No recém publicado ANTES DO DEGELO, em que, tendo por referenciais Dostoievsky, o seu “Crime e Castigo” e o personagem central Raskolnikov, reflecte sobre a culpa, a pulsão para o crime e o arrependimento, no ambiente de mutação das estruturas tradicionais da sociedade portuense na segunda metade do século XX, Agustina Bessa-Luís escreve a dado passo:
“Tiravam-se fotografias, faziam-se vídeos. De praia, de viagem, de cerimónia em família. Os velhos álbuns forrados de veludo alemão, que havia na casa de Charo, eram agora só envelopes que se amontoavam nas gavetas de mistura com disquetes e canetas bic sem tampa. Tudo era muito menos feito para durar, para marcar uma data. Quando havia um divórcio essas recordações tornavam-se incómodas; já quase ninguém escrevia cartas e não havia o perigo de descobrir um velho segredo e expansões doutros amores falhados. As coisas acumulavam-se mas era fácil desembaraçar-se delas” (pag. 211).
Leio e parece-me verdade.
Mas também é verdade que existe hoje, mais do que nunca, uma vertigem de captura do efémero e da sua divulgação; que Ricote, o ex-informador da Pide, é um velho antepassado das modernas formas de intrusão na vida das pessoas e das famílias; que, com a utilização dos novos meios de registo e de comunicação, os rastos são muito mais difíceis de apagar.
Talvez os “velhos álbuns forrados de veludo alemão” excluíssem mais do que o actual ilusório fácil desembaraço das coisas; talvez o tempo, ao perder a fixidez das datas, se mostre mais.
Talvez seja de novo uma questão de ORIGENS ou de RAÍZES.
05 janeiro 2005
DE NOVO: ORIGENS ou RAÍZES?
Marcadores: Rui do Carmo
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3 comentários:
Interessante reflexão.
Diria Wittgenstein (2º) que as palavras não são etiquetas, mas o seu uso depende dos contextos (jogos de linguagem)
•A expressão jogo de linguagem significa que falar uma língua é uma parte de uma actividade ou de uma forma de vida. (23)
•A linguagem é um labirinto de caminhos. Vindo de um lado, conheces o caminho; vindo de outro lado, mas para o mesmo ponto, já não conheces o caminho. (203)
«A finalidade da linguagem é exprimir pensamentos»
Wittgenstein, in: Investigações Filosóficas.
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