02 janeiro 2005

O Tsunami e a diplomacia portuguesa

O embaixador Lima Pimentel, titular da embaixada régia de Banguecoque, ali ao lado do incontornável Oriental, com direito a mansão histórica e cais particular no Chao Praya, deslocado para Lisboa em gozo de férias, não podia, num primeiro momento, “ser incomodado”.
O que se tem passado, escada abaixo, na hierarquia das Necessidades, é, no mínimo, ultrajante para os cidadãos portugueses confiados à guarda daquela gente. O Ministério dos Negócios Estrangeiros falhou em toda a linha e, pela voz do seu titular, ainda se dá ao desatino de o negar perante a evidência dos factos.
Chamado a «limitar estragos» - penso seja este o dialecto das células de crise -, António Monteiro, falho de justificações, apelou ao basismo do “indecoroso aproveitamento” da catástrofe. Tão ineficaz quanto aquela alusão a um alegado trabalho árduo que é feito longe dos holofotes. Uma ideia provavelmente pegada do actor que segue da cena ao camarim do camarim à cena. Arrogante, impante, fez esquecer aquele diplomata acreditado, entre outros, no processo de paz de Angola.
O embaixador Lima Pimentel, titular da embaixada régia de Banguecoque, ali ao lado do incontornável Oriental, com direito a mansão histórica e cais particular no Chao Praya, deslocado para Lisboa em gozo de férias, não podia, num primeiro momento, «ser incomodado». Jacinto dixit. Depois, Pimentel já estava de serviço, interrompendo as férias, talvez para as retomar quando a borrasca amainasse. Eventualmente.
Mais hilariante, o secretário de Estado das Comunidades, Carlos Gonçalves, estava também de férias, na sua residência de origem: Paris. Conta-nos Gonçalves que seguiu a coisa com muita intensidade.I sto é, ninguém se mexeu, pior, ainda deram a entender que tal não era necessário. Atrapalhariam?
No terreno, os nossos compatriotas, com a parceria logística prontamente desencadeada pelo consulado-geral de Portugal e pelo governo da RAEM, contaram essencialmente com eles próprios. Quem poderia levar a mal, por exemplo, que Armando Coutinho, em estado presumível de colapso físico, mas com Alma até Almeida, como se diz, deixasse de lado a urbanidade e acrescentasse um ou dois adjectivos de saudável vernáculo aos seus poupados «indignação» e «revolta»?
Senão vejamos. A embaixada de Portugal em Banguecoque mantêm um leitor com estatuto diplomático equiparado, que, obviamente, ministra aulas de português a umas dezenas de nacionais tailandeses. Nem Lima Pimentel, que estava ausente, nem o Encarregado de Negócios, tiveram o discernimento para, primeiro, o colocar a bordo do primeiro avião com pessoal diplomático, disponibilizado pelo reino, rumo a Pukhet, depois, para solicitar colaboração aos alunos que, é verdade, poderiam funcionar como tradutores privilegiados da missão de socorro portuguesa. E estavam disponíveis. Mais chocante é saber que o apoio, diz-se técnico, ao grupo informal de Armando Coutinho, Alfredo Vaz, e tantos outros, é fornecido non stop pelo embaixador da Espanha. É, ele apanhou o tal primeiro avião para o local da tragédia.
Têm falta de meios? Também de ideias. A embaixada da Suécia em Banguecoque digitalizou as fotografias dos seus desaparecidos que passam nos canais de televisão tailandeses. Se aos nossos diplomatas não lhes dá jeito estar fora do rectângulo na quadra natalícia, mudem de vida. Não se aborreçam. Isto é demasiado mau. Tem tiques canalhas, lassidão torpe, embrutecimento institucionalizado. Tem o cheiro da peste de Artaud. Está a pedir uma intervenção humanitária.
Opinião de Severo Portela
Jornal Ponto Final (Macau)

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