pré-socrático. Quanto ao outro…”. Vendo-me mais cordato, o Parménides II avançou com uma proposta irresponsável: “Como o mestre tem um nome respeitado, podia escrever-lhe, chamá-lo à razão, preveni-lo contra os perigos, as ciladas, as más companhias…”. Confesso que esta última calou fundo e também já agora não se perde nada e faz-se a vontade ao Parménides II, que é ingénuo, mas bom rapaz. Aí vai:
Sócrates amigo, o povo não está contigo, o povo está é contra estes tipos, o que é diferente. Por isso não facilites e pensa bem. Medita no exemplo do teu ex-colega de debates televisivos e pensa no triste fim dos políticos de plástico. O povo já não vai em truques de imagem, sobretudo sem dinheiro no bolso. Sei que te estou a pedir o impossível, mas como és um rapaz esforçado e não te tenho por parvo, permite-me só esta pergunta, ó Sócrates: Será que julgas que duras mais que o Santana, tendo ao teu lado o inefável Vara, teu grande amigo, o bélico Lamego, o americano, o sempre leal Pina Moura e outros que tais, além dos barões e baronetes das distritais e dos autarcas habituais, que enterraram na lama o falecido governo do engenheiro?

1 comentário:

Primo de Amarante disse...

Anaximandro: Eu sei que um compadre não é coisa que se prese. O compadrio é uma criação de tempos posteriores: está ligada à manifestação tardia do cristianismo. De qualquer forma, sempre era simpático saber que tinha recebido a carta deste pindérico compadre. Mas, paciência... continuo a ouvir com agrado as suas sábias incursões.