Primeiro avariou o despertador
depois o relógio de bolso que um maquinista
ofereceu ao meu irmão. Então medíamos o tempo
pelos raios de sol que se infiltravam pela cozinha.
Se resplandeciam na margem do guarda-louça
eram nove da manhã,
se atingiam os copos passava já do meio-dia.
Mais tarde uma mancha clara
batia contra os pregos
envolvendo as duas camas
até desaparecer às seis da tarde dentro da teia de aranha
que do tecto caía. Se chovia
eram os ouvidos que roubavam as horas
pelos rumores da estrada.
Bastava ouvir Bina a passar atrás da cabra
e eram já sete da manhã em ponto, regressando ao meio-dia.
Os três sapateiros comem pela calada do sol
e arrastam as cadeiras para fora da praça,
enquanto as cigarras abandonam o canto com medo
da escuridão. Filomena
às duas da manhã começa a joeirar.
Mas um domingo confundimos as seis da tarde
e as seis da manhã e percebemos
que também os ouvidos e todos os parafusos da cabeça
estavam avariados.
TONINO GUERRA
(in "O Mel", edição biblingue romagnolo/português, trad. de Mário Rui de Oliveira, ed. Assírio e Alvim).
PS: O Canto Vinte e Quatro deste livro conhecem-no já os cinéfilos de CASABLANCA, de Fellini. Mas não é este o local próprio para o transcrever!
02 janeiro 2005
CANTO TRIGÉSIMO QUARTO
Marcadores: Rui do Carmo
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